Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1729/12.6SILSB.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I. A voluntariedade na aceitação das injunções é irrelevante para a se aferir da natureza das mesmas, como resulta das várias penas de substituição que exigem a anuência do arguido (regime de permanência em habitação; regime de semidetenção; trabalho a favor da comunidade; substituição da multa por trabalho), as quais ninguém duvida ou põe em causa, a sua natureza penal.

II. A obrigatoriedade de concordância do Juiz de Instrução na suspensão provisória do processo, confere às injunções uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas, devendo ser descontadas nas penas principal e acessória em que o mesmo venha a ser condenado em julgamento.

III. O legislador no artigo 69º, nº 6 do Código Penal, no que respeita à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não incluiu como não contando para efeitos de proibição, o tempo já cumprido em sede de suspensão provisória de processo.

IV. O não desconto nas penas em que o arguido venha a ser condenado, das injunções já cumpridas durante a suspensão provisória do processo, viola o princípio non bis in idem, consagrado no artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.I. A voluntariedade na aceitação das injunções é irrelevante para a se aferir da natureza das mesmas, como resulta das várias penas de substituição que exigem a anuência do arguido (regime de permanência em habitação; regime de semidetenção; trabalho a favor da comunidade; substituição da multa por trabalho), as quais ninguém duvida ou põe em causa, a sua natureza penal.

II. A obrigatoriedade de concordância do Juiz de Instrução na suspensão provisória do processo, confere às injunções uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas, devendo ser descontadas nas penas principal e acessória em que o mesmo venha a ser condenado em julgamento.

III. O legislador no artigo 69º, nº 6 do Código Penal, no que respeita à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não incluiu como não contando para efeitos de proibição, o tempo já cumprido em sede de suspensão provisória de processo.

IV. O não desconto nas penas em que o arguido venha a ser condenado, das injunções já cumpridas durante a suspensão provisória do processo, viola o princípio non bis in idem, consagrado no artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I           Relatório

No Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Local de Lisboa, Secção Pequena Criminalidade – J4, por sentença de 17/11/2015, constante da acta de fls. 103 a 107, foi o arguido,


RS..., (…),

Condenado,

- em autoria material, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, alínea a), do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros) o que perfaz a importância global de €420,00 (quatrocentos e vinte euros), a qual corresponde, em caso de não pagamento voluntário, será convertida em 40 (quarenta) dias de prisão subsidiária (artº 49º,nº 1 do Código Penal)   e ainda nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses,  devendo o arguido entregar, no prazo máximo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, neste Tribunal ou em qualquer posto policial, a sua carta de condução, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência e ser determinada a apreensão da mesma, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 3, do Código Penal e artigo 500º do Código de Processo Penal.

 

***

Não se conformando, o arguido interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 128 a 134, com as seguintes conclusões: (transcrição)

1 ) A decisão proferida enferma de deficiência no que concerne à matéria de facto.

2 ) Na verdade, para além dos factos julgados provados constantes na decisão em crise, importava que a mesma desse como provados factos que se encontram documentados nos autos e que, no entender do recorrente, são influentes na decisão quanto ao grau de ilicitude e, especialmente, quanto ao cumprimento da pena acessória fixada.

3 ) Devendo serem julgados provados os seguintes factos :

- por despacho proferido pelo JIC em 14/9/2012, foi determinada a suspensão provisória do processo por 6 meses mediante a injunção de prestação de trabalho socialmente útil por 60 horas e de abstenção de condução de veículos com motor durante um  período de 3 meses.

E que, notificado de tal decisão,

- em cumprimento da mesma, o arguido entregou a sua carta de condução na secretaria judicial em 29/10/2015 – fls 26 - , tendo-lhe sido a mesma devolvida em 31/1/2013 – conforme documento de fls 28-.

-  o arguido prestou 5 horas de trabalho socialmente útil – conforme documento de fls 33.

4 ) Sendo os referidos factos essenciais para o apuramento da culpa do arguido, mas também, para a fixação da escolha e da medida da pena e para a determinação da execução da mesma, omitindo no elenco dos factos provados aqueles factos a sentença em crise violou os termos do artº 389º- A nº 1 al a) e 369º nº 1 e 375º nº 1 CPP pelo que deve ser revogada e substituída por outra que contemple na decisão sobre a matéria de facto os supra elencados 3 factos.

5 ) Alterado que seja o elenco dos factos provados como se pretende, igualmente a sentença quanto á aplicação do Direito incorre em erro de julgamento.

6 ) Na verdade, pese embora o grau de alcoolémia relativamente elevado constatado ao arguido, em seu favor militam a antiguidade dos factos, a inexistência de consequências imediatas da sua conduta, a sua inegável integração social, a circunstância de se ter tratado de um episódio isolado da sua vida, a antiguidade da sua autorização legal de condução, a ausência de antecedentes criminais, devendo  igualmente pesar na determinação da medida da pena a referida conduta processual do arguido que revelou, a interiorização do gravidade e ilicitude da sua conduta, o arrependimento e a vontade de cumprimento da devida pena.

7 ) Assim, somos de concluir que a medida da pena de multa aplicada pelo tribunal a quo– metade do limite máximo – é exagerada, não tendo na sua dosimetria ser atendida a circunstância atenuante da conduta processual do arguido, violando assim o disposto no artº 71º n1 e nº 2 al c) CP, e nem se justificando face às exigências das finalidades de prevenção especial da pena no caso: Salvaguardar a comunidade do delinquente; intimidar o autor com a pena e evitar a sua reincidência.

8 ) Devendo assim a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que fixe a medida da pena de multa mais próxima dos limites mínimos da previsão legal

9) Igualmente a sentença erra quando não considera na determinação da execução da sanção de proibição de condução aplicada, o cumprimento antecipado da mesma pelo cumprimento da injunção de inibição de condução ocorrida em sede de suspensão provisória do processo, pois que , aquele tempo deverá ser descontado na pena acessória que o tribunal entendeu aplicar.

10 ) Tendo o arguido cumprido 3 meses de proibição de condução de veículos com motor, tendo para o efeito entregue a sua carta de condução durante tal período na secretaria do Tribunal, em cumprimento da injunção que lhe foi imposta para efeitos de suspensão provisória do processo, e revogada que foi a mesma e realizado que foi o julgamento, deverá a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 meses que lhe foi sentenciada, ser julgada extinta por cumprimento dada a coincidência do período de proibição entre ambas.

11 ) Na verdade considerando o teor da actual redacção do artº 281º nº 3 do CPP, que impõe a injunção de proibição de condução de veículos com motor como condição inultrapassável para a suspensão provisória do processo instaurado por crimes cuja previsão legal da pena preveja a pena acessória de tal conteúdo; apesar da sua diferente natureza conceitual, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes, pelo que a ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta mesmo que não se considere, rigorosamente, que estarmos perante uma violação do princípio ne bis in idem , ao menos sob o ponto de vista formal, mas certamente violando-o sob o ponto de vista material e substantivo.

12 ) A sentença em crise, ao assim não considerar, viola o referido principio constitucionalmente consagrado, e bem assim o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 282° do C.P.P, conquanto tal prestação negativa – inibição de condução – não é conceptualmente repetível, não sendo o ali previsto obstáculo á sua consideração ao nível do cumprimento da pena de conteúdo semelhante.

13 ) Viola ainda o disposto no artº 80º do CP, aplicável por analogia não impedida pelo teor do disposto no art.º 1.º, n.º 3, do Cód. Penal, quanto à não consideração do desconto daquele tempo de proibição cumprido como injunção.

14 ) Deve assim ser a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que conclua pela extinção da pena acessória aplicada pelo seu cumprimento , ainda que ocorrido em sede de suspensão provisória do processo.

15 ) Por identidade de razão, deve proceder-se ao desconto na pena de multa, e tendo em conta o critério estabelecido nos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade também prestadas no âmbito da suspensão provisória do processo,
pelo que à pena de multa que venha a ser fixada ao arguido, dever-se-á proceder ao desconto das 5 horas de trabalho útil que cumpriu, seja, proceder ao desconto de 5 dias de multa

Assim decidindo, farão V.Exas.

JUSTIÇA. (fim transcrição)

***

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes de fls. 138 a 142, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)

1) A factualidade concernente ao cumprimento das injunções documentada nos próprios autos, por inteiro no concernente à injunção de 3 meses de abstenção de conduzir e parcialmente quanto às 5 horas prestadas no que respeita estipulada injunção de (60 horas de) prestação de trabalho, foi expressamente admitida e considerada na sentença (vd passagem 36:20 a 40:00 da gravação, na sessão de 17-11-2015).

2) Não ocorreu pois insuficiência probatória ou omissão de pronúncia a esse respeito, porquanto matéria não atinente à dimensão da culpa ou da expressão da ilicitude da conduta, versando comportamento posterior com interesse para a discussão do eventual desconto por ocasião da execução das penas determinadas.

3) A injunção de abstenção de conduzir, cumprida no âmbito de suspensão provisoria do processo, não encerra a natureza de pena (acessória). A condenação em pena acessória de proibição de conduzir aplicada no mesmo processo onde foi cumprida pelo arguido injunção de abstenção de conduzir por idêntico período, não acarreta a violação do “non bis in idem”. Outro tanto, congruentemente, quanto à injunção de prestação de trabalho.

4) Nem merecem ser descontadas semelhantes injunções cumpridas no âmbito da suspensão provisória do processo, porquanto tal consagradas na lei e designadamente no art.º 282º do CPP, e o que poderia ser feito à imagem do preceituado no art.º 80º do Código Penal, tratando-se assim de legítima opção de política criminal que o legislador todavia não resolveu tomar.

V. Exas, todavia, melhor apreciando, farão certamente JUSTIÇA! (fim de transcrição)

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de 147 aderindo à resposta do Ministério Público em 1ª Instância manifestando-se pela improcedência.

 

Não foi cumprido, por desnecessidade o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.

***

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II          Fundamentação

            1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.[2]

Da leitura dessas conclusões o recorrente coloca a este Tribunal as seguintes questões:

Erro de julgamento por não terem sido dados como provados os seguintes factos:

- por despacho proferido pelo JIC em 14/9/2012, foi determinada a suspensão provisória do processo por 6 meses mediante a injunção de prestação de trabalho socialmente útil por 60 horas e de abstenção de condução de veículos com motor durante um  período de 3 meses.

- em cumprimento da mesma, o arguido entregou a sua carta de condução na secretaria judicial em 29/10/2015 – fls 26 - , tendo-lhe sido a mesma devolvida em 31/1/2013 – conforme documento de fls 28-.

- o arguido prestou 5 horas de trabalho socialmente útil – conforme documento de fls 33.

A pena aplicada ao arguido é exagerada, devendo ser reduzida e fixada próxima dos limites mínimos da previsão legal;

Na pena acessória de inibição de conduzir devem ser descontados os três (3) meses de injunção de inibição de condução já cumpridos pelo arguido, durante o período de suspensão provisória do processo, devendo a mesma ser julgada extinta pelo cumprimento;

Deve proceder-se ao desconto na pena de multa em que o arguido foi condenado, das cinco (5) horas de trabalho a favor da comunidade, já prestadas no âmbito da suspensão provisória do processo, devendo ser descontados cinco (5) dias à multa em que foi condenado.

Para uma correcta análise das questões e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados.

2. Da audição de gravação de audiência, ainda que deficiente e com imenso ruído, é possível extrair que o Tribunal a quo considerou provados, os seguintes factos:

1. No dia 09.09.2012, pelas 07h20, na Rua Cintura do Porto de Lisboa, em Lisboa, o arguido conduzia o veículo automóvel, com a matrícula xx-xx-xx;

2. O arguido foi então efectuado o teste de alcoolemia por ar expirado, através do aparelho Drager AJcotest 7110 MKIII P, ARTL-0070, aprovado pelo IPQ e autorizado pela DGV, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 2,13, a que corresponde, após redução legal, a pelo menos 1,95 9/1 (fls. 56);

3. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitida a condução de veículos automóveis na via pública com uma taxa de álcool no sangue como a que lhe foi detectada;

4. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;

5. O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas;

6. Vive com os seus pais e uma filha menor de 10 anos que se encontra a seu cargo;

7. É delegado comercial auferindo um rendimento de 1200€ (?) pagando 250€ aos seus pais para ajudar nas despesas e cerca de 400€ (?) para a escola de filha menor;

8. Nada consta do seu certificado de registo criminal junto a fls. 92.

3. Vejamos se assiste razão ao recorrente, iniciando a apreciação pelo erro de julgamento.

            3.1 O recorrente para impugnar a matéria de facto em sede de erro de julgamento, tem de especificar os concretos pontos de facto que considera deficientemente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412, nºs 1 e 3, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal e, em função da gravação da audiência, as especificações no caso da als. b) e c) do preceito, fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº4 do mesmo preceito.

O recorrente na sua alegação cumpre esse ónus de impugnação especificada que impende sobre o mesmo e resulta do artigo 412º, nº 3 e 4º do Código Processo Penal, ao invocar expressamente as folhas do processo em que constam os elementos que fundamentam o alegado erro, impondo-se, por isso, analisar a questão suscitada.

Dos elementos constantes dos autos e como a Meritíssima Juiz considera na sentença ditada para a acta - (minutos 37.00 refere a suspensão provisória do processo e o que ela implica); (ao minuto 38.12 dita que resulta dos autos que o arguido cumpriu a injunção no que respeita à abstenção de condução); (ao minuto 38.40 e 40.48 refere que não cumpriu as 60 horas de trabalho socialmente útil e notificado para justificar tal incumprimento (fls. 36 dos autos) o arguido nada disse) - que o arguido cumpriu a injunção de abstenção de condução mas não cumpriu as 60 horas de trabalho socialmente útil, tendo sido, por isso, decorridos mais de 2 anos e 6 meses que a suspensão provisória do processo foi revogada.

Verifica-se assim que, apesar de o Tribunal a quo se ter pronunciado sobre essa factualidade, não considerou a mesma em sede de factos provados, sendo certo que os mesmos resultam provados dos elementos constantes do processo, nomeadamente pelo teor dos próprios despachos exarados, no que respeita à revogação da suspensão provisória do processo e a mesma é relevante para efeitos da decisão de direito.

Deve assim a matéria de facto ser modificada e adicionados os factos referidos pelo recorrente, nos seguintes termos:
9. Por despacho proferido pelo JIC em 14/9/2012, foi determinada a suspensão provisória do processo por 6 meses mediante a injunção de prestação de trabalho socialmente útil por 60 horas e de abstenção de condução de veículos com motor durante um período de 3 meses;


10. Em cumprimento da mesma, o arguido entregou a sua carta de condução na secretaria judicial em 29/10/2012 – fls 26 - , tendo-lhe sido a mesma devolvida em 31/1/2013 – conforme documento de fls 28;


11. O arguido prestou 5 horas de trabalho socialmente útil – conforme documento de 33.

3.2 Vejamos agora a medida da pena e o se alegado excesso.

 

Como temos vindo a referir nos vários acórdãos em que somos relator, no que respeita à medida da pena, o legislador estatui como parâmetros de determinação da pena que a mesma deve ser fixada - “(…) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” visando a aplicação das penas “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» e levando ainda em conta “(…) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)” considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (artigos 71º, nº1 e nº2 e 40º, nº1 e nº2, ambos do Código Penal.

A densificação jurisprudencial destes critérios tem sido feita, pelos tribunais superiores, de modo a considera e ponderar o equilíbrio entre “exigências de prevenção geral”, a “tutela dos respectivos bens jurídicos” e a “socialização do agente”. Da multiplicidade de decisões do nosso Supremo Tribunal permito-me apenas, e por sintetizar na perfeição a ponderação dos referidos equilíbrios, citar o sumário do acórdão de 31-01-2012, Proc. Nº 8/11.0PBRGR.L1.S1 “Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o Ac. STJ de 22-09-2004, Proc. n.º 1636/04 - 3.ª: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todo exigível”.[3]

Como refere a Prof.ª Anabela Rodrigues "A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica".[4]

O recorrente entende, sem qualquer justificação cabal, já que apenas refere ao nível das circunstâncias atenuantes a “antiguidade dos factos”, a “inexistência de consequências imediatas da sua conduta”, inserção social e a “antiguidade da sua autorização legal de condução”, o que o levam a concluir pelo excesso da pena aplicada a qual deve ser reduzida.

Com o devido respeito não descortinamos o excesso. O Tribunal a quo optou, e bem, por uma pena de multa em cumprimento do artigo 70º do Código Penal e fixou a mesma em 60 dias com uma taxa diária de €7,00, fixando a pena acessória em 3 meses nos termos do artigo 69º, nº 1 al. a) do Código Penal e do acórdão de fixação de Jurisprudência nº 5/99 do Supremo Tribunal de Justiça.[5]

É verdade que o arguido é primário e confessou os factos e está bem inserido socialmente. Contudo, não podemos esquecer que a taxa de alcoolémia é 0,75 superior ao limite estabelecido para ser considerada crime. Acresce que as penas aplicadas ao arguido situam-se muito abaixo da média abstractamente estabelecida para o ilícito, o que é demonstrativo da ponderação que o Tribunal a quo fez da situação pessoal do mesmo e das atenuantes invocadas no recurso. 

Se associarmos a esta realidade as fortes exigências de prevenção geral, dada a frequência de verificação do ilícito e o elevado número de acidentes de viação decorrentes de condução sob o efeito de álcool, não poderemos deixar de concluir pela proporcionalidade das penas aplicadas.

Assim, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida no que respeita às penas aplicadas, a qual se deve manter nos seus exactos termos, improcedendo nesta parte o recurso.

3.3 Vejamos agora o desconto na pena acessória dos três (3) meses de injunção de inibição de condução já cumpridos pelo arguido durante a suspensão provisória do processo e dos cinco (5) dias de multa correspondentes às cinco (5) horas de trabalho a favor da comunidade, também já prestadas durante o período de suspensão provisória do processo.

Esta questão tem vindo a suscitar as mais diversas posições jurisprudenciais ao nível dos Tribunais de Relação, como reconhece o Ministério Público nas suas alegações de resposta ao recurso.

Na verdade, como se refere no acórdão deste Tribunal de Relação, proferido nesta mesma secção, em 17/12/2014, para uns o desconto não deve ser feito, “(…) nesse sentido, os Acórdãos desta Relação de 6/3/2012 e de 6/6/2013, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Proc. 282/09.2SILSB.L1-5 e 105/10.0SCLSB.L1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, este último igualmente relatado pela ora relatora.

Em sentido contrário, isto é, que deve ser feito o desconto, se pronunciaram os Acórdãos da RE de 11/7/2013, da RG de 6/1/2014 e de 22/9/2014 e da RP de 19/11/2014, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Proc. 108/11.7PTSTB.E1, 99/12.7GAVNC.G1, 7/13.8PTBRG.G1 e 24/13.8GTBGC.P1, todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.

Ora, conforme tivemos oportunidade de referir no nosso Acórdão proferido em 6/6/2013, no âmbito do Proc. 105/10.0SCLSB.L1, supra indicado, a injunção que foi fixada, aquando da suspensão provisória do processo, tem uma natureza completamente diferente da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor a que alude o art. 69.º do CP.

A injunção a que a arguida/recorrente se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória.

A este propósito diz-se no “Código de Processo Penal Comentado” pelos Senhores Juízes Conselheiros António Henriques Gaspar, José António Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, Almedina, 2014, “A suspensão provisória constitui uma forma alternativa de processamento do inquérito, na sua fase final, sendo, por isso, um caso de “diversão”. Constatada a existência de indícios suficientes do crime e da identidade do seu autor, o inquérito não desemboca numa acusação com vista ao julgamento do arguido, antes fica suspenso, pelo prazo previsto no art. 282.º, ficando o arguido sujeito a “injunções e regras de conduta” decretadas pelo Ministério Público.

Estas medidas não constituem obviamente sanções penais, caso contrário seria absolutamente inconstitucional a sua imposição pelo Ministério Público (art. 202.º, n.º 1, da Constituição). Trata-se antes de medidas que impõem deveres (positivos ou negativos) ao arguido, como condição da suspensão, sendo a sua aceitação por parte deste necessária para a suspensão.”

Quando a arguida/recorrente fez a entrega da carta fê-lo de forma voluntária, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou, tendo como finalidade a suspensão provisória do processo, nos termos do disposto no art. 281.º do CPP.

E, de acordo com o preceituado no n.º 4 do art. 282.º do CPP, em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta as prestações feitas não podem ser repetidas, como acontece nos termos do art. 56.º, n.º 2, do CP.
Neste sentido veja-se,
na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, 2008, em anotação ao art. 282.º.
Por outro lado, não procede, com todo o devido respeito, o argumento utilizado pelos defensores de que se deve proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no art. 69.º do CP, por se mostrar obrigatória a imposição, como injunção, da proibição de condução de veículos automóveis, sempre que o procedimento se refira a crimes para os quais se encontra legalmente prevista essa medida como pena acessória, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 281.º do CPP.

A alteração introduzida no n.º 3, do art. 281.º, do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21/2, não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos, pressuposto sempre necessário para que haja lugar à suspensão provisória do processo.
Ou seja, pese embora o legislador tenha imposto a aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos com motor, quando está em causa crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal não significa que não seja necessária a aceitação, de forma voluntária, de uma tal injunção, sob pena de não ser viável a suspensão provisória do processo.

Também não procede, sempre com o devido respeito, o argumento de que o período da inibição fixado na injunção deve ser descontado na pena acessória porque no caso da prisão preventiva também esta é sempre descontada na pena de prisão em que vier a ser condenado o arguido.

O desconto da prisão preventiva é efectuado porque está expressamente previsto na lei penal – art. 80.º do CP.

Se fosse intenção do legislador que se procedesse, no caso de prosseguimento do processo para julgamento, ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, do período de inibição de conduzir fixado na injunção, bastar-lhe-ia ter dito isso mesmo. O que não fez.

Finalmente o caso chamado à colação pelo Digno Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer – o da execução de uma sentença que impusesse ao arguido reparar os danos patrimoniais sofridos pelo lesado quando estes mesmos danos já haviam sido reparados por aquele por força do cumprimento da injunção prevista na al. a), do n.º 2, do art. 281.º – não pode, salvo o devido respeito, que é muito, ser equiparado ao caso sub judice.
Numa tal situação, em que os danos do lesado já tivessem sido reparados por força do cumprimento de uma injunção, nunca poderia haver lugar a uma condenação em indemnização pelos mesmos danos, na medida em que sempre se teria de dar como provada a reparação já efectuada, sob pena de se verificar uma situação de enriquecimento ilícito.
Pelo exposto, somos de entendimento que, no actual quadro legislativo, não é possível proceder ao desconto, do período de inibição de conduzir imposto no âmbito da suspensão provisória do processo, na pena acessória fixada por força do disposto no art. 69.º do CP.»
[6] (fim de citação).

 Como se pode ver da longa transcrição efectuada, existem bons argumentos em favor da tese do não desconto.

Porém, em nossa modesta opinião, tais argumentos são rebatíveis e não nos parece que sejam definitivos, quer no que respeita à natureza da injunção, quer na irrelevância da alteração introduzida no artigo 281º, nº 3 do Código de Processo Penal, pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro, que determinou a obrigatoriedade da imposição da injunção de abstenção de conduzir.

No que respeita ao primeiro argumento da natureza não penal das injunções é apenas uma meia verdade. Na realidade, a suspensão provisória do processo e a aplicação das injunções e regras de condutada implica a “concordância do juiz de instrução” (artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Penal), o que confere às mesmas uma natureza jurisdicional.

Não podemos esquecer que o projecto original do Código de Processo Penal de 1987, não previa a intervenção do juiz de instrução na suspensão provisória do processo, sendo tal competência exclusiva do Ministério Público. No acórdão de fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional nº 7/87, de 9 de Janeiro de 1987, considerou tal solução inconstitucional ao considerar que, “(…) Já se não aceita, porém, a atribuição ao Ministério Público da competência para a suspensão do processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem a intervenção de um juiz, natural­mente o juiz de instrução, e dai a inconstitucionalidade, nessa medida, dos nºs1 e 2 do artigo 281°, por violação dos artigos 206°. e 32°., nº4, da Constituição.[7] A intervenção do juiz de instrução e a sua concordância vieram, em obediência a tal acórdão, a ser consagradas no Código de Processo Penal aprovado e, nessa medida, não podem deixar de ter consequências na natureza das injunções. Na verdade, não faz sentido considerar que as injunções mantêm a mesma natureza com ou sem a intervenção do juiz de instrução, quando a solução sem a sua intervenção era inconstitucional.

Em nossa opinião a intervenção do juiz de instrução, com a sua concordância na suspensão provisória do processo, confere às injunções uma natureza que as aproxima das sanções penais e como tal devem ser consideradas.[8]

A voluntariedade na aceitação das injunções é, em nossa modesta opinião, irrelevante para a se aferir da natureza das mesmas. Basta atentar nas várias penas de substituição que exigem a anuência do arguido (regime de permanência em habitação; regime de semidetenção; trabalho a favor da comunidade; substituição da multa por trabalho), as quais ninguém duvida ou põe em causa a sua natureza penal. Não é pois a voluntariedade que determina a natureza da sanção mas, antes, o facto de na mesma intervir ou não um juiz.

Esta mesma ideia é reforçada quando o legislador veio exigir a obrigatoriedade da injunção de proibição de conduzir veículos com motor no nº 3 do artigo 281º, do Código de Processo Penal. Aqui a voluntariedade já não existe, existindo, pelo contrário, uma espécie de contrato de adesão com o qual o arguido concorda ou não concorda e, nem por isso, a ideia subjacente ao mecanismo de suspensão provisória do processo, que é a voluntariedade, fica abalada. Podemos pois concluir que a voluntariedade é relevante nos termos previstos no instituto, mas já não para aferir da natureza da injunção.

O grande argumento que se pode invocar para o não desconto é, na verdade, o artigo 282º, nº 4 do Código de Processo Penal, quando estabelece que em caso de incumprimento e de o processo prosseguir, “as prestações feitas não podem ser repetidas”, tal como acontece no artigo 56º, nº 2 do Código Penal, em relação à revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Mas o que entender com tal expressão? Todas as prestações feitas? Só algumas?

Vejamos alguns exemplos para poder responder a tal questão.

Desde logo se estivermos em presença do pagamento de uma indemnização como pressuposto da suspensão, é indiscutível que a mesma se teria de considerar definitivamente paga, sob pena de estarmos em presença de um enriquecimento ilícito e sem justa causa. De igual modo, se estivermos em presença de uma acção desculpadora perante o lesado ou terceiro, a mesma também teria que se considerar como definitivamente cumprida, já que se esgota no acto de execução.

Mas se, por exemplo, estivermos mediante o pagamento em prestações de uma indemnização, as prestações pagas não são abatidas numa futura condenação? A resposta só pode ser afirmativa, pois caso contrário também aqui estaríamos perante um enriquecimento ilícito e sem justa causa.

E se estivermos perante a obrigação de não residir em determinado lugar durante um certo tempo e só cumprir uma parte do tempo previsto, o tempo em que não residiu não é descontado em futura obrigação.

Como doutamente se refere no acórdão do Tribunal da relação do Porto de 19/11/2014, a “(…) expressão prestações não se refere à proibição de conduzir veículos com motor, ainda que «prestação» numa acepção civilista seja a “actividade ou acção, positiva ou negativa com vista à satisfação do interesse do credor, prestação de facto positivo ou negativo”[9], pois o conceito de não repetição das prestações, só pode ser entendido como referindo-se às prestação que pela sua natureza possam ser repetidas, o que não acontece com o cumprimento da proibição de conduzir, como bem faz notar o referido acórdão da Relação de Évora.[10] Trata-se pois de um conceito que se aproxima da «repetição do indevido» utilizado em sede do instituto do enriquecimento sem causa, e como tal com um nítido cariz de natureza patrimonial, entendido como “o direito de reaver aquilo que foi satisfeito”[11] e como se escreve naquele acórdão da relação de Évora, com “o mesmo sentido e alcance da impossibilidade de “restituição de prestações” efectuadas, em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, constante do nº2 do artº 56º do Cód. Penal.”, ou seja as prestações previstas nas alíneas a) e b) do nº1 do artº 51º do CP.[12]

Nestas situações, meramente exemplificativas, como se pode ver as soluções são uniformes por força dos princípios que regem determinadas realidades jurídicas, seja ao nível civil seja penal.

O mesmo acontece, quando estão em causa injunções inerentes ao poder punitivo do Estado, cumpridas parcialmente pelo arguido. Nestas, o princípio que está em causa é a proibição de non bis in idem.

Defendendo nós que as injunções, por força da intervenção do juiz na sua aplicação, com a sua concordância obrigatória, revestem natureza que as aproxima das sanções penais, não podem às mesmas deixar de se aplicar as regras previstas para essas mesmas sanções penais.

Se é verdade que o desconto da prisão preventiva está previsto na lei (artigo 80º do Código Penal), o que não acontece com o desconto das injunções parcialmente cumpridas, também é verdade que o legislador no artigo 69º, nº 6 do Código Penal, não incluiu como não contando para efeitos de proibição, o tempo já cumprido em sede de suspensão provisória de processo.

Se atentarmos no inciso o mesmo é bastante completo e rigoroso, já que o campo de aplicação é bastante preciso “medida de coacção processual, pena ou medida de segurança”. Este rigor só nos pode levar a concluir que se trata de uma intenção do legislador e não de uma mera omissão. O legislador não quis, expressa e intencionalmente, incluir as injunções parcialmente cumpridas, como não contando, para efeitos da contagem do prazo de proibição de sanção acessória.

Mas, voltemos à proibição de non bis in idem e às suas consequências.

O artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa consagra o mesmo ao nível do julgamento, nos seguintes termos “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

Em anotação a este artigo os Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, consideram que a Constituição, “(…) proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».[13]

Como se pode ver deste entendimento, a protecção constitucional abrange o duplo julgamento, mas também a “aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime» ”, que seria exactamente o que aconteceria com o não desconto das injunções já compridas pelo arguido, seja ao nível da proibição de condução, seja ao nível dos dias de trabalho correspondentes a dias de multa.

Na verdade, revestindo as injunções natureza próxima das sanções penais, por força da intervenção do juiz de instrução, não poderemos deixar de considerar como uma renovada sanção jurídico-penal, o não desconto das injunções já cumpridas sob pena de uma clara violação do princípio non bis in idem ínsito no texto constitucional.

Em resumo, entendemos que devem ser descontados nas penas aplicadas ao arguido as injunções já anteriormente cumpridas em sede de suspensão provisória do processo, procedendo, nessa medida, parcialmente o recurso.

III         Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, nessa conformidade, decidem:


a) Proceder à alteração da matéria de facto, ao nível dos factos provados na decisão recorrida, à qual serão adicionados os seguintes factos:

9. Por despacho proferido pelo JIC em 14/9/2012, foi determinada a suspensão provisória do processo por 6 meses mediante a injunção de prestação de trabalho socialmente útil por 60 horas e de abstenção de condução de veículos com motor durante um período de 3 meses;


10. Em cumprimento da mesma, o arguido entregou a sua carta de condução na secretaria judicial em 29/10/2012 – fls 26 - , tendo-lhe sido a mesma devolvida em 31/1/2013 – conforme documento de fls 28;


11. O arguido prestou 5 horas de trabalho socialmente útil – conforme documento de 33.


b) Determinar o desconto na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em que o arguido foi condenado, os três (3) meses de injunção de inibição de condução já cumpridos pelo arguido durante a suspensão provisória do processo e considerar a mesma extinta pelo cumprimento e ainda o desconto na pena de multa em que o arguido foi condenado de cinco (5) dias de multa, correspondentes às cinco (5) horas de trabalho a favor da comunidade, já prestados no período de suspensão provisória do processo.

c) No mais, confirmar a decisão recorrida.

Sem custas, atento o provimento parcial (artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por vinte páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 12 de Maio de 2016

Antero Luís

João Abrunhosa

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[1]   Neste sentido e por todo, ac. do STJ de 20/09/2006 Proferido no Proc. Nº O6P2267.
[2]   Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995
[3] In www.dgsi.pt. No mesmo sentido Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187)

[4] In A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571.
[5]Publicado no D.R., Série l-A, de 20 de Julho de 1999, «O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.° do C.P., deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.°, n. 1, alínea a) do C.P.».
[6] Proferido no Proc. Nº 99/13.0GTCSC.L1-9, relatado pela Exma. Desembargadora Guilhermina Freitas, in www.dgsi.pt.
[7] In http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870007.html.
[8] Aparentemente em sentido parcialmente concordante, Prof. Costa Andrade, consenso e oportunidade, Jornadas de Direito Processual Penal, o Novo Código de Processo Penal, pág.353.
[9] Cfr. João de Mãos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral 2ª edição, Almedina 1973, pág.65 e Mário Júlio Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág.116.
[10] Ac. da Relação de Évora de 11/7/2013 proferido no proc. 108/11.7PTSTB.E1 (relator Sénio Alves), in www.dgsi.pt

[11] Prof. Galvão Teles, Obrigações, 3ª ed., 139, citado no referido ac. da rel. de Évora de 11/7/2013
[12] Proc. 24/13.8GTBGC.P1, (Relatora Desembargadora Lígia Figueiredo) in www.dgsi.pt.
 
[13] In Constituição da República Portuguesa anotada Vol. I, pág, 497.