Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1448/2005-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: AUDIÊNCIA PRELIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1- No nº 1 do art. 508 CPC, prevê-se situações diversas, remetendo-se para os números seguintes. A previsão do nº 2 e 3 (art. 508) é diversa e daí, falar-se em «despacho de aperfeiçoamento vinculado» e «despacho de aperfeiçoamento não vinculado» consoante se esteja perante a previsão do nº 2 ou do nº 3.
2- Das expressões legais utilizadas, «o juiz providenciará – art. 265 nº 2» e «findos os articulados o juiz profere ... art. 508), resulta que estamos perante um «dever vinculado» e não meramente facultativo do juiz.
3- Apurando-se a preterição de litisconsórcio necessário, deverá o juiz proferir uma decisão interlocutória convidando o interessado a suprir a ilegitimidade. Se tal decisão não for proferida, verifica-se omissão de acto prescrito na lei, que dá causa a uma nulidade processual – art. 201 CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Lisboa:

(G), intentou acção sob a forma sumária, contra (A), pedindo: que seja judicialmente reconhecido e declarado e o R., condenado a reconhecê-lo, que o contrato identificado em 1 da p. i., não é subsumível à previsão dos art. 98 e 101 RAU; que por força disso, ao A., não cabe o direito de o denunciar, devendo abster-se de requerer a execução prevista no art. 101 RAU.
Como fundamento da sua pretensão, alega em síntese o seguinte:
Em 31.07.91, o R. declarou dar de arrendamento ao A., o 1º andar dt., correspondente à fracção «L» do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ...., Cova da Piedade.
O arrendamento foi feito pelo prazo de 5 anos, com destino a habitação do A. e do seu agregado familiar, no regime de renda condicionada.
O A. foi notificado judicialmente, a requerimento do R., de que pretendia não renovar o contrato, invocando o art. 100 nº 2 RAU.
Não assiste ao R., o direito de denunciar o contrato.

Contestou o R., dizendo em síntese o seguinte:
Na cláusula 3ª do contrato de arrendamento, foi estabelecido o prazo de cinco anos, podendo ser renovado automaticamente por períodos sucessivos de três anos.
O contrato de arrendamento em questão é um contrato de duração limitada, tal como vem regulado no art. 98 e segs do RAU, podendo o R, requerer a execução do despejo, nos termos do art. 101 RAU.

Dispensada a fixação da base instrutória e oferecidos os meios de prova, foi designado dia para julgamento.
No dia designado para julgamento, foi proferido despacho (fol. 67) nos seguintes termos: «Verificando que a matéria em apreço nos autos se reporta a uma questão de mera interpretação jurídica do contrato de arrendamento firmado entre as partes, afigura-se dispensável a realização da audiência de discussão e julgamento. Assim sendo, determino que, após notificação do autor do teor da presente acta me sejam conclusos os autos com vista à prolação de decisão».
Foi proferida decisão (fol. 74 e segs), que absolveu o R. da instância, por ilegitimidade activa do Autor, para estar em juízo desacompanhado da sua mulher- art. 28-A, 493 nº 1 e 2, 494 e) e 495 CPC.
Inconformado recorreu o autor (fol. 80), recurso que foi admitido como agravo (fol. 83).

Nas alegações que ofereceu, formula o agravante, as seguintes conclusões:
a) O recorrente não é nem nunca foi casado com a pessoa referida no contrato de arrendamento com quem somente vive em união de facto.
b) O recorrente era casado com (F) à data da celebração do contrato de arrendamento, estando, porém, dela separado de facto, nunca tendo a mesma vivido com o recorrente no local arrendado.
c) Não se verificam, assim, os pressupostos em que se baseou o despacho recorrido para absolver o R., da instância pelo que deverá ser revogado com as legais consequências.
d) Ainda que de outro modo se entenda, o certo é que em lugar de ter absolvido o R. da instância, por falta de legitimidade do A., emergente da não intervenção da sua cônjuge, devia o M.mo Juiz a quo, ter cumprido o disposto no art. 265 nº 2 CPC, convidando o A., a praticar os actos necessários à sanação da falta daquela intervenção.
e) Imputa-se pois, à decisão recorrida a violação do disposto no art. 28-A e 265 CPC, que deverão ser interpretados e aplicados nos termos ora propugnados, com as legais consequências, quais sejam a revogação da decisão recorrida.

Não foram oferecidas contra-alegações.
Foi proferido despacho tabelar de sustentação.

Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS.
Os factos com relevo para a decisão são os constantes do relatório supra.
Com relevo temos ainda o seguinte factualismo:
a) O (G), autor na acção, contraiu casamento com (F), em 11.05.1964 (Assento de nascimento com averbamento do casamento - doc. fol. 88).
b) O referido casamento foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de 14 de Julho de 2003 (doc fol. 88).
c) A (DS), contraiu casamento com (RP), em 20 de Julho de 1970 (doc. fol. 89 – Assento de nascimento, com averbamento do casamento).
d) Tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 29.03.1984 (doc fol. 89).

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões posta nessas conclusões há que conhecer.
Atento o teor das conclusões formuladas, haverá que apreciar as seguintes questões:
a) À data da propositura da acção, era ou não o agravante casado, e em caso afirmativo, impunha-se ou não a intervenção do seu cônjuge, na acção?
b) Deveria o tribunal dar cumprimento ao disposto o art. 265 nº 2 CPC?

I - Para que o juiz sentencie, conhecendo do pedido formulado, exige a lei a verificação de determinados requisitos - «pressupostos processuais». Segundo refere Antunes Varela – Manuel de Processo Civil – 2ª edc. Pag.104, «Pressupostos processuais, são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida... Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes... o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito».
Nos termos legais, o autor será parte legítima quanto tem interesse directo em demandar, da mesma forma que o R. o será se tiver interesse directo em contradizer, art. 26 CPC, exprimindo-se esse interesse, respectivamente, pela utilidade derivada da procedência da acção ou pelo prejuízo que dessa procedência advenha (para o R.). Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Entre os casos expressamente indicados na lei, está a situação prevista no art. 28-A CPC. Aí se dispõe que devem ser propostas por marido e mulher ou por um deles com o consentimento do outro, as acções de que possa resultar a perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família. Exigindo a lei a intervenção de ambos os cônjuges, art. 28 CPC, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
No caso presente, com a acção pretende-se não só ver declarado que o contrato de arrendamento em causa não é subsumível à previsão do art. 98 e 101 RAU, como ainda obter a condenação do R., nesse reconhecimento e a abster-se de requer a execução. Em causa está pois a faculdade de denúncia de contrato de arrendamento.
O objecto do referido contrato, teve por finalidade a habitação do autor e do seu agregado familiar, conforme consta do contrato junto aos autos, (fol 9) não posto em crise por qualquer das partes. Como refere Nuno de Salter Cid (A protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português – pag 39, «a casa de morada de família é aquela que constitui a residência permanente da mesma» ... «uma vez fixada a residência da família, por acordo entre os cônjuges ou por decisão judicial, o bem que a tal finalidade foi afecto poderá, como vimos, passar a possuir a qualificação de casa de morada de família, o que, a verificar-se, determina a sujeição desse bem a um estatuto jurídico particular, cuja configuração é condicionada, não só pela natureza do bem, mas também pelos contornos do direito que estiver na base da sua utilização, para o fim em causa» (obra citada, pag. 155).
Considerou-se na decisão sob recurso, que o locado em causa constituía a «casa de morada de família», com o que se conformou o agravante.
O que o agravante refere é que nunca foi casado com a pessoa mencionada na decisão (DS) e nisso vê motivo para se revogar a decisão.
Afigura-se-nos, no entanto que ao agravante não assiste razão. Com efeito, o que é essencial, é verificar se o autor é ou não casado e se o seu cônjuge teve ou não intervenção na acção. Ora na petição inicial, o autor (agravante) diz que é casado. E embora da cópia do contrato de arrendamento junta (fol. 7 e segs.) conste que é casado com (DS) (daí a referência feita na decisão), mostra-se nos autos demonstrado (documento junto com as alegações de recurso), que o autor era, como afirma da petição inicial, efectivamente casado à data da propositura da acção.
Assim sendo, era, como supra se referiu caso de litisconsórcio necessário activo, art. 28 e 28-A CPC.
Alega agora o agravante, factos novos, tais como o divórcio, no decurso e a verificação de «união de facto» com a mencionada «(DS)», dos quais não pode este Tribunal conhecer.

II – Alega o agravante que deveria o tribunal da 1ª instância dar cumprimento ao disposto no art. 265 nº 2 CPC. Dispõe-se neste preceito, que «o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los». Trata-se preceito inovador, introduzido pelo DL 329-A/95.
Dispõe o art. 508 nº 1 CPC, que findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº 2 do art. 265; b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes. No nº 2, dispõe-se que «o juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados... designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. O nº 3 do preceito citado, dispõe-se que «pode» ainda o juiz convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada...
Estamos no âmbito de despacho que antecede o «despacho saneador», daí que a doutrina se lhe referira com o «despacho pré-saneador». Na actual tramitação processual, (após as alterações introduzidas pelo DL 329-A/95), o primeiro contacto do juiz com o processo, ocorre por via de regra, findos os articulados. Daí que só a partir desse momento, seja ao juiz possível, verificar eventuais irregularidades dos articulados (agora melhor se tutela o princípio da igualdade), e sendo caso disso, diligenciar, pela sua sanação.
O nº 1 do art. 508 prevê situações diversas. A alínea a) refere-se ao suprimento de excepções dilatórias. A alínea b) refere-se ao «aperfeiçoamento dos articulados, remetendo para os números seguintes. Diversa é a previsão dos números seguintes (nº 2 e 3). Daí falar-se em «despacho de aperfeiçoamento vinculado» e «despacho de aperfeiçoamento não vinculado», consoante se esteja perante a previsão do nº 2 ou do nº 3 do mencionado artigo. (Temas da Reforma do Processo Civil – Vol. II, 4ª edc. Pag. 69 e segs., António Santos Abrantes Geraldes).
Das expressões constantes da lei, «o juiz providenciará... – art. 265 nº 2» e «findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias», resultará que estamos perante um «dever vinculado» e não meramente facultativo. «Mais que um poder do juiz, prevê-se um dever geral de agir» (Antunes Varela RLJ, ano 130, pag. 195, nota 83).
«Apurando-se a preterição de litisconsórcio necessário, (escreve António Santos Geraldes – Temas da Reforma do Processo Civil Vol. II, pag.64) deve o juiz proferir uma decisão convidando o interessado na sanação a suprir a ilegitimidade processual...» Tal como refere o mesmo autor, a propósito do «despacho de aperfeiçoamento (obra citada, pag. 69) «a expressão utilizada, de sentido impositivo, leva-nos a concluir que se trata de uma verdadeira injunção dirigida ao juiz do processo que não deve confundir-se com um poder discricionário que o conduza a proferir ou não, segundo o seu critério, a decisão interlocutória... Se tal decisão interlocutória não for proferida, significa que o juiz omitiu um acto prescrito na lei, dando causa a uma nulidade processual, nos termos do art- 201».
Trata-se pois de verdadeiro dever imposto ao juiz, e que na nova filosofia processual, tem com o escopo «reduzir até limites razoáveis, as situações em que, por falta de pressupostos processuais ou qualquer outra razão relacionada com a constituição da relação jurídica processual, o tribunal se veja confrontado com a necessidade de proferir decisão de absolvição da instância» (A. Geraldes ob. Ct., pag. 58).
No caso presente, não foi proferida qualquer decisão interlocutória, pelo que se poderá configurar a ocorrência de nulidade processual, como se referiu.
Em causa está nulidade processual e não nulidade de sentença. Com efeito, as nulidades da sentença, só ocorrerão nas diversas hipóteses taxativamente previstas no art. 668 nº 1 CPC. Quanto às nulidades processuais, respectivo regime, efeito e prazos de arguição, dispõe o art. 193 e segs. 201 e segs. CPC. Destes preceitos decorre que as nulidades deverão ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas (Ac STJ de 04.11.93 CJ 93, 3, 101), só o podendo ser perante o tribunal superior se o processo subir em recurso, antes de decorrido o prazo para a sua arguição.
No caso presente, deveria o agravante ter arguido a referida nulidade perante o tribunal onde a mesma ocorreu, ou seja, perante a 1ª instância e só do despacho proferido sobre essa arguição, poderia então recorrer.
Neste sentido vai a unanimidade (assim o cremos) da jurisprudência, de que a título de exemplo se refere a seguinte:
Ac STJ de 04.11.93, CJ 93, 3, 101 «As nulidades de processo, que não de sentença, devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas»;
Ac TRE de 17.07.86, CJ 86, 4, 313 - «Não pode a Relação conhecer de nulidade que não foi arguida tempestivamente e quando se não recorreu do despacho que indeferiu a arguição»;
Ac STJ de 21.01.98, Proc. nº 97S194, consultável na internet – www.dgsi.pt/jstj - «A arguição de nulidade nas alegações, e não no requerimento de interposição de recurso, é extemporânea, pelo que dela se não deve conhecer».
Estando em causa nulidade processual, da mesma teve conhecimento o agravante, o mais tardar, quando foi proferida a decisão, devendo a partir desse momento arguí-la perante a 1ª instância, só podendo com esse fundamento recorrer, do despacho que a indeferisse.
Ora a nulidade não foi arguida perante o tribunal onde a mesma supostamente ocorreu e nem sequer no seu requerimento de recurso, foi arguida qualquer nulidade, pelo que impedido está este Tribunal de dela conhecer.
O recurso não merece provimento.

DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Negar provimento ao recurso, confirmando-se, com os fundamento supra referidos a decisão impugnada.
2- Condenar o agravante nas custas.

Lisboa, 19 de Maio de 2005.

Manuel Gonçalves

Aguiar Pereira

Urbano Dias.