Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
277/12.9TTCSC.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: QUITAÇÃO
REMISSÃO ABDICATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Tendo o empregador feito cessar o contrato de trabalho através de comunicação ao trabalhador da intenção de o não renovar aquando do respectivo termo, a declaração aposta no documento - emitido depois da cessação da relação e de proposta acção em que o trabalhador impugna a validade do termo, bem como a licitude do despedimento, mas antes da citação da R. -, na qual o trabalhador afirma ter recebido todas as quantias que lhe eram devidas por força da caducidade do contrato, nada mais lhe sendo devido, configura apenas quitação, se bem que com grande amplitude, relativamente às obrigações decorrentes da caducidade do contrato (declaração de ciência), uma vez que nada na própria declaração ou no contexto em que foi emitida permite interpretá-la como declaração de vontade de renunciar ao direito de impugnar a validade do termo aposto ao contrato de trabalho e a validade da cessação do contrato.

         (Elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

      AA propôs contra BB, LDA., com sede em Cascais a  presente acção emergente de contrato individual de trabalho, invocando em síntese que foi admitido ao serviço da ré em 01 de Abril de 2010, por contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções inerentes à categoria de empregado de churrasqueira, mediante a remuneração mensal de € 700,00. Em 3 de Janeiro de 2012 foi impedido de aceder ao seu local de trabalho pelo gerente da ré, que lhe disse que estava despedido. Após a instauração de um processo disciplinar a ré viria, em 23 de Janeiro de 2012, a comunicar-lhe a intenção de não renovar o contrato no seu próximo termo, com efeitos a 31-03-2012, o que veio a suceder, vindo o referido processo disciplinar a terminar por caducidade. Invoca a nulidade do termo aposto ao referido contrato, pelo que a comunicação da não renovação equivale ao despedimento, que é ilícito, requerendo em consequência a respectiva indemnização. Sustenta finalmente que a ré não lhe pagou todos os créditos devidos, referentes a trabalho suplementar, férias, subsídios de férias e Natal e indemnização.

Conclui pedindo que:

i) Seja declarada nula a Cláusula Sétima, do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o A., e a R., em 01 de Abril de 2012, por não satisfazer as exigências materiais e formais previstas pelo legislador para a contratação a termo, desrespeitando a previsão do artigo 140.º, n.º 5, do Código do Trabalho;

ii) Seja qualificado, juridicamente, como contrato de trabalho sem termo, o contrato celebrado entre o A., e a R., em 01 de Abril de 2012, nos termos do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea c) – 2.ª parte, do CT;

iii) E, por conseguinte, seja considerado ilícito o despedimento do A., ocorrido em 31 de Março de 2012, com as inerentes consequências legais;

iv) Em consequência, seja a R. condenada indemnizar o ora A., em substituição da reintegração, que desde já o A., aqui manifesta ser essa a sua vontade, em valor não inferior a três meses de retribuição base, no valor de € 2.100,00 (dois mil e cem euros);

v) Seja a R., condenada a indemnizar a A., no que concerne aos danos não patrimoniais, com recurso a critérios de equidade, mas não inferior a três meses de retribuição base, no valor de € 2.100,00 (dois mil e cem euros);

vi) Seja a R., condenada a pagar a título de compensação de trabalho suplementar realizado pelo A., nos termos do disposto nos artigos 271.º, n.º 1 e 268.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CT, no valor de € 14.063,04 (catorze mil e sessenta e três euros e quatro cêntimos);

vii) Seja a R. condenada a pagar ao A. a retribuição correspondente a férias e subsídio de férias, respeitante aos vinte e dois dias úteis de férias vencidas em 2012.01.01, não gozadas, nem retribuídas, no valor de € 1.400,00 (mil quatrocentos euros);

viii) Seja a R., condenada a pagar ao A. todas as retribuições que deixou de auferir, incluindo os subsídios de férias e de Natal, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento;

ix) Por outra banda, atendendo-se ao facto da conduta da R., no que concerne aos valores de salário mencionados nos documentos supra referidos, e o valor, efectivamente pago em numerário ao trabalhador, aqui A., e porque tal conduta da R., é susceptível de configurar a prática de crimes públicos, deve ser ordenada extracção de certidão da presente petição inicial e remetida ao Ministério Público, para instauração do competente inquérito criminal, caso se entenda existirem indícios suficientes que o  fundamentem, com as inerentes consequências legais

x) Bem como, porque a R., não observou o preceituado no artigo 341.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CT, visto até à presente data não ter oferecido ao aqui A., os documentos mencionados no antedito normativo jurídico, deve também, tal violação da lei, ser comunicada à autoridade administrativa competente, para efeitos de instauração do correspectivo processo de contra-ordenação nos termos do consignado no artigo 341.º, n.º 3, do CT, com as inerentes consequências legais.

            A ré contestou, por excepção, alegando, em síntese, que já após a propositura da acção e antes da citação o autor se deslocou às suas  instalações e recebeu todos os créditos que lhe eram devidos, tendo subscrito a respectiva declaração de quitação (e procedido ao levantamento da declaração de desemprego), pelo que se extinguiu o direito que reclama nos autos; e por impugnação, pugnando pela validade do termo aposto no contrato e contestando os factos alegados pelo autor no que respeita à remuneração (que era apenas a que consta dos recibos) e às circunstâncias que rodearam a sua suspensão e instauração de procedimento disciplinar.

Concluiu pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

O autor respondeu, sustentando em síntese que a declaração por si subscrita (cuja autoria pertenceu à ré) não consubstancia uma remissão abdicativa, atentas as circunstâncias em que a mesma foi assinada e que, a assim não se entender, o mesmo sempre estaria em erro ao assiná-la, o que conduz à sua anulabilidade.

Foi proferido despacho saneador, e posteriormente, veio a ter lugar o julgamento, seguindo-se a prolação da sentença de fls. 326/346, que julgou verificada a excepção peremptória da remissão abdicativa e em consequência absolveu a R. dos pedidos.

O A., inconformado, veio recorrer, arguindo a nulidade de omissão de pronúncia.

            Deduziu a final as seguintes conclusões:

            (…)

A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

O M.P. junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões alegatórias do recorrente, verifica-se no caso que as questões suscitadas a este tribunal são, por um lado, saber se a sentença incorreu na nulidade que lhe é imputada (de omissão de pronúncia) e por outro lado, a reapreciação da questão da remissão abdicativa, maxime, se a interpretação da declaração referida no ponto 16 da matéria de facto permite atribuir-lhe tal relevância e se a mesma é compatível com o carácter imperativo das normas juslaborais atinentes à forma de cessação do contrato de trabalho.

  Na 1ª instância foram dados como provados  os seguintes factos

 [Factos assentes]

1. O autor começou a trabalhar por conta e sob a direcção e fiscalização da ré em 01-04-2010, mediante a celebração do denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” que faz fls. 27 e 28 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido [artigo 1.º da PETIÇÃO INICIAL].

2. Com a categoria profissional de empregado de churrasqueira [artigo 2.º da PETIÇÃO INICIAL].

3. Prestando o seu trabalho e exercendo as funções inerentes à sua categoria profissional no estabelecimento comercial da ré denominado “Churrasqueira/Restaurante (…)”, sito na Avenida Marginal, n.º (…), (…) Cascais [artigo 3.º da PETIÇÃO INICIAL].

4. Do referido contrato de trabalho consta um horário de 40 (quarenta) horas semanais, distribuído por 6 (seis) dias [artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL].

5. Do referido contrato de trabalho consta o valor de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros) a título de salário mensal [artigo 11.º da PETIÇÃO INICIAL].

6. Dos respectivos recibos de remunerações consta o salário base de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros) [artigo 12.º da PETIÇÃO INICIAL].

7. Da cláusula 7.ª do referido contrato a termo celebrado entre o autor e o réu consta, como justificação para o respectivo prazo «um aumento temporário sazonal da actividade do estabelecimento o que acarreta um acréscimo temporário de trabalho, que ambos os contraentes aceitam, (Alínea f) do n.º 2, do Artº 129 do Dec. Lei 99/2003 de 27 de Agosto» [artigo 13.º da PETIÇÃO INICIAL].

8. No dia 5 de Janeiro de 2012 o autor recepcionou uma carta da ré, datada de 03-01-2012, cuja cópia faz fls. 35 dos autos, na qual esta comunicava àquele que o autor tinha faltado ao serviço 3 dias sem qualquer justificação [artigo 26.º da PETIÇÃO INICIAL].

9. O autor enviou, em 05-01-2012, uma carta endereçada à ré [artigo 28.º da PETIÇÃO INICIAL].

10. Em 23-01-2012 foi recepcionada pelo autor uma carta da ré, cuja cópia faz fls. 46 a 50 dos autos, em que esta notifica aquele da instauração de um processo disciplinar, remetendo em anexo a correspondente nota de culpa [artigo 29.º da PETIÇÃO INICIAL].

11. Na mesma data (23-01-2012), o autor recepcionou uma outra carta da ré, cuja cópia faz fls. 51 dos autos, na qual esta comunicava a sua intenção de “não renovar o contrato de trabalho no seu próximo termo”, com efeitos a 31-03-2012 [artigo 30.º da PETIÇÃO INICIAL].

12. O autor apresentou a sua defesa e arrolou testemunhas, as quais foram inquiridas pelo Sr. Instrutor responsável pelo processo disciplinar supra mencionado [artigo 32.º da PETIÇÃO INICIAL].

13. Em 30-04-2012 o autor o autor recepcionou uma carta da ré na qual constava o parecer do Sr. Instrutor do processo disciplinar e respectivo despacho final, cuja cópia faz fls. 57 a 63 [artigo 33.º da PETIÇÃO INICIAL].

14. No referido despacho final é invocada a “caducidade” do contrato de trabalho em apreço, como óbice ao exercício do poder disciplinar e, consequentemente à aplicação da sanção disciplinar de despedimento, com justa causa, por parte da ré [artigo 34.º da PETIÇÃO INICIAL].

15. Tendo operado, no entendimento da ré, a caducidade do termo ínsito no contrato de trabalho em referência [artigo 35.º da PETIÇÃO INICIAL].

16. Em 15 de Junho de 2012 – após a propositura da acção mas antes da citação da ré – autor dirigiu-se ao escritório da ré e ali assinou e datou, pelo seu punho, o documento cuja cópia faz fls. 116 dos presentes autos, com o seguinte teor:

«DECLARAÇÃO

AA, maior, NIF (…), residente na Rua dos Navegantes nº (…), Apartamento (…), 2750-444 Cascais, declara ter recebido nesta data de BB, LDA, todas as quantias que lhe eram devidas por força da caducidade do seu contrato de trabalho, bem como a Declaração para efeito de Desemprego, nada mais lhe sendo devido.

Cascais, 15/06/12

AA» [artigo 3.º da CONTESTAÇÃO].

17. Na mesma data o autor recebeu da ré e deu quitação, assinando os respectivos recibos, as importâncias constantes dos seguintes recibos, cujas cópias fazem fls. 117 a 119:

17.1.- Recibo nº 56 – Subsídio de Férias, no valor de € 606,25;

17.2.- Recibo nº 57 – Vencimento (Março de 2012) no valor de € 485,00 e 15 dias de férias não gozadas, no valor de € 606,25, quantias essas sobre as quais incidiu o desconto, por penhora ordenada pelo Serviço de Finanças de Cascais -1, Pº nº 1503200901220659, no valor de € 54,22;

17.3.- Recibo nº 58 – Subsídio de Natal, no valor de € 121,25 [artigo 4.º da CONTESTAÇÃO].

18. Tais quantias totalizavam € 1.426,46 (mil quatrocentos e vinte e seis euros e quarenta e seis cêntimos) e foram pagas através do cheque sacado sobre o BCP/MILLENIUM em 08-04-2012 [artigo 5.º da CONTESTAÇÃO].

[da Base Instrutória]

19. O autor tinha um dia de folga semanal [resposta aos artigos 4.º, 5.º e 6.º da PETIÇÃO INICIAL].

20. O autor auferia a retribuição mensal de € 485,00 [resposta ao artigo 10.º da PETIÇÃO INICIAL].

21. Nos dias 3 e 4 de Janeiro de 2012 o autor apresentou-se no seu local de trabalho, não lhe tendo sido permitida a entrada por parte da ré [resposta aos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 21.º e 24.º da PETIÇÃO INICIAL].

22. No local compareceu a PSP [resposta ao artigo 25.º da PETIÇÃO INICIAL].

23. O autor endereçou à ré uma carta em 8 de Fevereiro de 2012, que não foi por esta recepcionada [resposta ao artigo 31.º da PETIÇÃO INICIAL

24. A ré endereçou ao autor uma carta em 8 de Maio de 2012, cuja cópia faz fls. 124 dos autos, que foi por este recepcionada [resposta aos artigos 8.º e 9.º da CONTESTAÇÃO].

25. O gerente da ré proferiu o despacho que faz fls. 5 do procedimento disciplinar, datado de 3 de Janeiro de 2012 [artigo 35.º da CONTESTAÇÃO].

26. O autor é de nacionalidade brasileira [artigo 43.º da RESPOSTA À CONTESTAÇÃO].

            Apreciação

            Da alegada nulidade da sentença

  A sentença recorrida, tendo definido serem questões a resolver:

i) se o contrato de trabalho celebrado entre as partes deve ser considerado sem termo ou a termo;

ii) se o autor foi alvo de um despedimento ilícito; na afirmativa,

iii) quais as consequências dessa ilicitude e se são devidos outros créditos laborais;

iv) qual a relevância da subscrição, pelo autor, da declaração de fls. 116 dos autos;

v) dos reclamados danos não patrimoniais,

concluiu, quanto à primeira, que a justificação aposta no contrato não constitui motivo justificativo à luz do art. 140º nº 2 al. f) do CT (nem se afigura subsumível a qualquer outra das alíneas do referido nº 2), sendo igualmente certo que não existe relação entre a justificação invocada e o termo estabelecido, donde resulta que o contrato terá necessariamente de ser considerado sem termo, à luz do disposto pelo art. 141º nº 1 al. c) do CT.

            Em face disso, ter-se-ia que concluir que a carta que a R. enviou ao A., por ele recepcionada em 23/1/2012, na qual comunicava a intenção de não renovar o contrato de trabalho, exprimindo assim a intenção de fazer cessar a relação laboral, com efeitos a 31/3/2012, consubstancia inequivocamente um despedimento, ilícito nos termos do art. 382 nº 1 e 2 al. d) do CT.

Embora reconhecendo que o despedimento ilícito confere ao trabalhador o direito a ser indemnizado por todos os danos (cfr. art. 389º CT) e reintegrado (podendo optar, em substituição da reintegração, pela indemnização por antiguidade, cfr. art. 391º, como aliás sucedeu no caso) e ainda ao pagamento das retribuições intercalares, porque, atenta a declaração que consta de fls. 116 dos autos, se coloca a questão de saber se o A. tem efectivamente direito a tais quantias, passou a analisar a questão da remissão abdicativa, arguida pela R., concluindo que tal declaração, subscrita pelo trabalhador três meses após a cessação do contrato, constitui uma verdadeira declaração extintiva de qualquer dívida que a empregadora tivesse para com ele, conduzindo à absolvição desta do pedido. Analisou ainda o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, concluindo pela respectiva improcedência.

      O recorrente vem arguir a nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, alegando que não mereceu qualquer pronúncia por parte do tribunal a sua alegação de que a referida declaração não consubstancia mais do que uma mera declaração de quitação, que se traduz num documento particular em que o credor declara ter recebido a prestação do devedor.

            Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

            É manifesto que o recorrente não aceita que o tribunal não tenha tido em conta a sua argumentação tendente a convencer que a referida declaração não tem natureza de remissão abdicativa, constituindo apenas uma declaração de quitação. Afigura-se-nos que o que pretende é atribuir à sentença erro de apreciação na análise dessa questão.

Não se pode, porém, confundir erro de apreciação com omissão de pronúncia.

            Só ocorre a nulidade de omissão de pronúncia quando o juiz deixar de conhecer de qualquer das questões que, nos termos do art. 608º nº 2 do CPC (660º nº 2 do anterior CPC), têm necessariamente de ser tratadas na sentença, a saber, aquelas que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal (isto é, os pedidos deduzidos, as causas de pedir e as excepções invocadas[1]), que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras, além daquelas cujo conhecimento oficioso a lei lhe impuser.

Ora no caso, as questões suscitadas pelas partes ao tribunal (os pedidos, a causa de pedir e a excepção de remissão abdicativa), foram apreciadas e decididas. Ou seja, aquilo que o recorrente diz que o Sr. Juiz deixou de conhecer não constitui verdadeiramente uma questão, no mencionado sentido, que é o que para este efeito releva. Trata-se, sim, de uma linha de raciocínio, toda uma argumentação que procura convencer que o documento em causa configura apenas e só uma declaração de quitação. Ora, o Tribunal não está obrigado a apreciar todos e quaisquer argumentos que as partes lhes tragam, desde que não deixe de conhecer e apreciar aquilo que o art. 608º lhe impõe. E, no caso, não deixou o Sr. Juiz de conhecer e decidir sobre os pedidos, a causa de pedir, bem como da excepção invocada, não tendo, pois, incorrido na nulidade ora arguida, que por isso é de julgar improcedente.

            Da remissão abdicativa

    Debruçando-se sobre a declaração de fls. 116, entendeu o Sr. Juiz que  «a referida “declaração” comporta duas declarações distintas:

i) na primeira parte, o autor declara dar quitação de “…quantias que lhe eram devidas por força da caducidade do seu contrato de trabalho” [quantias essas que, conforme resulta do descrito sob os pontos 17 e 18, totalizavam € 1.426,46, respeitando a subsídio de férias, vencimento de Março de 2012, férias não gozadas e subsídio de Natal];

ii) na segunda parte o autor declara “…nada mais lhe sendo devido”.

Se a declaração referida em i), por si só, consubstanciaria uma mera declaração de quitação, já a conjugação da mesma com o teor da declaração referida em ii) não pode, em nosso entender, deixar de ser valorada como uma verdadeira declaração negocial abdicativa, emitida cerca de três meses após a cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes, através da qual o autor renunciou, ou melhor, abdicou, dos créditos decorrentes do referido contrato e a que eventualmente ainda tivesse direito (cfr., a este propósito, os acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 12 de Maio de 1999 (in ADSTA, n.º 458, p. 268), de 20 de Outubro de 2004 (proc. 05S480, disponível em www.dgsi.pt), de 24 de Novembro de 2004 (proc. n.º 10381/03, disponível em www.dgsi.pt), de 25 de Novembro de 2009 (proc. n.º 274/07.6TTBRR.S1, disponível em www.dgsi.pt), de 10 de Dezembro de 2009 (proc. 884/07.1TTSTB.S1, disponível em www.dgsi.pt).»

            O recorrente insurge-se contra a apreciação efectuada pelo Sr. Juiz recorrido quanto à remissão abdicativa, sustentando que o tribunal incorreu em erro por ter assentado em pressupostos jurídicos puramente civilísticos, esquecendo a especialidade inerente ao Direito do Trabalho, mormente as normas imperativas sobre a cessação do contrato de trabalho.

            Em seu entender, a interpretação da aludida declaração, no seu contexto e em conformidade com os cânones do art. 236º nº 1, articulado com o preceituado no art. 787º nº 1, ambos do CC, redunda em que não consubstancia senão uma mera declaração de quitação, pois nada na sua literalidade evidencia que a recorrida tivesse em vista propor e obter o acordo do recorrente no sentido de renunciar à impugnação da validade do contrato a termo, nem há qualquer indício dessa vontade por parte deste de abdicar daquele direito e, caso o exercesse e obtivesse ganho de causa, dos efeitos subsequentes.

             Adiantamos desde já que se nos afigura assistir-lhe razão.

            A declaração em causa (referida no nº 16), como declaração negocial que é, há-de ser interpretada em conformidade com o critério definido no art. 236º nº 1 do CC, ou seja, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele. Portanto um critério essencialmente objectivo, se bem que, mitigado, visto que, em certas situações (se o declaratário conhecer a vontade real do declarante) esse carácter objectivo pode ceder a essa vontade real – cfr. º 2.

Importa, pois, ter em conta o contexto em que surge tal declaração: embora efectuada em nome do A. e por ele subscrita, foi, manifestamente, redigida pela R. para colher a assinatura no momento do “encerramento das contas”, uma vez que lhe havia comunicado a vontade de não renovar o contrato, cujo termo estava previsto para 31/3/2012 e, embora lhe tivesse instaurado processo disciplinar com intenção de despedimento, acabou por não lhe aplicar qualquer sanção, por a caducidade do contrato, pelo decurso do termo, ter extinguido o poder disciplinar.

Aquando da deslocação do A. ao escritório da R. (em 15/6/2012) a presente acção já fora proposta (em 9/5/2012), embora a R. ainda não tivesse sido citada (o que sucedeu em 3/7/2012).

Apesar de o A. não ter logrado provar falta ou vício da vontade aquando da assinatura da mencionada declaração, aquilo que objectivamente transparece da mesma, de forma alguma permite concluir que estejamos perante um contrato de remissão de dívida, designadamente das dívidas emergentes de despedimento ilícito, como são as reclamadas nas al. d) e h) do petitório e que tivesse renunciado ao direito de impugnar a validade do termo aposto ao contrato de trabalho e a validade da cessação.

    Desde logo, nada evidencia que entre as partes tivesse existido qualquer negociação. Embora o A. já então tivesse proposto esta acção, em que invocava nulidade da cláusula de termo e reputava a cessação do contrato por iniciativa da R. como configurando despedimento ilícito, reclamando os direitos daí resultantes, nada na factualidade apurada permite concluir que, ao subscrever a declaração em causa o A. tivesse consciência e vontade de abdicar dos direitos que invocava e reclamava na acção (de impugnar a validade do termo aposto ao contrato e reclamar as prestações por despedimento ilícito).

Não oferece dúvidas que a 1ª parte da declaração de fls. 116 desonera a R. de todas as obrigações para com o A. emergentes da caducidade do contrato de trabalho. Trata-se, com efeito de uma declaração liberatória, uma declaração de ciência de que todas as obrigações (não determinadas mas determináveis) decorrentes da caducidade do contrato de trabalho a termo, estavam cumpridas, o que equivale a declarar que o devedor fica desonerado. Significa que o declarante está convencido de que todas as obrigações emergentes da caducidade do contrato de trabalho estão satisfeitas.

A dúvida suscita-se quanto à 2ª parte da declaração, qual seja, aquela que diz “nada mais lhe sendo devido”. Mas, no contexto em que a declaração foi efectuada, também esta declaração, objectivamente, tem de ser interpretada como “nada mais lhe sendo devido por força da caducidade do contrato” por ser esse o sentido que um declaratário normal, mediamente inteligente, culto e sagaz, extrairia da mesma e do comportamento do A..  Constitui, portanto, ainda uma declaração de ciência e não uma declaração de vontade negocial, com significado dispositivo (de renúncia a direitos). Trata-se, pois, ainda e repetidamente de uma quitação, embora de uma quitação sui generis dada a sua amplitude, como salienta João Leal Amado[2].

Embora seja frequente que declarações deste tipo inseridas em documentos de cessação de contrato de trabalho por mútuo acordo mediante o pagamento de uma compensação pecuniária (o que, cabe salientar, não é o que se verifica no caso vertente) sejam em geral qualificadas pela jurisprudência como manifestação da vontade de renunciar ao pagamento de outras prestações que fossem devidas que, com a aceitação, ainda que tácita da outra parte, encerram um contrato de remissão tipificado no art. 863º do CC, extinguindo dívidas laborais, para tanto é pressuposto que o trabalhador, ao fazer a referida declaração, tenha conhecimento dos créditos de que era titular e a que assim renuncia. É que, como ensina Vaz Serra[3] referido por João Leal Amado[4] “a vontade de remitir supõe que o credor conhece a existência da dívida (…) ou que o credor tem dúvidas acerca da existência da dívida e quer remiti-la para o caso de existir”. Enquanto integradora do negócio jurídico de remissão, a renúncia “pressupõe um certo conteúdo intelectual e volitivo, ou seja, pressupõe que o credor conhece o seu direito, tem consciência da sua existência, sabe que ele ainda se encontra insatisfeito e pressupõe também que o credor quer extinguir esse crédito, tem vontade de o abandonar, de dele se demitir.”[5]

Ora, no caso, embora não podendo afirmar que o A. quando assinou a referida declaração não tivesse consciência da existência de outros créditos (certamente que a tinha, uma vez que tinha proposto esta acção), não cremos todavia que se possa considerar que, ao fazê-lo, estivesse a emitir uma declaração de vontade de abdicar dos mesmos, dado que nada nos aponta nesse sentido.

Não sendo uma declaração de vontade, é uma mera declaração de ciência, aquilo a que em Itália se dá o nome de “quietanza a saldo” ou “quietanza liberatoria” em que, nas palavras de Ghezzi/Romagnoli, referidos pelo Leal Amado, releva “a manifestação de uma certeza subjectiva (a de ter sido pago, e por inteiro), que pode ser fundada ou não, mas que está despojada como tal de qualquer relevância ou significado dispositivo”.

Entendemos pelo exposto ter razão o apelante quando atribui à sentença erro na interpretação da declaração constante da segunda parte do doc. de fls. 116, que em nosso entender, não configura efectivamente remissão abdicativa, havendo pois que revogar a sentença na parte em que julgou procedente tal excepção e consequentemente, não procedendo esse facto extintivo,  que conhecer dos pedidos.

Ora, não tendo sido posta em causa a apreciação efectuada na sentença no que concerne à nulidade da cláusula de termo aposta ao contrato - de que resulta que o contrato tenha que ser considerado como celebrado por tempo indeterminado - e à qualificação como despedimento ilícito da forma como a R. fez cessar o contrato de trabalho que a vinculava ao A., resta-nos, sem necessidade de outras considerações, julgar procedentes os três primeiros pedidos e concretizar, em conformidade com o preceituado pelos art. 389º, 390º e 391º do CT as prestações devidas ao A., tendo em conta a opção por ele manifestada, ab initio, pela indemnização em substituição da reintegração.

Tendo em conta que o A. auferia a retribuição mínima mensal garantida (cujo valor, por força do DL 144/2014, de 30/9, se deve ter por actualizado para € 505) e atento o grau de ilicitude do despedimento, em conformidade com o critério resultante do art. 381º do CT, ser diminuto (ao fim e ao cabo, apesar da existência de processo disciplinar, a decisão de fazer cessar o contrato, foi tomada fora do âmbito deste, alegadamente pelo decurso do termo, que afinal não era válido) afigura-se-nos adequado fixar em 20 dias a retribuição de referência a considerar para o cálculo da indemnização substitutiva da reintegração, ou seja, o valor de € 336,70 por cada ano completo ou fracção de antiguidade decorridos até ao trânsito em julgado deste acórdão,  perfazendo, nesta data, € 1.683,5.

Porque a acção foi proposta em 7/5/2012 e o despedimento ocorreu em 31/3/2012, tem o A. direito às retribuições (incluindo das férias, subsídios de férias e de Natal) vencidas desde o 30º dia anterior à propositura, ou seja, desde 7/4/2012 até à data do trânsito em julgado deste acórdão, a que haverá, todavia, que deduzir as importâncias que o mesmo tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, mormente, se for caso disso, a título subsídio de desemprego, devendo, nesse caso, ser o valor do mesmo entregue pela R. à Segurança Social.

Face ao desconhecimento dos valores a deduzir, relega-se para o incidente prévio à execução, se necessário, o apuramento dos valores devidos.

Relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, pelas razões expendidas na sentença, tem o mesmo que ser julgado improcedente, a mesma sorte cabendo ao pedido referente a compensação por trabalho suplementar alegadamente prestado, uma vez que nenhuma prova foi feita dessa prestação.

No que concerne ao pedido de pagamento da retribuição de férias vencidas em 1/1/2012 não gozadas e respectivo subsídio, uma vez que se trata de prestações abrangidas pelo documento de quitação emitido pelo A.”por força da caducidade do contrato de trabalho” encontra-se a R. desonerada  do respectivo cumprimento. Não pode pois proceder tal pedido.

Por último, improcedem os pedidos deduzidos nas duas últimas alíneas, por não se verificarem os pressupostos em que assentam.

Decisão

Em face do exposto acorda-se em julgar procedente o recurso e revogar a sentença, decidindo em substituição desta:

- julgar nula a cláusula de termo aposta ao contrato dos autos, considerando o mesmo como contrato de trabalho sem termo e, em face disso, considerar ilícito o despedimento do A. ocorrido em 31/3/2012;

- condenar a R. a pagar ao A. indemnização em substituição da reintegração correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades (= € 336,70)  por cada ano de antiguidade ou fracção  contada até à data do trânsito em julgado deste acórdão e que, nesta data, perfaz € 1.683,50 e as retribuições (incluindo de férias entretanto vencidas e respectivo subsídio, bem como subsídio de Natal) vencidas desde 7/4/2012 até ao trânsito em julgado deste acórdão, a que haverá que deduzir as importâncias que o mesmo tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, mormente, se for caso disso, a título subsídio de desemprego, devendo, nesse caso, ser o valor do mesmo entregue pela R. à Segurança Social, relegando-se o respectivo apuramento para o incidente de liquidação prévio à execução.

- absolver a R. dos restantes pedidos.

Custas nesta instância pela R. e na 1ª instância por ambas as partes na proporção de 2/3 pela R. e 1/3 pelo A..

            Lisboa, 17 de Dezembro de 2014

            Maria João Romba

            Paula Sá Fernandes

            Filomena Manso


[1] Vide a anotação de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no CPC Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª ed., pag. 704.
[2] In A Protecção do Salário, pag. 225 (separata do vol XXXIX do Suplemento ao Boletim .da Faculdade de directo de Coimbra).
[3] Remissão, Reconhecimento Negativo de Dívida e Contrato Extintivo da Relação Obrigacional Bilateral, in BMJ nº 43, Julho 1954.
[4] Obra citada, pag. 223.
[5] João Leal Amado, obra e local citados.

Decisão Texto Integral: