Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES PROGENITOR PRESO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/16/2017 | ||
Votação: | MAIORIA COM UM VOTO VENCIDO | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | – no processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, na vertente da atribuição e definição do quantum da prestação alimentícia, os critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos traduzem-se nas: – necessidades das alimentandas menores ; – possibilidades do progenitor pai alimentante ; – possibilidades das menores alimentandas proverem à sua subsistência, ou seja, de dispor de réditos e proventos capazes de, por si só, suprir a incapacidade decorrente da sua menoridade; – não fixar pensão de alimentos, mesmo nas situações em que o progenitor não guardião não aufere rendimentos de trabalho, nem possui outros com natureza constante ou periódica, seria, efectivamente, uma negação do direito constitucionalmente reconhecido ao menor filho, pelo que a prevalência deverá sempre ser a decorrente das necessidades do filho menor em contraponto com as possibilidades do progenitor alimentante ; – pelo que o Tribunal apenas não deve proceder à fixação de prestação alimentícia, a cargo do progenitor não residente com o menor, nas situações em que, por total incapacidade, permanente e involuntária, nomeadamente a decorrente de doença, é incapaz de angariar rendimentos próprios provenientes do trabalho, e não possui quaisquer outros, na sua disponibilidade, que possam ser afectos às necessidades dos carentes credores filhos ; – progenitor não guardião que é condenado em pena de prisão efectiva, pela prática de ilícito penal, coloca-se, ao praticar tais factos que sabia poderem conduzir a uma condenação penal que o privasse da liberdade, de forma voluntária e por si controlável, numa situação económica mais desvantajosa àquela que poderia usufruir e que lhe permitiria a angariação de rendimentos capaz de satisfazer as necessidades alimentícias das filhas menores. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1].
I–RELATÓRIO: 1– A., residente na Rua……., interpôs processo especial de alteração da regulação das responsabilidades parentais das menores filhas M., nascida em 15/10/2005, e F., nascida em 18/08/2010, contra FL., nos quadros do artº. 42º, nºs. 1 e 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. Tal processo tutelar cível foi instaurado em 20/10/2016, requerendo alteração relativamente ao regime de alimentos vigente, requerendo que o Requerido progenitor seja condenado no pagamento da prestação alimentícia mensal de 50,00 € para cada filha menor. 2– Citado o Requerido, não apresentou quaisquer alegações. 3– Nos termos do artº. 35º do RGPTC, ex vi do nº. 5 do artº. 42º, do mesmo diploma, foi realizada conferência de progenitores no dia 26/01/2017, conforme resulta da acta junta a fls. 10. Nesta, consignou-se as declarações prestadas pelo Requerido progenitor, determinando-se, ainda, a realização de diligências nos quadros do nº. 3 do artº. 37º do RGPTC. 4– Junto aos autos o resultado das diligências probatórias determinadas, foi emitido parecer pela Digna Procuradora da República, que consta de fls. 44 e 45. 5– Em 17/05/2017, veio então a ser proferida sentença, que concluiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a presente acão por não provada, não se fixando obrigação de alimentos ao requerido/pai. Custas pela requerente. Registe e notifique”. 6– Inconformada com o decidido, a Requerente progenitora interpôs recurso de apelação, em 05/06/2017, por referência à decisão prolatada. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “1.–O critério da proporcionalidade a que alude o artigo 2004º do Código Civil releva para efeitos de fixação do montante de alimentos, mas não para se excluir o seu pagamento. 3.–As crianças têm necessidades de alimentação, vestuário, educação, instrução, etc, independentemente da profissão dos progenitores e do efetivo exercício da mesma ou não. 4.–A ausência da obrigação de pagar desde já a pensão de alimentos, não só coloca numa situação muito delicada as menores, como inviabiliza qualquer outra forma de lhe acorrer, como seria o acionamento do Fundo de Garantia de Alimentos. 5.–A decisão recorrida violou as disposições constantes do art. 69º da Constituição da República Portuguesa, 2003º e 2004º do Código Civil e art. 1º da Lei 75/98, de 19.11. 6.–Deve ser revogada a decisão recorrida, fixando-se outrossim uma prestação de alimentos a suportar, de imediato, pelo progenitor a favor das suas filhas menores”. 7. –Na resposta ao recurso, apresentou o Ministério Público as seguintes CONCLUSÕES: “1.– Mediante decisão de 17.05.17 proferida no âmbito de Apenso para alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, foi decidido que "não sendo possível ficcionar qualquer capacidade de trabalho ao pai, privado da liberdade em cumprimento de pena de 8 anos de prisão, não se fixará obrigação de pagamento de prestação de alimentos ao pai, de cumprimento impossível". 2.– O pai, que não tem as crianças à sua guarda, tem obrigação de prestar alimentos, conforme o postulado nos artigos 1878°n° 1,1879°e 2003° Cc. 3.– A decisão de que se recorre entendeu que este pai integra a previsão legal do artigo 2004°, nº 1 CC não fixando todavia alimentos, porque se "os alimentos são proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los ..." então não são de fixar quando está provada inexistência de meios. 4.– Isto, sejam os meios de ordem pessoal (a prisão) sejam os meios materiais gerais (a inexistência de rendimentos no exterior enquanto preso). 5.– Uma decisão que fixasse pensão de alimentos para data incerta do futuro "quando o pai começar a trabalhar" é uma decisão que violaria o "princípio da atualidade" a que devem obediência a decisões acerca a situação das crianças, posto que é sobre a situação do seu pai e a sua vida no momento que a decisão é proferida que a mesma incide. 6.– Situação diversa (que a mãe aqui convoca, mas a decisão em recurso afastou, entendendo que se não aplica) é a que se verifica quando se sabe que o obrigado pai está vivo, em idade laboral e não se encontra reformado por invalidez ou preso, apenas ausente em parte incerta ou temporariamente desempregado (mas não impedido de procurar ativamente trabalho) e que implica seja ficcionado um rendimento mensal do trabalho e fixada pensão de alimentos. 7.– O Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores assegura o pagamento dos alimentos devidos a menores, quando os obrigados a não assumam, ficando aquele sub-rogado nos direitos dos menores contra os devedores - cfr. Lei n.º 75/98, de 19/11. 1.– De harmonia com o disposto no artigo 1°, da referida Lei e art. 3° do DL n.? 164/99, de 13/05, que regulamenta a atribuição daquela prestação social, constituem pressupostos do direito de acesso do Fundo, designadamente a fixação por sentença de alimentos devidos a menores (que existe, desde o divórcio), a não satisfação pelo devedor daqueles alimentos e a não obtenção coerciva da prestação de alimentos através dos meios previstos no artigo (ao tempo 189° da OTM) atualmente 48° RGPTC (ambos os requisitos já verificados nesta sentença em recurso) 2.– Os mecanismos de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores implicam portanto, que entre outros pressupostos, exista previamente ao acionamento da intervenção, uma fixação de pensão, o posterior incumprimento e um reconhecimento da impossibilidade de obter o pagamento pelos meios de cobrança coerciva de desconto em rendimentos (atualmente o artigo 58º RGPTC). 3.– A decisão de que se recorre, que não consente o recurso ao FGAM, respeita a regra geral, de acordo com o princípio da atualidade e não impede as crianças de através dos meios gerais da Segurança Social, aceder aos apoios tidos por necessários. 4.– Salvo melhor interpretação, a decisão operou uma correta leitura do interesse do menor aplicou devidamente o Direito e assim não merece reparo. 5.– Pelo que deve manter-se nos seus precisos termos. Isto, sempre com o muito suprimento de V. Exas. Assim, se fará Justiça!”. 8–O Requerido progenitor não apresentou contra-alegações. 9–Tal recurso foi admitido conforme despacho datado de 04/07/2017, constante de fls. 59. 10– Distribuído ao Exmo. Relator, veio este a ficar vencido relativamente á decisão, pelo que o presente Acórdão passou a ser lavrado pelo 1º Adjunto, nos termos do nº. 3 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil. 11– Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir ***** II– ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO. Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas ; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento da seguinte questão: O que implica, in casu, basicamente, apreciar se: – não sendo conhecido ao progenitor não guardião qualquer fonte de rendimento deve, ainda assim, ser fixada prestação de alimentos a favor das filhas menores, nos quadros do artº. 2004º do Cód. Civil ; – se, com base em tal entendimento, ocorreu qualquer alteração nas condições do regime homologado (e vigente), justificadora da pretendida alteração. ***** III–FUNDAMENTAÇÃO. Na decisão recorrida/apelada, foi CONSIDERADA PROVADA a seguinte matéria de facto: “1.– M., nascida a 15-10-2005, e F., nascida a 18-08-2010, são filhas de Fl. e de A.. 2.– Nos autos principais de divórcio, por decisão homologatória proferida a 29-10-2015, foi fixado o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos seguintes: a)- As menores, M., nascida a 15/10/2005 e F., nascida a 18/08/2010, ficam à guarda e cuidados da mãe, com quem terão residência habitual e que sobre ela exercerá as responsabilidades parentais nas questões do quotidiano, sendo sua encarregada de educação. b)- Nas questões de especial importância da vida das menores, designadamente em matéria de representação judiciária ou patrimonial, de intervenções médico-cirúrgicas e deslocações para fora do espaço europeu, as responsabilidades parentais serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores. c)- O progenitor poderá estar com as menores em fins de semana alternados. d)- Durante a semana, à sexta-feira, as menores jantam com o pai. Quando o fim de semana seguinte caber ao pai, as menores ficam com o pai das l8:00 horas de sexta-feira às l8:00 horas de Domingo. e)- Todos os anos, as menores passarão com o pai o dia do pai e o aniversário deste; com a mãe o dia da mãe e o aniversário desta; o aniversário das próprias menores serão passados em parte com cada um dos progenitores, de modo a que façam uma refeição com cada um - em moldes a combinar entre ambos f)- Na quadra natalícia, as menores passarão alternadamente com cada um dos progenitores, por um lado, os dias 24 Dezembro e 1 Janeiro e, por outro, os dias 25 e 31 de Dezembro - sempre das 10h de véspera às 10h do dia seguinte. g)- O progenitor quando começar a trabalhar, o que será informado expressamente pela progenitora no processo (com exercício do contraditório na pessoa do pai), pagará a quantia de 50,00€ a cada menor, o qual deverá ser entregue à mãe, através de depósito/transferência bancária, para conta cujo NIB indicará em 5 dias; até ao dia 8 de cada mês, com início em Novembro de 2015. Tal montante será anual e automaticamente atualizado, em janeiro, segundo o índice de inflação mais baixo apurado pelos serviços oficiais de estatística para a Região Autónoma dos Açores. h)- As despesas extraordinárias de saúde com as menores, na medida em que não cobertas por quais quer sistema de saúde públicos ou privados, bem como as escolares de inicio de ano letivo, com a aquisição de material e livros escolares, não cobertas pelo apoio social escolar, serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, para o efeito devendo a mãe, no prazo de 10 dias após efetuá-las, comunicá-las ao pai por escrito e com cópia dos comprovativos, cabendo-lhe a ele nos 10 dias após a comunicação, depositar na conta dela a metade que lhe corresponde. 3.– As menores vivem com a mãe, no agregado familiar de origem desta, com os avós maternos, em moradia de tipologia T4, onde lhes está afeto um quarto, habitação que possui boas condições de habitabilidade, higiene e organização. 4.– O avô materno aufere 400,00€ de reforma [2],e a requerente/mãe, que faz economia separada do restante agregado, 300,00€ de rendimento social de inserção, 60,44€ de prestações familiares relativas às duas menores, afetando 75,00€ a despesas específicas das menores (aquisição de senhas da M., e consultas de oftalmologia desta, vestuários e calçado de ambas as crianças). 5.– O progenitor está atualmente presos em cumprimento de pena de 8 anos de prisão à ordem do processo n." 21/16.1 T9RGR.l, não possuindo qualquer rendimento. 6.– Recebe regularmente visitas das filhas no E.P.”. ***** B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1)– Da verificação de erro de julgamento na subsunção jurídica exposta na decisão recorrida/apelada A decisão apelada julgou pela improcedência do presente processo especial tutelar de alteração da regulação das responsabilidades parentais, optando por não fixar qualquer prestação alimentícia a cargo do Requerido progenitor pai (única vertente em equação no presente pedido de alteração). Na sua sintética fundamentação jurídica, referenciou o seguinte: “O processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais é de jurisdição voluntária, não estando o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna face aos interesses envolvidos. Conforme supra referido nos presentes autos está em discussão apenas a fixação de prestação de alimentos. Como alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação da criança (artigo 2003° do Código Civil). Estes devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (artigo 2004° do Código Civil). No caso presente, estamos em presença de crianças de 6 e 11 anos de idade, sem problemas de saúde que frequentam a escola. Necessitam de vestuário, alimentação, calçado, medicação (esta ocasional), de óculos (no caso da M.), e ainda de viver em casa condigna. A progenitora é de baixa condição sócio económica e o progenitor apesar de estar em idade ativa está privado da liberdade e por isso não tem capacidade de gerar rendimentos do trabalho, e não dispõe de outras fontes de rendimentos, que lhe permitam contribuir para o sustento das filhas. Assim, não sendo possível ficcionar qualquer capacidade de trabalho ao pai, privado da liberdade em cumprimento de pena de 8 anos de prisão, não se fixará obrigação de pagamento de prestação de alimentos ao pai, de cumprimento impossível. Nesta caso o auxílio à mãe para o sustento destas crianças terá de partir da segurança social e não do Fundo de Garantia a Alimentos, cuja intervenção pressupõe sempre a capacidade de gerar rendimentos do obrigado a alimentos e a impossibilidade verificada posteriormente de cumprimento desta obrigação, e daí que se preveja que o FGADM fique sub-rogado nos direitos do credor de alimentos, por ter cumprimento a obrigação em substituição do devedor”. A alteração requerida pela progenitora mãe, ora Apelante, funda-se na circunstância da condição prevista no acordo vigente de regulação das responsabilidades parentais (que foi objecto de homologação, quanto a nós, acrescente-se, desde já, eufemisticamente discutível), na vertente da prestação alimentícia, apenas prever o pagamento desta quando o progenitor “começar a trabalhar”, prevendo-se que tal “será informado expressamente pela progenitora no processo (com exercício do contraditório na pessoa do pai)”. Acrescenta-se, em tal cláusula homologada, que o valor da prestação mensal seria de 50,00 € para cada filha menor, a pagar até ao dia 8 de cada mês e sujeita a anual actualização, depreendendo-se, ainda, do teor do clausulado, que tal se iniciaria em “Novembro de 2015”, ou seja, dois dias depois da homologação do acordo (datada de 29/10/2015). Donde se conclui, na interpretação do consignado, que o Requerido progenitor, ora Apelado, começaria a trabalhar no mês de Novembro. Todavia, como tal não sucedeu, ou seja, nunca se verificou aquela condição, pretende a Requerente Apelante que a fixação da prestação alimentícia se faça pelo valor então acordado, e homologado, mas sem sujeição àquela condição, pois o progenitor Apelado encontra-se a cumprir pena de prisão, impedido de “começar a trabalhar”. Está assim fundamentalmente em causa a legal pertinência de fixação de pensão alimentícia (e, na afirmativa, do quantum) a pagar pelo Apelado à Apelante progenitora, relativamente a cada um das filhas menores, cuja residência se encontra fixada junto desta. Vejamos. Prescreve o artº. 1901º, nº. 1, do Cód. Civil, que “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais” e, “se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro ….” – cf., o nº. 1, 1ª parte do artº. 1902º, do mesmo diploma. Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o artº. 1906º, ainda do Cód. Civil, que: “1–As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 2–Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. 3–O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente ; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. 4–O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício. 5–O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. 6–Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho. 7–O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”. Estipulando especificamente acerca dos alimentos em tais situações de ruptura, aduz o anterior normativo – nº. 1 do 1905º [3]- que “os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação ; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”. E, tais normativos, para além das enunciadas situações de ruptura da sociedade conjugal, são igualmente aplicáveis “aos cônjuges separados de facto” – cf., o artº. 1909º, ainda do Cód. Civil. Bem como às situações em que ambos os progenitores vivam em condições análogas às dos cônjuges, prescrevendo o artº. 1911º, nos seus nº.s 1 e 2, igualmente do mesmo diploma, que: “ 1– quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901º a 1904º. 2– No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905º a 1908º”. De forma mais ampla, relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o artº. 1877º do Cód. Civil que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf., o nº. 1 do artº. 1878º. E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o artº. 1874º, igualmente do Cód. Civil, que: “1.–pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência. 2.–O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”. Na previsão do regime adjectivo do presente processo especial do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, refere o nº. 1 do artº. 40º do RGPTC – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 [4] -, aplicável ex vi do nº. 5 do artº. 42º do mesmo diploma, que o exercício das responsabilidades parentais “será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”, acrescentando o nº. 2 que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (…)”, reiterando-se a aplicabilidade do regime regulatório de tais responsabilidades aos “filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio” – cf., o nº. 1 do artº. 43º do mesmo diploma. Acrescenta, ainda, o nº. 5 daquele artº. 40º que “quando o filho for confiado a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, o tribunal decide a qual dos progenitores compete o exercício das responsabilidades parentais na parte não abrangida pelos poderes e deveres que àqueles devem ser atribuídos para o adequado desempenho das suas funções”. E, aduz ainda o artº 42º, nº. 1, do mesmo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”. Decorre do exposto que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cf., artºs. 40º, nº.1 do RGPTC e 1905º, nº.1 e 1911º, nº. 2, ambos do Código Civil. Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz” [5], sendo que a prossecução ou procura do seu interesse “passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afectivo contínuo entre ambos” [6]. É, portanto, em face deste interesse que se irá fundamentalmente analisar e aferir acerca das questões supra enunciadas. De acordo com o estabelecido no artº 2004º do Cód. Civil são os alimentos fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo ainda os alimentos “a instrução e a educação do alimentado, no caso de este ser menor” – artº 2003º do Cód. Civil. Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social. É geralmente aceite que os menores têm direito a qualidade de vida tanto quanto possível idêntica à que desfrutam os que quanto a eles se encontram obrigado à prestação de alimentos, maxime os progenitores. Efectivamente, “porque os pais lhe deram o ser e a vida, dita a razão natural que sejam obrigados a conservarem-lha, contribuindo, primeiro que todos, com os alimentos necessários para este fim” [7]. Tal dever parental merece, inclusive, consagração constitucional, ao prescrever o nº. 5 do artº. 36º da Constituição da República Portuguesa que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, acrescentando o Princípio 1 da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4, serem as responsabilidades parentais definíveis como “o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar (…) material do filho, designadamente, (…) assegurando o seu sustento (…)”. Por sua vez, os nº.s 1 e 2 do artº. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança [8], aduz que: “1.–Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social. 2.–Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”. A que acresce o proclamado no Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança [9], no sentido de que “a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos”. Nas palavras de Vaz Serra [10], por alimentos deve entender-se “tudo o que é indispensável à satisfação da necessidades da vida segundo a situação social do alimentado”, pelo que a prestação alimentar concreta há-de determinar-se a partir do “confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos, tendo em conta os critérios postos pelo artigo 2004º do C. Civil, dos quais resulta que na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas…”, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual”. E, realce-se, na noção de alimentos devidos aos filhos menores, que compreende as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação, “o conceito de “sustento” é mais vasto que a simples necessidade de alimentação, não se aferindo pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável à condição de vida necessária ao seu desenvolvimento integral” [11] . Nas palavras de Helena Bolieiro e Paulo Guerra [12], está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional”. Deste modo, a obrigação alimentícia a cargo dos progenitores “visa tutelar não só o direito à vida e integridade física do alimentando, mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio ou da ruptura da convivência de facto, de forma a que as alterações no seu estilo de vida e no seu bem-estar sejam o mais reduzidas possíveis”. Decorre do exposto, nos termos já sumariados no douto Acórdão da RC de 05/11/2013 [13] que a medida da prestação alimentar determina-se, então, “pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”, sendo que “a falta de possibilidades, perfila uma excepção, cuja prova incumbe ao devedor de alimentos” [14] [15]. A primeira questão em equação - não sendo conhecido ao progenitor não guardião qualquer fonte de rendimento deve, ainda assim, ser fixada prestação de alimentos a favor das filhas menores ? – tem merecido duas diferenciadas abordagens jurisprudenciais, tradutoras das seguintes posições em confronto. Nas palavras do douto Acórdão da RG de 20/12/2012, “[por] um lado, há os que defendem que a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, sempre que o obrigado não tiver quaisquer meios para cumprir esse dever de prestar alimentos. Entendendo, que não é possível a fixação da prestação de alimentos, com o argumento de que, cabendo ao autor o ónus de provar os elementos constitutivos do seu direito e não se provando o modo de vida do réu, o tribunal encontra-se impossibilitado de apreciar, por forma a dar cumprimento ao critério da proporcionalidade consagrado no n.º 1, do art. 2004.º, devendo abster-se de fixar qualquer pensão de alimentos, ver entre outros neste sentido Acs RL de 18.1.2007, de 4.12.2008 e de 17.09.2009 e AC.RP de 25.3.2010, todos in www.dgsi.pt. Deste modo, para os partidários ou defensores deste segundo entendimento jurisprudencial, sendo certo que um dos critérios legais de fixação dos alimentos se traduz nas possibilidades do alimentante – conforme o nº. 1, do artº. 2004º, do Cód. Civil, já referenciado -, não possuindo o progenitor “condições económicas, por razões de ordem familiar, que lhe permitam contribuir, concretizar ou materializar o direito á prestação alimentar, nem por isso, como se procurou demonstrar supra, o órgão encarregado de determinar e definir o direito, se pode abster de afirmar a existência desse direito, no momento presente, permitindo a constituição de uma obrigação que, não podendo ser executada desde já, possibilite, a sua exequibilidade em momento posterior, ou quando existirem condições económicas para a prestação poder ser efectivamente concretizada” (sublinhado nosso)[23]. Donde decorre que não seria posição adequada, justa e minimamente defensora dos interesses dos menores que “a solução perfilhada na decisão recorrida de deixar para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do Mº Pº com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada, a não ser o estrito sentido literal do critério do art. 2004º do CC, a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos, em que a falta de solidariedade familiar do requerido já se vem demonstrando desde há cerca de 5 anos. Verifica-se, deste modo, que jurisprudência firme e reiterada do nosso Tribunal Superior é “no sentido de que a ausência em parte incerta do progenitor vinculado à prestação de alimentos ou a falta de condições económicas para a prestação de um montante adequado à subsistência do filho não devem precludir a fixação de alimentos, já que tal omissão iria pôr em causa interesses e direitos fundamentais do menor” [28] (sublinhado nosso). O entendimento assim sufragado considera “que a tutela do interesse fundamental do menor tem efectivamente de prevalecer sobre quaisquer constrangimentos ou dificuldades procedimentais ou práticas que hajam obstado à aquisição processual de factos relevantes para aferir da capacidade económica do progenitor, vinculado pelo dever fundamental de custear prestação que garanta o direito a uma sobrevivência condigna do seu filho menor: não existindo, no caso, outros possíveis responsáveis subsidiários pela prestação alimentar e não parecendo viável, de jure constituto, realizar uma interpretação correctiva dos pressupostos da subrogação do Fundo de Garantia de Alimentos, que, pura e simplesmente, prescinda da prévia fixação judicial da prestação alimentar, expressamente prevista na lei, o abandonar a fixação de alimentos a cargo do progenitor com base numa indefinição factual sobre as capacidades contributivas do progenitor acabaria por conduzir a uma insuportável lesão do referido direito fundamental, ao privar totalmente o menor da prestação alimentar de que carecia num caso em que a sua situação de fragilidade e dependência ( acentuada pela ausência do progenitor) seria provavelmente mais intensa”. E aduz, justificando o recurso ou apelo a presunções naturais e juízos ou critérios de equidade, não ser esta, seguramente, a única situação em que os tribunais acabam por “ter de tomar decisões sobre matérias que se revelam de impossível apuramento consistente através dos factos e provas efectivamente produzidas nos autos (basta pensar na fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros sofridos por lesado menor, em que não é identicamente viável formular juízos minimamente seguros e consistentes sobre o curso hipotético dos factos, sem que por isso o julgador não acabe por ter de dirimir efectiva e actualmente o litígio, através dos elementos disponíveis)”. Doutrinariamente, parecendo, prima facie, trilhar caminhos distintos dos que vimos referenciando, correspondentes ao primeiro entendimento jurisprudencial exposto, refere Remédio Marques [29] que “os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos serão todos aqueles factos voluntários ou controláveis pelo devedor, que o colocam numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que, doutro modo, poderia usufruir (v.g., colocação voluntária em situação de desemprego, emprego a tempo parcial ou sub-emprego, escolha de uma actividade profissional menos lucrativa, tendo em vista a respectiva formação e /ou experiência profissional). Todavia, o mesmo autor aduz [30], em nítida sintonia com o entendimento supra sufragado pelo STJ, que "os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estados de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção à pessoa e aos interesses do menor. Na nossa opinião não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art. 2004/1 do CC, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade, se deve atender às possibilidades económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz-se mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estes estejam desempregados e não tenham meios de subsistência. Na verdade, a capacidade de trabalho é um elemento atendível na fixação da obrigação, mesmo que se esteja temporariamente sem trabalho" (sublinhado nosso). No trilhar do mesmo entendimento, correspondente ao juízo uniforme do nosso Tribunal Superior, acrescenta, ainda, que é a situação de necessidade do menor, que não as possibilidades do progenitor, que condicionam ou modelam a própria obrigação de alimentos, pelo que, mesmo “que os progenitores ou algum deles não tenha possibilidades económicas actuais de prover ao sustento do menor – por se encontrar, por exemplo, desempregado ou a cumprir uma pena privativa de liberdade -, deve decretar-se essa obrigação, ainda que os montantes fixados sejam reduzidos, ou no anverso, deve recusar-se a homologação […] de um acordo onde não se preveja o concreto nascimento dessa obrigação a cargo de algum dos progenitores” [31] (sublinhado nosso). E, concludentemente, acrescenta, reafirmando, que “nas hipóteses de condenação em pena de prisão efectiva, há uma tendência para, apesar de tudo, imputar rendimentos durante o período de inactividade derivado da aplicação da pena – cfr. o caso de Layman v. Layman, em 1997, do Court of Appeal de Virginia, 488 S.E, 2d, 659, apud FLQ, cit. pág. 753” [32] (sublinhado nosso). Doutrinariamente, e colhendo-o do douto projecto que não obteve vencimento, enuncie-se, ainda, a posição defendida por Maria Clara Sottomayor [33] ao referenciar que “se o alimentante se colocar voluntariamente numa situação em que é incapaz de arranjar emprego, não dispensa o alimentante de cumprir a obrigação de alimentos. Para este efeito devem ser elaboradas regras para imputar rendimentos a pais desempregados de acordo com a sua capacidade de trabalhar e ganhar dinheiro” (sublinhado nosso). Por fim, e no desiderato da exposição, refiram-se, exemplificativamente, vários arestos [34] tradutores das duas posições perfilhadas: 1)–Do Supremo Tribunal de Justiça: –De 15/05/2012–Relator: Alves Velho (paradeiro e condições económicas do progenitor desconhecidas) ; –De 12/11/2009 – Relator: Lopes do Rego, que invoca o Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 525/01, que considerou “manifestamente infundada a questão da invocada inconstitucionalidade da norma constante do art.180º, nº1, da OTM, conjugada com o art.2004º do CC, na interpretação segundo a qual o interesse do menor poderia legitimar a condenação do respectivo progenitor ao pagamento de uma pensão alimentar, apesar de este não dispor de rendimentos, tendo, porém, o dever de trabalhar, ainda que como trabalhador - estudante, com vista a auferir a quantia suficiente para cumprir minimamente os seus deveres ,no confronto do filho menor” (sublinhado nosso) ; 2)–Do Tribunal da Relação de Lisboa: – De 03/03/2016 – Relator: Vaz Gomes (inexistência de prova sob a situação sócio-económica do obrigado), referenciando-se que “o Tribunal deve salvaguardar o superior interesse do Menor fixando uma obrigação alimentícia a seu cargo ainda que, depois, em razão de futuro incumprimento dessa obrigação, se não venha a cobrar por inexistirem meios ou bens. Todavia, como bem diz o Ministério Público, essa é a única forma de, posteriormente, e em razão da impossibilidade de cobrança alimentar do progenitor obrigado, a progenitora guardiã, que de forma inconstitucionalmente desigualitária suporta o encargo, poder vir a obter algum alívio junto do Fundo de Garantia” ; –De 05/04/2016 – Relator: João Ramos de Sousa, onde se defende que “o art. 2004 do Código Civil, não pode ser interpretado no sentido de isentar os pais de prover à subsistência dos filhos enquanto não se apurarem completamente os seus rendimentos – interpretação que não é consentida pelo princípio jurídico da responsabilidade parental com o sustento dos filhos (art. 1878-1 do Código Civil), o princípio do interesse superior da criança (art. 27-2 da Convenção dos Direitos da Criança) e o princípio fundamental da proteção às crianças (arts. 69 e 70 da Constituição)” ; –De 25/06/2015 – Relatora: Teresa Albuquerque, defendendo a necessidade de fixação de pensão de alimentos ainda que se desconheça a situação económica do progenitor, por se encontrar em parte incerta ; admite, todavia, que o obrigado progenitor prove a impossibilidade de os prestar e consequente desoneração, sem explicitar a natureza ou amplitude de tal impossibilidade ; –De 23/04/2015 – Relator: Eduardo Azevedo, que define a necessidade de fixação de prestação alimentícia, mesmo na situação de desconhecimento do paradeiro do progenitor ; –De 19/02/2013 – Relator: Rui Vouga, que considera que o progenitor não fica desonerado da obrigação de prestação alimentícia pelo facto da sua simples ausência em parte incerta e do desconhecimento da sua situação económica, apenas ficando desonerado no caso de prova da impossibilidade de prestar alimentos, sendo que na situação concreta “não se apurou que o mesmo seja portador de qualquer incapacidade laboral, permanente ou definitiva, que o iniba de procurar e executar um trabalho que lhe permita auferir rendimentos de modo a cumprir o dever de alimentos que tem para com os seus filhos/menores” ; 3)–Do Tribunal da Relação de Coimbra: –De 31/05/2016–Relator: Sílvia Pires, em cujo sumário se reafirma que o direito “à prestação de alimentos a menores constitui um direito fundamental, consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição, que nesta dimensão decorre do direito à vida estabelecido no artigo 24.º da Constituição, devendo ser considerado um direito de natureza análogo aos direitos, liberdades e garantias, para os efeitos do artigo 17.º da Constituição” ; –De 26/01/2016 – Relator: Arlindo Oliveira, em que está em equação a situação de um progenitor que, por doença, permanente e definitiva, está incapacitado de trabalhar, não dispondo de outros rendimentos. Considera, deste modo, não ser de fixar qualquer prestação alimentícia, sendo tal questão autónoma da possibilidade de demandar o Fundo de Garantia de Alimentos, ou seja, da averiguação dos pressupostos ou requisitos “para a intervenção substitutiva do referido Fundo, a averiguar em sede própria e com a intervenção deste” ; –De 24/03/2015 – Relator: Jorge Arcanjo, que defende a fixação de pensão de alimentos a progenitor a ela obrigado, mesmo que desempregado e insolvente ; 4)–Do Tribunal da Relação do Porto: –De 11/12/2012 – Relator: Márcia Portela, no sentido de que “em caso de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado, ou de comprovada insuficiência de meios, não é possível proceder à fixação de alimentos a menor que deles careça, devendo ser accionados os demais obrigados nos termos do artigo 2009º CC” ; –De 23/04/2012 – Relator: Eusébio de Almeida, considerando ser “obrigação judicial a fixação de alimentos a favor do menor, alimentos devidos pelo progenitor com ele não convivente, mesmo que ao obrigado não se conheçam bens, rendimentos ou modo de vida”, apenas se admitindo que tal não aconteça, dispensando-se o pagamento de alimentos, “em circunstâncias excecionais e pontuais, quando estiver em causa em causa a própria subsistência do obrigado” ; –De 03/10/2011 – Relator: Ana Paula Amorim, no sentido de que deve ser fixada pensão de alimentos mesmo no caso do progenitor, não guardião, se encontrar desempregado, pois não está impedido de poder trabalhar e angariar meios para suportar os encargos que derivam do facto de ser progenitor, pelo que “apenas em circunstâncias pontuais, quando está em causa a própria subsistência do obrigado deve ser dispensado o seu pagamento” ; –De 27/06/2011 – Relator: Abílio Costa, no sentido de que “para afastar a obrigação de alimentos, parece que não bastará o não apuramento de rendimentos por parte do obrigado. Sendo necessário estar provado, ainda, que não os pode obter”. Assim, mesmo no caso em que não se apure rendimentos por parte do progenitor com quem o menor não reside, “não fixar alimentos, no caso em apreço, acabaria por equivaler a desonerar, sem qualquer fundamento válido, o requerido da sua obrigação de prover ao sustento do menor, seu filho” ; 5)–Do Tribunal da Relação de Guimarães: –De 13/03/2014–Relator: António Santos, aí se sumariando que “ainda que seja desconhecido o paradeiro do respectivo progenitor, ou, sendo ele certo, não aufira porém qualquer remuneração mensal, deve ainda assim o tribunal, em sede de acção de regulação do exercício do poder paternal relativamente a menor cuja guarda não lhe foi atribuída, fixar a seu cargo uma prestação de alimentos devida à referida menor” (sublinhado nosso) ; –De 29/09/2014 – Relatora: Ana Cristina Duarte, que apela ao recurso de revista excepcional supra referenciado (AC. do STJ de 22/05/2013), defendendo, como no mesmo referenciado, que o “tribunal deve, tal como lhe é pedido, definir se o menor tem direito a alimentos e de acordo com as respectivas necessidades, atribuir um montante, tendo em consideração, com ponderação e recurso a critérios de equidade. Se o obrigado à prestação tem ou não possibilidade de proceder à prestação alimentar fixada é questão a apurar em execução de sentença e que poderá depois desencadear o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores” ; –De 29/09/2014–Relator: Espinheira Baltar, que defende a fixação de uma pensão alimentícia a cargo do progenitor que aufere apenas RSI no valor mensal de 180,00 €, vivendo o menor e irmão com a progenitora, em situação de sobrevivência, atento o desemprego desta. Defende expressamente que “o requerido tem o dever de contribuir, dentro das suas possibilidades, para o sustento do seu filho menor. Mesmo do seu parco rendimento, deve dispor de algum montante de molde a contribuir para o sustento do filho, sem que ponha em risco a sua sobrevivência. E julgamos, que neste caso, é de sã justiça que o requerido contribua com 50 euros do seu rendimento, para que o menor possa viver melhor, que, apesar de ser insuficiente, já altera um pouco a sua situação, não pondo em risco a sobrevivência do progenitor, apesar de ter de fazer mais sacrifícios” ; –De 12/11/2013–Relator: Edgar Gouveia Valente, que apela igualmente à posição definida pelo ao recurso de revista excepcional supra referenciado (AC. do STJ de 22/05/2013), defendendo a fixação de um quantum de pensão alimentícia, a cargo de progenitora desempregada, que aguarda a concessão de RSI ; –De 07/12/2010 – Relator: A. Costa Fernandes, que defende a fixação de pensão de alimentos a cargo de progenitor ausente em parte incerta e relativamente ao qual se desconhece a existência de rendimentos e bens, realçando que tal “fixação de uma pensão de alimentos a cargo de um progenitor que, conjunturalmente, não dispõe de rendimentos, bem como o accionamento do FGADM não inibe (nem dispensa) o representante do menor, nem o MP, de os exigir de outro familiar que os possa prestar, face ao que dispõe o art. 2009º, 1, c) a f), do Cód. Civil”. Aqui chegados, assumimos, claramente, a preferência pela solução defendida pela segunda das correntes expostas, correspondente ao juízo exposto nos arestos do nosso Tribunal Superior. Pela pertinência argumentativa, pelo salvaguardar dos interesses primários dos mais frágeis e carentes, pela sua correspondência aos princípios constitucionais e aos instrumentos legais internacionais de protecção dos direitos das crianças, pela diferenciação que efectua entre a definição do direito e quantificação do mesmo e pelo princípio de responsabilização, constante e permanente, que incute aos progenitores [35]. Não fixar pensão de alimentos, mesmo nas situações em que o progenitor não residente com o menor, não aufere rendimentos de trabalho, nem possui outros com natureza constante ou periódica, seria, efectivamente, uma negação do direito constitucionalmente reconhecido ao menor filho, pelo que a prevalência deverá sempre ser a decorrente das necessidades do filho menor em contraponto com as possibilidades do progenitor alimentante. Decidir de outra forma, para além daquela violação, traduzir-se-ia, ainda, em desrespeito pelo princípio da unidade do sistema jurídico, onerando o progenitor que, mesmo auferindo parcos rendimentos, encontra-se vinculado a efectuar todos os esforços para manter a contribuição alimentar ao filho, muitas vezes com claro prejuízo e sofrimento próprio, daquele que, por ausência de rendimentos, muitas vezes voluntária (directa ou indirectamente), assume uma atitude de relaxe, comodismo e desresponsabilização perante o dever que o vincula por ter decidido, num determinado momento, trazer ao mundo um ser que carece da sua protecção e da sua activa diligência em prover ao seu sustento, pelo menos enquanto não o puder fazer pelos seu próprios meios. Nem se poderá afirmar, com razão, que nestas circunstâncias a dívida de alimentos é injusta e iníqua. Injusto seria, em contraponto, privar os filhos de garantir o seu sustento no momento em que vivenciam situação de fragilidade decorrente da sua incapacidade em angariar recursos próprios. Pelo que, na economia do exposto, entende-se que o Tribunal apenas não deve proceder à fixação de prestação alimentícia, a cargo do progenitor não residente com o menor, nas situações em que, por total incapacidade, permanente e involuntária, nomeadamente a decorrente de doença, é incapaz de angariar rendimentos próprios provenientes do trabalho, e não possui quaisquer outros, na sua disponibilidade, que possam ser afectos às necessidades dos carentes credores filhos. Revertendo com maior acuidade ao caso concreto, para além do exposto, cumpre ainda referir o seguinte: para aqueles que entendem que os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos são apenas aqueles que são voluntários ou controláveis pelo devedor, colocando-o numa situação mais desvantajosa relativamente àquela que, de outro modo, poderia usufruir, a situação vivenciada pelo Requerido Apelado progenitor deveria merecer idêntico tratamento. Com efeito, tendo este praticado factos ilícitos, penalmente censuráveis, que determinaram a aplicação de uma pena de prisão efectiva de 8 anos, não será tal equiparável a colocar-se, de forma voluntária (e mesmo intencional), em situação de impossibilidade de cumprir o dever de sustentar as duas filhas menores ? Efectivamente tal circunstância só pode ser entendida como consubstanciando ou traduzindo facto voluntário e controlável pelo devedor progenitor, que se colocou numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que poderia usufruir, ao praticar tais factos que sabia poderem conduzir a uma condenação penal que o privasse da liberdade. O que ilegítima, mesmo naquele entendimento e de forma concludente, a dispensa de fixação de pensão alimentícia, com consequente irresponsabilização, não legalmente sancionável. No que concerne à questão formal de (in)existência de circunstâncias supervenientes que justifiquem o presente pedido de alteração das responsabilidades parentais, também apreciada no projecto vencido, urge, de forma concisa, referenciar o seguinte: – afigura-se-nos, de forma clara, que o acordo inicial relativamente às responsabilidades parentais, em sede de autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, transmutados em divórcio por mútuo consentimento, nunca deveria ter merecido homologação judicial, na parte em que previu a obrigação do progenitor pai de pagar alimentos às filhas apenas quando começasse a trabalhar (sem quaisquer garantias), ainda que se previsse que tal aconteceria em Novembro de 2015(mês imediato) ; – pelo que, perante os ulteriores desenvolvimento vivenciais do mesmo, vindo a ser privado da liberdade decorrido o prazo de aproximadamente 3 meses (em Fevereiro de 2016, conforme melhor veremos infra), não pode deixar de reconhecer-se ter ocorrido real e efectiva alteração das circunstâncias ; – efectivamente, com a sua reclusão, aquela condição a que, indevidamente, ficou condicionada a obrigatoriedade de pagar alimentos às filhas, passou a revelar-se de verificação ou preenchimento difícil, pelo menos nos anos mais próximos ; – pelo que, pensamos, não reconhecer tal, seria, independentemente de qualquer juízo de maior ou menor estrita observância das formalidades processuais, perpetuar o erro cometido na sentença homologatória inicial, mantendo uma situação de nítido prejuízo e afectação dos mais elementares direitos das filhas menores, carecidas de apoio alimentar, desde logo para a satisfação das suas necessidades mais básicas ou elementares ; – ademais, a própria sentença recorrida aceitou, ao tramitar os ulteriores termos processuais, que o facto do Requerido progenitor pai ter sido preso consubstanciava uma alteração das circunstâncias, nos termos em que tal requisito é exigido pelo nº. 1 do artº. 42º do RGPTC ; – E, tal alteração factual, apesar do inicialmente acordado e homologado, tinha e fazia toda a diferença. Com efeito, uma coisa seria ponderar a homologação com base numa condicionada obtenção de trabalho, ainda que com incerta previsão temporal a verificar-se no mês imediato ; outra, bem distinta, era a circunstância de, pelo menos nos anos imediatos, tal se verificar aparentemente de verificação ou preenchimento impossível, fruto do prolongado período de reclusão que a pena aplicada determinou ; – Pelo que, igualmente neste ponto se nos afigura indubitável a verificação do citado pressuposto necessário ao ulterior tramitar do processo tutelar cível em equação. Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, entende-se merecer censura a sentença apelada, a qual deverá ser substituída por outra que reconheça o direito das menores M. e F. a pensão alimentícia a pagar pelo Apelado progenitor pai. Prevendo acerca da regra da substituição ao tribunal recorrido, prescrevem os nºs. 1 e 2 do artº. 665º, do Cód. de Processo Civil, que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação. 2– Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”. Pelo que, na adopção de tal regra, nomeadamente do prescrito no enunciado nº. 2, por força da regra da substituição, deverá o presente Tribunal conhecer do objecto ou mérito da apelação, só assim não o fazendo caso não dispusesse dos elementos necessários ao efeito. O que se passa a cumprir infra. Todavia, e aprioristicamente, urge consignar o seguinte: decide-se pela não observância da audição enunciada no nº. 3 do artº. 665º, pelos motivos que se enumeram: relativamente à Apelante, a posição assumida nas alegações apresentadas já cumpriu manifestamente a intencionalidade legal de tal audição, sendo clara a pretensão deduzia, pelo que reiterar tal audição seria redundante e repetitivo ; no que concerne ao Apelado, a sua posição processual tem sido clara e coerente, no sentido de nunca se ter pronunciado através da dedução de qualquer requerimento escrito, não tendo sequer apresentado contra-alegações, sempre assumindo uma atitude de distanciamento perante a sorte processual e, especificamente, sobre o presente recurso em apreciação, tendo apenas comparecido em sede de conferência de progenitores, quando já se encontrava em situação de reclusão. Pelo que, proceder-se agora a tal audição configura-se expediente inútil e dilatório, que apenas iria atrasar (ainda mais) a sorte dos ulteriores termos processuais. ***** Nos termos do nº. 1 do artº. 662º do Cód. de Processo Civil, à matéria de facto fixada na sentença recorrida, decide-se, ainda, aditar a seguinte (mantendo a numeração ali feita constar): “7.– encontra-se privado de liberdade, ininterruptamente, desde 22/06/2015, tendo estado sujeito a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde tal data até 01/02/2016, data em que lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva ; 8.– frequentou, no estabelecimento prisional, a Rede Valorizar para qualificação e certificação no 6º ano de escolaridade ; 9.– sendo responsável, em trabalho de faxina, pela limpeza dos duches do estabelecimento prisional ; 10.– auferindo, por tal desempenho, a quantia de 27,00 € mensais ; 11.– quantia que despendia, segundo o próprio, nas suas despesas de tabaco e bens alimentares ; 12.– em 07 de Março de 2017, o Requerido progenitor foi expulso, pela segunda vez, do programa da Rede Valorizar, em virtude de ter atingido o limite de faltas ; 13.– tendo sido suspenso da execução das funções de faxina, por consumo positivo a THC, a 23 de Fevereiro ; 14.– Exercendo os seus pais (avós paternos das menores) as funções de costureira (avó) e pescador (avô), nas quais auferem quantias mensais não determinadas ; 15.– Por requerimento datado de 12/04/2016, que originou o apenso A, a Requerente progenitora instaurou Incidente de Incumprimento de Regime de Regulação das Responsabilidades Parentais, peticionando o pagamento da prestação alimentícia fixada pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores ; 16.– tendo tal requerimento sido liminarmente indeferido, por decisão de 06/05/2016, “dado que um dos pressupostos da intervenção do FGADM é a impossibilidade de cobrança coerciva da prestação de alimentos, que não se mostra verificada desde logo porque não foi requerido o procedimento a que alude o artigo 48º do RGPTC” ; 17.– Por requerimento datado de 17/05/2016, que originou o apenso B, a Requerente progenitora instaurou Incidente de Incumprimento de Regime de Regulação das Responsabilidades Parentais, requerendo a condenação do Requerido a pagar-lhe as prestações alimentícias vencidas, no valor total de 700.00 €, que fossem efectuadas as diligências necessárias ao cumprimento coercivo da obrigação alimentar e, em caso de impossibilidade deste, que a pensão fosse paga pelo FGADM ; 18.– Tal processo especial de incumprimento veio a ser julgado improcedente, por decisão datada de 12/10/2016, referenciando-se que «não existe evidência de o progenitor ter trabalhado entre 29/10/2015 e Abril de 2016, data em que foi privado da liberdade, em razão do que se conclui não ter a prestação de alimentos se vencido, não sendo em consequência exigível» ”. ***** A presente factualidade, no que concerne ao facto nº. 7, fundou-se no teor da liquidação da pena constante na decisão proferida em 25/05/2016, no âmbito do PCTC nº. 292/15.0PARGR, do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – Juiz 2. A factualidade constante dos pontos 8. a 14., teve por base ou fonte o teor dos relatórios sociais juntos aos autos a fls. 38 a 43, elaborados pelo Instituto da Segurança Social dos Açores, Ipra, igualmente considerados, sem censura, na decisão recorrida, e não contraditados por Apelante e Apelado. A demais factualidade, constante dos pontos 15. a 18., fundou-se no teor da análise e tramitação dos apensos A e B. ***** No caso concreto, a Apelante progenitora pretende a alteração do exercício da Regulação das Responsabilidades Parentais das filhas menores, no sentido do Requerido, e ora Apelado, progenitor ficar obrigado ao pagamento da prestação alimentícia mensal de 100,00 € (cem euros), correspondente a 50,00 € por cada uma das filhas. Analisemos, então, acerca do preenchimento factício dos já enunciados, e sobejamente avaliados, critérios ou pressupostos de fixação dos alimentos, nomeadamente: – Necessidades das alimentandas menores ; – Possibilidades do progenitor pai alimentante (tendo em atenção o juízo de prevalência supra exposto daquelas necessidades perante estas possibilidades) ; – Possibilidades das menores alimentandas proverem à sua subsistência, ou seja, de dispor de réditos e proventos capazes de, por si só, suprir a incapacidade decorrente da sua menoridade. Começando por este último item, da matéria de facto provada nada resulta relativamente á capacidade das menores M. e F. em proverem á sua subsistência – cf., artº. 1879º, do Cód. Civil. Com efeito, as crianças têm presentemente 12 e 7 anos de idade – facto 1. -, nada existindo nos autos que permita concluir que as mesmas detenham bens ou rendimentos capazes de suprirem a sua menoridade e lógica e expectável ausência de proventos próprios, atenta a impossibilidade de os obter. O que determina o claro reconhecimento da necessidade e obrigação dos progenitores em proverem ao seu sustento. Relativamente às necessidades das alimentandas menores, e encontrando-se estas a residir com a progenitora mãe, urge ponderar a capacidade desta em prover ao seu sustento, em articulação com as concretas necessidades das filhas. Provou-se fundamentalmente que a Apelada vive juntamente com as filhas no seu agregado de origem, ou seja, no agregado dos avós maternos destas, em regime de economia separada, tendo como rendimentos mensais o proveniente do Rendimento Social de Inserção, no valor mensal de 300,00 €, e das prestações sociais atribuídas às duas menores, no valor de 60,44 €. As despesas provadas são fundamentalmente as básicas, não totalmente concretizadas ou liquidadas, aludindo, nitidamente de forma omissa ou pouco esclarecida, a um valor mensal de 75,00 € afecto a despesas das mesmas – facto 4.. No que respeita às possibilidades do Apelado progenitor alimentante, para além da prova de que actualmente não aufere qualquer rendimento – facto 4. -, provou-se que em situação de reclusão já exerceu trabalho de faxina, pela limpeza dos duches do estabelecimento prisional, auferindo, por tal desempenho, a quantia de 27,00 € mensais, quantia que despendia, segundo o próprio, nas suas despesas de tabaco e bens alimentares – factos 9. a 11.. Todavia, foi suspenso da execução das funções de faxina, por consumo positivo a THC, a 23 de Fevereiro, deixando então de exercer tal quantia. Ora, para além do supra detalhadamente exposto, tal factualidade só demonstra e corrobora que o Apelado progenitor não está totalmente impedido de auferir rendimentos, e que o podia fazer, em efectividade, mesmo no meio prisional, ainda que em parca amplitude. Rendimentos que inclusive já obteve, e que sempre permitiria o, pelo menos parcial, pagamento dos alimentos às filhas, nos termos do artº. 46º, nº. 1, alín. d), da Lei nº. 115/2009, de 12/10 (Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade). Todavia, para além de o não fazer, utilizou tais parcos rendimentos em despesas próprias e, se tal não bastasse, novamente por um acto voluntário e controlável pela sua vontade, colocou-se em posição de deixar de auferi-los. O que lhe é totalmente imputável e igualmente censurável. Ora, na ponderação daqueles critérios, o peticionado valor mensal de 50,00 € (cinquenta euros) para cada filha menor, num total de 100,00 €, configura-se como um valor adequado, equilibrado e consentâneo com as necessidades das menores, atenta a idade destas, bem como na ponderação dos supra descritos critérios de equidade. Donde, sem ulteriores delongas, se decide pela total procedência do recurso de apelação interposto, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, decide-se alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças M., nascida em 15/10/2005, e F., nascida em 18/08/2010, nos seguintes termos: I)– A título de prestação alimentícia, o Requerido progenitor pai pagará a quantia mensal de 50,00 € (cinquenta euros) para cada filha menor, num total de 100,00 € (cem euros), a entregar á progenitora mãe até ao dia 10 de cada mês ; II)– tal quantia será anualmente actualizável, em Janeiro, de acordo com o percentual da taxa de inflação publicada pelo INE relativamente ao ano antecedente, ocorrendo a primeira actualização em Janeiro de 2018. ***** Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação nos presentes autos de recurso fica a cargo do progenitor Apelado. ***** IV.–DECISÃO. Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na total procedência do recurso interposto, em: a)- revogar a sentença recorrida ; b)- Na adopção da regra da substituição, nos quadros do nº. 2 do artº. 665º do Cód. de Processo Civil, conhecendo acerca do objecto da apelação, decide-se pela alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais das crianças M., nascida em 15/10/2005, e F., nascida em 18/08/2010, nos seguintes termos: I)– A título de prestação alimentícia, o Requerido progenitor pai pagará a quantia mensal de 50,00 € (cinquenta euros) para cada filha menor, num total de 100,00 € (cem euros), a entregar á progenitora mãe até ao dia 10 de cada mês ; II)– tal quantia será anualmente actualizável, em Janeiro, de acordo com o percentual da taxa de inflação publicada pelo INE relativamente ao ano antecedente, ocorrendo a primeira actualização em Janeiro de 2018 ; c)– Custas a cargo do Apelado – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil. *****
Arlindo Crua–(Relator, nos termos do nº. 3 do artº. 663º, do Cód. de Proc. Civil António Moreira Pedro Martins–(Relator originário)–(junta voto de vencido).
Voto vencido: –I– A questão: No caso dos autos discute-se uma questão específica, que é a de saber se um progenitor, que comprovadamente não tem quaisquer bens ou fonte de rendimentos (como decorre inequivocamente do acordo homologado: por isso, segundo o acordado, os alimentos só passavam a ser devidos judicialmente se e quando ele arranjasse trabalho), pode ser condenado a prestar alimentos aos filhos menores. Em tese geral, aceito a possibilidade de imputação de rendimentos presumidos aos progenitores relativamente aos quais existam nos autos, de uma forma ou de outra, elementos suficientes para dizer que se colocaram voluntariamente numa situação de não terem rendimentos com que satisfazer as prestações em que pudessem vir a ser condenados, solução que é em geral aceite e hoje pouco discutida. Isto com base na posição que é defendida por Maria Clara Sottomayor. Por exemplo: "O desemprego, se o alimentante se colocar voluntariamente numa situação em que é incapaz de arranjar emprego, não dispensa o alimentante de cumprir a obrigação de alimentos. Para este efeito devem ser elaboradas regras para imputar rendimentos a pais desempregados de acordo com a sua capacidade de trabalhar e ganhar dinheiro. O mesmo se passa nos casos em que o progenitor sem a guarda está a diminuir deliberadamente o seu rendimento ou a fazer despesas excessivas e relativamente aos trabalhadores por conta própria" (logo na 1ª edição da Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 1997, Almedina, pág. 130 = 5ª ed, pág. 299/300; = pág. 339 da 6ª edição, Almedina, 2016; desenvolve a questão nas págs 341 a 343 e 414 a 424 desta edição: colocação voluntária numa situação de incapacidade de arranjar emprego (pág. 339), diminuição voluntária do rendimento (págs. 339/340), o desemprego não ser necessariamente causa de incapacidade económica (pág. 341 - o que aponta para a hipótese de o poder ser, tal como também é revelado pela referência, logo a seguir, à circunstância de o progenitor ter possibilidade de trabalhar), não declaração [naturalmente voluntária e intencional] da totalidade dos rendimentos (pág. 340), colocação dolosa em situações de impossibilidade (págs. 432)]. E na de Remédio Marques: “os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos serão todos aqueles factos voluntários ou controláveis pelo devedor,que o colocam numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que, doutro modo, poderia usufruir (v.g., colocação voluntária em situação de desemprego, emprego a tempo parcial ou subemprego, escolha de uma actividade profissional menos lucrativa” considerando a respectiva formação e/ou experiência profissional) (págs. 200/201 = 194/195 da 1ª edição, 2000) ou outras em que este autor dá relevo à voluntariedade ou não da causa da impossibilidade de prestar alimentos (Algumas notas sobre alimentos, Coimbra Editora, 2ª edição, 2007, págs. 236/237). A questão é saber se esta solução pode ser aplicada ao caso dos autos. Uma das vias argumentativas utilizadas pela maioria do colectivo foi a de que a solução vale para todos os casos excepto quando o progenitor, “por total incapacidade, permanente e involuntária, nomeadamente a decorrente de doença, é incapaz de angariar rendimentos próprios provenientes do trabalho, e não possui quaisquer outros, na sua disponibilidade.” –II– Do ónus da prova Isto pressupõe que o ónus da prova da impossibilidade de prestar alimentos cabe aos devedores, que é uma tese muito seguida, embora nem sempre explicitada, como é o caso na posição que fez vencimento. Ou seja, não seriam os credores que teriam de demonstrar os dois pressupostos do direito a alimentos: necessidade dos credores e possibilidade dos devedores (como decorre do disposto nos arts. 2004 e 342/1, ambos do Código Civil). Mas isso não é correcto: os pressupostos gerais do direito a alimentos são a necessidade daquele que os pede e a possibilidade de os prestar por parte daquele a quem são pedidos (art. 2004 do CC), por ter meios para isso. Pressupostos que cabe ao demandante provar, como factos constitutivos do seu direito (art. 342/1 do CC – por exemplo e por último, Rute Teixeira Pedro, CC anotado, Almedina, 2017, vol. II, págs. 904 e 906). É certo que esta posição nem sempre é seguida sem tergiversações; assim por exemplo, no ac. do STJ de 09/06/2005, proc. 05B1196 (com uma declaração de voto), diz-se que: Sendo certo que, conforme n.º 1 do art. 342, a prova das possibilidades do obrigado incumbe ao alimentando, na sua qualidade de autor (Vaz Serra, BMJ 108/107 e 108), não menos o é que quando o réu oponha a sua falta de possibilidades, é a ele que, consoante n.º 2 daquele mesmo artigo, incumbe a prova dessa excepção (L.P. Moitinho de Almeida, Os Alimentos no Código Civil de 1966, ROA, 28º, 1968, 101).” A afirmação deste acórdão e a de Moitinho de Almeida, parece estar baseada na síntese que é feita da posição de Vaz Serra, Obrigação de alimentos, BMJ. 108, págs. 121/122, por Eduardo dos Santos (Direito da Família, Almedina, 1999, pág. 648) que diz: “se a possibilidade de prestação de alimentos é um facto constitutivo do direito do autor, a esse incumbe prová-lo; se, pelo contrário, a impossibilidade de os prestar é um facto impeditivo do direito do autor, então cabe ao réu fazer a correspondente prova”. Mas dizer que o autor tem o ónus de provar a possibilidade do devedor de prestar alimentos e este tem o ónus de provar a sua impossibilidade de prestar alimentos é uma pura contradição se se pretende que a afirmação é válida para o mesmo momento. Se a impossibilidade de prestar alimentos for afirmada pelo réu no processo em que eles estão a ser pedidos, ele só está a impugnar a afirmação feita pelo autor e não a deduzir qualquer excepção. E é isto que a declaração de voto àquele acórdão vem dizer, com toda a razão: “Com a declaração de que entendemos que o alimentando é que tem o ónus de prova dos factos integrantes da possibilidade de o alimentante prestar os alimentos, sendo que a falta de possibilidades do último se traduz em impugnação motivada e não em excepção.” Outra posição que veio dar origem a uma confusão quanto à questão do ónus da prova, foi a do acórdão do TRL de 26/06/2007, proc. 5797/2007, fruto de um lapso de interpretação de uma passagem da obra citada de Remédio Marques que diz [págs. 185 da 1ª edição das Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), Coimbra Editora, 2000 = pág. 191 da 2ª edição, de 2007]: “a obrigação de alimentos pode ser judicialmente peticionada logo que o alimentando esteja numa situação de necessidade. As possibilidades do devedor[1] só relevam - para além da respectiva quantificação -, em princípio, em sede de extinção da obrigação, como facto impeditivo do direito peticionado pelo autor, ou para efeitos de alteração da obrigação alimentar já fixada”. O acórdão em nota[1] escreve: “No texto refere-se “credor”, mas parece evidente o lapsus calami.” Mas Remédio Marques estava mesmo a referir-se às possibilidades do credor, que naturalmente também se têm de ter em conta no cálculo dos alimentos (como aliás decorre do disposto no art. 2004/2 do CC, que usa precisamente aqueles termos, isto é: possibilidades do alimentando, ou seja, possibilidades do credor). Aliás, Remédio Marques tinha acabado de referir-se, algumas linhas acima, na mesma página, às possibilidades do progenitor como facto constitutivo do direito, pelo que não teria sentido estar agora a dizer o contrário. Esta posição do ac. do TRL entretanto foi seguida por vária outra jurisprudência que passou a dizer que era o demandado que tinha o ónus de provar que não tinha possibilidades de contribuir para o sustento do autor, o que está errado, como já se disse, pois que o contrário é que é correcto, ou seja, é ao autor que cabe o ónus de provar que o demandado tem possibilidade de contribuir para o seu sustento. Em suma, a questão do ónus da prova destes vários pontos é assim resolvida como já decorre do que antecede: aquele que pede alimentos tem o ónus de provar que tem necessidade deles e que o demandado tem meios para isso (art. 342/1 do CC); se os alimentos já tiverem sido fixados e o devedor vier a perder os meios de os prestar e/ou verificar que o credor passou a ter possibilidades de prover à sua subsistência, terá de alegar e provar estes factos (art. 342/2 do CC) se quiser a extinção ou a modificação da obrigação em que foi condenado. Neste momento, sim, as possibilidades de um e de outro funcionam como factos impeditivos. Ou seja, as possibilidades do credor só funcionam como facto impeditivo, a que se aplica o art. 342/2 do CC, se os alimentos já tiverem sido fixados e o credor vier a adquirir possibilidades de os suprir por si: o alimentante pode pedir a extinção da obrigação invocando esse facto. Portanto, a posição que será a de Vaz Serra diz só respeito à situação em que o devedor de alimentos, condenados a prestá-los vem alegar (num pedido de cessação ou alteração dos alimentos) que lhe (a ele, devedor de alimentos) deixou de ser possível prestá-los; e a posição de Remédio Marques tem aplicação quando o devedor de alimentos, depois da condenação, vem pedir a extinção da obrigação por ter constatado que o credor dos alimentos passou a ter possibilidades para os satisfazer por si. Em suma: o demandante tem sempre o ónus de provar as possibilidades do devedor, para conseguir a condenação inicial do devedor a pagar-lhos; esse ónus (relativo ao pedido de condenação inicial), mesmo que na forma negativa (impossibilidade de pagar), nunca é do devedor. Posto isto, sendo o demandante de alimentos que tem o ónus de provar que tem necessidade de alimentos e que o demandado tem meios para os pagar, sempre se entendeu, tal como a sentença recorrida, que não se provando um desses pressupostos – no caso, o da possibilidade de prestar pelo demandado – não devia haver condenação do pagamento de alimentos. –III– Da não aplicação do art. 2004 do CC nestas eventualidades A aplicação a este caso concreto da solução aceite em termos gerais também se faz, defendendo-se que “na nossa opinião não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art. 2004/1 do CC, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade, se deve atender às possibilidades económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos.” Mas, o afastamento da norma base do direito a alimentos, da qual sempre se fez decorrer os pressupostos do direito a alimentos, exigiria uma fundamentação muito mais completa do que esta, baseada numa opinião não explicitada nem justificada; o ónus da fundamentação cabe àquele que faz uma afirmação aparentemente desconforme com o direito vigente e com aquilo que a doutrina e a jurisprudência sempre entenderam. –IV– O ingresso na prisão equivale a um desemprego voluntário? Por fim, a aplicação desta solução genérica à situação dos autos faz-se ainda de outra forma, qual seja, dizendo que ela cabe no grupo de casos em causa, o que pressupõe que se considere que a condenação em prisão efectiva equivale à colocação voluntária numa situação de inexistência de bens ou rendimentos, uma espécie de desemprego voluntário, o que considero tão errado como equiparar um progenitor com uma incapacidade física absoluta a um progenitor que está voluntariamente sem trabalhar. Se se diz que o progenitor que fica preso cometeu um acto voluntário que o coloca voluntariamente numa situação de inexistência de rendimentos com que prestar alimentos, o mesmo se pode dizer de uma mãe que fica tetraplégica num acidente de viação de que foi culpado, ou de um pai que lhe acontece o mesmo num acidente por queda negligente do telhado onde se encontrava a trabalhar, o que considero incorrecto. Ninguém, em princípio, comete um crime para ir para a prisão para não pagar alimentos, nem ninguém se atira dum telhado para não pagar alimentos. E se se provar o contrário, a condenação já se justificaria. A posição de Maria Clara Sottomayor, invocada pela recorrente, não ajuda à posição desta, pois que, como se viu acima, em nenhuma passagem das páginas citadas a autora faz a equiparação dos presos aos outros casos, sendo que as situações que invoca não apontam para essa equiparação. A posição de aplicação da solução genérica à situação concreta de um preso é, no entanto, defendida por Remédio Marques, como se vê, por exemplo, da passagem citada pela recorrente: "[m]esmo que os progenitores ou algum deles não tenha possibilidades económicas actuais de prover ao sustento do menor – por se encontrar, por exemplo, desempregado ou a cumprir urna pena privativa de liberdade -, deve decretar-se essa obrigação, ainda que os montantes fixados sejam reduzidos, ou no anverso, deve recusar-se a homologação […] de um acordo onde não se preveja o concreto nascimento dessa obrigação a cargo de algum dos progenitores." (obra citada, 2ª edição, pág. 191). E mais à frente, no final da pág. 200 (final da nota 266) o autor diz: “já nas hipóteses de condenação em pena de prisão efectiva, há uma tendência para, apesar de tudo, imputar rendimentos durante o período de inactividade derivado da aplicação da pena – cfr. o caso de Layman v. Layman, em 1997, do Court of Appeal de Virginia, 488 S.E, 2d, 659, apud FLQ, cit. pág. 753. Isto revela o único ponto de apoio da posição deste autor, o que é muito pouco, principalmente em contraponto às outras passagens da obra já citadas acima [lembradas também pelo acórdão do TRL de 04/12/2008, proc. 8155/2008-6 (com um voto de vencido)]. Aquela sentença americana, de 05/08/1997, record n.º 2462-96-3, do Virginia Court of Appeals que também pode ser consultada aqui, como única fundamentação limita-se a considerar que, para estes efeitos, a condenação em prisão corresponde a um desemprego voluntário. Ora, face ao que se disse acima, não se concorda com que seja possível equiparar a prisão de um progenitor na colocação voluntária na situação de incapacidade de prestar alimentos. E em vez de uma posição adoptada de um sistema jurídico bem afastado do nosso poder-se-ia invocar a posição contrária da jurisprudência espanhola, extraída de um sistema jurídico neste aspecto praticamente idêntico ao nosso: Assim, por exemplo, a sentença (= acórdão) da Audiência Provincial (= tribunal da relação) de Madrid, sec. 24ª, S 26-6-2008, nº 742/2008, rec. 441/2008, na síntese da publicação desta publicação: julga procedente o recurso, modificando as medidas adoptadas na sentença de divórcio, suspendendo a obrigação de pagamento da pensão alimentícia a favor dos filhos menores enquanto se encontrar preso num estabelecimento prisional cumprindo uma condenação penal (em tradução informal, feita por este acórdão; o original pode ser consultado no link criado; a decisão consta do seguinte, no sítio oficial, isto é, Cendoj: Se suspende la obligación de Dº Juan, de prestar alimentos a sus hijos conforme se estableció en sentencia de divorcio de 15 de abril de 2.000, en tanto se encuentre en prisión, y con efectos desde la fecha de la sentencia de instancia, restableciéndose automáticamente y sin necesidad de nueva declaración, una vez cumpla la condena, debiendo en tal momento abonar las prestaciones con las debidas actualizaciones.) Roj: SAP M 10357/2008 - ECLI: ES:APM:2008:10357) [Suspende-se a obrigação do Sr. Juan, de prestar alimentos aos seus filhos, estabelecida na sentencia de divórcio de 15/04/2000, enquanto se encontrar preso, com efeitos desde a data da sentença da 1ª instância, restabelecendo-se automaticamente, e sem necessidade de nova declaração, uma vez cumprida a condenação, devendo em tal momento entregar as prestações com as devidas actualizações] Diz-se no acórdão: Ou o acórdão da Audiência Provincial de Málaga 384/2005, de 29/04/2005, Roj: SAP MA 1766/2005 - ECLI: ES:APMA:2005:1766: que julga parcialmente procedente o recurso, mantendo a pensão alimentar estabelecida a favor dos filhos menores, mas suspendendo-a enquanto o recorrente permaneça preso e não constem bens ou ingressos com que os possa pagar, levantando-se a suspensão automaticamente no caso contrário. (sempre em tradução informal deste acórdão, que pode ser confirmada perante o original publicado no Cendoj consultável no link criado). O acórdão da AP de Valencia (Secc. 10.ª) núm. 771/2013 de 25 noviembre, Roj: SAP V 5374/2013 - ECLI: ES:APV:2013:5374, diz que não se provou a alteração substancial das circunstâncias do recorrente que se consideraram na anterior sentença matrimonial para estabelecer a soma de 200€ de pensão alimentar. Alegou o recorrente que se encontrava [na altura] em prisão e que isso o impediu de obter rendimentos; no entanto, é sabido a sua preferência por ter filhos a seu cargo na hora de obter trabalho na prisão, e, em todo o caso, continua a ter [agora em liberdade] uma pensão a cargo da Segurança social pela sua incapacidade permanente, que atinge a soma de 463,98€. E por isto o acórdão não concede provimento ao recurso que tinha negado a alteração pedida pelo devedor. No acórdão do Tribunal Supremo (sentença da 1ª secção - cível - do Tribunal Supremo, nº. 564/2014, de 14/10, Roj: STS 3877/2014 - ECLI: ES:TS:2014:3877 fixa-se a seguinte doutrina jurisprudencial: La obligación de pagar alimentos a los hijos menores no se extingue por el solo hecho de haber ingresado en prisión el progenitor que debe prestarlos si al tiempo no se acredita la falta de ingresos o de recursos para poder hacerlos efectivos [A obrigação de pagar alimentos aos filhos menores não se extingue por simples facto de ter sido preso o progenitor que deve prestá-los, se ao tempo não se provou a falta de rendimentos ou de recursos para poder fazê-los efectivos]. A fundamentação deste acórdão foi a seguinte: O ac. do TS de 22/12/2016, n.º 752/2016, STS 5533/2016 - ECLI: ES:TS:2016:5533, trata de um recurso contra um acórdão da AP de Santa Cruz de Tenerife, porque teria violado a doutrina jurisprudencial do acórdão acabado de citar, já que tinha suspendido a prestação alimentar em favor da filha menor porque o alimentante tinha ingressado na prisão desde 2011 e diz o seguinte: O ac. do TS continua assim: O recurso foi julgado improcedente porque, segundo o TS diz: A Prof. Marta Ordás Alonso, da Universidade de León (La cuantificación de las prestaciones económicas en la rupturas de pareja, Bosch, Junho de 2017, págs. 299 a 301, onde se foram buscar os acórdãos que antecedem), ainda cita vários outros acórdãos sobre a questão, entre eles os dois seguintes: E depois acrescenta: De tudo isto decorre que se entende que o ingresso na prisão pode privar o devedor de rendimentos para pagar a pensão e que tal tem relevo, mas como não interessam só os rendimentos do trabalho, ou seja, como também contam os bens que o devedor tenha e outros rendimentos que não só os do trabalho e também os rendimentos que possa obter a trabalhar enquanto preso, esse simples ingresso não implica, só por si, a suspensão dos alimentos. O devedor terá de provar – porque é ele que pede a suspensão – que não tem quaisquer outros bens (que possa vender para aplicar o produto da venda no pagamento das pensões) ou outros rendimentos. Se o conseguir fazer, pode obter a suspensão do dever de os pagar, mas só enquanto está preso. Ora, tudo isto está de acordo com o que foi defendido pela sentença recorrida e com aquilo que já acima se foi dizendo. Recorde-se que o demandado está preso e não tem quaisquer rendimentos (o que naturalmente, no caso, face aos factos provados, se tem de presumir que inclui rendimentos de trabalho penitenciário) ou outros bens que lhe permitam esses rendimentos (como no caso dos autos em que dos factos provados – o acordo homologado – decorre que não tem). Quanto à jurisprudência portuguesa encontrou-se apenas um acórdão, do TRG, de 03/03/2011, proc. 153/08.0TMBRG.G1, que se refere expressamente à situação de um alimentante preso; o acórdão diz: “Nos casos em que nada se saiba quanto aos rendimentos e paradeiro do progenitor do menor obrigado a alimentos, deve ser fixada uma quantia a título de alimentos, a menos que esteja demonstrada, por incapacidade para trabalhar, a total impossibilidade de os prestar.” Desde logo, está errada a generalização feita neste sumário; se a situação respeitava a alguém que estava preso e que não tinha rendimentos, não tem razão de ser a referência ao desconhecimento dos rendimentos e do seu paradeiro; por outro lado, faltava ao acórdão demonstrar como é que a ressalva final do sumário não se aplicava ao progenitor que estava preso; logicamente que o progenitor estava incapacitado de trabalhar de forma remunerada que é o que importa para o caso. O acórdão tem um voto de vencido que diz precisamente isso: “Com efeito, estando provado, à data da prolação da mesma, que o pai do menor se encontra preso no EP de Paços de Ferreira em cumprimento de pena de prisão desde 2004 com termo previsto para 03/09/2010, que não lhe são conhecidos nem rendimentos nem bens, e que este apenas “conta” com o apoio de um cunhado, com quem pretende trabalhar na área da construção civil, não está demonstrada, salvo o devido respeito, a sua efectiva possibilidade de contribuir, naquele enquadramento e no momento indicado, para o sustento do filho. Uma vez que o art. 2004/1 do CC estabelece uma correlação entre as necessidades do alimentando e as possibilidades do obrigado, comprovada a necessidade do menor, deve, pelo menos, ficar demonstrada a possibilidade do pai angariar meios para o sustento deste, o que manifestamente não ocorreria aquando da decisão sob recurso.” O acórdão, para além disso, invoca o ónus da prova a cargo do progenitor, como dizendo respeito a um facto impeditivo, ao seja, com recurso ao art. 342/2 do CC, que vem do ac. do TRL de 2007, já citado, baseado num lapso de interpretação da passagem de Remédio Marques como se já se viu. Por isso, também esta via argumentativa falha. Como diz o MP, em defesa da decisão recorrida, “a situação dos autos é diferente da pressuposta naquela jurisprudência e doutrina, ou seja, quando se sabe que o obrigado pai está vivo, em idade laboral e não se encontra reformado por invalidez ou preso, apenas ausente em parte incerta ou temporariamente desempregado (mas não impedido de procurar activamente trabalho), o que implica seja ficcionado um rendimento mensal do trabalho e fixada pensão de alimentos.” Isto é, no caso dos autos, é impossível ficcionar o recebimento de rendimentos pelo progenitor quando se provou que ele está preso e não tem quaisquer rendimentos. A sentença recorrida está certa, por isso, quando diz que: Assim, não sendo possível ficcionar qualquer capacidade de trabalho ao pai, privado da liberdade em cumprimento de pena de 8 anos de prisão, não se fixará obrigação de pagamento de prestação de alimentos ao pai, de cumprimento impossível. Neste caso o auxílio à mãe para o sustento destas crianças terá de partir da segurança social e não do Fundo de Garantia a Alimentos Devidos a Menores, cuja intervenção pressupõe sempre a capacidade de gerar rendimentos do obrigado a alimentos e a impossibilidade verificada posteriormente de cumprimento desta obrigação, e daí que se preveja que o FGADM fique sub-rogado nos direitos do credor de alimentos, por ter cumprido a obrigação em substituição do devedor.” –V – As alternativas que estão em causa. Posto isto, diga-se que a questão coloca-se nos seguintes termos alternativos, nos quais o menor necessitado nunca fica sem alimentos, ao contrário do que defende, num argumento ad terrorem, a posição contrária: – se os progenitores se colocaram voluntariamente numa situação de impossibilidade de pagamento da prestação alimentar, imputam-se-lhe rendimentos, com base em presunções de facto, e fixa-se a prestação alimentar com base neles; se o progenitor não cumprir a prestar, passa a cumpri-la o FGADM, com direito de sub-rogação contra o progenitor. A dívida deste vai aumentando com o tempo e quando obtiver algum rendimento ela ser-lhe-á cobrada. Justifica-se esta ameaça permanente de uma dívida em crescimento com base na voluntariedade da conduta do progenitor. – se os progenitores não se colocaram voluntariamente nessa situação de impossibilidade, não podem ser condenados por não terem possibilidades, e as necessidades dos menores são satisfeitas pela segurança social, que não poderá depois vir pedir aos progenitores o pagamento efectuado. Assim, a alternativa é a seguinte, em termos práticos: – considerar que qualquer progenitor pobre (com rendimentos insuficientes para poder prestar alimentos aos filhos) é culpado por isso e deve ser condenado a ficar potencialmente para toda a vida sob a ameaça de uma dívida crescente, pois que o FGADM paga por ele mas tem direito de sub-rogação. – ou considerar que quando um progenitor não tem possibilidade de prestar alimentos, o Estado, através da segurança social, se lhe deve substituir, pagando por ele, satisfazendo as necessidades dos menores. Dito de outro modo: a comunidade está disposta (como o demonstra o art. 63/3 da Constituição: O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho)) a suportar, a título definitivo, as necessidades alimentares de filhos de pais pobres que, sem culpa, não tenham possibilidade de os pagar; mas já não está disposta a isso em relação a pais que voluntariamente se colocam numa situação de não os poder pagar e neste caso – mas apenas nele – justifica-se que lhes venha a exigir, quando possível, aquilo que gastou com a alimentação dos seus filhos. –VI– Das alegadas desigualdades a que a solução defendida dá causa. Não é esta solução que dá origem a desigualdades, mas antes a solução seguida pela jurisprudência contrária que, sem consideração pela especificidade das situações, ou melhor, sem ter em conta que a imputação de rendimentos, com base em presunções de facto, só deve fazer-se quando o tribunal tiver boas razões para acreditar que a condenação pode ser feita cumprir coercivamente se necessário, e não simplesmente para se poder vir a accionar o FGADM; assim, por exemplo: 1.–(A) tem rendimentos de trabalho de 300€ mensais, insuficientes para a sua sobrevivência; como tal não é condenado a prestar alimentos. 2.– A (B) não são conhecidos quaisquer bens ou fonte de rendimentos; aquela jurisprudência entende, sem mais, que (B) deve ser condenado a prestá-los. 3.– (C) está preso por 8 anos – por um crime que não tem nada a ver com os alimentos - e não tem quaisquer bens nem rendimentos, como já não os tinha antes de ser preso; é condenado a prestar alimentos ao filho; a dívida dele, ao FGADM, que pagará por ele entretanto, vai crescendo ao longo de 8 anos e, no fim deles, sai da prisão com a dívida às costas para o resto da vida. Qual é a materialidade subjacente à situação que permite estas disparidades? Porque é que se aceita, com razão, que (A) não deve ser condenado, mas (B) e (C) que estão aparentemente em piores condições que (A) já o devam ser? Só pode ser mesmo a presunção da colocação voluntária numa situação de inexistência de bens e rendimentos, que apenas pode ser aplicada (eventualmente, se houver razões para isso) a (B) e não a (C) porque, quanto a este, está naturalmente ilidida. A não ser que se recorra à ficção, que não se aceita, de que (C) foi para a prisão para se colocar numa situação de não pagar alimentos. E o filho de (A) não é tratado desigualmente em relação aos filhos de (B) e de (C)? É que ele não receberá qualquer prestação do FGADM. E, assim, a coerência obrigaria a que a tese maioritária também defendesse que este (A) também fosse condenado a prestar alimentos, ficcionando-se que podia ter conseguido um emprego onde recebesse um ordenado mais elevado. Sendo isto que, no fundo, esteve na base da corrente jurisprudencial que via na substituição do FGADM uma prestação social de cariz assistencial para proteger os menores necessitados, e por isso quantificada com base na necessidade destes, desconsiderando-se a prestação concreta fixada ao progenitor. Ora, hoje, esta corrente jurisprudencial está afastada pelo acórdão do STJ de 19/03/2015, de uniformização de jurisprudência, proferido no proc. 252/08.8TBSRP-B-A.E1.S1-A, considerando-se que o FGADM não pode ser condenado a pagar uma prestação de valor superior à que o progenitor foi condenado. Pelo que, se o menor tiver necessidades não cobertas pela prestação a suportar, elas terão de ser cobertas pela segurança social e não pelo FGADM e aquela não fica sub-rogado naquilo que pagou. Ou seja, não é o simples facto de os menores terem necessidades alimentares que pode justificar a condenação dos progenitores, para depois se poder recorrer ao FGADM, porque os progenitores só devem ser condenados quando se provar que tem possibilidades de suportar a prestação ou quanto se comprovar que se colocaram voluntariamente numa situação de não a pagar e mesmo assim com cautelas, sob pena do que se dirá mais à frente. ***** Dito de outro modo: se o acórdão entende que “não fixar pensão de alimentos nas situações em que o progenitor não guardião não aufere rendimentos de trabalho, nem possui outros com natureza constante ou periódica é uma negação de um direito constitucionalmente reconhecido ao filho”, tal afirmação tem de valer de igual modo para todos os casos em que o progenitor recebe rendimentos mas estes são insuficientes e também para os casos em que o progenitor recebe rendimentos e estes são suficientes para uma prestação alimentar que, no entanto, é insuficiente para as necessidades dos filhos. Em todos estes casos teria de ser fixada uma prestação alimentar de valor suficiente para satisfazer as necessidades dos filhos, sob pena de se estar a negar um direito constitucionalmente reconhecido ao filho. Mas com isto tudo deixámos de estar no âmbito do direito privado de alimentos, em que se discute o direito do filho a obter alimentos da mãe ou do pai, para passar a estar no direito público do filho obter uma condenação do pai para a poder executar contra o Estado. E o Estado passaria a fazer segurança social só em primeira linha, um simulacro de segurança social, pois que sempre teria o direito de vir a exigir dos pais, por pobres que sejam, tudo aquilo que pagou. ***** Outro exemplo do desvirtuamento que a tentativa de aplicação daquela solução (da imputação de rendimentos) a todos os casos introduz no sistema, é a consideração de que, assim sendo, nunca se verifica a hipótese de haver outros obrigados em abstracto que podiam ser condenados a satisfazer a prestação, na impossibilidade de os progenitores o poderem fazer (art. 2009 do CC). Veja-se: (A) está desempregado; entende-se que o está voluntariamente, logo é condenado a pagar alimentos; se não pagar, como é muito provável que aconteça, o FGADM substitui-se-lhe. Perdeu-se de vista que se (A) não pode pagar, existem os outros obrigados previstos no art. 2009 do CC que então o devem fazer. Ou seja, esta aplicação indiscriminada da solução a todos os casos, está a substituir o Estado a todos os familiares que, de outro modo, poderiam ser obrigados a pagar alimentos. O que demonstra que a aplicação ‘totalitária’ da tese não está de acordo com a unidade do sistema jurídico. Ela está a introduzir soluções que não se compaginam com o sistema, pondo em causa normas legais que deixam de fazer sentido devido às soluções que estão a ser seguidas. –VII – Da distinção entre o direito e a quantificação. Quanto ao argumento utilizado por alguma jurisprudência e seguido pela maioria deste colectivo, de que a tese contrária mistura existência do direito com a quantificação da prestação e que o artigo 2004 do CC só trata desta não daquela, ele está errado. O art. 2004 do CC sempre foi visto como o local próprio dos pressupostos do direito a alimentos; se eles não se verificam, o demandado não deve ser condenado. Dizer que mesmo que não se verifiquem os pressupostos do art. 2004 do CC, os alimentos devem ser fixados e que este artigo só tem a ver com a quantificação da prestação, implica a desconsideração da norma do art. 2004 do CC, ou seja, dos pressupostos do direito a alimentos. Seguindo-se esta jurisprudência, não é preciso que a ex-mulher tenha possibilidades de prestar alimentos para que seja condenada a prestá-los ao ex-marido que lhos pede, nem que o tio os tenha para que seja condenado a pagá-los à sobrinha menor que lhos demanda. Na lógica deste argumento, condena-se porque a quantificação é uma coisa diferente da existência. Isto, salvo o devido respeito, não tem qualquer sentido. Este argumento é pois uma outra forma de dizer que o art. 2004 do CC não se aplica aos alimentos, só que agora a todos eles e não só aos dos menores. Ou de dizer que o ónus da prova cabe aos devedores, o que já se demonstrou estar errado. –VIII– Da demissão de julgar. Alguma da jurisprudência que defende esta aplicação indiscriminada da solução da imputação de rendimentos, transposta para a posição que fez vencimento neste caso, também diz que a posição contrária é formalista, que não tem consideração pelos interesses materiais subjacentes, isto é, pelo superior interesse da criança, e que se demite de julgar, de aplicar o direito, entrando numa situação de abstenção ou falência de direito. Mas ter em conta os pressupostos exigidos pela lei existente é ser formalista e não os cumprir, desconsiderando-os, sem fundamentação, é aplicar a lei? Os tribunais devem aplicar a lei existente ou criar ou aplicar uma lei à medida das suas convicções? E ter em conta os superiores interesses da criança é resolver os casos concretos de acordo com estas convicções particulares? E observar a lei corresponde a não julgar? –IX– Da inexistência de alteração superveniente. Mas para além destas razões substanciais, havia uma razão processual que deveria ter impedido a procedência da alteração. É que tem de haver circunstâncias supervenientes, para permitir uma alteração da regulação. E uma alteração que seja para melhor em relação àquele que a pede. Ou seja, o credor tem de invocar e provar que o devedor ficou numa situação que já lhe permite prestar alimentos, para poder pedir um alteração na decisão que tinha homologado um acordo que não os tinha fixado com base na inexistência dessa possibilidade. Como não se provou esta alteração de circunstâncias – aliás, a maioria do colectivo diz que a situação do demandado é pior do que aquela que existia (como logo se vê no sumário do acórdão) -, a alteração pedida não podia ser, como não foi (na sentença recorrida), alterada. Para as coisas fazerem sentido é o alimentante que ingressa na prisão que pede a alteração do decidido (para deixar de pagar, ou para que seja suspensa a obrigação de pagar). Decretar uma alteração da decisão sem alteração de circunstâncias (para melhor, de modo a poder ser invocada pelo alimentando), porque se considera que a decisão anterior, transitada em julgado, está errada, é decidir contra a lei, desde logo, contra o caso julgado formado na anterior decisão, não recorrida e só susceptível de ser alterada com aquela alteração (art. 619/2 do CPC). –X– Dos factos acrescentados e das considerações feitas a propósito deles Quanto à relevância dos factos acrescentados oficiosamente pelo acórdão aos factos provados, entre eles o de o réu ter estado a receber, durante um período de tempo, 27€ mensais pelo seu trabalho na prisão, e circunstâncias pelas quais os deixou de receber: Desde logo, os factos não podiam ser acrescentados: não houve recurso da matéria de facto e os factos em causa não são impostos pelos factos assentes nem pela prova produzida (art. 662/1 do CPC). Seja como for, admitir que o valor de 27€ pelo trabalho prestado numa prisão durante um mês possa ter relevo para a decisão, seria o mesmo que admitir como possível a posterior penhora desse valor para cumprimento da prestação de alimentos, ou seja, admitir a penhora de um valor que é mesmo inferior àquilo que se admite como penhorável quando o crédito exequendo é de alimentos (art. 738/4 do CPC). Quanto às circunstâncias em que esse direito foi retirado ao réu, que são aproveitadas para reforçar o juízo de censura feita ao réu, diga-se que, para além de elas não poderem ser tidas em conta, elas também não permitiriam, só por si, os juízos que são delas retirados. Quanto a dizer que esse recebimento prova que o réu poderia obter rendimentos mesmo enquanto preso, a possibilidade abstracta disso já tinha sido considerada no projecto vencido; mas para serem tidos em conta, eles precisavam de existir de facto, não de já terem existido, ou de poderem vir a existir em condições concretas que não se sabe quais sejam. De qualquer modo, não se considera que a possibilidade de um preso receber 27€ mensais pelo seu trabalho na prisão possa ser considerado relevante para a condenação na prestação de alimentos, porque isso seria retirar-lhe o mínimo dos mínimos para uma existência digna que necessariamente implica poder continuar a considerar que faz parte de uma sociedade onde as ideias de justiça e de retribuição pelo trabalho fazem parte. Retirar-lhe a possibilidade de receber 27€ pelo trabalho de um mês, durante 8 anos, seria ainda desincentivá-lo de trabalhar, contribuindo para a sua transformação num elemento inútil para a sociedade. E de novo não se faça a crítica fácil da desconsideração pelos superiores interesses dos menores, pois que, já se disse, a alternativa não seria elas ficarem sem alimentos (a prestar pelo FGADM), mas sim a de, se necessário, ficarem com alimentos a suportar pela segurança social. Pedro Martins ***** [5]Nas palavras do Ac. R.C. de 2-11-94 in Cj 1994/5/34. [6]Apud Ac. de 3-10-1996 in BMJ 460º-796. [8]Adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990. [32]Ibidem, pág. 200, final da nota 266, citado no douto projecto que não obteve vencimento, correspondente a sentença de 05/08/1997, record n.º 2462-96-3, do Virginia Court of Appeals que também pode ser consultada aqui, na qual se defende que, para estes efeitos, a prisão corresponde a um desemprego voluntário. [35]Conforme referenciado, em aresto supra citado, “não se atribuindo aos recursos de revista excepcional, de forma tão vincada, o escopo de uniformização de jurisprudência que a lei defere aos recursos a isso exclusivamente destinados (artº 688º do CPC), nem por isso tal fim está ausente daqueles recursos - neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª edição, Almedina, 2010, página 411. Assim, muito embora o acórdão proferido em recurso de revista excepcional (tal como o acórdão uniformizador de jurisprudência, como é entendimento pacífico) não tenha um valor vinculativo para os tribunais, entendemos que não poderá deixar de se lhe assinalar uma força persuasiva indiscutível”. |