Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9577/15.5T8LRS.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O dever de comunicação previsto no art. 5 do dl 446/85, de 25-10, implica que o proponente comunique à contraparte, na íntegra, as cláusulas contratuais gerais e que tal comunicação seja adequada e atempada, de acordo com bitolas a apreciar segundo as circunstâncias; a inobservância daquele dever de comunicação determina que as cláusulas se considerem excluídas do contrato.
II – As Condições Gerais das Coberturas Facultativas do contrato de seguro automóvel dos autos integram cláusulas contratuais gerais, entre as quais se encontra a clª 9ª cujo teor, evidentemente relevante, deveria ter sido comunicado ao A., evitando-se, assim, o risco do desconhecimento da sua existência e conteúdo - através de supra aludida comunicação integral, adequada e atempada.
III - Cabia à R./seguradora o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva – o que não logrou satisfazer.
IV – Assim, a referida cláusula deve ser considerada excluída do contrato de seguro celebrado entre A. e R., contrato esse que subsiste.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Carlos ....... intentou a presente acção declarativa com processo comum contra «D....... Seguros, SA».
Alegou o A., em resumo:
O A. é dono do veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo S Diesel, na versão S 400CDI, com a matrícula ....-QH, o qual sofreu um acidente. A responsabilidade civil do A. estava transferida para a R. através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 034/01769078/00, cuja cobertura abrangia os danos próprios. O A. comunicou o sinistro à R. a qual, embora tendo assumido a responsabilidade decorrente do mesmo, veio mais tarde a recusar a reparação do automóvel, por perda total, alegando que o valor da reparação era superior ao valor do capital inicial seguro (23.872,16€ s/franquia), propondo-se somente indemnizar o Autor pelo valor do salvado e do capital seguro, deduzido do montante de 17.000,00 € referente ao custo suportado com a reparação de acidente anterior.
Todavia, não fora comunicado ao A., nem este assinou qualquer documento ou contrato nesse sentido, não havendo sido o A. avisado quanto à reposição do valor do capital seguro.
O A. necessitava do veículo automóvel para se deslocar, o que por vezes ficou privado de fazer e teve de custear do seu bolso um carro de substituição.
Além de que sofreu transtornos psicológicos por ter ficado sem o veículo automóvel e devido ao impasse e suas consequências.
Pediu o A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 53.872,16 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, correspondendo 23.872,16 € ao valor do veículo de que ficou privado, 15.000,00 € a indemnização pelos prejuízos pela privação do uso do veículo, 5.000,00 € por danos não patrimoniais sofridos e 10.000,00€ a “indemnização psicológica e psíquica”.
A R. contestou, dizendo essencialmente:
Todas as coberturas contratadas se encontram sujeitas aos limites de indemnização conforme discriminado nas condições particulares e, havendo a apólice começado a produzir os seus efeitos em 12-11-2012, o A. já havia participado em 10-4-2013, na mesma anuidade da apólice, um outro sinistro com a mesma viatura, vindo depois a ser dado conhecimento à R. do acidente ocorrido em 6-7-2013. Nos termos das Condições Gerais – nomeadamente clª 9ª, ponto 1 – sempre que há um sinistro respeitante ao veículo participado ao abrigo dessas coberturas, o valor da reparação é abatido ao capital seguro, ficando este reduzido até ao vencimento seguinte; se durante a mesma anuidade ocorrer mais do que um sinistro, a seguradora só pode indemnizar até ao limite disponível do capital seguro. Ao desconsiderar-se a indemnização já liquidada pela R. ao abrigo da mesma anuidade da apólice, no âmbito de outro sinistro, violar-se-ia o equilíbrio contratual. Além de que quando da contratação do seguro o A. foi informado e esclarecido de todas as Condições Gerais e Especiais do contrato que subscreveu.
Após o sinistro o veículo foi considerado em situação de perda total; o valor estimado para a reparação era de 25.282,04 €, superior ao capital seguro após o sinistro, de 5.656,50 €; o salvado foi avaliado em 2.330,00 €. Daí o valor a indemnizar ao A. ser o de 3.326,50 €, posto à disposição daquele.
O A. não alega factos que conduzam à indemnização psicológica e psíquica a título de privação do uso e de 5.000,00 € a título de danos morais e familiares.
Concluiu pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«… julgo a acção parcialmente procedente e provada e em consequência:
a) Condeno a Ré D....... Seguros, S.A. a pagar ao Autor Carlos ....... a quantia de 21.542,16€ (vinte e um mil quinhentos e quarenta e dois euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde 22.Set.2015 até efectivo e integral pagamento.
b) Absolvo a Ré do pedido remanescente».
Apelou a R. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1. As presentes alegações de recurso têm por objecto quer a alteração da resposta dada pelo douto Tribunal a quo à matéria de facto em discussão nos presentes autos, por via da reapreciação da prova gravada e de todos os demais elementos probatórios constantes dos autos, quer a alteração da matéria de direito, uma vez que, no entendimento da Recorrente, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida e bem assim na interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, mais concretamente, as que constam dos artigos 342.º/1, 344.º/2, 374.º/1 e 376.º/1 e 2 do CC, 414.º e 444.º do CPC e 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei N.º 446/85, de 25/10.
2. De facto, da apreciação de toda a prova testemunhal e documental constante dos autos, e da discussão da matéria controvertida operada em sede de Audiência de Julgamento, entendeu o douto Tribunal a quo dar como provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
a. 16) A Ré não comunicou ao Autor, aquando da celebração do contrato de seguro ou na vigência deste, o teor do ponto 1 da cláusula 9ª das condições gerais das coberturas facultativas do seguro automóvel, a que se alude em 7);
b. 17) Nem informou o Autor dessa possibilidade de reposição do capital seguro após ter efectuado o pagamento da indemnização no âmbito do acidente participado em 10 de Abril de 2013, respeitante ao veículo ....-QH.
c. 18) O Autor aquando da celebração do contrato de seguro não assinou qualquer documento ou contrato do qual constasse a referida cláusula.
3. Assim, na questão fundamental em discussão nos presentes autos – a de saber se a Ré comunicou ou não ao Autor o teor e conteúdo das cláusulas do contrato de seguro em apreço – veio o douto Tribunal a quo sustentar, por um lado, que o Autor logrou fazer prova de que a Ré incumpriu os seus deveres de comunicação e esclarecimento, por via das suas próprias declarações de parte e dos depoimentos prestados pelas testemunhas Rui .... e Pedro ...., e, por outro, que a Ré não logrou fazer prova do cumprimento de tais deveres, decidindo-se pela exclusão da Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do Seguro Automóvel e, como tal, inoponível ao Segurado/Autor, julgando a acção declarativa procedente e condenando-a a pagar ao Autor uma indemnização pelo valor de € 21.542,16.
4. No entanto, não pode a Recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal a quo em face da prova efectivamente produzida nestes autos, em especial, a que consta dos seguintes elementos probatórios:
a. Declarações de parte do Autor Carlos ......., que se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio (dia 09/02/2017), do minuto 09:55:12 ao minuto 09:55:27, gravação n.º 20170209095540_5551660_2871205;
b. Depoimento da testemunha Rui ...., que se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio (dia 09/02/2017), do minuto 10:08:46 ao minuto 10:24:53, gravação n.º 20170209100846_5551660_2871205;
c. Depoimento da testemunha Pedro ...., que se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio (dia 09/02/2017), do minuto 10:24:53 ao minuto 10:36:44, gravação n.º 20170209102454_5551660_2871205;
d. Depoimento da testemunha Sérgio ...., que se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio (dia 23/05/2017), do minuto 14:15:36 ao minuto 14:40:10, gravação n.º 20170523141536_5551660_2871205;
e. Documento n.º 5 junto pela Ré, ora Recorrente, com a sua Contestação (consubstanciado na Proposta de Seguro “D....... Auto”).
5. Em face de tal prova, e como pretende a Recorrente demostrar, os factos constantes dos pontos 16), 17) e 18) do elenco dos factos dados como provados deviam ter ficado a constar de tal elenco, mas com a seguinte redacção:
a. 16) Aquando da celebração do contrato de seguro, foi comunicado e explicado ao Autor, pelo mediador de seguro interveniente, o teor do ponto 1 da Cláusula 9ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do Contrato de Seguro Automóvel.
b. 17) Aquando da celebração do contrato de seguro, o Autor foi informado da possibilidade de reposição do capital seguro após ocorrência de um sinistro que dê lugar ao pagamento, por parte da Seguradora, de uma indemnização, por forma a beneficiar novamente da cobertura da totalidade do capital seguro previsto no contrato.
c. 18) O Autor declarou, na proposta de seguro que se encontra junto aos autos, que recebeu um exemplar das Condições Gerais e Especiais da modalidade de seguro subscrita, mais declarando que delas teve conhecimento antes da celebração do contrato e que recebeu toda a informação pré-contratual legalmente prevista e necessária ao seu total esclarecimento sobre o produto, proposta que se encontra devidamente assinada pelo próprio, enquanto Tomador do Seguro.
6. É que, é entendimento da Recorrente que o Autor teve perfeito conhecimento do conteúdo das Cláusulas do Contrato de Seguro celebrado com a Ré, titulado pela apólice n.º 034/01769078/00, em especial, da Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas da Apólice, que, sobre a epigrafe “Redução e Reposição do Capital Seguro” dispõe que em caso de sinistro que dê origem a uma indemnização, o valor pago será abatido ao capital seguro, ficando este reduzido a esse valor até vencimento do contrato, salvo se o tomador, através do pagamento de um prémio suplementar, proceder à reposição do capital. Senão vejamos,
7. Em primeiro lugar, falhou o Tribunal, salvo o devido respeito, na valoração dos depoimentos prestados pelo Autor e pelas testemunhas Rui .... e Pedro .... quando os considerou adequados à prova da factualidade atinente à falta da comunicação das cláusulas do contrato por parte da Ré, uma vez que, (i) para além de as testemunhas referidas não disporem de conhecimento, directo ou indirecto, sobre a esta matéria (nem sequer foram inquiridas nesse sentido), (ii) cada uma delas relatou uma versão diferente dos factos que tinham conhecimento (em concreto, sobre a deslocação do Autor à sede da D....... Seguros) e (iii) em face das relações de amizade com o Autor, os seus depoimentos deviam ter sido apreciados pelo douto Tribunal, salvo melhor opinião, com especial cautela, o que não sucedeu in casu.
8. Na verdade, e como resulta da análise dos depoimentos em causa (efectuada na motivação do presente recurso), o primeiro contacto que ambas as testemunhas tiveram com a situação sub judice foi quando o Autor lhes pediu que o acompanhassem à sede da Recorrente, o que fizeram, e bem assim o que aí sucedeu – nomeadamente, a (alegada) conversa que o Autor teve com a funcionária da Recorrente – sendo que, mesmo neste campo, prestaram depoimentos em sentido diverso, declarando a testemunha Rui .... que o Autor se deslocou à Seguradora para reclamar dos valores que a Companhia estava a oferecer e a testemunha Pedro .... que o Autor reclamava o facto de não ter recebido uma carta.
9. Na verdade, o conhecimento de ambas as testemunhas cinge-se aos acontecimentos do dia em que ambas acompanharam o Autor às instalações da Ré/Recorrente, não dispondo nenhuma delas de conhecimento referente às circunstâncias que estiveram na origem da contratação do seguro entre as partes, ao qual nem sequer se referiram nas declarações prestadas, razão pela qual não acompanha a Recorrente o entendimento do Tribunal a quo quando, na motivação da sentença, dispõe que teve em consideração tais depoimentos para a prova atinente à factualidade relacionada com a comunicação das cláusulas contratuais.
10. Efectivamente, e não tendo as ditas testemunhas qualquer conhecimento directo ou indirecto de tal factualidade, em concreto, dos pontos 16), 17) e 18) do elenco dos factos provados, nunca podia o Tribunal, salvo melhor opinião, dar como provados tais factos com fundamento nos seus depoimentos.
11. Por outro lado, da análise da decisão proferida, conclui a Recorrente que o Tribunal não teve em consideração o documento n.º 5 junto pela Ré com a sua Contestação, o qual se consubstancia na Proposta de Seguro “D....... Auto” nos termos do qual o Autor (Tomador do Seguro) assinou um documento onde declarou que “recebeu um exemplar das Condições Gerais e Especiais da modalidade subscrita e delas teve conhecimento antes da celebração do contrato. Mais declara ter recebido, em documento escrito, toda a informação pré-contratual legalmente prevista e necessária ao seu total esclarecimento acerca do contrato de seguro”.
12. Nos termos do artigo 374.º/1 do CC a assinatura do documento particular considera-se verdadeira e os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (artigo 376.º/2 do CC se a assinatura não for impugnada pelo interessado, no prazo de 10 dias contados da data da apresentação do documento (artigo 444.º do CPC).
13. Com efeito, não tendo a assinatura constante do documento n.º 5 sido impugnada pelo Autor, temos que a Proposta de Seguro, devidamente assinada pelo Autor, onde este declara ter tido conhecimento do contrato antes da sua celebração, ter sido totalmente esclarecido acerca do mesmo e bem assim que lhe foram enviadas as suas Condições Gerais e Especiais, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu Autor, in casu, ao A. Carlos ...., pelo que não alcança a Recorrente como pôde o Tribunal considerar que nenhuma prova foi feita pela Ré no sentido do cumprimento dos deveres de comunicação/informação atinentes ao conteúdo do contrato celebrado.
14. Na verdade, na opinião da Ré, dúvidas não restam que a Recorrente cumpriu o ónus da prova que lhe impunha por via do disposto nos artigos 5.º/3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, 342.º/1 e 344.º/1 do CC pois logrou provar que aquando da celebração do contrato de seguro sub judice informou e esclareceu devidamente o Autor de todas as cláusulas referentes ao contrato (onde se inclui a Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do Seguro Automóvel), tendo as mesmas sido enviadas ao Autor e o contrato devidamente assinado, falhando o Tribunal quando aplica o artigo 414.º do CPC ao caso concreto e devendo, como tal, a matéria de facto constante dos pontos 16), 17) e 18) dos factos provados em conformidade com o que requer a Recorrente no ponto 5. das presentes conclusões, o que se requer.
15. A isto acresce que, considera a Recorrente que abusa de direito, violando o princípio da boa-fé e exercendo de modo disfuncional a sua posição jurídica, o Autor que, tendo declarado ter sido esclarecido acerca do contrato e ter recebido as condições do mesmo, vem, só depois de ser confrontado com uma pretensa “falha” da Seguradora, alegar que a Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas da Apólice não lhe foi comunicada.
16. É que, pese embora a Recorrente reconheça a necessidade de protecção do consumidor, não pode servir de desculpa, neste caso, o entendimento segundo o qual o contraente que, “por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos”, se desinteressa do contrato e das suas cláusulas, alegando depois desconhecer aquilo que lhe é perfeitamente acessível por via de uma simples leitura.
17. Sendo mais fácil para o Autor agir judicialmente contra a Recorrente fazendo-se valer de um “lapso” da Seguradora, alegando desconhecimento das cláusulas contratuais, e “empurrando” para a Recorrente o ónus de provar o cumprimento dos seus deveres, quando bem sabe que esta prova é, na maioria das vezes, difícil, em face da quantidade de contratos de seguro que são, diariamente, celebrados pelas Seguradoras, e ao lapso de tempo decorrido desde então, o que dificulta manifestamente a produção de prova nesse sentido.
18. Ainda assim, considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo deveria ter tido em consideração o depoimento prestado pela testemunha Sérgio ...., mediador responsável pela celebração do contrato sub judice, que embora não tenha estado presente na negociação, explicou de forma consistente e desinteressada os procedimentos adoptados na mediadora – em concreto, revelando que as condições do contrato são sempre entregues aos clientes e que os contratos são sempre assinados, sendo este o procedimento standard, em todas as situações, que é, inclusivamente, alvo de auditoria anual – mais referindo que a Cláusula do contrato de seguro automóvel em questão não costuma ser alvo de dúvida por parte dos clientes.
19. Mais, o próprio Autor admitiu nas declarações prestadas na Audiência de Julgamento realizada nestes autos, que não era sua convicção que, pagando um seguro por um determinado valor anual e para um determinado risco, se tivesse vários acidentes durante essa anuidade, seria ressarcido, por cada acidente, pelo valor global do capital seguro, sendo certo que uma situação destas é absolutamente do senso comum e não carece de uma análise exaustiva do contrato de seguro para ser percepcionada.
20. Referindo que “não era minha convicção mas nunca recebi as Cláusulas do meu contrato” é óbvio, salvo o devido respeito, que o Autor bem sabia que não podia ser plenamente ressarcido como reclamava mas, ainda assim e para esse efeito, usa como desculpa que nunca recebeu as cláusulas do contrato (o que é falso), e bem assim que a Seguradora cometeu um “erro”, de modo a colocá-la numa situação de incumprimento e levar a sua avante.
21. No entanto, se por um lado é falso que a Recorrente não tenha entregue as cláusulas do contrato ao Autor (como vimos nos termos expostos supra), por outro, muita dificuldade tem a Recorrente em admitir a versão dos factos narrada pelo Autor e pelas testemunhas quanto à sua deslocação à sede da Seguradora, em concreto, que uma sua funcionária, sendo interpelada no corredor do edifício, tenha prestado as informações que o Autor e as testemunhas dizem que prestou e, muito menos, que nessas circunstâncias tenha assumido estar em causa uma “falha” da própria empresa de seguros, por não ter enviado uma carta ao Autor após o primeiro sinistro a dar-lhe nota da redução do capital e da possibilidade de o repor.
22. Efectivamente, entende a Recorrente que é fraca a probabilidade de os factos terem ocorrido como relata a testemunha Pedro .... no seu depoimento, nomeadamente, que uma funcionária de uma Companhia de Seguros, que assume funções de secretariado, sem acesso a um computador, ao número da apólice, ao número do processo, entre outros elementos que lhe permitissem ter conhecimento do seu historial, assume, após mera análise de uns papéis ter ocorrido um erro por parte da Seguradora aquando das diligências de regularização do primeiro sinistro ocorrido.
23. Na verdade, no entendimento da Recorrente, e salvo o devido respeito, não podia o douto Tribunal a quo dar como provada uma falha da Seguradora com fundamento nos depoimentos prestados pelas testemunhas Pedro .... e Rui ...., que para além de amigos do Autor, relataram versões diferentes dos acontecimentos e de forma pouco consistente, não sabendo precisar, em concreto, o que ocorreu no dia da alegada deslocação à sede da D....... Seguros, ora Recorrente.
24. Sendo certo que, tendo em consideração que os deveres de informação da Seguradora, quanto ao que à matéria em causa respeita, se cingem à fase contratual, e que não existe nem no contrato nem na lei qualquer obrigação de a Seguradora informar o seu segurado da faculdade prevista na Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas da Apólice, pois que o segurado é devidamente dela esclarecido na data da contratação do seguro, nunca poderia ser imputada qualquer falha à Seguradora.
25. Resulta, assim, manifesto, salvo melhor opinião em contrário, que o Autor conhecia as cláusulas do contrato, que lhe foram entregues e explicadas aquando da contratação, e bem assim que assinou a Proposta de Seguro que esteve na base do contrato de seguro celebrado, pelo que a matéria de facto constante nos pontos 16), 17) e 18) dos factos provados deverá ser alterada nos moldes já expostos pela Recorrente no ponto 5 das presentes conclusões, o que desde já se alega e requer para todos os efeitos legais.
26. Efectivamente, e com base na matéria de facto dada como provada nos presentes autos, deveria ter sido julgada improcedente a pretensão do Autor em ser indemnizado pelo valor de € 21.542,16, não podendo a Recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal, pois que conseguiu provar que cumpriu todos os deveres que se lhe impunham, tendo o Tribunal feito uma errada análise dos depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, e bem assim dos documentos juntos aos autos, falhando, ainda, na interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar in casu.
27. Provado que está que o Autor assinou a Proposta de Seguro, onde declarou ter tomado conhecimento, por lhe ter sido explicado, o contrato e todas as suas cláusulas, que nunca foi sua convicção receber, pelo segundo sinistro, o valor global do capital seguro em consequência dos danos sofridos, tem-se por manifesto que a responsabilidade da Seguradora pelo pagamento do valor peticionado se encontra afastada, pelo que a sentença proferida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente de tal pedido, pois que o Tribunal errou na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 342.º/1, 344.º/2 do CC e 414.º do CPC.
28. Sem prescindir do supra exposto caberá referir que, ressalvando melhor e douto entendimento, o Tribunal a quo ao decidir do modo como decidiu, fez uma incorrecta aplicação do direito ao caso em apreço por violação dos artigo 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei N.º 446/85, de 25 de Outubro.
29. Na verdade, no âmbito do Regime Geral das Clausulas Contratuais Gerais, os deveres de comunicação e informação a que se referem os preceitos 5.º, 6.º e 8.º, que impedem sobre o proponente utilizador, não dispensam o aderente de adoptar um comportamento de normal diligência, uma simples leitura atenta.
30. Neste sentido, vem-se afirmando uniformemente nas decisões do Supremo Tribunal de Justiça que o dever de comunicação consagrado no artigo 5.º do RGCCG visa “possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito também a ele um comportamento diligente” - Acórdãos de 2.11.2004, 28.6.2005 e de 18.4.2006, citados no referido acórdão de 20.1.2010 in www.dgsi.pt
31. De facto, e tendo sido proporcionado ao Autor o conhecimento das cláusulas do contrato, incluindo a Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas da Apólice, usando o Autor da comum diligência, jamais deixaria de confrontar a Recorrente seguradora se dúvida alguma tivesse acerca da sua interpretação a todo o tempo.
32. Assim, não poderá o Autor invocar o desconhecimento das cláusulas do contrato só para efeitos de ver o sinistro participado enquadrado no âmbito da cobertura do contrato de seguro, quando desse desconhecimento (a existir) apenas resultou da sua falta de diligência, pois a Ré Recorrente cumpriu o dever de comunicar e informar todo o clausulado constante das condições gerais do contrato de seguro em crise.
33. De facto, a Cláusula 9.ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do contrato de seguro é muito clara e inteligível, não é extensa, nem ambígua, e a sua interpretação não carece de conhecimentos técnicos especiais para que seja compreendido o seu conteúdo. Qualquer pessoa de normal entendimento e formação, ao ler aquela cláusula (como declarou ter lido o Autor), compreende o seu conteúdo.
34. Donde se pode concluir que não se mostra por parte da Ré Recorrente a violação do disposto no artigo 5.º e 6.º do Decreto-Lei N.º 446/85, de 25/10.
35. Face ao que antecede, tendo por base a convicção errada quanto à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos em que supra se encontram descritos, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal de que se recorre fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas em apreço, mais concretamente as referentes nos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei N.º 446/85, de 25/10, erradamente concluído ser a Ré responsável pelo ressarcimento do valor reclamado pelo Autor por falta de comunicação das clausulas contratuais.
36. Por fim, cumpre apenas esclarecer que a Recorrente não se furta às suas responsabilidade, enquanto Seguradora do veículo do Autor – a responsabilidade pela ocorrência do sinistro encontra-se assumida (assim como também foi assumida a responsabilidade e paga a indemnização pelo anterior sinistro participado) – mas apenas pelo valor devido, isto é, pelo valor de € 3.326,50, correspondente ao valor disponível após pagamento do primeiro sinistro, deduzido o valor do respectivo salvado do veículo.
37. O que ora Recorrente não pode, absolutamente, aceitar é assumir uma responsabilidade que não lhe pertence, sendo que, a manter-se a decisão recorrida, estar-se-á a colocar o Autor numa situação de locupletamento indevido à custa da ora Recorrente, o que não se poderá admitir.
Não foram apresentadas contra alegações.
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II – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) O Autor é proprietário do veículo automóvel, da marca Mercedes-Benz, modelo Classe S Diesel, versão S 400 CDI 2000 P5L5, com a matrícula ....-QH;
2) Entre o Autor e a Ré D....... Seguros S.A. foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 034/01769078/00, relativo ao veículo de matrícula ....-QH, conforme cópia da referida apólice junta a fls. 28-29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3) Encontrando-se, assim, cobertos ao abrigo do referido contrato de seguro os riscos inerentes à circulação do veículo acima identificado perante terceiros;
4) Bem como, entre outras, a cobertura facultativa de “choque, colisão ou capotamento”, com o capital máximo contratado de € 23.872,16;
5) A apólice de seguro em causa, anualmente renovável, começou a produzir os seus efeitos em 12 de Novembro de 2012 e estava em vigor no dia 6 de Julho de 2013;
6) Nos termos contratados, a forma de pagamento do prémio era anual;
7) No ponto 1 da cláusula 9ª das condições gerais das coberturas facultativas do referido seguro automóvel, encontra-se previsto que “Em caso de sinistro que dê origem ao pagamento de uma indemnização no âmbito das coberturas facultativas respeitantes ao veículo, o valor desta será abatido ao capital seguro, ficando este reduzido até vencimento do contrato” – cf. doc. que consta de fls. 55 a 127, cujo teor no mais se dá por integralmente reproduzido;
8) No dia 6 de Julho de 2013, pela 1:30 horas, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo seguro, com a matrícula ....-QH, o qual foi devidamente participado à Ré;
9) O condutor do veículo seguro (....-QH) foi responsável pela eclosão do referido acidente;
10) Em 10 de Abril de 2013, o Autor já havia participado à ora Ré um outro sinistro sofrido com a mesma viatura.
11) A ora Ré assumiu, igualmente, a responsabilidade por tal sinistro, tendo, por isso, procedido ao pagamento da quantia de €18.215,66 pela reparação do veículo em apreço;
12) O veículo do Autor, após o sinistro de 6 de Julho de 2013, foi considerado pela Ré em situação de perda total;
13) Considerando que o valor estimado para reparação do referido veículo, segundo peritagem realizada para reparação na oficina da Mercauto, Lda. (Loures), era de €25.282,04;
14) O salvado foi avaliado, à data do sinistro, em €2.330,00;
15) Com data de 15-07-2013, a Ré enviou ao Autor missiva a informar o valor estimado da reparação do veículo ....-QH, bem como o valor atribuído ao salvado e o valor indemnizatório em dinheiro que iria pagar (3.326,50€) – cf. doc. de fls. 47-48, cujo teor no mais se dá por integralmente reproduzido;
16) A Ré não comunicou ao Autor, aquando da celebração do contrato de seguro ou na vigência deste, o teor do ponto 1 da cláusula 9ª das condições gerais das coberturas facultativas do seguro automóvel, a que se alude em 7);
17) Nem informou o Autor dessa possibilidade de reposição do capital seguro após ter efectuado o pagamento da indemnização no âmbito do acidente participado em 10 de Abril de 2013, respeitante ao veículo ....-QH;
18) O Autor aquando da celebração do contrato de seguro não assinou qualquer documento ou contrato do qual constasse a referida cláusula;
19) Em data não apurada, mas posterior à comunicação da Ré referida em 15), o Autor levantou o veículo sinistrado (....-QH) da oficina da MERCAUTO (Mercedes) para não pagar parque diário.
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II – 2 - O Tribunal de 1ª instância não considerou provados, designadamente, os seguintes factos:
- Que não houve qualquer peritagem ao veículo sinistrado (....-QH);
- Nem que o Autor tinha absoluta necessidade do veículo ....-QH para se poder movimentar profissionalmente, uma vez que, na época, era chefe de equipa da MIDAS;
- Nem que o Autor sofreu bastantes transtornos psicológicos e psíquicos devido quer ao facto de ter ficado sem carro, quer ao impasse criado pela Ré e suas consequências.
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III - São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Neste contexto, tendo em consideração o teor das conclusões da alegação de recurso da R., temos como questões que se colocam: se deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto provada nos segmentos apontados pela apelante; se deverá ser considerado que a cláusula em discussão foi comunicada ao A. devendo a mesma ser mantida.
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IV – 1 - Insurge-se a apelante quanto ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância ao julgar provados os seguintes pontos da matéria de facto:
«16) A Ré não comunicou ao Autor, aquando da celebração do contrato de seguro ou na vigência deste, o teor do ponto 1 da cláusula 9ª das condições gerais das coberturas facultativas do seguro automóvel, a que se alude em 7);
17) Nem informou o Autor dessa possibilidade de reposição do capital seguro após ter efectuado o pagamento da indemnização no âmbito do acidente participado em 10 de Abril de 2013, respeitante ao veículo ....-QH;
18) O Autor aquando da celebração do contrato de seguro não assinou qualquer documento ou contrato do qual constasse a referida cláusula».
Defendendo que, antes, se deverá ter como provado o seguinte:
«16) Aquando da celebração do contrato de seguro, foi comunicado e explicado ao Autor, pelo mediador de seguro interveniente, o teor do ponto 1 da Cláusula 9ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do Contrato de Seguro Automóvel.
17) Aquando da celebração do contrato de seguro, o Autor foi informado da possibilidade de reposição do capital seguro após ocorrência de um sinistro que dê lugar ao pagamento, por parte da Seguradora, de uma indemnização, por forma a beneficiar novamente da cobertura da totalidade do capital seguro previsto no contrato.
18) O Autor declarou, na proposta de seguro que se encontra junto aos autos, que recebeu um exemplar das Condições Gerais e Especiais da modalidade de seguro subscrita, mais declarando que delas teve conhecimento antes da celebração do contrato e que recebeu toda a informação pré-contratual legalmente prevista e necessária ao seu total esclarecimento sobre o produto, proposta que se encontra devidamente assinada pelo próprio, enquanto Tomador do Seguro».
No que respeita aos aludidos pontos da matéria de facto provada o Tribunal de 1ª instância motivou a sua decisão nos seguintes termos:
«A prova da factualidade atinente à falta de comunicação, pela Ré ao Autor, do teor do ponto 1 da cláusula 9ª, aquando da celebração do contrato de seguro e na vigência deste e bem assim da falta de informação da possibilidade de reposição do capital seguro (n.ºs 16, 17 e 18 dos factos provados) estribou-se na valoração crítica e conjugada das declarações produzidas pelo Autor e por Carlos .... e Rui …… que, em duas ocasiões distintas, posteriores ao sinistro de 06-07-2013, acompanharam o Autor às instalações da Ré e cujos testemunhos foram reveladores de que, pelo menos na primeira deslocação, o Autor desconhecia a existência de cláusula contratual que previa a necessidade de reposição do capital seguro após a ocorrência do primeiro sinistro para que a Ré respondesse pelos danos sofridos pelo ....-QH, ao abrigo da cobertura facultativa, até ao limite do valor do veículo (capital seguro).
Certo é que nenhuma prova foi feita no sentido do cumprimento pela Ré, dos deveres de comunicação/informação atinentes ao conteúdo de tal cláusula geral inserta em contrato que se sabe pré-elaborado, de adesão, aquando da formação do contrato, nem sequer da entrega ou envio ao Autor de um exemplar escrito das Condições Gerais, Especiais e Particulares da apólice de seguro para que, ao menos, tivesse oportunidade de delas conhecer.
Não se tendo demonstrado o esclarecimento verbal do segurado, acerca do conteúdo do ponto 1 da cláusula 9ª das condições gerais das coberturas facultativas do seguro automóvel, nem o envio de um exemplar das Condições Gerais, Especiais e Particulares da apólice, prova que facilmente estaria ao alcance da seguradora se tal dever tivesse sido cumprido, as regras do ónus da prova impõe uma decisão favorável ao Autor (artigos 5º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e 342º, n.º 1, 344º, n.º 1 do Cód. Civil).
Com efeito, era sobre a Ré, por efeito da presunção legal estabelecida no n.º 3 do artigo 5º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que impendia o ónus da prova do cumprimento de tais deveres, quer na formação do contrato, quer na sua vigência, verificando-se, neste caso, uma inversão do ónus da prova, por haver presunção legal estabelecida a favor do Autor (artigos 342º, n.º 1 e 344º, n.º 1, do Cód. Civil)1.
Note-se que o próprio mediador, Sérgio ...., que figura como responsável pela celebração do contrato e que aufere uma comissão sobre o respectivo prémio, não foi capaz de esclarecer tal temática, sendo que desconhecia, aliás, como foi celebrado e por quem, admitindo que terá sido uma sua colaboradora a formalizar o contrato com o Autor».
A apelante invoca, no sentido por si proposto, o documento de fls. 36-39 (Proposta de Seguro), bem como a circunstância de as testemunhas Rui .... e Pedro ...., amigos do A., nada saberem de concreto sobre a matéria em causa – reduzindo-se o seu conhecimento aos acontecimentos do dia em que ambas acompanharam o A. às instalações da R e não á fase da contratação, à qual não assistiram e relatando cada uma delas um motivo diferente para haverem acompanhado o A. – desvalorizando as afirmações do A. nas declarações por este prestadas e aludindo ao depoimento da testemunha Sérgio .....
Nas declarações que prestou afirmou o A. que na sequência da carta de fls. 47-48 foi às instalações da R. para se informar da razão porque apenas lhe seria pago o montante disponibilizado (ou seja 3.326,50 €); que não fora informado de que como o carro já havia sido reparado baixava o valor pelo qual seria indemnizado; nas instalações da R. uma funcionária desta disse-lhe que a R. o deveria ter avisado de quanto despendera na 1ª reparação, assumindo que o erro fora da R. e que não sabia qual o valor da 1ª reparação (só o soube quando veio ao Tribunal da 1ª vez).
A testemunha Rui ...., amigo do A. há cinco ou seis anos, disse que foi com o A. às instalações da R. para saber porque é que lhe pagavam apenas o valor que a seguradora lhe queria dar, havendo uma funcionária da R. dito ao A. que a empresa estivera mal porque não informara o A. do valor que já fora utilizado, devendo este ter sido alertado para a situação e possibilidade de reposição.
A testemunha Pedro .... disse que é amigo do A. e que este lhe pediu para o acompanhar às instalações da R. devido a um problema com o seguro, tendo em conta uma carta que ele recebera. Na recepção uma funcionária da R. informou o A. que a R. deveria ter informado o A. na sequência do primeiro acidente, o que não fizera.
A testemunha Sérgio .... mediador de seguros, não sabe quem interveio em termos de mediação neste contrato de seguro, sabendo embora que não foi ele – tem duas colaboradoras. Referiu que o procedimento standard é de que todas as informações, quer as informações pré-contratuais, quer as condições gerais quer as condições particulares são entregues ao cliente quando da celebração do contrato.
Por outro lado, consta dos autos a proposta de seguro de fls. 36-39, evidenciada pela apelante – proposta a que se reportaria a apólice mencionada no ponto 2) dos factos provados. Tal proposta foi junta pela R. com a contestação e o A. não procedeu à impugnação, nos termos do art. 444 do CPC, da assinatura dela constante a final (fls. 39) no lugar da assinatura do tomador do seguro. As razões que levaram o Exº Advogado que representa o A. a não impugnar aquela assinatura excedem-nos – todavia, não poderemos assumir-nos como cegos, sendo manifesto, à vista desarmada, que a assinatura de fls. 39 não tem qualquer aproximação com as assinaturas do A. que se encontram a fls. 9 (na procuração) e a fls. 32 (no relatório de peritagem junto aos autos pela A.). Quer a letra quer o tipo de assinatura são absolutamente diferentes, não sendo crível que tendo o A. a assinatura patente a fls. 9 e a fls. 32, elaborasse a que consta a fls. 39. Aliás, o A., embora tardiamente, veio reagir negando a autenticidade daquela assinatura e mencionando que iria desencadear procedimento criminal (fls. 190). Na verdade, afigura-se que a fls. 39, sob a menção «Tomador do Seguro» se vê um «P’» seguido de uma assinatura/rubrica ilegível o que inculca que a pessoa que assinou aquele documento o fez «Pelo» tomador do seguro (daí o «P’»). Daí a nossa repugnância em considerar assente para os efeitos do art. 374 do CC aquela assinatura como sendo a do A..
Destes elementos de prova afigura-se ser de concluir que os mesmos tendem no sentido da manutenção dos pontos 17) e 18) dos factos provados ou seja de que:
17) A R. não informou o A. da possibilidade de reposição do capital seguro após ter efectuado o pagamento da indemnização no âmbito do acidente participado em 10 de Abril de 2013, respeitante ao veículo ....-QH;
18) O Autor quando da celebração do contrato de seguro não assinou qualquer documento ou contrato do qual constasse a cláusula 9ª, nº 1 das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do Seguro Automóvel.
Já quanto ao ponto 16) dos factos provados assolam-nos dúvidas sobre os elementos de prova produzidos serem susceptíveis de conduzir à sua demonstração, face ao que acima descrevemos.
As provas são escassas – se não mesmo inexistentes – mas tanto num sentido como no outro. Ou seja: quer no sentido de a R. haver comunicado, quer no sentido de a R. não haver comunicado ao A. quando da celebração do contrato de seguro ou na vigência deste, o teor do ponto 1 da cláusula 9ª das condições gerais das coberturas facultativas do seguro automóvel, entendemos que não foi feita prova bastante.
Assim determina-se a exclusão do ponto 16) dos factos provados que passará a integrar os factos não provados, mantendo-se os pontos 17) e 18) na redação acima considerada.
Sendo certo que também não se provou que a R. procedeu à aludida comunicação.
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IV – 2 - Em regra os contratos de seguro são celebrados com base nas Condições Gerais do Seguro, correspondentes a cláusulas contratuais gerais, prevendo a LCCG (aprovada pelo dl 446/85, de 25-10) a cargo dos utilizadores de tais cláusulas, ou seja do segurador, deveres de comunicação e de informação ([1]).
Determina o art. 5 do dl 446/85, de 25-10 que as cláusulas gerais devem ser comunicadas, na íntegra, aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, impendendo o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva sobre o proponente.
O referido dever de comunicação implica que o proponente comunique à contraparte, na íntegra, as cláusulas contratuais gerais e que tal comunicação seja adequada e atempada, de acordo com bitolas a apreciar segundo as circunstâncias ([2]).
Refere Ana Prata ([3]) que «o objectivo da norma é claro: a lei determina que o predisponente das cláusulas tem de comunicar à outra parte todas e cada uma das cláusulas que pretende ver integradas no contrato, por forma a possibilitar o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. Isto significa que essa comunicação tem de permitir ao bom pai de família – como paradigma da diligência juridicamente exigível – esse conhecimento completo e efectivo».
Deste modo será duvidoso considerarmos que cumpre tal dever a entidade predisponente que, por exemplo, se limite a inserir no clausulado uma menção segundo a qual o aderente declara ter tido conhecimento de todas as cláusulas contratuais ([4]); o cumprimento do dever de comunicação deverá ser apreciado à luz das circunstâncias concretas do caso.
A inobservância de referido dever de comunicação determina que as cláusulas se considerem excluídas do contrato – arts. 8, nº 1-a) e 9) do citado diploma legal.
A par do dever de comunicação encontramos o dever de informação que se reconduz, essencialmente, à obrigação do proponente prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados, pressupondo para o efeito uma iniciativa do aderente e só fazendo sentido se demonstrado o cumprimento do dever de comunicação.
Dispõe o nº 1 da clª 9ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas do contrato de seguro a que nos reportamos: «Em caso de sinistro que dê origem ao pagamento de uma indemnização no âmbito das coberturas facultativas respeitantes ao veículo, o valor desta será abatido ao capital seguro, ficando este reduzido até vencimento do contrato».
Constando do nº 2 da mesma clª 9: «O Tomador do Seguro poderá todavia repor o capital através do pagamento de um prémio suplementar, correspondente à fracção do capital reposto e ao período de tempo não decorrido até ao vencimento do contrato».
As mencionadas Condições Gerais integram cláusulas contratuais gerais, entre as quais se encontra a transcrita clª 9ª cujo teor, evidentemente relevante, deveria ter sido comunicado ao A., evitando-se, assim, o risco do desconhecimento da sua existência e conteúdo - através de supra aludida comunicação integral, adequada e atempada.
Dispõe o nº 3 do art. 5 da LCCG que o «ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».
Assim, cabia à R. o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva – o que não logrou satisfazer.
Há que ter em conta que, consoante explicam Pires de Lima e Antunes Varela ([5]) o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto.
Haverá, pois, que concluir que a clª 9ª das Condições Gerais das Coberturas Facultativas não foi comunicada ao A.. Daí a mesma dever ser considerada excluída do contrato celebrado entre A. e R., nos termos do art. 8-a) da LCCG.
Todavia, o contrato de seguro celebrado entre as partes subsiste conforme o nº 1 do art. 9 daquele diploma legal.
Efectivamente não foi trazido às conclusões de recurso – nem se vislumbra – que o contrato em referência, não possa subsistir sem a dita cláusula contratual geral agora excluída, por se ter então tornado indeterminável em aspecto essencial, ou implicar um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé. Poderá verificar-se algum desequilíbrio nas prestações, mas não que será gravemente atentatório da boa fé como se exige no nº 2 do art. 9 da LCCG, tendo em conta as circunstâncias e as razões que originaram a exclusão da cláusula em questão
Pelo que permanece a R. obrigada ao pagamento da quantia de 21.542,16 €, consoante considerado na sentença recorrida.
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V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 28 de Junho de 2018

Maria José Mouro
   
Teresa Albuquerque
                                                                      
Jorge Vilaça

[1] Ver Menezes Cordeiro, «Direito dos Seguros», Almedina, 2013, pag. 553.
[2] Ver, a propósito, Menezes Cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral», Almedina, tomo 1, pags. 433-434.
[3] Em «Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais», Almedina, 2010, pags. 238-239.
[4] Ver Ana Filipa Morais Antunes, «Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais», Coimbra Editora, 2013, pag. 130, bem como José Manuel Araújo de Barros, «Cláusulas Contratuais Gerais», Coimbra Editora, 2010, pag. 68.
[5] No «Código Civil Anotado», I vol., pag. 304.