Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6645/17.2T8FNC-A.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
AVALISTA
LIVRANÇA EM BRANCO
SUBSCRITOR
INSOLVÊNCIA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A equiparação do avalista ao avalizado deve ser vista em termos hábeis, querendo-se com isto significar que ao subscritor avalizado que esteja numa relação imediata com o portador da livrança é lícito opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiem na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado da mesma maneira que o avalizado, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação fundamental subjacente à emissão do título e não estará, assim, em relação imediata, mas mediata com o portador.
2. O decretamento da insolvência da subscritora da livrança emitida em branco, ou seja, da obrigada principal, da sociedade avalizada, importa o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente perante o banco credor/financiador, permitindo a este exigir, desde logo, a respectiva obrigação cambiária, procedendo, então, ao preenchimento do título para tal fim, designadamente apondo-lhe como data de vencimento a data da declaração da insolvência.
3. É que, a partir desse momento, o banco estava absolutamente legitimado e em condições:
- de preencher a livrança dada é execução com todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a data de vencimento; e
- de exigir dos obrigados cambiários, de qualquer um deles, incluindo o avalista/executado, ora embargante/apelante, pois que todos respondem solidariamente perante o credor, o valor em débito,  sem prejuízo:
- da reclamação a efetuar no processo de insolvência da subscritora/insolvente;
-   de o valor recebido no processo de insolvência ser abatido ao valor em débito, pois que não podia, naturalmente, receber em duplicado os valores em débito.
4. Sucede, no entanto, que o legislador português, contrariamente ao que ocorre noutros ordenamentos jurídicos, não fixou um limite temporal ao preenchimento da livrança em branco, pelo que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implica a estrita validade da data de vencimento que o portador inscreve no título, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento, o qual confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base, caso exista, para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I - RELATÓRIO:
FC veio, por apenso à ação executiva que lhe é movida pelo NB, S.A., deduzir os presentes embargos de executado, alegando, em suma, no que para aqui e agora interessa, que prescreveu, nos termos dos a arts. 70.º e 77.º da LULL, o direito de ação do exequente contra si, com base numa livrança-caução que assinou em branco na qualidade de avalista da respetiva subscritora, a sociedade C-SCM, Lda., declarada insolvente em agosto de 2009.
Conclui pugnando para que seja determinada a extinção da presente execução por prescrição do direito de ação por parte do NB.
O banco embargado contestou, pugnando pela improcedência dos embargos e, consequentemente, pelo prosseguimento da execução contra o embargante.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença que julgou improcedentes os embargos.
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Inconformado, o embargante interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«1. O Embargante discorda da douta sentença, na medida em que já prescreveu a obrigação titulada na mencionada livrança, nos termos do art.º 70º da LULL.
2. Isto porque, a sociedade “C-SCM, Lda” foi declarada insolvente por sentença de 31/07/2009.
3. E conforme decorre do artigo 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações da insolvente.
4. Assim a alegada obrigação de pagamento da livrança venceu-se em setembro de 2009.
5. Deste modo, tornando-se impossível o cumprimento da obrigação titulada pela alegada livrança, ora em apreço, cabia à Exequente, querendo, fazer uso dos mecanismos legais que lhe são facultados para obter o seu pagamento.
6. A qual deveria tê-lo feito no prazo de 3 anos contados do vencimento da obrigação, pelo que tal direito já se encontra prescrito, conforme preceitua o artigo 70.º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (L.U.L.L), aplicável à livrança ex vi do artigo 77.º e 78.º do mesmo diploma.
7. Porque a obrigação do avalista é equiparada à do subscritor, conforme preceitua o artigo 32.º da L.U.L.L, beneficiando igualmente do prazo de prescrição estatuído no aludido artigo 70.º.
8. Assim, o prazo para o exercício do direito de ação contra o executado, encontra-se largamente ultrapassado, terminando em setembro de 2012, sendo, por conseguinte, o preenchimento da livrança, ocorrido em 28 de abril de 2017, um ato que, além de ilegal, é claramente incompreensível e consubstancia um preenchimento abusivo, violando o pacto de preenchimento da livrança.
9. Além de que a função do aval radica exclusivamente no título cambiário e cessa quando o título desaparece do mundo jurídico, como foi o caso concreto.
10. E o aval não constitui um decalque da fiança, pelo que a assinatura aposta na livrança exequenda pelo embargante, na qualidade de avalista, não pode ser (agora) considerada como geradora de uma obrigação exequenda. (...).
11. As cartas enviadas para pagamento em 2017 foram devolvidas pelos CTT e não constam dos autos qualquer documento da sua receção.
12. Pelo exposto o direito da exequente já prescreveu, nos termos do art.º 70º da LULL, bem como inexiste título executivo quanto ao embargante, demandado como avalista.
*
O banco embargado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
***
II - ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se prescreveu o direito de ação do banco embargado contra o embargante.
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III - FUNDAMENTOS:
3.1 - Fundamentação de facto:
No saneador-sentença recorrido foram considerados provados os seguintes enunciados:
«1. A 05 de Dezembro de 2017, foi apresentado à execução ordinária n.º ____/__, em apenso, uma livrança, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta como data de emissão “1997-12-10” e como data de vencimento “2017-04-28”.
2. No verso de cada uma das livranças consta, precedida da expressão “Bom para aval à firma subscritora” a assinatura do embargante.
3. A sociedade subscritora da livrança foi declarada insolvente a 31 de Julho de 2009.»[1].
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3.2 - Enquadramento jurídico:
O embargante pugna para que seja determinada «a extinção da presente execução por ilegalidade do título, face ao discorrido nos pontos 1 a 12, e caso assim se não entenda, a prescrição do direito de ação por parte do NB, face ao discorrido nos pontos 13 e 23.»
Uma vez que o discorrido nos pontos 1 a 12 da petição inicial não constitui qualquer concreto fundamento de oposição à execução, antes configurando um mero exercício especulativo, nomeadamente o vertido nos pontos 7, 8, 9, 10, 11 e 12, conclui-se que o único fundamento válido apresentado para a oposição à execução é a prescrição do direito de ação que o embargado pretende fazer valer contra si, enquanto avalista de uma livrança emitida em branco no dia 10 de dezembro de 1997 e na foi aposta, como data de vencimento, 28 de abril de 2017.
Alega o embargante que «a alegada obrigação da alegada livrança venceu-se em agosto de 2009», por efeito da declaração de insolvência da sua subscritora, a C-SCM,Lda., nos termos do art. 91.º do CIRE[2],
A declaração de insolvência da subscritora da livrança tornou impossível o cumprimento da obrigação por ela titulada, cabendo «à instituição bancária, na qualidade de concedente do alegado empréstimo, querendo, fazer uso dos mecanismos legais que lhe são facultados para obter o seu pagamento.
E deveria tê-lo feito no prazo de 3 anos contados do vencimento da obrigação», ou seja, nos três anos subsequentes à data da declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança emitida em branco.
Assim, «o prazo para o exercício do direito de ação por parte do NB contra o executado, alegadamente avalista, encontra-se largamente ultrapassado.
Terminou em agosto de 2012, sendo por conseguinte o preenchimento da livrança, ocorrido em 28 de abril de 2017, um ato que, além de ilegal, é claramente incompreensível e de preenchimento abusivo.»
Como se sabe, o aval é o ato pelo qual um terceiro ou um subscritor da letra, no caso, de uma livrança, garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores[3].
Trata-se de uma nova obrigação cuja função específica consiste em garantir ou caucionar a obrigação de certo obrigado cambiário, sendo primária essa responsabilidade de garantia[4].
A obrigação do avalista é autónoma em face da obrigação do avalizado, subsistindo mesmo no caso de esta última ser nula por qualquer razão, salvo vício de forma (arts. 32.º, II e 77.º, III da LULL);
No que tange aos efeitos do aval, resulta dos arts. 32.º I e 77.º III, que o avalista de uma livrança é responsável da mesma maneira que o avalizado, o que significa que aquele responde perante as mesmas pessoas, nas mesmas condições e na mesma medida em que responde o avalizado.
Trata-se, no entanto, de uma equiparação que não pode deixar de ser vista em termos hábeis, querendo-se com isto significar que ao subscritor avalizado que esteja numa relação imediata com o portador da livrança é lícito opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiem na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado da mesma maneira” que o avalizado, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação fundamental subjacente à emissão do título e não estará, assim, em relação imediata, mas mediata com o portador[5].
A prescrição é tradicionalmente definida como o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo período de tempo fixado na lei e que varia conforme os casos[6].
Trata-se de um instituto que tem subjacente:
- por um lado, uma valoração negativa da inércia ou negligência do titular no exercício do direito, negligência esta que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito; e,
- por outro lado, um propósito de proteção do devedor que, a partir da inércia do titular, pode, legitimamente, criar a convicção de que o titular se desinteressou do respetivo exercício e, ademais, por força do decurso do tempo, pode ver-se em particulares dificuldades ao nível da prova de um eventual pagamento.
Portanto, em qualquer uma das hipóteses, o devedor, quer tenha cumprido, quer não, decorrido o prazo de prescrição pode invocar esta e bloquear a pretensão do credor[7].
No tocante ao início do prazo de prescrição, dispõe o art. 306.º do Cód. Civil, que «o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido; (...).»
Por sua vez, estatui o art. 70.º, I, aplicável ex vi do art. 77.º, ambos da LULL, que «todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.»
Tal como afirmado no recente Ac. do S.T.J. de 04.07.2019, Proc. n.º 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 (Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt, a questão de saber se o início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL (aplicável ex vi art. 77º da LULL) se afere ou não em função da data de vencimento inscrita na livrança tem sido respondida em sentido afirmativo pela jurisprudência reiterada do S.T.J., citado para o efeito os acórdãos de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1) e de 19/06/2019 (proc. nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, não havendo, segundo o acórdão inicialmente mencionado, razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.
No caso concreto, o apelante considera que a data relevante para efeitos de início do prazo de prescrição é aquela em que a subscritora da livrança, a sociedade, C-SCM, Lda., foi declarada insolvente, ou seja, em 31 de julho de 2009.
Isto porque, ainda segundo o apelante, à luz do disposto no art. 91.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente.
Há que analisar esta questão, no sentido de saber se deveria o aqui apelado, portador da livrança em branco, tê-la preenchido, no que à sua data de vendimento diz respeito, dentro dos três anos subsequentes à data em que o título cambiário se tornou exigível (à luz do estatuído no art. 91.º, n.º 1, do CIRE, e também dos arts. 43.º, II e 44.º, VI, da LULL), ou seja, da data em que a respetiva subscritora foi declarada insolvente, sob pena de, não o tendo feito, como efetivamente não fez, não o poder fazer através da ação executiva de que os presentes autos são apenso, por se encontrar prescrito o seu direito de ação cambiária.
Está provado, como se viu, que «a sociedade subscritora da livrança foi declarada insolvente a 31 de Julho de 2009.»
A ação executiva foi instaurada em 5 de dezembro de 2017.
Serve-lhe de título executivo uma livrança na qual consta como data de emissão “1997-12-10” e como data de vencimento “2017-04-28”.
Dispõe:
- o art. 91.º, n.º 1, o CIRE, que «a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.»
- o art. 43.º, II, da LULL, que «o portador de uma letra[8] pode exercer os seus direitos de acção contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados:
(...)
Mesmo antes do vencimento:
(...)
Nos casos de falência do sacado, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não contestada por sentença, ou de ter sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens.»
- o art. 44.º, VI, que «no caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarada do sacador de uma letra[9] não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de ação.»
Assim, tal como conjugadamente resulta dos citados preceitos legais, a declaração de insolvência importa o imediato vencimento da obrigação a cargo do devedor/insolvente, o mesmo é dizer, a sua imediata (prematura) exigibilidade.
O objetivo das citadas normas contidas nos arts. 43.º e 44.º da LULL é, como se afigura evidente, permitir ao credor, uma vez confrontado com a insolvência do devedor ou com esse risco iminente, declarar vencida e exigível a dívida que, em circunstâncias normais, não estaria ainda em condições de ser exigida, por não se mostrar vencida; ou seja, caso o credor tivesse que aguardar o decurso do prazo de vencimento da obrigação, correria o risco de, vencida a dívida no devido tempo, não lograr a satisfação do seu crédito por falta de bens no património do devedor. Trata-se da consagração no domínio do direito cambiário do mesmo princípio que se mostra consagrado no domínio da responsabilidade contratual no artigo 780º, do Cód. Civil (perda do benefício do prazo)[10].
No que tange ao art. 91.º, n.º 1, do CIRE[11], além de lhe estarem subjacentes aquelas mesmas razões, persegue um outro objetivo, qual seja o de permitir ao credor do devedor insolvente reclamar no próprio processo de insolvência esse seu crédito ainda não vencido, sendo certo que, como é consabido, por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, como resulta do art. 90.º do CIRE, de exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos neste código e durante a pendência do processo, sob pena de a satisfação dos mesmos se mostrar prejudicada[12].
Soveral Marins refere expressamente que «a declaração de insolvência vai ter como consequência o vencimento de todas as obrigações do insolvente que não estejam subordinadas a uma condição suspensiva (art. 91.º, 1). Assim, aquelas obrigações que apenas se vencessem em data posterior à declaração de insolvência vêem esse momento antecipado. E isso sem necessidade de interpelação. Com o regime descrito consegue-se uma (relativa) estabilização do passivo, tornando-se mais fácil avaliar a situação do devedor e assim tomar decisões. Desde logo porque os credores em causa, com os seus créditos vencidos, terão de vir ao processo exigir o que lhes é devido.»[13].
Perante isto, é questão isenta de dúvidas que o decretamento da insolvência da subscritora da livrança emitida em branco, ou seja, da obrigada principal, da sociedade avalizada, importou o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente perante o credor/financiador, o Banco ora apelado.
A declaração de insolvência da subscritora da livrança permitia ao Banco exigir, desde logo, a respetiva obrigação cambiária, procedendo, na data, ao preenchimento do título para tal fim, designadamente apondo-lhe como data de vencimento a data daquela declaração.
É que, a partir desse momento, o Banco apelado estava absolutamente legitimado e em condições:
- de preencher a livrança dada é execução com todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a data de vencimento; e
- de exigir dos obrigados cambiários, de qualquer um deles, incluindo o avalista/executado, ora embargante/apelante, pois que todos respondem solidariamente perante o credor, o valor em débito,
sem prejuízo:
- da reclamação a efetuar no processo de insolvência da subscritora/insolvente;
- de o valor recebido no processo de insolvência ser abatido ao valor em débito, pois que não podia, naturalmente, receber em duplicado os valores em débito.
Sucede, no entanto, que o legislador português, contrariamente ao que ocorre noutros ordenamentos jurídicos, não fixou um limite temporal ao preenchimento da livrança em branco.
Por isso, tal como referido, a jurisprudência portuguesa depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título[14], tem vindo a perfilhar, de forma que se crê ser unânime, conforme acima referido, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento[15].
Tal como se decidiu no Ac. da R.P. de 07.01.2019, Proc. n.º 1025/18.5T8PRT.P1 (Jorge Seabra), in www.dgsi.pt, que, aliás, temos vindo a acompanhar de perto, a emissão de um título em branco (cujo vencimento virá a ocorrer em momento posterior e não determinado à partida) não é equiparável à emissão de um título completo quanto aos seus elementos essenciais, nomeadamente quanto à data do seu vencimento.
O preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que foi pactuado entre as partes e do que ambas (obrigado e credor que intervieram no acordo) podiam objetivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236º do Cód. Civil.
Isto porque é, precisamente, o pacto de preenchimento que confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base (quando exista) para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente.
Ora, o embargante, aqui apelante, nada diz de concreto, desde logo na petição inicial com que introduziu em juízo os presentes embargos de executado, quanto a uma eventual violação, pelo Banco embargado, aqui apelado, de qualquer acordo de preenchimento do título executivo, reitera-se, uma livrança em branco, nomeadamente no que respeita à aposição da respetiva data de vencimento.
Nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Cód. Civil, era sobre o apelante que recaía o ónus de alegação e prova de que o apelado, ao apor no título executivo a data de 28 de abril de 2017, como sendo a do seu vencimento, violou qualquer acordo de preenchimento da livrança em branco.
Não tendo o feito, não pode deixar de ser confirmada a decisão recorrida que julgou improcedente os embargos de executado.
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IV - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas a cargo do embargante - art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 5 de maio de 2020
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] A decisão sobre a matéria de facto não foi objeto de impugnação.
[2] Por lapso, o embargante escreveu “artigo 81.º”.
[3] Cfr. Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 5.ª Edição, Livraria Petrony, 1990, p. 175.
[4] Idem, ibidem.
[5] Cfr. Pinto Furtado, Títulos de Crédito, Almedina, 2000, pp. 144-145.
[6] Cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume, Almedina, 1987, p. 445.
[7] Cfr. Manuel de Andrade, op. cit., p. 446 e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 7ª edição, 2014, p. 327.
[8] Ou livrança, nos termos do art. 77º, 1, da LULL.
[9] Cfr. nota anterior.
[10] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II Volume, Coimbra Editora, 3ª Edição, 1986, p. 29-31.
[11] Corresponde, grosso modo, ao art. 151.º, n.º 1, do anterior CPEREF, e ao art. 1196.º, n.º 1, do anterior C.P.C., na sua redação original.
[12] A este propósito, cfr. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 162-164, e Luís de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8.ª Edição, 2018, pp. 181-182.
[13] Ob. cit., p. 162.
[14] Neste sentido, veja-se, por exemplo, os Acs. da R.P. 04.04.2002, Proc. n.º 0230058 (Alves Velho) - «Numa livrança em branco o prazo prescricional a que alude o artigo 70 da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, corre desde o dia do vencimento nela aposto pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento. Na falta de violação do contrato de preenchimento, a aposição da data que consta de livrança, subscrita em branco, tem de considerar-se, em princípio, legítima, não existindo abuso de direito» -, e da R.L. de 01.06.2000, Proc. n.º 0039268 (Moreira Camilo) - «Desde que não haja infracção do contrato de preenchimento, a prescrição na letra em branco, decorre desde o dia do vencimento aposto pelo cumpridor.» -, ambos in www.dgsi.pt,
[15] Consigna-se que temos vindo a acompanhar de perto o Ac. da R.P. de 07.01.2019, Proc. n.º 1025/18.5T8PRT.P1 (Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.