Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2869/17.0T8BRR.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERAÇÃO A SENTENÇA
Sumário: Reconhecendo-se na sentença que parte da fundamentação exarada no texto do contrato de trabalho cumpre com as exigências de concretização, sendo a causa de pedir a vacuidade do termo, existe erro de julgamento quando se julga nula apenas a justificação parcial do termo e se julga não verificada a justificação tida como válida.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


BBB, , não se conformando com a sentença proferida, vem interpor recurso.

Pede a sua absolvição.

Apresentou alegações que concluiu da seguinte forma:
(…)
A decisão recorrida fez má interpretação do disposto na alínea e) do nº 1 e nº 3, ambos do artigo 141º do Código de Trabalho, tendo violado o disposto na alínea d) (parte final) do nº 1 do artigo 615º do CPC., sendo assim nula e devendo ser revogada.

AAA, recorrido nos autos à margem referenciados, notificado das alegações de recurso de apelação apresentadas vem apresentar as suas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO pronunciou-se no sentido da confirmação da sentença.

Exaramos abaixo um breve resumo dos autos para melhor compreensão.

AAA demandou a R. BBB. alegando, em síntese, que trabalhava para a R., a qual cessou o contrato de trabalho que os vinculava por via da declaração de caducidade, por cessação dos motivos que levaram à oposição de termo incerto. Mais alegou que a justificação do termo é vaga, não elucidando o trabalhador, e por isso nula.

Pediu a declaração da nulidade do termo e da ilicitude do despedimento e a condenação da R. na reintegração do A. ou, em alternativa, no pagamento de indemnização de substituição, e no pagamento das retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e juros de mora.

A R. contestou, alegando que a justificação do termo é clara, que o A. a aceitou porque não impugna os fundamentos do termo e, ainda que assim não se entenda, que os motivos invocados para fundamentar o termo entretanto cessaram.

Concluiu pela sua absolvição.

Foi efetuada audiência de Julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Julgou nula a justificação do termo aposto no contrato de trabalho exceto na parte em que se se diz que a R. passou a laborar de forma contínua e em que previu a possibilidade de deixar de o fazer, tendo sido nestes contexto que contratou o A.;
B) Julgou não verificada tal justificação e, consequentemente, julgo ilícito o despedimento do A. AAA e condenou a R BBB.:
1)- A reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem perda de antiguidade e mantendo a sua categoria profissional;
2)- A pagar ao A. uma compensação correspondente à retribuição relativa ao período decorrido desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão, deduzindo-se as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o subsídio de desemprego atribuído ao A. no período referido, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social, bem como da quantia que recebeu a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, a apurar em incidente de liquidação de sentença.

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª– A prova produzida implica uma resposta positiva aos Artº 24º, 29º e 30º da contestação?
2ª– Com a consideração de tais factos como provados conclui-se pela improcedência do pedido de declaração de nulidade da cláusula de termo?
3ª– Mesmo não ocorrendo qualquer alteração fática, sempre tal decisão deverá ser revogada, porquanto violou o Artº 141/1 e 3 do CT e é nula?
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FUNDAMENTAÇÃO:

FACTOS:

A 1ª questão supra enunciada pretende uma modificação do acervo fático assente no pressuposto do errado julgamento da matéria vertida nos Artº 24º, 29º e 30º da contestação, tida como não provada.

(…)

Concatenados os diversos depoimentos em presença, tendo presentes as reticências que emergem do primeiro, é para nós claro que a resposta do Tribunal recorrido não merece qualquer censura, devendo manter-se.
***

FACTOS PROVADOS:
O A. foi admitido ao serviço da R. em 27 de Junho de 2011, mediante celebração de contrato de trabalho a termo incerto. (artº 1º petição inicial)
Assentando o fundamento do referido termo nos "seguintes factos:
O forte decréscimo da procura dos produtos da Empresa verificada nos últimos 2 anos determinou o redimensionamento da mesma que passou a laborar em regime descontínuo, com a necessidade de adaptação das equipas de trabalho.

Apesar de se manter grande instabilidade de mercado verifica-se existir uma alteração profunda no mesmo em termos da procura que obriga a empresa, a fabricar produtos diversificados de modo a garantir a satisfação da procura, e assegurar a sua competitividade no mercado.

Verifica-se, ainda, o esgotamento dos mercados tradicionais, o que obriga à procura de novos mercados, sem possibilidade de planeamento efetivo da produção da fábrica, tornando-se, no entanto, importante a criação de condições para uma boa capacidade de resposta da empresa às solicitações do mercado.

Nestas circunstâncias, a empresa decidiu recativar a laboração contínua na fábrica, com a criação de uma quarta equipa de turno e o reforço de meios técnicos e humanos de apoio à laboração contínua.

Admite, a empresa, que o mercado, face às sucessivas oscilações conjunturais, possa, no entanto, não reagir de modo favorável às condições de oferta que a empresa com esta atuação, visa proporcionar, o que poderá determinar a implementação de um regime diferente de funcionamento da instalação, com uma equipa mais reduzida de trabalho, o que fará cessar o fundamento subjacente à elaboração do presente contrato.

O projeto de criação de uma nova estrutura de oferta de produtos e serviços por parte da empresa com vista a poder responder às novas condições de mercado (procura instável e de produtos altamente diversificados o que obriga a grande especialização e conceção de novos produtos) obrigará a um reforço de meios humanos nos quais se inclui o 2ªº outorgante.

A data da conclusão do projeto de adaptação da empresa às novas condições de mercado, não pode ser determinada, o que justifica a incerteza do termo do presente contrato, podendo eventualmente verificar-se que certas funções se venham a tornar desnecessárias antes, ou mesmo após a conclusão do projeto, o que determinará a caducidade do contrato ora celebrado.". (artº 2º petição inicial)

Colocando-se, desde então, sob a autoridade, direção e fiscalização da R.. (artº 3º petição inicial)

Exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de Profissional de Serviços de Apoio. (artº 4º petição inicial)

Funções essas a desempenhar nas instalações da R., sitas em (…) (artº 5º petição inicial)

Para o que auferia, ultimamente, a retribuição base mensal de € 913,13 (novecentos e treze euros e treze cêntimos). (artº 6º petição inicial).

Ficou igualmente acordado que o período normal de trabalho a prestar pelo A. seria de 40 horas semanais. (artº 7º petição inicial)
Em 21 de Abril de 2017, envia a R. missiva ao A., com a epígrafe "CESSAÇÃO DE CONTRATO A TERMO INCERTO", nos termos da qual pretende fazer cessar o vínculo laboral por caducidade, com efeitos a partir do sexagésimo dia após a receção da referida comunicação, "uma vez que se prevê que nessa data cesse a necessidade que levou à sua contratação”. (artº 8º petição inicial)

O contrato de trabalho que vinculava ambas as partes cessou em 27 de Junho de 2017. (artº 9º petição inicial)

Em 2010, a R. criou uma quarta equipa de turno e implementou o regime de laboração contínua. (artº 24º contestação)

Em Março de 2016, a R. procedeu a nova modulação dos horários de trabalho. (artº 28º contestação)

Tendo sido decidida a redução de uma equipa de turno na produção e também nas equipas de trabalho a montante e a jusante do processo produtivo, incluindo o departamento que o A. integrava. (artºs 29º e 30º contestação)

Aquando da cessação do contrato de trabalho, a R. pagou ao A. a quantia de € 3.606,35, a título de compensação. (artº 43º contestação)
***

O DIREITO:

É chegado o momento de nos determos sobre as demais questões elencadas, a primeira das quais pressupõe a procedência da que elencámos anteriormente.

Considerando que a mesma improcedeu, fica prejudicada a respetiva análise.

Com o que passamos à 3ª questão – Mesmo não ocorrendo qualquer alteração fática, sempre a decisão deverá ser revogada, porquanto violou o Artº 141º/1-e) e 3 do CT e é nula?

Alega a Apelante que a causa de pedir é a utilização de conceitos vagos, indeterminados e não concretizados na justificação da cláusula de termo. Assim, outra causa de pedir, designadamente a não correspondência do motivo indevido à realidade da empresa R., não pode ser apreciada. Mais defende que o teor da cláusula de aposição do termo é suficientemente claro e permite a sindicância da sua correspondência com a realidade da empresa.
Assim, ao declarar apenas parcialmente nula a cláusula em questão o Tribunal recorrido não poderia ter julgado a ação procedente, porquanto todos os demais pedidos formulados pelo Recrdº dependiam da procedência do pedido de declaração de nulidade.

Compulsada a sentença verificamos que se julgou “nula a justificação do termo aposto no contrato de trabalho, exceto na parte em que se diz que a R. passou a laborar de forma contínua e em que previu a possibilidade de deixar de o fazer, tendo sido neste contexto que contratou o A.” e, subsequentemente, julgou “não verificada tal justificação.”

Se bem entendemos pretende a Apelante que a sentença não poderia julgar não verificada a justificação exarada como justificando o termo.

Parece-nos que com razão!

E, se por um lado, este Tribunal, porque não impulsionado o mecanismo previsto no Artº 77º do CPT, não pode conhecer da nulidade da sentença, por outro, invocado também o erro de julgamento por violação do Artº 141º do CT, passamos a decidir.

No concernente a esta matéria peticionou-se a declaração de nulidade do termo aposto ao contrato de trabalho e, em consequência, a ilicitude do despedimento.

A fundamentar o pedido de declaração de nulidade da cláusula de termo alegou-se que a justificação apresentada é vaga e pouco precisa, que o motivo apresentado não respeita a descrição concreta e pormenorizada exigida por lei, uma vez que não elucida o A. quanto aos factos e circunstâncias concretas que levaram a R. a celebrar este tipo de contrato.

Jamais o A. alegou na sua petição a inveracidade dos motivos constantes do clausulado.

O que alegou e delimitou o objeto do processo foi a vacuidade da motivação.

Ora, o certo é que na sua apreciação a sentença considerou que “a justificação do termo é, no essencial, de tal modo vaga e genérica” que “na sua quase totalidade (é) inválida”. E, mais adiante, considerou que “não se declarando a cláusula toda nula, terá de se exigir à R. que comprove a sua veracidade, o que não logrou fazer, pelo que cumpre declarar a procedência da presente ação”.

O raciocínio assim expendido está, porém, viciado.

Na verdade, cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração do contrato de trabalho a termo (Artº 140º/3 do CT).

Pressuposto desta prova é, pois, a invocação de factos.

A R. tem que provar a veracidade dos motivos invocados se e quando invocar motivos na justificação do termo que o autor tenha como falsos.

Não foi o caso.

Em parte alguma o A. afirmou que a motivação constante do documento que titulou o contrato era falsa.

O que veio afirmar ao Tribunal é que tal motivação é vaga.

Logo, a sentença terá que olhar para a fundamentação exarada e apreciar se a mesma é ou não vaga.

E apenas isso.

Ou seja, em presença da invocação do A. o Tribunal tem que avaliar se a justificação cumpre com quanto se exige no Artº 141º/3 do CT.

Ora, a sentença reconheceu que parte da fundamentação exarada cumpria com as exigências de concretização.

Por outro lado, não tendo o Apelado reagido por alguma forma à decisão, esta Relação está vinculada a aceitar que transitou em julgado o segmento decisório que reconhece a validade da fundamentação.

Nessa medida, a apelação tem que proceder, não podendo subsistir a decisão condenatória, toda ela assente no pressuposto errado – porque não alegado - da falsidade dos motivos invocados.

A esta conclusão não obsta, como parece pretender o Apelado, a circunstância de as consequências para a falsidade da justificação serem as mesmas que para a não concretização da mesma, conforme decorre de quanto se dispõe no Artº 147º/1-a) e c) do CT.

É que o que verdadeiramente está em causa é a sentença ter reconhecido que a fundamentação exarada é, em parte, válida.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença e absolver a R. do pedido.
Custas pelo Apelado.
Notifique.
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Lisboa, 07-11-2018


MANUELA BENTO FIALHO
SERGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES