Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27827/05.4YYLSB-A.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O pacto de preenchimento estabelecido é perfeitamente válido e permitia ao exequente apor na livrança a data de vencimento que entendesse, desde que se verificasse o incumprimento nos termos aludidos.
II - Termos em que a data, validamente aposta na livrança como data do seu vencimento, constitui assim o termo inicial de contagem do prazo de prescrição, não relevando para esse efeito a data do incumprimento do contrato, que era apenas a causa de que dependia o preenchimento da livrança quanto ao seu vencimento. (Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A exequente A…,S.A moveu contra os executados B… e C… os presentes autos de execução para pagamento de quantia certa.
Estes deduzem oposição à execução ,alegando em resumo:
   - a livrança dada à execução não pode produzir efeitos como título cambiário, pois nela foi indicado como local de pagamento a cidade de Lisboa sem estar complementado com a indicação de uma morada ou domiciliada uma conta bancária de uma qualquer instituição bancária; nela se faz menção a locação financeira a que é atribuída uma numeração rasurada, desconhecendo-se quem e quando terá rasurado o título dado à execução, pelo que não reúne os requisitos de certeza e segurança elementares à sua consideração como título executivo, ao que acresce a circunstância de não resultar da livrança a referência de que tenha sido pago o imposto do selo devido pelo vencimento do título, o que sempre inviabilizaria a sua apresentação em juízo;
 o contrato de locação financeira subjacente à livrança dada à execução tinha por objecto um veículo automóvel que sofreu um acidente de viação, do qual resultou a perda total do mesmo, tendo a opoente recebido da exequente o cheque da indemnização que havia sido enviado pela seguradora directamente à exequente;
- os opoentes deslocaram-se à exequente, na posse do referido cheque que lhes havia sido remetido pela exequente, para que lhes fosse feito o acerto final das contas do contrato, resolvido que estava por falta de objecto, mas não conseguiram que o acerto de contas fosse efectuado;
- o objecto do contrato de locação financeira subjacente à livrança dada à execução extinguiu-se devido à perda total do mesmo, o que implicou a impossibilidade definitiva e absoluta de cumprimento/execução do contrato, não tendo, pois, qualquer razoabilidade que a exequente tenha procedido, por si ou interposta pessoa, ao preenchimento da livrança subjacente ao contrato, apenas em 10.05.2004, isto é, dezanove meses depois da extinção do objecto do negócio;
-  a sociedade seguradora cumpriu as suas obrigações e enviou o pagamento da quantia segurada à exequente, os opoentes procuraram efectuar o acerto de contas com a exequente, porque também eram credores e, mais tarde, receberam a comunicação com o acerto de contas, com as quais aliás nunca concordaram, pelo que, a título contratual, nada devem à exequente;
- o pacto de preenchimento não permitia à exequente, no caso concreto, o preenchimento da livrança, razão pela qual não foi junto aos autos;
- a acção cambiária encontra-se prescrita.
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    A exequente contesta, alegando em resumo:
    -o local de pagamento da livrança dada à execução poderia ter sido preenchido, como foi, pela exequente, estando de acordo com o pacto de preenchimento assinado pelos executados; a menção a locação financeira a que é atribuída uma numeração rasurada, apesar de corresponder à verdade, não afecta a sua validade enquanto título executivo, porque todos os requisitos exigidos pelo art. 75° da LULL se encontram clara e devidamente preenchidos;
     O preenchimento da livrança que é título executivo, foi comunicado aos executados por carta registada, datada de 16.08.2004;
     A  exequente celebrou, no dia 5.10.2002, com a executada C… o contrato de locação financeira n.° … para aquisição de um automóvel … …
     A ocorrência do acidente foi comunicada à exequente
     Foi emitido pela G… um cheque com o n.° ..., no valor de € 13.060,66 à ordem da executada e da exequente, tendo o cheque sido recebido pela exequente e enviado, por esta, por carta registada com A/R, para a executada C… a que o recepcionou no dia 26.02.2003;porém ,esta não o remeteu à exequente ,devidamente endossado à exequente para que esta o pudesse levantar
     O cheque nunca foi devolvido, mas foi levantado no dia 18 de Março de 2003, por outro que não a exequente, conforme informação prestada pela G…, mantendo-se em dívida aquele montante de € 13.060,00;
Argumentam ainda os executados a impossibilidade do contrato por desaparecimento do objecto – o veículo de matrícula … – no entanto, mais uma vez não lhes assiste razão, pois decorre do contrato de locação financeira e do regime jurídico do contrato de locação financeira que o risco de perda e deterioração do bem corre por conta do locatário, extrai-se também do contrato assinado pela executada ... que em caso de perda total é o locador responsável pelo pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do equipamento financeiramente não amortizado pelas rendas já pagas, acrescido de impostos que lhes sejam devidos, que não fora a acção atrás descrita dos executados teria sido cumprido;
Quanto à falta de junção do pacto de preenchimento da livrança, o mesmo ocorreu por ser absolutamente desnecessário e não por ser contrário ao preenchimento da livrança;
A acção cambiária não se encontra prescrita pois o prazo de prescrição de uma livrança em branco só começa a correr a partir da data de vencimento aposto pelo cumpridor.
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 A final foi decidido o seguinte :
 “Em face da argumentação expendida e das disposições legais citadas, decide o Tribunal julgar improcedente a presente oposição à execução e, consequentemente, determinar o prosseguimento da execução.”
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 Os exequentes impugnam esta decisão ,formulando estas conclusões:
 A) A Exequente/Apelada cedeu o alegado crédito sobre os Apelantes à sociedade A… LIMITED., em data incerta. Porém, tal cessão ocorreu antes de Setembro de 2009, dado que, em 23.09.2009, foi manuscrita uma carta pela entidade S… MANAGEMENT., na qualidade de mandatária da A… LIMITED, remetida aos Apelantes em 23.12.2009.
 B)A contestação foi apresentada pela Exequente/Apelada A…SA …..em 02.09.2009, data em que o alegado crédito tinha já sido cedido à A…LIMITED..
 C)A alteração da pessoa do credor na pendência da lide é regulada pelo n.2 1 do artigo 271.2 do CPC.
 D)A norma constante do n.2 1 do artigo 271º do CPC consagra uma regra geral que, nos termos do nº 3 do artigo 7º do CC, tem de ceder perante uma norma especial.
 E)A norma especial aplicada ao caso é o n.2 1 do artigo 56º do CPC, que regule a alteração da pessoa do exequente na pendência da lide.
 F)O nº 1 do artigo 56º do CPC obriga à sucessão do credor-cessionário ao credor-cedente, sob pena de ilegitimidade do credor-cedente na lide.
 G)Sem conceder, o nº 1 do artigo 271. do CPC consagra uma tutela provisória do credor cessionário, permitindo que o credor cedente pratique os actos necessários na lide até à habilitação do credor cessionário.
 H)Tal tutela é provisória e subsiste até à habilitação do credor cessionário, em nome do princípio da economia processual, precludindo a absolvição da instância do devedor por ilegitimidade superveniente do credor cedente, e obstando a que o credor cessionário tenha de intentar nova acção.
 I) Ora, in casu, desde o momento da cessão do alegado crédito sobre os Apelantes até à notificação da sentença, ou seja, desde o momento em que a Arrow Global Limited adquiriu o suposto crédito (data que os Apelantes desconhecem) até 12.07.2011, a A…LIMITED não fez rigorosamente nada nos autos.
        J)Pelo menos, desde Setembro de 2009 e 12.07.2011 (cerca de um ano e dez meses), a A… LIMITED …. nada fez para tutelar o seu suposto crédito.
        K)Se o credor-cessionário não toma a posição do credor-cedente na pendência da lide, nem nada faz para tutelar o seu alegado direito, então, não o credor-cessionário não está incluído na tutela prevista pelo n. P 1 do artigo 271.9 do CPC.
        L)Sem conceder, não é possível a aplicação do n.2 1 do artigo 271.2 do CPC ao caso, porque legitima a Exequente/Apelada GE a praticar os actos coercivos necessários no âmbito da acção executiva para cobrar o montante constante no título executivo.
        M)Para além de legitimar a Exequente/Apelada GE…  à cobrança do crédito, não impede a suposta credora-cessionária A… LIMITED …. de exercer o seu alegado direito contra os Apelantes,
N)Não podendo os Apelantes alegar a excepção de caso julgado numa posterior acção contra a credora-cessionária Arrow por falta de identidade dos sujeitos na acção (cfr. Nº 1 do artigo 498º do CPC), e ficando obrigados ao pagamento do valor do suposto crédito duas vezes,
O)Uma à Exequente/Apelada A…SA …. nos âmbito do presente processo de execução, e outra à A…SA …., no âmbito da futura acção.
P)Tal cenário é evitado pela sucessão no processo, devendo a A…SA, nos termos do n.° 1 do artigo 56.° do CPC, habilitar-se para constar como Exequente nos autos.
Q)Não é sustentável o reconhecimento ao credor da obrigação cambiária da faculdade de colocar como data de vencimento da obrigação uma data aleatoriamente escolhida por si,
R)Designadamente, como sucedeu no presente caso, a possibilidade de seleccionar como data de vencimento da obrigação uma data 19 meses posterior ao termo do pagamento das rendas pela Apelante.
S) Essa faculdade não é compatível com o instituto da prescrição nem com o princípio da segurança jurídica o reconhecimento ao credor, de a todo o tempo e com o limite temporal ad aeternum, preencher a livrança com a data de vencimento que bem lhe aprouver.
    T)A faculdade concedida ao credor, essa sim, razoável, é o espaço de tempo de três anos para tutelar o seu direito, correspondente ao prazo de prescrição de três anos, previsto no n.° 1 do artigo 70.° da LULL, aplicável por remissão do artigo 77.g do mesmo diploma.
  U)O reconhecimento do prazo prescricional de três anos não impede, assim, o reconhecimento e exercício do direito por parte do credor, nem a imposição ao credor de escolher uma data de vencimento da obrigação razoável, dado que após essa data tem três anos para exercer o seu direito.
V)Ora, assumindo a validade e exequibilidade da livrança ora executada, é desrazoável que se considere a obrigação vencida 19 (dezanove) meses após o perecimento do objecto da relação material da locação financeira entre os Apelantes e a Apelada, e 19 (dezanove) meses após o termo do pagamento das rendas pela Apelante!
W)Assim, a conduta da Exequente/Apelada é, de facto, abusiva, no preenchimento da livrança, facto integralmente rejeitado na douta sentença ora apelada.
X)O prazo de prescrição da livrança iniciou-se em 10.05.2004 e foi interrompido, apenas, em 17.04.2008, com a citação dos Executados/Apelantes.
Y)O que significa que a prescrição da livrança ocorreu em 10.05.2007, um ano antes da citação dos Executados/Apelantes, uma vez que só com citação ou notificação judicial se interrompe o prazo de prescrição (cfr. artigo 323. do CC).
Z)A falta de citação prévia dos Executados/Apelantes é imputável à Exequente/Apelada, que decidiu não requerer tal citação, nos termos da alínea j) do n.2 1 do artigo 810.2 do CPC, pelo que não é aplicável o disposto no n.2 2 do artigo 323.2 do CC.
AA) Nestes termos, a douta sentença expôs os fundamentos de facto correctamente, mas extraiu as conclusões jurídicas erradas, Decidindo erradamente ao considerar "manifestamente improcedente a alegada prescrição      da obrigação  cambiária       invocada         pelos executados/oponentes. ".
BB) Tal contradição consubstancia uma nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.21 do artigo 668.g do CPC.
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A exequente contra-alega ,pugnando pela improcedência do recurso.
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Os factos apurados
1. A exequente intentou a acção executiva a que coube o n.° …, contra os executados, ora opoentes, apresentando como título executivo uma livrança onde se lê: "no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à A…S.A., anteriormente designada W…,S.A. ou à sua ordem, a quantia de quatorze mil, quatrocentos e oito euros e cinquenta e oito cêntimos", com a "importância (em euros)" de 14.408,58 €, com data de "emissão" de 02-10-05 e de "vencimento" a 2004-05-10 (documento de fls. 22 dos autos de execução, que aqui se considera reproduzido).
2. A livrança referida em 1. foi assinada pelos executados/opoentes no lugar destinado à assinatura dos subscritores (documento de fls. 22 dos autos de execução, que aqui se considera reproduzido).
3-Por acordo escrito datado de 5.10.2002, denominado de "Contrato de Locação Financeira", n.° …, celebrado entre a exequente e a executada/opoente, aquela cedeu a esta o gozo temporário de um veículo automóvel da marca …, modelo …, com a matrícula… durante 36 meses, bem esse fornecido por ..., S.A. e adquirido pela exequente (cfr. doc. de fls. 54/55, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
4-Como contrapartida do uso do referido veículo automóvel, a executada/opoente obrigou-se a pagar à exequente uma primeira prestação no montante de € 3.171,87, IVA incluído, e, posteriormente, trinta e cinco prestações mensais no montante de € 415,41, cada (cfr. doc. de fls. 54/55, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
5-Na cláusula 8a das Condições Gerais do mencionado acordo, sob a epígrafe "Seguro do Equipamento", ficou consignado, além do mais, o seguinte: "1. Durante a vigência do presente contrato o equipamento deverá ser objecto de apólice de seguro com as seguintes coberturas:
1.1 responsabilidade civil por danos a terceiros, por valor ilimitado.
1.2 danos próprios no equipamento ocasionados por choque, colisão, capotamento, raios, explosão, incêndio, quebra isolada de vidros, furto ou roubo pelo valor do equipamento na data do início do contrato e com os direitos ressalvados à Locadora.
(...).".
6-Na cláusula 9a das Condições Gerais do mencionado acordo, sob a epígrafe "Disposições em caso de Sinistro", ficou consignado, além do mais, o seguinte:
„(...)
3. Se, de acordo, com a peritagem, o Equipamento não puder ser reparado, ou tiver sido roubado ou furtado, o presente contrato será automaticamente resolvido, devendo o Locatário pagar à Locadora, na data da resolução, uma indemnização correspondente ao valor do equipamento financeiramente não amortizado pelas rendas já pagas, acrescido dos impostos que sejam devidos.
(...).".
7. Na cláusula 16' das Condições Gerais do mencionado acordo, sob a epígrafe "Garantias da Locação", ficou consignado o seguinte:
"A Locadora poderá exigir do Locatário quaisquer garantias, pessoais ou reais, relativas aos créditos de rendas e dos outros encargos ou indemnização devidas, nomeadamente a entrega de uma livrança em branco subscrita pelo Locatário e avalizada por terceiros.".
8. Os executados/opoentes subscreveram o documento dirigido à exequente, cuja cópia encontra-se junta a fls. 51, do qual consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:


ASSUNTO: GARANTIA DE RESPONSABILIDADE

Exmo.(s) Senhor(es)
Pela presente anexamos uma livrança em branco subscrita por:
e avalizada por:
ficando, desde já, V. Exas. expressamente autorizados a proceder ao seu preenchimento e a apresentá-la a pagamento, em caso de mora ou de incumprimento, pela nossa parte, das obrigações decorrentes do contrato de locação financeira n.°…, celebrado com a vossa sociedade.
Tal livrança é pagável à vista e, no que ao seu preenchimento diz respeito, serão consideradas as seguintes regras:
1) Valor a pagar: o correspondente às rendas em débito, respectivos juros de mora, despesas extrajudiciais e judiciais e indemnização devida nos termos contratuais, referido à data de resolução do supracitado contrato;
2) Data de vencimento: não poderá ser anterior ao oitavo dia posterior ao da data em que nos seja solicitado o pagamento das quantias em débito;
3) Local de pagamento: o pagamento poderá ser feito em Lisboa, podendo ser utilizado o Banco escolhido para o pagamento das rendas.
O(s) Subscritor(es)
(...)„
9. Os executados/opoentes assinaram em branco e entregaram à exequente a livrança referida em 1., como garantia do cumprimento do acordo referido em 4..
10. Em 19.10.2002, os executados/opoentes sofreram um acidente de viação com o veículo automóvel da marca …, modelo …, com a matrícula …, do qual veio a resultar a perda total do veículo.
11. Na sequência da perda total do veículo automóvel da marca …, modelo …, com a matrícula…., a G…, …, S.A. dirigiu à executada/opoente a carta registada datada de 19.11.2002, cuja cópia se mostra junta a fls. 24, cujo teor aqui se dá por reproduzido, comunicando-lhe que a apólice n.° 202042726 garantia o capital de € 13.327,20, sujeito a uma franquia contratual de € 266,54, e que a executada/opoente poderia optar por receber a diferença entre aqueles valores (€ 13.060,66), ficando neste caso a companhia de seguros com os salvados, ou, pretendendo a executada/opoente ficar com os salvados, o valor destes seria abatido na respectiva indemnização.
12. A G…., S.A. emitiu um cheque com o n.° 0…, no valor de € 13.060,66 à ordem da executada e da exequente (doc. de fls. 59, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
13. O cheque referido em 12. foi recebido pela exequente e esta enviou-o para a executada/opoente, através de carta registada com A/R datada de 21.02.2003, cuja cópia se encontra junta a fls. 58, cujo teor aqui se dá por reproduzido, solicitando que a executada/opoente endossasse o cheque e o devolvesse à exequente o mais breve possível
14. A executada/opoente recebeu a carta referida em 13. no dia 26.02.2003.
15. A exequente dirigiu à executada/opoente a carta datada de 17.03.2003 cuja cópia se encontra junta a fls. 61, e cujo teor aqui se dá por reproduzido, comunicando-lhe que na sequência da comunicação da perda total do veículo os valores de acerto de contas definitivo do contrato eram os seguintes: Valor de Rescisão à data do Sinistro: € 13.123,66; Valor da Indemnização da Seguradora: € 13.060,66; Total a Liquidar: € 63,00.
16. O cheque referido em 12. foi levantado no dia 18.03.2003, conforme informação prestada pela G…, S.A. (doc. de fls. 62, cujo teor aqui se dá por reproduzido).
17. A exequente dirigiu aos executados/opoentes as cartas registadas datadas de 16.08.2004, cujas cópias se mostram juntas a fls. 52/53, das quais consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
„(...)
Assunto: Apresentação a pagamento da livrança subscrita por V. Exa. Contrato n.°: …
Cliente: C…

Exmo(s). Senhor(es):
Vimos pela presente informar que somos portadores de uma livrança subscrita por V. Exa(s) vencida em 10 de 05 de 2004, no montante de EUR: 14.408,58.
Para proceder ao seu pagamento deverá V. Exa. dirigir-se aos nossos serviços sitos no Edifício …, Piso 0, … em ….
Fica V. Exa. desde já notificado de que caso não efectue o referido pagamento no prazo de oito dias será o título de que somos portadores executado judicialmente (...):”.
      18-A quantia aposta no documento referido em 1. não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do CPC ) ,sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( artº 660 nº 2 CPC ),o que aqui se discute é a legitimidade do exequente e a prescrição do título

Vejamos:

A) Legitimidade do exequente

É um facto que nos termos do do disposto no art. 55°, n.° 1 do Cód. Proc. Civil, a execução tem de ser promovida por quem no título figure como credor e deve ser instaurada contra quem no mesmo tenha a posição de devedor. É a regra geral da legitimidade para a acção executiva, conferida a quem no título figure como credor e como devedor, que carece de ser adaptada nos casos de sucessão e que consente os desvios previstos nos n.°s 2 a 4 do art. 56° do Cód. Proc. Civil[1].
Ora, resulta do articulado dos executados e documentos juntos que a exequente cedeu o crédito exequendo à sociedade Arrow ….do que terá sido dado conhecimentos aos executados em 23.12.2009.
O raciocínio do Exmº Juiz é que por não ter havido lugar ao preceituado no artº 271 nº1 do CPC ,o exequente continua a ser parte legítima.O recorrente entende que a norma do artº 56 do CPC é uma norma especial que obriga à sucessão do credor cessionário ao credor cedente.
Concordamos com o teor da decisão,porquanto também entendemos que o preceituado no artº 56 do CPC deve ser compaginado com o artº 271 CPC ,pelos seguintes motivos:
O preceituado no artº 271 CPC dá-nos a garantia da certeza do direito,evitando manipulaçoes provocadas pelas partes ,quanto à legitimidade das partes ,com os inevitáveis resultados preversos para quem é estranho à mesma.
E nenhum dos interessdos fica prejudicado,porquanto se não houver habilitação a sentença que que puser termo ao litígio faz caso julgado à parte contrária a quem transmitiu o direito.Por outro lado, o transmitente pode sempre promover a habilitação , o que também salavaguarda a sua posição.[2]
Com efeito,numa hipotética acção que a A… Lim   ited instaure contra a recorrente ,pedindo a sua condenação ao pagamento da quantia expressa no título ,demonstrando esta o pagamento à exequente , a acção não poderá prosseguir, já que o novo adquirente ocupou a posição do cedente e como tal haverá caso julgado.Aliás, como o refere o artº 271 nº3 do CPC.
No caso presente, dúvidas não se levantam de que a exequente figura no título executivo como credora. Assim sendo, é manifesto que a exequente mantém a sua legitimidade para os ulteriores termos do processo, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-la, atentas as disposições legais citadas.
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Da prescrição da obrigação cambiária        
Não está colocado em crise que estamos perante uma livrança na qual os executados/opoentes assumiram a posição de subscritores (art. 75°, § 7° da LU LL).
Cumpre salientar desde já que a livrança dada à execução foi emitida em branco, ou seja, foi entregue à exequente com a assinatura dos executados/opoentes, sem os restantes elementos, facto que não a torna inválida, mas apenas ineficaz enquanto se não apresentasse preenchida de harmonia com o pacto de preenchimento ao procurar exercer-se os direitos dela emergentes[3].
Tal configura uma actuação frequente no comércio jurídico :empresas privadas ,especialmente, as financeiras recorrem a livranças subscritas pela beneficiária e avalizadas por terceiros, que oferecem, assim, uma garantia de ordem pessoal.
Por isso ,tal como se refere na douta decisão “…Nenhum obstáculo existe pois à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento. Necessário é que se mostre preenchida até ao momento do acto de pagamento voluntário (cfr. Pinto Coelho, "As Letras", II, 2a, 30 e ss; Ferrer Correia, "Lições de Direito Comercial", Reprint, 483; Oliveira Ascensão, "Direito Comercial", III, 116).”
Tratou-se, assim de uma livrança-caução a ser utilizada pela exequente, que ficou sua portadora com o poder de a preencher nos termos convencionados, designadamente quanto à data de vencimento, pelo que, é a data de vencimento nela aposta pela exequente que releva e não qualquer outra.
O fundamento dominante deste instituto jurídico da prescrição ,tal como também se refere na decisão “ assenta na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)" (cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7a reimpressão, Almedina, 1987, pag. 445).”
Daí que ,na prescrição relevem “…interesses de ordem pública, ligados à certeza e segurança jurídicas ("as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida" – cfr. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 446), à protecção dos devedores ("contra as dificuldades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido" - cfr. Manuel de Andrade ob. loc. cit.), de estímulo e pressão educativa sobre "os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles" (Manuel de Andrade, ob. loc. cit.).[4]
O preceituado no art. 70°, da LULL, dispõe que "Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento" (§ 10), e que "As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula "sem despesas""(§ 2°).
O art. 70° da LULL é aplicável às livranças ex vi do art. 77° do mesmo diploma legal.
No caso em apreço, a execução é intentada pelo portador da livrança dada à execução, contra quem nela figura como subscritores, pelo que relevaremos apenas o prazo previsto no art. 70°, § 1°, da LULL.
Assim sendo, o prazo de prescrição aplicável à livrança aqui em causa é de três anos, a contar da data do seu vencimento.Na verdade , o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido O prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido –art. 306.ºCC
Do pacto de preenchimento referido não resulta que tenha sido convencionado qualquer prazo para o preenchimento da livrança, no que se refere à data do vencimento, a partir do momento em que se verificasse a falta de cumprimento das cláusulas do contrato.Veja-se a este respeito o ponto 8 dos factos apurados.
Este pacto de preenchimento assim estabelecido é perfeitamente válido e permitia ao exequente apor na livrança a data de vencimento que entendesse, desde que se verificasse o incumprimento nos termos aludidos.
         Termos em que a data, validamente aposta na livrança como data do seu vencimento, constitui assim o termo inicial de contagem do prazo de prescrição, não relevando para esse efeito a data do incumprimento do contrato, que era apenas a causa de que dependia o preenchimento da livrança quanto ao seu vencimento.
         Daí que, seja qual for a natureza da obrigação cambiária dos embargantes, tendo a execução de que estes autos de embargo são apenso sido intentada muito tempo antes de se completarem os três anos a que alude o artigo 70º da LULL se conclui, como se concluiu na douta decisão recorrida, que não ocorre a prescrição invocada:”…A acção executiva para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, deu entrada em juízo por via electrónica, através do mail de 18 de Março de 2005, de acordo com o disposto no Dec.-Lei n.° 200/2003, de 10 de Setembro e Portaria n.° 985-A/2003, de 15 de Setembro.

A livrança que constitui título executivo nos autos de execução apresenta como data de vencimento 10 de Maio de 2004.
Ora, tendo a acção executiva para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, dado entrada em juízo em 18.03.2005, e não estando a mesma sujeita a citação prévia dos executados, o facto de estes só terem sido citados no decurso do ano de 2008 não é imputável à exequente por tal se dever a questões de índole meramente processual, uma vez que incumbe ao agente de execução proceder à citação após a realização da penhora, e, em consequência, nos termos do disposto no art. 323° n.° 2 do Cód. Civil interrompeu-se o prazo de prescrição de três anos prevista no art. 70° § 1° da LULL da mencionada livrança após cinco dias contados da data da entrada em juízo do requerimento executivo, uma vez que a acção foi proposta com uma antecedência muito superior a cinco dias em relação ao termo do prazo da prescrição.
É, pois, manifestamente improcedente a alegada prescrição da obrigação cambiária invocada pelos executados/opoentes.”
Atentas estas conclusões , inexiste qualquer nulidade da sentença ,porquanto o silogismo judiciário expresso na sentença é verdadeiro,ou seja,as premissas conduzem à conclusão

Termos em que improcedem todas as conclusões
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Em conclusão:o pacto de preenchimento estabelecido é perfeitamente válido e permitia ao exequente apor na livrança a data de vencimento que entendesse, desde que se verificasse o incumprimento nos termos aludidos.
         Termos em que a data, validamente aposta na livrança como data do seu vencimento, constitui assim o termo inicial de contagem do prazo de prescrição, não relevando para esse efeito a data do incumprimento do contrato, que era apenas a causa de que dependia o preenchimento da livrança quanto ao seu vencimento.

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Acordam em negar provimento à apelação e assim se confirma a decisão impugnada.

Custas pelo apelante

Lisboa, 19.04.2012

Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes
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[1] Nos termos do disposto no art. 557°, n.° 1 do Cód. Civil, o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.
[2] Cf. Prof. Alberto dos Reis ,in Comentários nº3 .77
[3] cfr., Ac. do STJ de 04/0211993, citado por Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 7a edição, Petrony, 1996, pág. 334;
[4] Cf decisão impugnada