Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
317/13.4 TYLSB-L.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
BEM IMÓVEL
APREENSÃO DE BENS
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Declarada a insolvência do devedor, devem ser apreendidos para a massa insolvente todos os seus bens para liquidação e satisfação dos direitos dos credores, incluindo os bens objecto de direito de retenção.

2- A entrega ao administrador de insolvência do imóvel ocupado a título direito de retenção não faz extinguir este direito, desde que, para além dos demais pressupostos legais, tal ocupação exista à data da declaração de insolvência e, sendo o crédito reconhecido como garantido com direito de retenção na sentença de verificação e graduação de crédito, será o mesmo graduado de acordo com esta garantia, no lugar que lhe compete.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
No processo de insolvência, onde foi declarada insolvente C…, SA e em que, entre outros, são credores reclamantes LB…, LS…, JC… e MC… e Banco…, SA, veio este apresentar requerimento, alegando que, mediante escritura de compra e venda celebrada com a sra administradora de insolvência, adquiriu entre outros, dois imóveis apreendidos no âmbito dos presentes autos, mas não logrou obter a posse efectiva dos mesmos por se encontrarem ocupados pelos credores LB… e LS…. Concluiu pedindo que os aludidos imóveis lhe sejam entregues, nos termos dos artigos 828º e 861º do CPC, por via do artigo 17º do CIRE, notificando-se os ocupantes para o efeito e recorrendo-se à força pública, se necessário.
Os referidos credores ocupantes dos imóveis deduziram oposição ao requerimento, alegando que reclamaram os respectivos créditos, garantidos por direito de retenção sobre os imóveis em causa, tendo deduzido impugnação à lista de créditos por nesta se ter considerado tais créditos como comuns e não como garantidos, havendo que aguardar pela decisão sobre a impugnação e sobre a existência do direito de retenção, por ser esta uma questão prévia relativamente a qualquer acto que incida sobre os imóveis. 
Concluíram pedindo o indeferimento do requerimento do credor Banco….
Por seu lado, os credores JC… e MC…, notificados da decisão da sra administradora da insolvência de tomar posse do imóvel que ocupam e interpelados para o desocuparem, vieram alegar que reclamaram o seu crédito, garantido com direito de retenção sobre o imóvel em causa, tendo deduzido impugnação à lista de créditos por nesta se ter considerado tais créditos como comuns e não como garantidos, a qual ainda não foi decidida, mantendo os requerentes legítimas expectativas na sua procedência, acrescidas após a publicação do acórdão do STJ nº 4/2014 e traduzindo-se a desocupação do imóvel pretendida pela AI num esvaziamento do pedido de impugnação da lista de credores reconhecidos, que obsta ao reconhecimento do seu direito de retenção, retirando-se-lhes o objecto físico sobre o qual exercem a respectiva posse e impedindo a sua qualificação como credores privilegiados.   
Concluíram pedindo que seja (1) declarada sem efeito a decisão da AI de tomar posse do imóvel, (2) declarada sem feito a interpelação da AI para o desocuparem e (3) ordenado que, até decisão final da impugnação da lista de credores reconhecidos, não sejam praticados quaisquer actos respeitantes ao imóvel, designadamente a sua tomada de posse, desocupação, entrega e venda, que por qualquer forma, ofendam os direitos invocados na impugnação.   
Sobre estes requerimentos recaiu despacho que decidiu da seguinte forma:
(…) Portanto e sem prejuízo de no apenso de reclamação de créditos o tribunal ir averiguar se o reclamante teve a posse do bem sobre o qual se arroga titular de direito de retenção, apreciação esta que tem de ser efectuada, o credor reclamante não tem direito a reter o bem na sua posse até esse momento, bastando-lhe, para assegurar a possibilidade de invocar aquele direito que, além do mais, a tivesse na data da declaração de insolvência.
Tanto vale por dizer que assiste razão aos adquirentes dos bens imóveis, aos quais devem ser efectivamente entregues, não assistindo razão aos requerentes LB…, LS… e JC… nas suas pretensões de manter a posse dos imóveis apreendidos e vendidos no âmbito deste processo, pelo que deverão entregá-los aos adquirentes”.
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Deste despacho interpuseram recursos os credores LB…, LS… e JC…e MC…, que alegaram e formularam conclusões.
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Nas suas conclusões das alegações dos respectivos recursos, os recorrentes LB… e LS… apresentam os seguintes argumentos:
- Os recorrentes apresentaram reclamações de crédito com fundamento no incumprimento de contrato promessa de compra e invocando direito de retenção sobre as fracções cuja entrega foi ordenada pelo despacho recorrido.
- O direito de retenção está fundamentado nas tradições das fracções, no incumprimento definitivo dos contratos promessa pela insolvente e pelos créditos respectivos de 60 000,00 euros, correspondentes ao dobro do sinal que cada um dos recorrentes entregou à insolvente.
- O direito de retenção é uma garantia real e, como tal, é considerado garantido o crédito dos recorrentes, ao abrigo do artigo 4º do CIRE.
- A AI qualificou os créditos dos recorrentes como créditos comuns, com violação do artigo 47º do CIRE, o que levou os recorrentes a impugnar a lista de créditos nos termos do artigo 130º do mesmo código, não tendo ainda sido proferida decisão sobre as impugnações, pelo que ainda não estão reconhecidos e qualificados os créditos dos recorrentes como garantidos.
- Nos termos do artigo 759 nº2 do CC, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, mesmo que registada anteriormente, pelo que os recorrentes têm direito a que o seu crédito seja pago pelo produto da venda antes do credor hipotecário Banco…, que veio a adquirir a fracção.
- A entrega das fracções só poderá ocorrer quando se extinguir o direito de garantia real de cada um dos recorrentes, quando estes direitos forem definitivamente reconhecidos e qualificados.
- Os recorrentes habitam as fracções em causa desde a data da tradição e utilizam-nas como habitação própria e permanente e a sua entrega configuraria uma violação do direito à habitação, constitucionalmente garantido no artigo 65º da CRP.
- Não pode considerar-se, como se fez no despacho recorrido, que o direito de retenção, a ser reconhecido, terá efeitos apenas no que concerne à ordenação da lista de credores e respectivos pagamentos, pois tal significaria a omissão da essência do direito de retenção e dos valores constitucionalmente subjacentes ao mesmo, fazendo-os ceder sem qualquer justificação.
- O despacho recorrido não teve em consideração que os direitos garantidos pelo direito de retenção emergem de contratos promessas sobre bens destinados á habitação e construídos pela devedora, sociedade comercial, sendo assim os direitos dos recorrentes duplamente tutelados pela CRP, como direitos à habitação e como direitos do consumidor, não podendo ser afastados sem justificação, devendo ser revogado o despacho recorrido.
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Nas conclusões das alegações do seu recurso, os recorrentes JC… e MC… apresentam os seguintes argumentos:
   - Os recorrentes requereram que fosse dada sem efeito a decisão da AI para tomar posse do imóvel.
- O imóvel que os requerentes possuem não foi objecto de venda/aquisição no âmbito dos presentes autos, pelo que, não existindo adquirente, não têm os recorrentes que proceder à sua entrega.
- A ordem de entrega é ininteligível para os recorrentes, não os podendo vincular.
- A decisão recorrida não conheceu dos pedidos formulados nos pontos 1, 2 e 3 do seu requerimento, tendo omitido pronúncia e sendo nula nos termos do artigo 615º nº1 d) do CPC, não se podendo entender que o terceiro pedido está decidido e que nesse julgamento está implícito o conhecimento dos anteriores.
- A decisão recorrida também não contém fundamentação que permita compreender o objecto do requerimento dos apelantes, não cumprindo o artigo 154º nº1 do CPC e sendo nula nos termos do artigo 615º nº1 b) e c) do CPC.
- O direito de retenção, previsto no artigo 754º do CC, é um direito real de garantia, com o consequente direito de sequela e de preferência de pagamento sobre os demais credores que, no tocante às coisas imóveis, é graduado à frente da hipoteca, nos termos do artigo 759º do mesmo código.
- O titular do direito de retenção detém um poder de facto sobre a coisa, invocável perante todos independentemente de registo, exercendo funções de depositário legal do bem que garante o seu crédito, como decorre do artigo 756º n1 c) do CPC, solução essa válida no âmbito do processo de insolvência por força do disposto no artigo 150º do CIRE e sendo esse poder de facto que o distingue de todos os outros direitos reais de garantia.
- Por isso ao retentor não poderá ser-lhe retirada a coisa retida enquanto não lhe for satisfeito o seu crédito, ou quando a coisa retida for vendida judicialmente no âmbito de um processo de execução, universal ou não como é o caso da insolvência, uma vez que, por força do artigo 824º do CC, após a venda judicial, o direito caduca e transfere-se para o produto daquela venda.
- A decisão recorrida faz uma interpretação errada do direito de retenção, reduzindo-o apenas ao direito de se fazer pagar preferencialmente pelo preço da venda da coisa como se já tivesse havido lugar à aplicação do artigo 824º do CC e ignorando a natureza essencial de retenção do direito, entendendo, ao arrepio da letra da lei, que não se extingue após a entrega da coisa.
- O direito de retenção invocado pelos apelantes deriva da tradição do imóvel que constitui o objecto do contrato promessa de compra e venda que firmara com a insolvente e que esta incumpriu definitiva e culposamente. e a entrega do imóvel nos termos da decisão recorrida acarretaria o risco da extinção do direito de retenção, deixando o crédito reclamado sem garantia.
- A questão que o Tribunal recorrido identificou não corresponde àquela que os recorrentes submeteram à sua apreciação, uma vez que ainda não foi proferida decisão sobre o reconhecimento do direito de retenção que os recorrentes reclamam, o que constitui violação do seu direito num prazo razoável nos termos do artigo 20º nº4 da CRP e não devendo a decisão recorrida preceder a decisão sobre o pedido de reconhecimento do direito de retenção e cuja decisão continuam a aguardar.
- Não deverá o Tribunal recorrido tomar decisões que possam destruir a relação fáctica existente e respectivo de retenção, devendo sim atender às diversas soluções plausíveis de direito que a matéria controvertida comporta e atentar na fundamentação acolhida no acórdão do STJ nº4/2014.
- Fazendo esta avaliação, poderia ter sido aplicado o artigo 150º nº1 do CIRE, atribuindo aos recorrentes o cargo de fiel depositário, conforme o artigo 756º do CPC, tanto mais que o imóvel em causa é desde Setembro de 2010 sua residência, não tendo outro lugar onde habitar, pelo que a execução do despacho recorrido viola o artigo 65º da CRP.  
- O despacho recorrido viola os artigos 2º, 154º nº1, 615º nº1 b), c) e d), 756º nº1 c) do CPC, 754º, 755º nº1 f), 761º, 824º do CC, 150 nº1 do CIRE, 20 nº4, 65º, 205º nº1 da CRP.
- Concluíram pedindo a declaração de nulidade da sentença recorrida, ou, se assim não se entender, a sua revogação e, em qualquer caso, que sejam declaradas sem efeito as referidas decisões da AI, que seja ordenado que, até à decisão final da impugnação da lista de credores, não sejam praticados quaisquer actos respeitantes ao imóvel em causa e que seja o recorrente marido investido na posição de seu fiel depositário.
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Não foram apresentadas contra-alegações e foi proferido despacho que desatendeu as nulidades invocadas e admitiu os recursos como apelação, com subida imediata, em separado e, indeferindo o requerido por todos os apelantes, fixou devolutivo ao recurso.
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As questões a decidir são:
I) Nulidade do despacho recorrido.
II) Se os apelantes estão obrigados a desocupar os imóveis sobre os quais invocam ter direito de retenção.
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FACTOS.
Os factos a considerar são os que constam no relatório do presente acórdão e ainda mais os seguintes factos, retirados das certidões constantes no presente apenso de recurso:
1- Na lista de credores reconhecidos apresentada pela AI constam, entre outros, os seguintes credores: (i) JC… e mulher MC…, com o crédito, proveniente de contrato promessa de compra e venda, de 44 512,62 euros, sendo 40 000,00 euros correspondente ao dobro do sinal e o restante de despesas e juros, (ii) LB…, com o crédito proveniente de contrato promessa de compra e venda, de 60 624,66 euros, sendo 60 000,00 euros correspondente ao dobro do sinal e o restantes de juros e (iii) LS…, com o crédito proveniente de contrato promessa de compra e venda, de 60 624,66 euros, sendo 60 000,00 euros correspondente ao dobro do sinal e o restante de juros (fls 81 e seguintes).
2- Estes três créditos foram considerados comuns na lista de credores reconhecidos, com a anotação de que o direito de retenção deverá ser apreciado pelo Tribunal (fls 81 e seguintes).
3- Todos estes credores deduziram impugnação à lista de créditos reconhecidos na parte em que os respectivos créditos são qualificados como comuns e pedindo que os mesmos sejam qualificados como garantidos com direito de retenção (fls 138 e seguintes).
4- O imóvel ocupado pelo credor apelante LB… corresponde à verba nº11 dos bens apreendidos para a massa insolvente (fracção autónoma, letra C, correspondente a moradia B-…, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua dos …, 159, em Lagoa do Láparo, freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o nº… e inscrito na respectiva matriz sob o nº…, com o valor patrimonial correspondente à fracção e atribuído de 352 154,25 euros) (fls 163 e seguintes).
5- O imóvel ocupado pelo credor apelante LS… corresponde à verba nº 18 dos bens apreendidos para a massa insolvente (fracção autónoma, letra J, correspondente a moradia B-…, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua dos …, 159, em Lagoa do Láparo, freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o nº… e inscrito na respectiva matriz sob o nº…, com o valor patrimonial correspondente à fracção e atribuído de 359 756,60 euros) (fls 163 e seguintes).
6- O imóvel ocupado pelos credores apelantes JC… e MC… corresponde à verba nº26 dos bens apreendidos para a massa insolvente (fracção autónoma, letra H, correspondente ao rés do chão, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua da …, 246, em Lagoa do Láparo, freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o nº… e inscrito na respectiva matriz sob o nº…, com o valor patrimonial correspondente à fracção e atribuído de 333 480,00 euros) (fls 163 e seguintes).
7- Por escritura pública de 30 de Julho de 2013, a sra administradora de insolvência vendeu ao credor reclamante Banco,…SA as verbas nº11 e 18, que se encontram ocupadas, respectivamente, pelos credores LB… e LS… (fls 110 e seguintes).
8- Por escritura pública de 29 de Março de 2017, já depois de interposto o recurso dos credores ora apelantes JC… e MC…, a sra administradora de insolvência vendeu a MT… a verba nº26, ocupada por estes credores reclamantes (fls 187 e seguintes).    
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Nulidade do despacho recorrido.
Os apelantes JC… e MC… invocam a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao abrigo do artigo 615º nº1 alínea d) do CPC e por falta de fundamentação e ininteligibilidade, ao abrigo das alíneas b) e c) da mesma disposição legal.
Para tanto alegam que o despacho recorrido não se pronunciou sobre os pedidos formulados no seu requerimento, de dar sem efeito as decisões da AI e de não permitir qualquer acto relativamente ao imóvel enquanto não houver decisão sobre a impugnação da lista de créditos.
É certo que o despacho, no seu dispositivo, não chega a pronunciar-se expressamente sobre estes pedidos, mas a sua fundamentação é clara, dela se retirando sem esforço que é seu entendimento de que deverão ser sempre efectivamente entregues os imóveis ocupados, independentemente de já terem sido vendidos ou não e sem prejuízo da apreciação que oportunamente será feita sobre o reconhecimento ou não do direito de retenção invocado, sendo manifesto que terá considerado prejudicadas as questões levantadas pelos ora apelantes.
Não existem, pois, as apontadas nulidades, nem havendo violação dos artigos 20º e 205º da CRP, devendo o entendimento do despacho recorrido ser conhecido em sede de apreciação de mérito.
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II) Se os apelantes estão obrigados a entregar os imóveis que ocupam e sobre os quais invocam ter direito de retenção.
Os apelantes têm os seus respectivos créditos reconhecidos na lista de credores prevista no artigo 129º do CIRE, mas, por estarem qualificados como comuns, impugnaram todos esta qualificação, pretendendo que os seus créditos sejam considerados garantidos com direito de retenção sobre os imóveis que ocupam e que foram apreendidos no âmbito destes autos.
Ainda não tendo sido proferida decisão sobre as impugnações, desde logo se dirá que não é objecto do presente recurso pronunciar-se sobre a existência de direito de retenção, que terá de ser apreciada na sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140º do CIRE. 
Dir-se-á também que os apelantes não têm razão, quando defendem que não poderá ser proferida qualquer decisão sobre os imóveis ocupados enquanto não for proferida a sentença de verificação dos créditos.
Com efeito, proferida a sentença declaratória de insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente ainda que estes tenham sido penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (artigo 149º do CIRE), devendo o administrador de insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues para que deles fique depositário, com a aplicação das regras que regem o depósito judicial de bens penhorados (artigo 150º nº1 do CIRE), destinando-se a massa insolvente, que abrange todo o património do devedor e que os bens apreendidos vão integrar, à satisfação dos credores da insolvência (artigo 46º do CIRE).
Deste modo, no cumprimento destas disposições legais, deverão os bens apreendidos ser entregues ao AI, incluindo os bens objecto de direito de retenção (cfr. neste sentido ac. RC de 15/01/2013, p. 511/10, em www.dgsi.pt).
E, ao contrário do que alegam os apelantes, a entrega dos bens ao AI em nada prejudica os direitos de garantia real que sobre eles recaiam, nomeadamente os eventuais direitos de retenção, pois, a verificar-se a existência destes direitos, os mesmos serão tidos em conta na graduação de créditos no lugar que legalmente lhes compete.
O direito de retenção é um direito de garantia que consiste na não entrega de bens relativamente aos quais foram feitas as despesas que fundamentam o crédito garantido e enquanto este não for satisfeito (artigo 754º do CC) e, se o mesmo recair sobre bem imóvel, prevalece sobre a hipoteca (artigo 759º nº2 do mesmo código).
Assenta este direito de retenção na posse do credor sobre o bem em causa até à satisfação do crédito garantido e existe enquanto essa posse se mantém, estabelecendo o artigo 761º do CC que o mesmo se extingue com a entrega do bem.
A posse e retenção do bem constitui assim um meio de pressão sobre o devedor para satisfazer o crédito do credor, já que, antes da insolvência, é ao devedor que cabe cumprir a obrigação – daí a sua extinção se o bem for entregue antes da satisfação do crédito.
Mas, declarada a insolvência do devedor, o pagamento do crédito já não é efectuado pelo devedor (que está impedido de o fazer, nos termos do artigo 81º nº1 do CIRE), mas sim através da liquidação, graduação e rateio, importando apenas que, para além dos demais pressupostos legais, fique demonstrado que a retenção do bem existia à data da declaração de insolvência.
Deixa então de haver fundamento para o bem objecto de retenção continuar na posse do credor, pois, cumpridos os referidos pressupostos, não se extingue o direito de retenção não assumindo a sua entrega ao AI o significado e efeitos do artigo 761º do CC, mas sim dos referidos artigos 46º, 149 e 150º do CIRE, possibilitando a liquidação do património e o pagamento aos credores, entre os quais o próprio credor garantido com o direito de retenção, graduado no lugar que legalmente lhe compete.      
Este entendimento em nada colide com o artigo 824º do CC, por força do qual os bens vendidos em execução são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, pois todos os direitos de garantia serão verificados e graduados em sede própria, com o objectivo de serem pagos pelo produto da venda dos bens. 
O acórdão do STJ nº4/2014 de 20/03/2014, publicado no DR nº95, série I, de 19/05/2014 não tem igualmente qualquer relevância para o objecto da presente decisão, pois fixa jurisprudência sobre os pressupostos de existência de direito de retenção, mas nada refere sobre a apreensão no âmbito do processo de insolvência, dos bens objecto de direito de retenção.
Deverão, assim, os apelantes LB… e LS… entregar os imóveis que ocupam e já foram vendidos.
Quanto aos apelantes JC… e MC…, a questão que levantam de ser o primeiro nomeado fiel depositário do imóvel ao abrigo do artigo 150º do CIRE e remissão feita para o artigo 756º do CPC, ficou prejudicada, pois ficou provado que, entretanto também já foi vendido o imóvel que ocupam, devendo assim entregar o imóvel à adquirente.
Do exposto se conclui que não foi violado o direito à habitação previsto no artigo 65º da CRP, pois razão de ser do direito invocado pelos apelantes não é a habitação, mas sim o direito de garantia sobre o imóvel, estando salvaguardada a oportunidade de demonstrarem a sua existência para o mesmo ser verificado e graduado como tal.
Improcedem, portanto, as alegações de todos os apelantes.
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DECISÃO.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes as apelações, mantendo-se o despacho recorrido.     
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Custas pelos apelantes.
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2018-12-20
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Anabela Calafate