Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19991/21.1T8LSB.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
REGISTO DA ACÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 – As ações de anulação e de declaração de nulidade de deliberações sociais de sociedades comerciais estão sujeitas a registo nos termos do disposto no art.º 168º nº5 do CSC e esse registo é um ónus da parte interessada no prosseguimento da ação.
2 – Findos os articulados sem que se mostre comprovado o registo da ação, o juiz deve, em obediência à primazia dada pela nossa lei processual civil à solução material, exarar que os autos aguardam o registo da ação, e, não podendo esta prosseguir, convidar o A. à junção do comprovativo do registo, nos termos previstos no nº 3 do art.º 590º do CPC e suspender a instância nos termos do art.º 269º nº1, al. d), também do CPC.
3 – Não o tendo feito, não se mostram reunidos os pressupostos previstos no nº1 do art.º 281º do CPC para a deserção da instância, apenas estando constatado o decurso do prazo de seis meses, mas sem que seja possível, por qualquer forma a avaliação da inércia imputável à A. a título de negligência.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
MVF, intentou, em 31/08/2021, a presente ação declarativa sob a forma comum contra SMVF, SA, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da R. de 01/07/2021.
Alegou, em síntese, que as deliberações tomadas o foram mediante votos nulos, que não foram disponibilizados aos acionistas no prazo e pela forma legalmente previstos o relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas e que a assembleia não foi gravada, tendo-se processado por meios telemáticos.
Citada a R., contestou, em 12/10/2021, pedindo seja a ação julgada improcedente por não provada, arguindo a nulidade da citação, a caducidade do direito de propor a presente ação e alegando que os documentos foram disponibilizados, que a A. votou a desnecessidade de gravação da assembleia e que os votos foram corretamente exercidos por quem tinha poderes para tal. Alega abuso de direito por parte da A.
A A. veio responder às exceções e à alegação de abuso de direito, por requerimento de 21/10/2021, pedindo a respetiva improcedência.
Nada mais foi requerido ou junto aos autos.
Por despacho de 02/12/2022 foi ordenada a junção aos autos de certidão permanente da R.
Junta a certidão permanente pela secção de processos foi proferido o seguinte despacho:
MVF intentou a presente ação de Anulação de Deliberações Sociais contra SMVF, S.A., peticionando que sejam anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de acionistas de 1 de julho de 2021.
Citada, veio a ré apresentar a sua contestação a 12-10-2021, tendo a mesma sido notificada à autora no dia 13-10-2021.
Nessa sequência, veio a autora, a 21-10-2021, responder às exceções formuladas na contestação.
Após nada mais foi requerido ou junto aos autos.
Sucede que, nos termos do artigo 168º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, As ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo.
Não obstante, a autora não juntou o documento comprovativo de ter efetuado o registo da presente ação, não mais impulsionando os autos.
Aliás, da certidão permanente da requerida junta a 05-12-2022, resulta que aquele registo não se mostra efetuado.
Consequentemente, julgo a presente instância extinta por deserção, nos termos conjugados dos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Custas pela autora – cfr. artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Inconformada apelou a A., pedindo a revogação da sentença recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
“A – As acções judiciais tendentes a alcançar a nulidade ou a anulação de deliberações sociais tomadas em sede de assembleias gerais de sociedades comerciais encontram-se legal e obrigatoriamente sujeitas a registo comercial, sem o que não poderão prosseguir os seus ulteriores termos.
B – Quando o demandante omite esse registo, ou não dê conhecimento do mesmo nos autos, deve a Secretaria Judicial abrir conclusão do processo ao Juiz, para que o mesmo suspenda a instância, ou convide o Autor a evidenciar nos autos o referido registo.
C – Volvido que se encontrar o prazo de 6 meses após a decretação daquela suspensão ou da prolação do despacho que convide o Autor a demonstrar nos autos o registo da acção, sem que esta formalidade seja evidenciada, a instância extingue-se com fundamento na sua deserção.
D – No caso dos autos a Sra. Juiz “a quo”, ao ter omitido o procedimento a que se refere a conclusão
B) e ao ter decretado, sem mais, a extinção da instância com fundamento em deserção, violou o disposto nos artigos 3.º n.º 3, 6.º n.º 2, 269.º n.º 1 al. d) e 276.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, com esse fundamento, deve ser revogada.”
A R., contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
“1) Por força do disposto nos artigos 9º al. e) e 15º nº 5 do Código de Registo Comercial, as ações judiciais por via das quais se pretende alcançar a nulidade ou de anulação de deliberações sociais encontram-se obrigatoriamente sujeitas a registo comercial;
2) Nos termos do disposto no artigo 15º nº 7 do Código de Registo Comercial o prazo para concretização do registo da ação de anulação de deliberações sociais encontra-se legalmente fixado em 2 meses a contar da data de interposição em juízo da respetiva ação;
3) Nos termos do artigo 168º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, as ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo;
4) A Autora e ora Apelante não procedeu, como lhe competia, ao registo da ação de impugnação das deliberações sociais dentro do prazo legal;
5) Por esse motivo os presentes autos estiveram legalmente impedidos de prosseguir os seus termos;
6) A Autora também não promoveu qualquer ato ou impulso nos presentes autos;
7) Tendo os autos estado parados por período superior a 6 meses;
8) A Autora e ora Apelante não mostrou qualquer interesse pela lide e pela sua tramitação.
9) Era à Autora e ora Apelante que cabia promover o andamento do processo, através do registo da ação.
10) A Autora e ora Apelante foi negligente e não o fez.
11) No caso dos presentes autos, a paragem do processo resulta do incumprimento de um ónus por parte da Autora (e ora Apelante) e não de uma errada opção do tribunal na gestão do processo;
12) A causa foi julgada extinta, por deserção da instância por o processo estar parado e sem impulso processual há mais de 6 meses.
13) Termos em que muito bem esteve o Douto Tribunal a quo quando julgou a presente instância extinta por deserção, nos termos conjugados dos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil;
14) Não existe qualquer obrigação de o Juiz a quo ter de proferir despacho a convidar a Autora (e ora Apelante) a proceder ao registo da presente ação.
15) A Autora é que foi negligente e desinteressou-se da lide da presente ação judicial, não tendo promovido ao seu andamento.
16) Não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes;
17) A decisão do Tribunal a quo não pode configurar uma decisão surpresa para a Autora (e ora Apelante), porquanto, desde o momento em que a Autora interpôs em juízo a presente ação, a mesma tem conhecimento de que dispõe de um prazo de 2 meses para proceder ao registo da ação sob pena de os autos não poderem prosseguir, razão pela qual a Autora (e ora Apelante) bem sabe que, se ocorrer a sua inércia durante 6 meses, a instância será extinta por deserção, não podendo ficar surpreendida com uma tal decisão do Tribunal a quo;
18) Não existe qualquer violação pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil;
19) Nem qualquer violação do disposto nos artigos 269nº 1 alínea d) e 276º nº 1 do Código de Processo Civil;
20) Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso, devendo a sentença recorrida ser confirmada;
21) A sentença recorrida não merece qualquer censura devendo manter-se na ordem jurídica;”
O recurso foi admitido por despacho de 07/02/2023 (ref.ª 422840835).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes, por ordem de conhecimento, as questões a decidir:
- como questão prévia ao conhecimento do presente recurso, a junção de documentos requerida já na pendência deste recurso;
- verificação se se encontram reunidos os pressupostos para a deserção da instância nos termos do nº1 do art.º 281º do CPC.
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3. Fundamentos de facto
Os factos com relevo para a apreciação da causa são os constantes do relatório.
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4. Questão prévia: admissibilidade da junção de documentos requerida pela apelante na pendência do presente recurso
A recorrente veio, por requerimento de 24/01/2023, ou seja, já após a interposição de recurso[1], juntar o comprovativo do pedido de registo da ação na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, datado de 11/01/2023.
Por requerimento de 14/02/2023, já dirigido a este tribunal, a apelante juntou certidão permanente da R., da qual resulta o registo da ação em 11/01/2023, pedindo seja levado em consideração.
A recorrida não se pronunciou quanto à admissibilidade da junção.
Apreciando:
Estabelece o artigo 651.º do CPC, sob a epígrafe “Junção de documento e de pareceres:
«1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2. As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.»
A jurisprudência e a doutrina, de forma unânime, consideram que a junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e ocorre mediante a alegação e demonstração de um de dois tipos de situações:
- a impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de junção anterior, reportada ao momento temporal que se situa depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos do art.º 425º do CPC;
- quando a junção apenas se mostre necessária em virtude do julgamento proferido[2].
Na sua materialidade, os documentos cuja junção se requer não se analisam em pareceres de jurisconsulto, pelo que o nº2 do preceito não é aplicável.
Não é alegada qualquer circunstância que impedisse, objetiva ou subjetivamente, a junção anterior, no caso não relevando as datas (posteriores) dos documentos, dado que se tratam apenas dos comprovativos do cumprimento de um ónus processual, previsto na lei, que é do conhecimento das partes, devidamente representadas por mandatários nos autos, e que podia (se devia, é a questão de mérito do recurso) ter sido praticado antes. Assim, releva que não tenha sido alegada por parte da A. e apelante, qualquer circunstância que impedisse a prática do ato gerador destes comprovativos antes da prolação da decisão recorrida.
Não foi a decisão recorrida que tornou necessária a junção de qualquer dos documentos juntos. A decisão recorrida foi proferida, precisamente, porque faltava o registo da ação e foi esse o seu pressuposto, que deve ser analisado por este tribunal em recurso. Se os documentos em causa houvessem sido atempadamente produzidos em primeira instância, ou melhor, se o ato que os gerou houvesse sido praticado em tempo, esse pressuposto já não existiria.
Nestes termos, por falta de fundamento legal, não se admite a junção dos referidos documentos nesta sede de recurso.
Ponderando a decisão de mérito a proferir nesta instância de recurso, porém, não se determina o respetivo desentranhamento, a fim de que, nos autos, possam, se for o caso, ser apreciados pelo tribunal de 1ª instância.
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5. Fundamentos do recurso
A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação da regra dos art.ºs 281º nºs 1 e 4 do CPC, dado que, sem qualquer notificação ou advertência prévia, o tribunal decidiu a deserção da instância após o decurso de mais de seis meses sem que houvesse sido promovido o registo da ação.
Aponta-se, antes de mais, que as ações de anulação de deliberações sociais de sociedades comerciais, como pressuposto pela decisão recorrida e não se mostra questionado pela recorrente, se encontram sujeitas a registo nos termos do disposto no art.º 168º nº5 do CSC e que esse é um ónus da parte interessada no prosseguimento da ação[3].
Trata-se de registo obrigatório, nos termos dos art.ºs 9º, al. e) e 15º nº5 do Código do Registo Comercial, na sua versão atual, e que deve ser pedido no prazo de dois meses a contar da data da propositura da ação.
No caso dos autos, findos os articulados[4], nos termos do já citado nº 5 do art.º 168º do CSC, a instância não podia prosseguir no seu desenvolvimento normal (que seria a gestão inicial e audiência prévia), não tendo, porém, sido concluso senão cerca de um ano mais tarde e sem que nada houvesse ocorrido nos autos. Após a junção de certidão permanente, ordenada pelo tribunal em ordem a verificar se havia sido efetuado o registo da ação, foi proferida a decisão recorrida, que declarou deserta a instância nos termos do nº1 do art.º 281º do CPC.
A recorrente argumenta, reconhecendo que não procedeu ao registo da ação, que foi o tribunal que, por inércia, não deu qualquer sequência após os articulados, e que foi esta inércia e não a falta de registo da ação que impediu que o processo prosseguisse os seus termos. Defende que se impunha que os autos fossem conclusos e que o juiz determinasse a suspensão da instância até à feitura do registo, sem prejuízo do prazo de deserção, nos termos do art.º 269º, nº 1, al. d) do CPC. Em alternativa, deveria o tribunal ter convidado a A. a realizar o registo da ação, mais uma vez sem prejuízo do decurso do prazo de deserção. Nos termos em que foi proferida, a decisão de deserção viola a regra do art.º 3º nº3 do CPC.
A recorrida, nas suas contra-alegações sustenta que a A. e recorrente não procedeu ao registo, obrigatório, da ação, tendo sido negligente na não promoção do registo, pelo que, decorridos mais de seis meses apenas poderia o tribunal decretar a deserção.
Entende não se tratar de um caso de suspensão da instância nem de obrigatoriedade de convite por parte do juiz, dado que o registo da ação é condição de prossecução da mesma. Trata-se de um caso de ónus de impulso imposto à A., que exceciona o dever de gestão processual, nos termos do nº1 do art.º 6º do CPC, devendo-se a paragem dos autos ao incumprimento deste ónus por parte da A. e não a uma errada opção de gestão do tribunal.
Não se aplica igualmente o art.º 3º nº3 do CPC, não se impondo o contraditório e não se tratando de uma decisão surpresa, dado que a A. sabia desde que interpôs a ação que tinha dois meses para requerer o seu registo.
Apreciando:
A questão posta a juízo é a de se o tribunal, constatado o decurso do prazo de seis meses de omissão de impulso processual pode declarar a deserção da instância.
Como uma visão geral da doutrina[5] e da jurisprudência[6] podem facilmente constatar, a questão mais discutida e não unânime é a de se, previamente à decisão de deserção, o tribunal deve ouvir as partes antes de a decidir, no essencial em ordem à determinação de se ocorreu negligência.
Não é exatamente a situação surpreendida nos autos.
No caso dos autos, diferentemente das situações retratadas na maioria dos acórdãos que abordam esta questão, em que a instância foi declarada suspensa (por falecimento de uma das partes, por falta de registo da ação, etc.)[7] e, decorridos seis meses sobre a suspensão, se discutia se, antes de declarar deserta a instância se deveria ainda ouvir as partes
Em todos os casos citados, incluindo os de registo da ação, havia sido previamente proferido despacho, ou suspendendo a instância ou advertindo para as consequências da omissão do convite proferido[8]. No fundo a razão da dissensão, seja da doutrina, seja da jurisprudência é a seguinte: estando as partes cientes e advertidas de que sobre si impende um ónus processual e não o cumprindo, se deverá, o tribunal, depois de decorrido o prazo de seis meses sobre a omissão advertida, voltar a ouvir as partes antes de decretar a extinção.
A situação dos autos situa-se num momento anterior, havendo que determinar as consequências da inexistente prévia advertência às partes, designadamente à A. de que os autos aguardavam o registo da ação.
Como se escreveu no Ac. STJ de 03/05/2018 (Tomé Gomes):
“Nesse quadro normativo, a deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) – A inércia de qualquer das partes em promover o andamento do processo, imputável a título de negligência;
b) – A paragem do processo por tempo superior a seis meses, a contar do momento em que a parte devia ter promovido esse andamento.
Tal vicissitude radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, na medida em que lhes incumba o impulso processual subsequente, o que deve ser aferido, à luz do disposto na diretriz geral do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, em função do ónus de impulso especialmente imposto por lei àquelas, cumprindo, por seu turno, ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação. 
Assim, casos há em que a instância só pode prosseguir quando a parte pratique determinado ato ou promova determinado procedimento incidental, como, por exemplo, quando se torne necessária a habilitação dos herdeiros de uma parte falecida na pendência da ação, nos termos do artigo 351.º e seguintes do CPC. Noutros casos, pode a lei fazer depender o prosseguimento da causa da junção de determinado documento, para o que a parte deve então ser convidada a fazê-lo como se preceitua no artigo 590.º, n.º 3, parte final, do CPC.
Nessas situações, estamos perante a figura do ónus processual relativo ao desenvolvimento da instância, o qual consiste na necessidade de a parte adotar o comportamento processual legalmente prescrito, sob pena de sofrer uma desvantagem, como é o da deserção da instância.”
Concordamos integralmente com esta posição, tendo nos autos sido omitido o cumprimento da regra do nº 3 do art.º 590º do CPC.
Findos os articulados, quando o processo foi concluso, o juiz deveria, em obediência à primazia dada pela nossa lei processual civil à solução material ter exarado que os autos aguardavam o registo da ação, não se podendo, por via da regra do art.º 168º nº5 do CSC, prosseguir para a seguinte fase da instância, e deveria ter convidado a A. à junção, nos termos previstos no nº 3 do art.º 590º do CPC e suspender a instância nos termos do art.º 269º nº 1, al. d) também do CPC.
Não o tendo feito, não é o facto de a A. estar representada por advogado, conhecedor da lei e deste ónus processual comum a todas as ações de anulação e declaração de nulidade de deliberações sociais de sociedades comerciais (e de todas as entidades às quais se aplique o regime do CSC neste particular) que dispensa o tribunal de um dos seus deveres.
Não se trata exatamente de um dever de prevenção, mas do dever de gestão do processo, no caso o dever específico de gestão inicial previsto no art.º 590º do CPC que foi omitido, não permitindo, assim, decorrido o prazo de seis meses, a constatação de mais do que o decurso desse prazo, não permitindo, por qualquer forma a avaliação da inércia imputável à A. a título de negligência.
O facto de sobre a parte impender um ónus processual específico de que depende o andamento da causa não é exceção à regra do nº 3 do art.º 590º do CPC, que obriga o juiz a emitir convite de suprimento das irregularidades e vícios dos articulados, designadamente se a parte não tiver apresentado documento de que a lei (que a parte conhece por estar representada por mandatário) faça depender o prosseguimento da causa.
Note-se que assim se decidiu no já citado Ac. STJ de 08/03/2018 (Rosa Tching) em que, num caso em que faltou a comprovação do registo da ação por parte do autor “Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o Tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art.º 281º, n.º 1 do C. P. Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência.” (sublinhado nosso).
Também Paulo Ramos de Faria[9] assim o entende, defendendo que “Se as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, afigura-se ser redundante e não reclamada “por defeito” pela lei a sua audição após o decurso do prazo de deserção. A letra da lei apela mesmo à ideia oposta, não sendo intercalada a expressão “ouvidas as partes” no enunciado da norma contida no n.º 4 do art.º 281.º – expressão presente nos art.ºs 6.º, n.º 1, 155.º, n.º 9, 176.º, n.º 3, 267.º, n.º 4, e 543.º, n.º 3, por exemplo –, prevendo-se, sim, o simples julgamento da deserção. Perante o referido alerta, é de exigir que a parte, atuando diligentemente, informe o tribunal sobre o surgimento de alguma circunstância impeditiva do impulso estranha à sua vontade. Não o fazendo, restar-lhe-á invocar o justo impedimento (da prática do ato e da participação do impedimento ao tribunal), no tempo e no modo previstos na lei, para afastar o juízo de negligência e atacar o julgamento de deserção da instância.” (sublinhado nosso).
Qualquer das hipóteses teria que ser preenchida: o tribunal tinha que ter, ou convidado à junção do comprovativo do registo, ou suspendido a instância até à comprovação do registo, concordando-se que, nesse caso, sem necessidade de advertência da consequência do nº1 do art.º 281º do CPC[10], e cientes as partes, poderia valorar o decurso do prazo de seis meses como negligência.
O que não podia fazer foi o que fez: sem fazer constar nos autos a falta do comprovativo do registo da ação, julgar deserta a instância pelo mero decurso do prazo, não se mostrando, desta forma, integralmente preenchida a previsão do art.º 281º nº1 do CPC.
Assim, o despacho proferido violou o disposto no nº 1 do art.º 281º e o disposto no nº 3 do art.º 590º do CPC, não podendo ser mantido.
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A presente apelação procede, assim, integralmente.
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A apelada, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – art.ºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[11].
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5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Revogam a decisão recorrida;
b) Determinam o prosseguimento dos autos, valorando-se os documentos comprovativos do registo da ação entretanto juntos aos autos.
Custas de parte na presente instância recursiva pela recorrida.
Notifique.
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Lisboa, 7 de março de 2023
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
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[1] Interposto em 03/01/2023).
[2] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pg. 242 e, entre muitos outros o Ac. STJ de 17/10/2019 relatado por Rosa Maria Ribeiro Coelho, disponível em www.dgsi.pt.
[3] O texto da lei estabelece:
«As acções de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo; nas acções de suspensão das referidas deliberações a decisão não será proferida enquanto aquela prova não for feita.»
[4] Em termos rigorosos, após a apresentação de contestação, dado que que a tramitação processual regra não admite resposta à contestação, não tendo havido pronúncia do tribunal quanto ao terceiro articulado apresentado.
[5] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa em Comentários aos Acórdãos TRP de 02/02/2015 (em 10/02/2015 sob a etiqueta Jurisprudência (75), TRG de 12/10/2017 (em 01/03/2018 sob a etiqueta Jurisprudência (802), STJ de 08/03/2018, TRL de 20/12/2016 (em 15/11/2018 sob a etiqueta Jurisprudência 2018 (115) e STJ de 04/02/2020 (em 02/10/2020 sob a etiqueta Jurisprudência 2020 (65), tudo disponível em Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil, https://blogippc.blogspot.com/, e em Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pg. 586 e nota 3, Paulo Ramos de Faria em O julgamento da deserção da instância declarativa, Julgar online, abril de 2015, disponível em http://julgar.pt/o-julgamento-da-desercao-da-instancia-declarativa/, bem como Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2022, pgs. 364 a 368.
[6] Entre muitos outros ver Acs. STJ de 08/03/2018 (Rosa Tching), de 14/12/2016 (Salazar Casanova), de 03/05/2018 (Tomé Gomes), de 20/04/2021 (Pedro Lima Gonçalves), TRG de 31/10/2019 (Margarida Sousa), TRC de 09/02/2021 (Carlos Moreira) TRL de 24/10/2019 (Pedro Martins), TRP de 27/09/2018 (Inês Moura), TRP de 21/02/2022 (Eugénia Pedro) ou TRG de 03/02/2022 (Maria João Matos).
[7] É o caso de todos os acórdãos citados pela recorrida nas suas contra-alegações, em que havia ocorrido falecimento de uma das partes e sido declarada suspensa a instância, os Acs. STJ de 14/12/2016 (Salazar Casanova), 18/09/2018 (Sousa Lameira), 12/01/2021 (Acácio das Neves) e de 20/04/2021 (Pedro Lima Gonçalves).
[8] Ver por exemplo o Ac. STJ de 03/10/2019 (Rosa Tching) em que, sob a cominação de deserção da instância as partes foram convidadas à prática de um ato que, foi decidido, não se analisava num seu ónus processual.
[9] Local citado, pg. 19.
[10] Tal como referem, entre outros Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, quando sejam evidentes quer a necessidade de impulso processual, quer o efeito extintivo decorrente da inércia, como é o caso da falta de comprovação do registo da ação, não será necessário que o juiz sinalize por despacho ser a deserção a consequência da omissão do ato processual – local citado, pgs. 365 e 366.
[11] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.