Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
41/13.8SMLSB.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: HOMICÍDIO
DOLO
DOLO DIRECTO
DOLO EVENTUAL
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
REENVIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: Constitui contradição insanável do artigo 410º, nº 2, al. b) do Código de Processo Penal, que dá lugar à anulação do julgamento e reenvio, considerar nos factos provados como provado o dolo directo e condenar o arguido a título de dolo eventual.
(elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório

Na 4ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, por acórdão de 14/03/2014, constante de fls. 703 a 733, foi o arguido,

RD..., solteiro, desempregado, nascido a 12 de Novembro de 1972,  (…) , condenado,

- pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada previsto e punível pelos artigos 131º, 22º e 23º do Código Penal, de que se encontrava acusado e que se provou que cometeu, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, computado do trânsito em julgado do presente acórdão mediante acompanhamento em regime de prova pelo Instituto de Reinserção Social, do qual fará parte constante a continuação da formação escolar e profissional do arguido.---

- no pagamento ao Centro Hospitalar de Lisboa Central E.P.E., na totalidade do pedido (6.086,41) euros e respectivos juros vincendos à taxa legal aplicável

***

Não se conformando o Ministério Público interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes de fls 743 a 757, com as seguintes conclusões: (transcrição)

1º O douto acórdão proferido fez uma incorrecta subsunção jurídica, violando o disposto no art° 14° do Código Penal.

2ª Com efeito e como decorre dos factos provados, designadamente do facto 12, o arguido agiu com dolo directo e intenso.

3ª Salvo o devido respeito o tribunal colectivo avaliou erradamente todas as circunstâncias que antecederam, rodearam e se seguiram à prática dos factos, fundamentando a brandura da pena aplicada no entendimento de que o mesmo actuou com dolo eventual.

4ª Pela parte do corpo visada, pelos meios utilizados e pela persistência revelada em atingir a ofendida - no peito, com uma faca de grandes dimensões, correndo atrás da mesma, procurando-a pela rua - só se pode concluir que a morte da ofendida era o fim que o arguido pretendia atingir, tendo querido e previsto "como segura a produção do resultado típico".

5ª Caso assim se não entenda, sempre se dirá que o douto Acórdão proferido enferma de um vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410°, n° 2, al. b), do Código de Processo Penal.

6ª Assim e se por um lado se deu como provado que o arguido ao agir pretendia "matá-la, sabendo que em tal local do corpo estão alojados órgãos vitais" (facto 12), sustentou-se, contraditoriamente, que o mesmo agiu com dolo eventual.

7ª Com efeito, menciona o acórdão na fundamentação, que "de modo deliberado e gratuito o arguido espetou a faca na zona do peito da ofendida V(...). "... considerou a acusação que o arguido, ao desferir a faca no corpo da ofendida (...), teria pretendido de forma directa atingir mortalmente a ofendida (...) Sucede, porém, que tal não ficou demonstrado, mas sim que o arguido configurou a possibilidade de matar a vítima e se conformou com ela, verificando-se uma situação de dolo eventual e não de dolo directo".

8ª É patente a contradição ao dar-se como provado ter o arguido agido com dolo directo, para de seguida se negar este dolo e se sustentar que afinal apenas agiu com dolo eventual, fazendo-se reflectir este entendimento na brandura da punição.

 9ª O arguido ao desferir uma facada, com uma faca de cozinha com 13 cm de lâmina, no lado direito do tórax da ofendida, sabia que lhe podia ocasionar a morte, o que queria, tanto mais que, após isso, virou costas à sua vítima, indiferente ao facto da mesma se estar a esvair em sangue;

10ª O arguido sabia que tal ferimento era adequado a matar a ofendida.

11ª O arguido sabia que, por se tratar de um domingo de Verão, não havia quase ninguém na rua antevendo assim, a morte da ofendida, como consequência directa e necessária do ferimento produzido.

12ª Por via da procedência da primeira ou segunda questões suscitadas, ou mesmo que nenhuma venha a ser considerada procedente, sempre haverá que ponderar a pena a aplicar ao arguido.

13ª Ao crime de homicídio na forma tentada cabe uma pena de prisão situada entre 1 ano, 7 meses e 6 dias e 10 anos e 8 meses de prisão.

14ª A determinação da medida da pena "é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção", ponderando-se, nomeadamente os factores elencados no art° 71° do Código Penal.

15ª A vida humana, enquanto bem jurídico protegido por esta incriminação legal, é, tal como a CRP o define, um direito inviolável (art.° 24.°, n.° 1).

16ª Na determinação da medida da pena haveria que ponderar que:

a)           O arguido não demonstrou qualquer arrependimento;

b)       Persistiu no seu projecto criminoso procurando atingir a ofendida quando ainda se encontrava em casa e perseguindo-a depois pela rua;

c)     Demonstrou total desprezo pela vida da ofendida, deixando-a na rua a sangrar abundantemente, enquanto ia mudar de roupa e lavar a faca com que a atingira;

d)           Tem "fraca consciência crítica face aos factos praticados";

e)     Praticou o crime, num domingo de verão, em plena Lisboa, sabendo que, nessas circunstâncias, poucas pessoas circulavam pela rua, sendo previsível que ninguém socorresse a ofendida;

f)            Os factos praticados tiveram graves consequências para a ofendida, na altura jovem de 27 anos de idade, que, para além das dores sofridas, dos 48 dias de incapacidade, ainda teve como sequelas permanentes, cicatrizes no tórax que configuram "o conceito de desfiguração grave" e permanente.

g)          O arguido não só nunca confessou como ainda procurou responsabilizar a vítima pelo acto que praticou.

h)           As necessidades de reprovação e de prevenção deste tipo de crime são particularmente elevadas, face à gravidade do mesmo e à indiferença com que se vem entendendo a vida humana.

i)            constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de primordial importância.

j) A pena deve adequadamente repor a confiança e o respeito na validade das normas violadas.

k) São igualmente intensas as exigências de prevenção especial tendo em conta designadamente a personalidade do arguido, a frieza com que actuou, a absoluta indiferença e insensibilidade que manifestou pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana.

17ª Ponderando-se todas estas circunstâncias, entende-se que a pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de homicídio na forma tentada, não deverá nunca ser inferior a 5 anos e 6 meses de prisão.

18ª Sem conceder, ainda que assim não se entendesse e se considerasse que uma pena até 5 anos de prisão atingiria as finalidades que se pretendem obter com a punição, não se vê qualquer fundamento para suspender a execução da mesma.

19ª A ausência de anteriores antecedentes criminais apenas significa que o arguido não foi anteriormente julgado e condenado o que é diferente de dizer que nunca praticou qualquer crime.

20ª O próprio tribunal deu como provado que o arguido "perante situações de tensão emocional evidencie baixo auto - controlo e alguma dificuldade em antever a consequência dos seus actos" (facto 27) e que "revela fraca consciência crítica face aos factos praticados".

21ª Atendendo à personalidade do arguido, à falta de arrependimento, à sua postura, à tentativa de culpabilizar a ofendida, a suspensão decretada pelo tribunal é temerária, desajustada e inadequada, devendo ser revogada, impondo-se ao arguido uma pena de prisão efectiva.

22ª Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40°, 70° e 71°, todos do Código Penal.

23ª Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente e o douto Acórdão a quo substituído por douto Acórdão que condene o arguido nos termos supra expendidos. (fim transcrição)

***

Não se conformando, a arguido RD... interpôs igualmente recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 809 a 854, com as seguintes conclusões: (transcrição)

1– o presente recurso tem, ao abrigo do preceituado no art. 410.º do Código de Processo Penal (doravante, CPP), como fundamentos: questões que a decisão recorrida não conheceu mas podia (e devia) explanadas em sede própria (art. 410.º, n. 1 do CPP); insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP); erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º2, alínea c) do CPP).

2- Nos termos do art. 431.º, alíneas a) e b) do CPP, a Relação de Lisboa tem poderes de cognição que permitem modificar a decisão recorrida quanto à matéria de facto.

3- A 4.ª Vara Criminal de Lisboa revelou uma falta de sensibilidade judicativa decepcionante na análise de prova produzida em julgamento, maxime no que respeita à consideração da prova documental e prova testemunhal produzida analisada segundo as regras de experiência comum e daquilo que seja a normalidade das condutas humanas.

4 - A prova documental junta aos autos – nomeadamente relatórios médicos de fls.38 e 39, 96 e 97 não valorados pelo tribunal recorrido, bem como os valorados de fls, 180 e 181 e 201 e 211, registo de chamadas efectuadas não valorado pelo tribunal a quo e junto na contestação do arguido como doc. n.º 1, o auto de audição e transcrição de contactos efectuados pelo arguido ao 112 de fls. 390 e 391 não valorado pela 4.ª Vara Criminal de Lisboa, a declaração médica junta em audiência -, é importante e pertinente no que concerne à real motivação da ofendida V... depor e qual o grau de credibilidade que o tribunal poderá conferir ao seu depoimento em função, justamente, do ardil por si criado para se furtar, mais uma vez, às consequências daquela que é a sua habitual conduta.

5 - A prova documental referida em 4 demonstra cabalmente que, ao contrário do depoimento prestado pela ofendida V..., a mesma NUNCA correu perigo de vida.

6 - A prova documental junto aos autos, bem como os estudos científicos apresentados, em alegações, pela defesa, provam matematicamente que jamais poderia ter sido aquela a arma utilizada.

7 - O tribunal deu como provada toda a acusação pública com base no depoimento contraditório, incoerente e ilógico da ofendida. E é pena tanto pela clara e fácil percepção da surrealidade das palavras da vítima, como pela transparência dos depoimentos das testemunhas que assistiram directamente aos factos.

8 - Aberrações como: “o sangue jorrava muito”; (2.3. Motivação da decisão de facto, acórdão pag. 12); “ Quando chegaram ao pé da vítima, reparou que a mesma jorrava abundantemente sangue do peito” (pág. 13); “disse que, pessoas que ali estavam deram a indicação de que tinha sido esfaqueada por uma pessoa que morava ali no prédio”(pág. 13); “acrescentou que da ferida e do sangue que tinha visto à ofendida não lhe pareceu que tivesse sido utilizado um canivete”;(pag. 13), foram atendidas como verosímeis para dar como provados os factos constantes da acusação.

9 - E, são apenas verosímeis por criarem uma convicção de realidade que, comparada com o relatório de urgência junto aos autos e estudos científicos abordados, não passa de uma ilusão de realidade, para além de terem sido desmentidos através de testemunho directo, nuns casos e, noutros, pelos relatórios dos sucessivos médicos que assistiram a vítima logo após a lesão, atentando contra as regras da experiência comum, bem como os dados médicos e estudos existentes sobre lesões causadas por arma branca.

10 - Deu o tribunal a quo como provados os seguintes factos: 1 – No dia 7 de Julho de 2013, a hora não concretamente determinada, o arguido e a ofendida que já se conheciam, encontraram-se na zona do Intendente, em Lisboa e combinaram ir para a casa do arguido, sita na Avenida (x), n.º 89, F, 1.º Direito, em Lisboa, a fim de consumirem produtos estupefacientes.”“2 – Ali, o arguido após consumir, pediu emprestado à ofendida mais 15,00 euros, por necessitar de adquirir mais estupefaciente, prometendo que no regresso levantaria o dinheiro e o devolveria.”“3 – Uma vez regressado a casa, cerca das 19he40m, desentenderam-se, nomeadamente porque a ofendida exigiu a devolução da quantia emprestada, o que o arguido recusou.”“4 – Em consequência, agrediram-se mutuamente no interior da residência e na varanda da mesma.”“5 – Já na varanda, o arguido empunhou uma faca de cozinha, com cabo de cor preta e com 13cm de lâmina e dirigiu-se à ofendida, que colocando a mão no seu pescoço afastou-o e de seguida correu para dentro de casa.”“6 – Na fuga, retirou de uma bolsa, que se encontrava em cima de um armário, a quantia de 15,00 euros e continuou a correr escada abaixo.”“7 – O arguido perseguiu-a e, já na rua, com a dita faca, desferiu um golpe que atingiu a ofendida na zona do toráx.”“8 – Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, V…, sofreu alteração do seu estado de sensibilidade normal (dor) e uma ferida perfurante na face anterior do tórax transmamária ao nível do 4.º espaço intercostal direito, que lhe afectaram a capacidade para o trabalho geral por um período de 48 dias.”“9 – A ofendida ainda agarrou numa pedra de calçada para se defender, mas o arguido retirou-lha da mão.”“10 – A ofendida continuou a fugir mas acabou por cair ao chão e desfalecer.”“11 – O arguido voltou para casa, lavou a faca e mudou de roupa.”“12 – Ao desferir o golpe na zona do tórax de V..., pretendia o arguido matá-la, sabendo que em tal local do corpo estão alojados órgão vitais.”“13 – As lesões sofridas pela V... são consideradas graves, do ponto de vista médico-legal e idóneas para produzir a morte, o que foi suprimido em virtude de conduta médico-legal e idóneas para produzir a morte, o que foi suprimido em virtude de conduta médico-cirúrgica empreendido tempestivamente.”“14 – Agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, e sendo capaz de agir de acordo com esse conhecimento.”“15 – No dia que consta da acusação o arguido RD… fez, do seu telemóvel, chamadas telefónicas, para a linha de emergência médica 112.”

11 - Considerou a 4.º Vara Criminal de Lisboa que não ficou provada, apenas e a contrario, a matéria da contestação.

12 – O tribunal a quo muito mal andou ao credibilizar a testemunha V... quando, por um lado, apresentou um depoimento eivado de contradições e falta notória de lógica, e, por outro, a sua memória sendo prodigiosa e reflectindo integralmente o que consta do libelo acusatório, não foi selectiva: para além dos factos constantes da acusação papagueados pela vítima (talvez porque, como referiu, tinha ouvido as suas declarações e lido o processo), relatou outros que – diga-se a verdade TODA - tornam completamente incongruente todo o seu depoimento.

13- O tribunal recorrido fundou a sua convicção nos seguintes meios de prova: declarações do arguido, bem como auto de 1.º interrogatório do arguido de fls 61 a 69, bem como no depoimento das testemunhas V..., B…, J…, A…, autos de fls 2 a 5, 12, reportagem fotográfica de fls 242 a 244 e 394 a 399; documentação médica de fls. 180 e 181, 210 a 211, auto de audição e transcrição do contacto telefónico para chamada do 112 de fls 426 a 428; exame de avaliação do canivete de fls 315 e 316; auto de audição e transcrição dos contactos feitos pelo arguido para o 112 de fls 390 e 391;auto de primeiro interrogatório do arguido de fls 61 a 69;relatório de fls 248 a 249 e fls 343 a 345; relatório LPC de fls 320 a 324 e fls. 325 a 364 a 367, registo criminal do arguido, relatório social.

14– O presente recurso impugna a matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como provada e citada em 10, pugnando pela modificação da mesma para “1 – No dia 7 de Julho de 2013, pelas dezanove horas, o arguido e a ofendida que apenas se conheciam de vista, encontraram-se na zona dos Anjos e dirigiram-se a casa do arguido”.

15- Impõe decisão diversa: as declarações do arguido prestadas em audiência e o depoimento de V..., no que à prova do modo como se encontraram e encetaram conversa diz respeito, bem como à definição da hora a que se encontraram – 19:00h. O que também resulta claro do depoimento da testemunha J….

16 – Já em relação à matéria de facto dada como provado constante do ponto 2 e 3 a mesma deve ser - com base na prova que se indica a seguir - transportada, de imediato, para o capítulo da matéria de prova dada como NÃO provada.

17- Eis o que se disse sobre este ponto que se impugna e cuja decisão deve ser modificada em face das seguintes passagens da prova gravada (cfr. art. 412.º, n.º 4 do CPP): o arguido negou peremptóriamente, tanto em sede de inquérito como já em audiência, a prática destes factos; a testemunha V... entra em sucessivas incoerências e incongruências, conforme melhor se observará pela audição do seu depoimento. Não existem outros meios de prova, no que concerne aos supra citados factos. Pelo que, ao abrigo das mais elementares regras de apreciação de prova não podem entender-se provados os factos unicamente com base num depoimento sem qualquer sentido lógico, eivado das contradições e incoerências supra citadas.

18- Outros meios instrumentais de prova que sustentam a modificação da decisão recorrida: depoimento das testemunhas R… e A… que garantiram não ter visto em tempo algum “o casal a sair, pegar no carro, regressar e voltar a entrar”; relatório das chamadas telefónicas para o 118 (19.21h), auto de transcrição da chamadas do arguido para o 112 (última efectuada as 19:26:45m), em conjugação com a hora a que ambos referem ter-se encontrando. “19,00h”. Fica claro que, o lapso temporal em que estiveram juntos (das 19:00h as 19:26h) não é suficiente para terem ocorrido todos os factos que a testemunha V... refere no seu depoimentos.

19- Não há qualquer prova que sustente que o desentendimento se deu por volta das 19:40h. Os registos telefónicos constantes dos autos conjugados com o depoimento das testemunhas, deixam claro que pelas 19:36h conforme auto de transcrição de fls. 426 e ss, a testemunha A… encetou diligências telefónicas para o 112. E ainda que, em momento prévio a esse, a ofendida ligou para o 118 entre as 19:21 e as 19.23h e que o arguido chamou o 112, pela primeira vez, às 19:26h.

20 – A descrição que o acórdão faz do conteúdo dos depoimentos supra referidos e infra indicados não corresponde, por falta de lógica e verossimilhança com uma possível realidade. Á luz do critério do homem médio não pode fazer-se fé num depoimento que diz e contradiz, que refere condutas humanas contrárias às que seriam naturais e previsíveis.

21- Também é fundamento do presente recurso o erro notório na apreciação da prova, nos factos vertidos nos pontos 4., 5., 6., 7., 9., 10, 12, 13 da matéria de facto dada como provada.

22– O tribunal recorrido decidiu não dar credibilidade às declarações do arguido uma vez que as mesmas são contraditórias, incoerentes e, até, eivadas de ficção. O tribunal a quo considerou tratar-se de uma “versão contraditória que o arguido apresentou à Mmª Juiz de Instrução, devidamente acompanhado por defensor e com todas as garantias de defesa que a lei processual penal impõe.”.

23- Mal andou, mais uma vez. O arguido foi claro: a pressão policial para concordar com os factos narrados; a ausência de medicação por um período longo; o medo de ficar detido se não reiterasse de alguma forma o auto de notícia; os alertas sistemáticas do agente para “o melhor é concordar”.

24 - Já ensinava FLORIAN HENCKEL VON DONNERSMARCK, tristemente célebre inspector da “Stasi”, especialista em métodos científicos de tortura e interrogatório a presos políticos, e que, imagina-se bem porquê, ensinava: “ninguém que fala verdade responde à mesma pergunta duas vezes da mesma maneira, sem alterar a ordem das palavras, sem as substituir por sinónimos”.

25 - A V... disse uma coisa e outra, disse que sim e que não, referiu nunca ter tido medo como referiu que não entrou na varanda por medo, avançou uma abordagem sem qualquer sentido lógico: sem confiança, conhecimento e sem qualquer contacto prévio, o arguido dirige-se inusitadamente à ofendida entregando-lhe 20,00€, para que este lhe fosse comprar droga, uma vez que ele (ex-toxicodepente experiente naquela zona) tinha medo dos indivíduos de raça negra. Garantiu nunca ter visto a bolsa antes do momento em que procura dinheiro em casa do arguido, mais à frente afirma que ele saiu com uma bolsa e, mais adiante, ainda que já tinha a bolsa na primeira abordagem e que dela saiu o dinheiro das duas onças de tabaco que o arguido comprou no indiano. E aqui se chega aos 15,00€: de 20,00€ que tinha na bolsa, o arguido pagou as duas onças e ficou com 15,00€.

26 – A instâncias da Representante do Ministério Público afirmou que: “Nunca usou o telefone” 12:40m. Mais tarde acrescenta: “ah, tive sim, para chamar a polícia, não disquei o 112 porque ele tirou-me o telemóvel da mão”. Confrontada com o documento junto aos autos pelo arguido que constitui o relatório das chamadas efectuadas no dia e hora de prática dos factos e perguntado se se recorda: “não sei. Só se foi para saber o número da esquadra mais próxima. Cheguei a discar algum número mas depois ele tirou-me o telemóvel da mão. Não me recordo se disquei mais que uma vez.” Já a instâncias do tribunal: ”não usei o meu telemóvel porque não tinha saldo… sei que as chamadas para o 112 são gratuitas mas eu queria era ligar para o 118 para saber o número da esquadra mais próxima. Eu disse: se não me das o dinheiro vou ligar para alguém para me ajudar” “primeiro pedi-lhe autorização (para usar o telemóvel), ele deixou assim meio contrariado, só que eu tirei”. Confrontada, pela defensora do arguido, com o facto de no relatório resultar que fez três chamadas com duração de 2 minutos, adianta que não sabe explicar, mas é impossível tanto tempo porque assim que ela tentou ligar ele tirou-lhe o telemóvel da mão.

27- O tribunal a quo fundamentou as suas convicções num depoimento que mais uma vez se prova eivado de contradições e com total falta de sentido. Ninguém que esta em perigo liga para o 118 para pedir o contacto da esquadra mais próxima. Ninguém fundamenta o recurso ao uso do telemóvel de outrem, justificando com a ausência de saldo no seu e não pretender ligar a linha grátis do 112, mas sim saber o número da esquadra mais próxima…

28- “Nunca sentiu medo. Nunca, nunca, nunca.” Ao mesmo tempo que também refere, diversas vezes que nunca entrou na varanda porque tinha medo. Mais um dos múltiplos exemplos das contradições do depoimento da ofendida V....

29 – E só mais um: garante ter atirado, ao arguido, uma pedra que não o atingiu. Sendo que a pedra ficou aos pés do arguido, precisamente no sítio onde ele lhe deu a facada” o que se apresenta totalmente incongruente com a versão que a mesma apresenta dos factos e que serviu de base à convicção do tribunal de que o arguido ia em perseguição da mesma. Se assim fosse era impossível a pedra ter ficado no chão no sítio onde ele se encontrava. Só assim poderia ser se o mesmo estivesse parado e não em perseguição…

30-São as declarações do arguido que fazem toda a lógica com a realidade: ela esperava-o, de frente, com uma pedra na mão e com o canivete na outra. Doutra maneira, os factos jamais poderiam ter ocorrido da forma dada como provada.

31- Mas há mais: a V... referiu que o arguido correu para a varanda com o telemóvel, aí se fechou, gritou por ajuda, ligou para o 112, enquanto ela “mandava pontapés e atirava com um biblot de louça que se partiu quando chocou com a porta da varanda fechada”. É afinal o agressor quem se refugia, grita por socorro e busca auxílio…

32 – Tanto o depoimento de B… (prestado a 18/02/14, com início às 10:07:20h e fim às 10:54:09h como o depoimento de J… (prestado no dia 18/02/14, com início às 11:16.17h e terminus pelas 11:55:59h.) estão eivados, do princípio ao fim, de vícios que o tribunal não podia desconhecer: 1 - referência às testemunhas oculares que, ouvidas em audiência, disseram precisamente o contrário. O tribunal a quo não valora o depoimento das testemunhas que directamente assistiram aos factos, mas dá crédito ao depoimento dos agentes na parte em que fazem referência ao que lhes foi dito por estas mesmas testemunhas, ainda que, as mesmas, em sede de audiência, garantam precisamente o oposto;  2 - depoimentos eivados de conclusões, considerações, opiniões sobre os factos.

33- O tribunal, ao valorar, como valorou, tais depoimentos indirectos, não confirmados pelas próprias testemunhas, bem como as conclusões proferidas pelos agentes, violou descaradamente os arts. 129.º e 130.º do C.P.P..

34- Nada pode mais resultar provado – sob pena de gritante ofensa aos princípios do processo penal – do depoimento dos supra citados agentes do que a confirmação dos autos que subscreveram.

35- O tribunal recorrido valorou, ainda e mais uma vez mal, o depoimento (lido) de A… e cai num erro tão notório quanto considerar provado que esta testemunha estava a cerca de 4 a 5 metros do local do crime, quando, em função do auto de transcrição telefónica de fls 426 e ss, o mesmo se encontrava junto ao Hotel Park, precisamente a 130m do local do crime…

36 - No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha J… ao referir que do local onde a vítima caiu até ao local da prática dos factos, vão entre 100 e 150 metros.

37 – Mais um erro notório na apreciação da prova: é, de todo, impossível a testemunha A… estar a 4 ou 5 metros do local do crime. Para se provar que a testemunha aí estava, não se pode provar que a mesma viu a vítima cair e lhe amparou a queda…

38 - Se a representação dos factos pela V... fosse efectivamente verdadeira e estivesse em concordância com a realidade, esta emitiria um juízo lógico, coerente, verosímil e congruente com a realidade. Ela e as outras testemunhas supra referidas.

39 - Isto posto, é mister concluir que o depoimento da testemunha não podia ser valorado porque impreciso, incoerente e contraditório, logo, insusceptível de credibilidade.

40 - O acórdão recorrido, tendo em conta as regras de experiência comum, valorou incorrectamente a matéria de facto impugnada pois um juízo lógico e racional – por contraposição a um juízo sem qualquer nexo com a possível realidade. É, de todo, impossível, seja à luz de que critério for, fundar a convicção dos factos que se dão como provados no depoimento da V..., por ser logicamente impossível entende-lo ou dá-lo como verosimil – impunha uma valoração diversa do testemunho da V..., conforme se explanou e se reproduziu textualmente.

41 - O tribunal  a quo não podia valorar lógica e racionalmente o depoimento das testemunhas V..., B…, J… e A… à luz das regras da experiência comum que mais não são do que as condutas comuns atribuídas ao chamado “homem médio” colocado naquelas circunstâncias.

42 - Face à matéria de facto apurada, existe na decisão recorrida um manifesto erro notório na apreciação da prova. Como lapidarmente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/04/1998, “só existe erro notório na apreciação da prova quando da factualidade provada se extraiu uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum”. (vide BMJ 476, pág. 252) (negrito da peça)

43- Errou, ainda, o tribunal recorrido quando entendeu não valorar do depoimento das testemunhas que assistiram directamente aos factos nomeadamente António Basílio Fragoso Gouveia Fernandes (efectuado no dia 18/02/14, com início às 10:54:11h e fim pelas 11:16:15h e António Capitão Carvalho(realizado no dia 18/02/14, com início às 11:58:01h e fim pelas 12:30:23h) Ambos disseram claramente que NÃO VIRAM qualquer facada.

44 – Ao não valorar a chamada efectuada, pelo arguido, para o 112 (fls390 e 391), o tribunal recorrido cometeu outro erro na apreciação da prova…

45 - O arguido, NAS SUAS PROPRIAS DECLARAÇÕES, bem como a OFENDIDA NO SEU DEPOIMENTO, referem que este se deslocou para a varanda, fechou a porta de molde a impedir a entrada da ofendida, gritou por socorro diversas vezes e ligou para o 112, solicitando ajuda. Ambos apresentam versões semelhantes no que a esta matéria concerne. Ainda assim, e sem qualquer outro meio de prova, entendeu o tribunal que tais telefonemas consistiriam “numa certa encenação por parte do arguido”. Sem explicar o motivo ou o fundamento dessa mesma encenação…

46 - Os telefonemas mais não são do que o espelho do estado emocional do arguido: com medo, angustiado, sem perceber a repentina transformação da ofendida mal entra em sua casa, na ansiedade de aparecem os amigos que havia chamado. Fechado, numa varanda.

47 - Quando profere a expressão “é pá chamem a bófia” o arguido, como pode comprovar-se pela leitura/audição das chamadas de fls 426 a 428 não está, ainda, em linha com o 112. Tal não passa de um grito em busca de auxílio na rua. Conforme a própria vítima confirmou terem existido, até, vários. O tribunal ao não valorar este telefonema caiu, mais uma vez em erro notório na apreciação da prova. Assim não aconteceria se o tribunal fizesse o seu trabalho pela ordem correcta: começando pela apreciação dos factos e não pela formação da convicção de culpa.

48 - Durante todo o julgamento foi referido insistentemente pelas testemunhas da acusação expressões empoladoras do real estado da vítima para fazer crer que a arma utilizada não podia ser o canivete.

49 - A testemunha V..., ao longo de todo o seu depoimento, refere que após a facada começou logo a JORRAR SANGUE, tendo sido OPERADA DE URGÊNCIA. Garantiu, por diversas vezes ter PERDIDO 4 LITROS DE SANGUE. Garantido, ainda, mesmo quando confrontada com o relatório de urgência de fls. 38 e 39 (prova documental que o tribunal entendeu não valorar, não lhe fazendo, inclusive, qualquer menção, nem sequer para justificar a sua não valoração) que foi imediatamente para o bloco operatório.

50 - O Agente B… disse que o sangue jorrava muito. Assim como o seu Colega J…. Tendo ambos concluído, mediante o visionamento da ferida e pela quantidade de sangue que a mesma jorrava, que o canivete não podia ser o objecto do crime.

51 - O tribunal deu como provado que a arma do crime fora a faca de cozinha, fundamentando a sua convicção nas conclusões dos Agentes e nas convicções das restantes testemunhas avançadas a este respeito. Ao invés de se ter socorrido das informações clínicas juntas aos autos bem como das realidades científicas que impunham, tanto umas como outras, conclusões diferentes. 

52 – O tribunal deveria ter valorado os seguintes meios de prova: 1 - relatório de urgência de fls 38 e 39. Da análise do mesmo resulta que a ofendida foi admitida pelas 20:11:05h do dia 07/0772013. Foi triada, ao abrigo do protocolo de Manchester, em 40 segundos. Tendo resultado dessa triagem um encaminhamento para espera-trauma, com prioridade amarela e índice de dor moderada. Sendo que, conforme relato de folhas 39, efectuado ao segundo, a mesma foi assistida pelas 21:21:52h, isto é, uma hora e dez minutos depois da hora de admissão. Resulta da leitura do relatório não se ter verificado semiologia abdominal positiva (vulgarmente designada hemorragia interna), sendo ainda cristalino que a vítima se encontrava HEMODINAMICAMENTE estável, não correndo, evidentemente perigo de vida.

53 – O “Resumo de internamento” de fls. 96 e 97 que, referindo-se ao estado da ofendida a apresenta sempre hemodinamicamente estável, relatando, ainda, todos os procedimentos levados a cabo bem como a data da intervenção cirúrgica: 10 de Julho. O que faz cair por terra o depoimento prestado pela ofendida que garante ter perdido 4 litros de sangue.

54 – A fórmula científica para determinar a quantidade de sangue por organismo é, segundo a OMS, a seguinte: Mulheres: 356,1 x altura x 33,08 x peso + 183,3. Assim, uma mulher de 1,60m com 60 quilos tem 3,6 litros de sangue. Todavia a V... garante – e o tribunal faz fé - que perdeu 4litros.

55 - Os estudos médico-científicos mostram que a hemorragia sofrida pela ofendida – ao contrário do que esta e seus adjuntos quiseram fazer crer – foi MODERADA, perdendo entre 20% a 40% do volume circulante e mantendo-se sempre hemodinâmicamente estável. Posições médico-cientificas que alinham com a descrição do relatório médico junto aos autos e enunciado, mas não apreciado devidamente pelo tribunal a quo, que a vítima perdeu 500cc antes de ser operada. (in Aula Teórico Prática da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Serviço de Fisiologia, Porto Ano lectivo 2002/03, pág. 13 e seguintes).

56 - Atendendo ao sangue perdido pela vítima e ao quadro médico-cientifico para qualificação das hemorragias (presente em qualquer manual sobre a perda de sangue ou consultado na internet) a hemorragia que a vítima comprovadamente sofreu é a denominada de classe II (sendo a de menor gravidade a de classe I e de maio gravidade a de classe IV) que, transcrevendo a tabela, apresenta os seguintes sinais: perda de 15% a 30% do volume sanguíneo, taquicardia, aumento da frequência respiratória, redução da pressão de pulso pela elevação da diastólica, alteração do sistema nervoso central, como ansiedade, frequentemente caracterizada como hostilidade.

57 – Dos vários objectos passíveis de se apresentarem como a arma do crime (canivete, punhal e faca de cozinha), só o canivete, atenta a prova documental, podia ter sido a arma utilizada. E aqui se alega mais um – de tantos – erros notórios na apreciação da prova: o tribunal a quo entendeu, no ponto 7 da matéria de facto dada como provada, que a arma do crime tinha sido a faca de cozinha, tendo como fundamento o depoimento da vítima (que em momento algum disse ter sido essa a arma do crime, nem quando confrontada com a fotografia da alegada faca, bem como nas conclusões retiradas pelos agente).

58 – Tal convicção foi formada de forma errónea. A saber: dos relatórios periciais de fls 248 e 249 e fls 343 a 345 resulta “cicatriz hipopigmentada na metade inferior do mamilo direito vertical com 2 centímetros”. Esta é a cicatriz deixada pela entrada do objecto cortante e, por ser vertical, reflecte a largura máxima da lâmina utilizada: 2 cm. Já no relatório de fls 210 refere-se que o dreno tinha 10cm. Sendo certo que a perfuração perpetrada pela arma do crime não pode ser maior, nem menor do que o dreno. Mais, “quando a superfície do corpo é depressível – como a parede do abdómen- a lâmina produz uma lesão mais profunda que o seu próprio comprimento” (pag. 36 da obra identificado, por facilidades de exposição, no final do presente capítulo).

59 – Só o canivete apresenta uma lâmina de altura inferior a dois centímetros e cujo comprimento não ultrapassa os dez centímetros. Como resulta provado, a lâmina da faca de cozinha tem, no mínimo, 13 centimetros.

59 - Para fundamentar uma conclusão correcta, objectiva e isenta, o tribunal a quo, por ser o perito dos peritos, deveria ter atendido “às particularidades imprimidas pela arma na pele, o tipo de arma, o número e ordem das lesões, localização corporal, posição entre o agressor e a vítima, distância e direcção da lesão, a influência de substâncias psicotrópicas, antecedentes pessoais e evidências recolhidas” (Calabuig, 2005). (página 80, na Dissertação de Mestrado em Medicina Legal, 2009.)

60 – Assim, é obrigatório concluir que, atenta prova juto aos autos, conjugada com as regras da experiência comum e com uma correcta apreciação que tenha em conta não só as conclusões fantasiosas de vítima e agentes, mas também a ciência em conjugação com a prova documental que, só o canivete poderia ter sido a arma do crime.

61 – O tribunal recorrido, ao mesmo tempo que valoriza as declarações do arguido, decide desvalorizá-las atentas aquelas que são as contradições insanáveis e fundamentais que as mesmas apresentam. Aquilo que o tribunal qualifica de contradições não passa de “forças de expressão / maneiras de dizer/hábitos de linguagem socialmente usados. Vg. Ninguém diz canivetada ou punhalada, mas sempre - e naturalmente - facada. Tal raciocínio vale também para a eterna confusão entre direita e esquerda. É comum, no Homem Médio, a dislexia no eixo sagital mediano.

62 – O tribunal recorrido errou, também, ao não valorar o depoimento de R…  (prestado no dia 20/02/14, com início às 12:44:09h e fim pelas 12:53:36h), bem como o “Declaração Médica” junta aos autos já em sede de audiência de discussão e julgamento. É que do depoimento agora citado, bem como do relatório médico, resulta claro que o arguido se encontra em abstinência. Ao invés do que gratuitamente é avançado pela testemunha V....

63 - O tribunal desvalorizou o relatório do Centro das Taipas - onde os doentes fazem análises regulares porque só em função do resultado negativo lhes é, mês após mês, autorizada a medicação. Desvalorizando, ainda, o depoimento de R… ex-companheira e amiga que convive frequentemente com o arguido de que o mesmo não consome – até porque a presente medicação não o permite – há muitos anos, ou melhor, desde a recaída em 2008, cometendo, assim, mais um erro notório na apreciação da prova.

64 – O tribunal a quem, não poderá ter outra atitude que não a absolvição do arguido, porque -  para além de legitimado para tanto - o tribunal a quo julgou incorrectamente, cometendo erros e desvalorizando questões que podia – e devia – ter conhecido. São estes, juntamente com a impugnação da matéria de facto, os fundamentos do presente acórdão, como mais acima se expendeu.

65 - Sem conceder minimamente sempre se dirá, e apenas por cautela de patrocínio, que - atendendo ao que supra se expôs – estão verificados todos os requisitos para a aplicação do Instituto da legítima Defesa, previstos nos art. 32.º e 33.º do Código Penal.

Assim decidindo, farão V. Exas. a mais lidima  JUSTIÇA! (fim transcrição)

***

A Exm.ª Magistrada do MP respondeu ao recurso nos termos de fls. 859 a 876, rebatendo as conclusões do recurso do arguido manifestando-se pela improcedência do mesmo.

Neste tribunal, a Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 884 e 885, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância e pronunciando-se pela procedência do recurso do Ministério Público e não provimento do recurso do arguido.

Foi cumprido o disposto no artº417º, nº2 do C.P.P. e o arguido respondeu manifestando-se pela improcedência do recurso do Ministério Público

***

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentação


1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.

Da leitura dessas conclusões afigura-se-nos que os recorrentes submetem a este Tribunal de recurso as seguintes questões:

Ministério Público,

Incorrecta subsunção jurídica com condenação do arguido sob a forma de dolo eventual e violação do artigo 14º do Código Penal;

Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão do artigo 410º, nº 2 al. b) do Código de Processo Penal;

Medida da pena: o arguido deve ser condenado numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão e mesmo sendo condenado em pena inferior a 5 anos, a mesma não poderá ser suspensa na sua execução.

Arguido,

Impugnação do julgamento da matéria de facto nos termos do artigo 412º, nº 4 (sic) em relação aos factos dados como provados nos números 1, 2 e 3;

Erro notório de apreciação da prova nos termos do artigo 410º, nº 2 al. c) em relação aos factos dados como provados sob os números 4, 5, 6, 7, 9,10, 12 e 13 decorrente de não valoração pelo Tribunal a quo de depoimentos prestados por pessoas que assistiram aos factos e do relatório de urgência de fls.38 e 39 e resumo de internamento de fls. 96 e 97, não tendo a ofendida corrido perigo de vida;

O objecto do crime foi um canivete e não uma faca;

O arguido actuou em legítima defesa.

Para uma correcta análise da questão e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados e qual a sua fundamentação.


2. O Tribunal a quo declarou provados, os seguintes factos: (transcrição)

 Com relevo para a determinação do crime praticado-----

1. No dia 7 de Julho de 2013, a hora não concretamente determinada, o arguido e a ofendida que já se conheciam, encontraram-se na zona do Intendente, em Lisboa e combinaram ir para a casa do arguido, sita na Avenida (x), em Lisboa a fim de consumirem produtos estupefacientes.---

2. Ali, o arguido após consumir, pediu emprestado à ofendida 15,00 euros, por necessitar de adquirir mais estupefaciente, prometendo que no regresso levantaria o dinheiro e o devolveria.---

3. Uma vez regressados a casa, cerca das 19h e 40m, desentenderam-se, nomeadamente porque a ofendida exigiu a devolução da quantia emprestada, o que o arguido recusou.---

4. Em consequência, agrediram-se mutuamente no interior da residência e na varanda da mesma.---

5. Já na varanda, o arguido empunhou uma faca de cozinha, com cabo de cor preta e com 13 cm de lâmina e dirigiu-se à ofendida, que colocando a mão no seu pescoço afastou-o, e de seguida correu para dentro de casa.-----

6. Na fuga, retirou de uma bolsa, que se encontrava em cima de um armário a quantia de 15,00 euros e continuou a correr escada abaixo.---

7. O arguido perseguiu-a e, já na rua, com a dita faca, desferiu um golpe que atingiu a ofendida na zona do tórax.---

8. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, V..., sofreu alteração do seu estado de sensibilidade normal (dor) e uma ferida perfurante na face anterior do tórax transmamária ao nível do 4º espaço intercostal direito, que lhe afectaram a capacidade para o trabalho geral por um período de 48 dias.---

9. A ofendida ainda agarrou numa pedra da calçada para se defender, mas o arguido retirou-lha da mão.---

10. A ofendida continuou a fugir, mas acabou por cair ao chão e desfalecer.-----

11. O arguido voltou para casa, lavou a faca e mudou de roupa.

12. Ao desferir o golpe na zona do tórax de V..., pretendia o arguido matá-la, sabendo que em tal local do corpo estão alojados órgãos vitais.

13. As lesões sofridas por V... são consideradas graves, do ponto de vista médico – legal e idóneas para produzir a morte, o que foi suprimido em virtude de conduta médico – cirúrgica empreendida tempestivamente.

14. Agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, e sendo capaz de agir de acordo com esse conhecimento.---

Mais se provou em audiência que;

15. No dia que consta da acusação o arguido RD… fez, do seu telemóvel, chamadas telefónicas, para a linha de emergência médica 112.---

b) Com relevo para a determinação da medida da pena-----

16. O arguido é o mais velho dos dois filhos de um casal, de equilibrados recursos socio – económicos em que a dinâmica familiar evidenciava um funcionamento aparentemente funcional, ainda que sobressaísse alguma rigidez paterna.---

17. O arguido entrou para a escola na idade própria, tendo efectuado uma trajectória regular até ao 8º ano, até à data em que começou a acompanhar com grupo de pares o que provocou atitude absentista e de desinteresse.---

18. No plano laboral começou por desenvolver a actividade de aprendiz de técnico de electrodomésticos junto de um tio, tendo posteriormente desenvolvido actividade laboral numa empresa de peças de electrodomésticos, mais tarde passou a trabalhar em logística e mais tarde no sector automóvel.-----

19. Pese embora alguns períodos de desemprego o arguido detém competências laborais e pró – actividade na procura de alternativas.

20. Por volta dos 17/18 anos o arguido iniciou consumo de haxixe, passando 2 anos mais tarde a consumir heroína, prática que manteve até aos 24 anos, altura em que se integrou na Comunidade Terapêutica Nova Fronteira, na Carregueira, onde permaneceu cerca de 2 anos.

21. Por motivos profissionais, regressou a Lisboa depois de ter estado a residir, na zona da Chamusca e depois em Coruche e numa casa de transição durante 6 meses.

22. Em 2008 teve uma recaída de cerca de 2 semanas tendo recorrido ao CAT de Santarém, onde começou a ser acompanhado e a tomar medicação que ainda hoje mantém.

23. A nível afectivo estabeleceu duas relações amorosas, com vivência marital, a última delas durante seis anos.

24. Á data dos factos o arguido vivia sozinho ainda que mantivesse um convívio próximo com os pais e com a irmã, residentes na rua paralela à sua, existindo uma relação de entre ajuda, sendo que a família continua a manifestar disponibilidade para continuar a apoiá-lo.

25. Á data dos factos, o arguido encontrava-se desempregado há seis meses, mas à procura de emprego depois de ter cessado o contrato de trabalho como técnico logístico na Administração Regional de Saúde e Vale do Tejo, onde trabalhou cerca de um ano e meio. Fazia, entretanto, uns biscates no ramo da construção civil.

26. Paralelamente estava a ser acompanhado na Unidade de Desabituação do Centro das Taipas, frequentando semanalmente reuniões de terapia de grupo, efectuando medicação diária, situação que actualmente se mantém.

27. O arguido apresenta-se como uma pessoa aparentemente calma, com facilidades ao nível da comunicação e do relacionamento interpessoal, embora perante situações de tensão emocional evidencie baixo auto - controlo e alguma dificuldade em antever a consequência dos seus actos.---

28. O arguido encontra-se sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde 9 de Julho de 2013 tendo, até ao momento, cumprindo as regras a que está sujeito e as orientações dos respectivos serviços.---

29. O arguido revela fraca consciência crítica face aos factos praticados e não demonstrou arrependimento sincero.---

30. Do seu certificado de registo criminal não constam condenações:-----

c) Com relevo exclusivo para o pedido de indemnização civil-----

31. Os tratamentos médicos e bem assim a assistência hospitalar relativa à ofendida V..., ascendem ao montante de 6.086,41 euros (cfr. fls., 484 ) dos autos. (fim de transcrição)

3. Factos declarados não provados: (transcrição)

Da discussão da causa resultou provada toda a matéria de facto constante da acusação, (sendo que não será feita qualquer referência a matéria meramente conclusiva ou de direito, bem como àquela que não assume qualquer relevo para a decisão da causa)
4. Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na decisão recorrida: (transcrição)

O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica da prova produzida em audiência.---

Em particular, o tribunal baseou a sua convicção relativamente aos factos considerados como demonstrados na apreciação conjugada e de acordo com as regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova:---

1. Declarações do arguido-----

(no que se refere a este tipo de prova, sublinha-se, desde já, que, o arguido prestou declarações incoerentes e contraditórias com as que havia prestado em primeiro interrogatório, o que motivou que fosse confrontado com as mesmas, ao que acresce as várias e diferentes versões que ao longo das várias sessões de julgamento foi dando conta).

Começou por referir que, no dia que consta da acusação pelas 19 horas encontrou a ofendida perto de sua casa, na zona dos Anjos, tendo esta lhe pedido um cigarro e uma garrafa de água.

Os dois começaram a conversar e o arguido disse-lhe que lhe dava uma garrafa de água e um cigarro, tendo a ofendida acompanhado este, a sua casa.

Aí chegados, enquanto o arguido foi fazer um cigarro a ofendida entrou para o hall de entrada da casa e começou a mexer no seu telemóvel, facto que ele não gostou.

Referiu que foi por causa do telemóvel que se desentenderam, sendo que começaram a agredir-se mutuamente e a ofendida agarrou-lhe o pescoço com bastante força.

Acrescentou que ele foi buscar a faca à cozinha, mas depois a ofendida agarrou a faca e começou a mandar-lhe com a mesma e com objectos, tendo ele ido para a varanda da casa, para aí se proteger da mesma.

Foi então da varanda da casa que ligou para o 112, dizendo que tinha uma pessoa dentro de casa a roubar e a atirar-lhe com objectos.

Foi então que ela fugiu, levando-lhe a bolsa que estava no hall de entrada onde estavam as chaves, documentos pessoais e 15,00 euros.

Então ele saiu de casa e foi procura-la para a rua tendo perguntado a umas pessoas se a tinham visto, tendo as mesmas respondido que não.

Disse que, como não viu a ofendida regressou a casa e começou a arrumar as coisas e a apanhar os parafusos que estavam espalhados pela casa, com medo que os seus gatos os engolissem.

Nesse instante ouviu barulhos de passos a correr e foi à porta ver o que era, por intuição, tendo visto pelo óculo da porta a ofendida e disse “então estás aí?”

Foi então que pegou na faca de cozinha, meteu-a no bolso detrás das calças e foi atrás da ofendida.

Quando saiu da porta do seu prédio, viu a ofendida do seu lado direito no interior das arcadas do prédio sendo que na mão direita tinha uma pedra de calçada e estava em posição de ataque e na outra mão esquerda, tinha a navalha azul.

Após algumas perguntas, corrigiu dizendo, que a pedra estava na mão esquerda e a navalha estava na mão direita, sendo que a sua bolsa, estava pendurada no ombro.

Acabou por dizer ser destro e daí a confusão feita.

De seguida o arguido tirou-lhe a bolsa e levou uma pedrada e tirou o canivete e cortou-se na mão e depois acertou-lhe com o canivete no peito, sendo que a reacção da ofendida foi fugir dele.

De seguida o arguido regressou a casa desinfectou-se, tirou a camisa e sentou-se e não teve hipótese de ir ao Hospital.

Perguntado respondeu, que a ofendida trazia um top e uma camisa solta por cima em tons prateados, mas não se apercebeu do sangue.

Acrescentou que espetou-lhe a faca para depois corrigir dizendo que foi o canivete, com a mão direita e tirou a bolsa com a mão esquerda.

Ao longo das suas declarações, o arguido foi dizendo que estava assustado estando a viver um drama imenso.

Referiu não ter limpado a faca, e que quando pegou na mesma, foi para se defender ou seja, com o instituto de defesa.

Perguntado acerca da faca e confrontado com fotos disse que foi sempre nessa faca da cozinha que pegou e não em nenhum punhal, que nem sequer tem em sua casa.

Foi confrontado com fotos do local e fotos suas explicando e respondendo a perguntas.

Foi ouvida a gravação das chamadas feitas pelo arguido para o 112, sendo que à pergunta para explicar a razão de não se ouvir barulhos de carros sendo a Avenida (x) muito movimentada e encontrando-se ele na varanda, quando fez os telefonemas respondeu que era domingo e as pessoas estavam para a praia.

Foi confrontado com o 1º telefonema para o 112 onde referiu “chamem a bófia”.

Foi ouvida a gravação referente às declarações do arguido, prestadas em primeiro interrogatório, perante o JIC uma vez que se constataram contradições.

Nesse contexto, foram solicitados vários esclarecimentos ao arguido tendo ele avançado com explicações, nomeadamente o facto, de segundo, a sua opinião o auto de ocorrência ter sido “fabricado” na esquadra pelos dois agentes e ele próprio ter assistido a isso tudo.

Referiu que a versão apresentada, em primeiro interrogatório, não corresponde à realidade, uma vez que estava sob pressão do momento e não teve um bom aconselhamento por parte da sua Defensora.

Na verdade, no âmbito do referido interrogatório constante dos autos o arguido admitiu conhecer já a arguida, e de a ter convidado, ele próprio, para sua casa onde lhe ofereceu uma cerveja e consumiram estupefacientes.

Em audiência de julgamento, e pese embora dizer que a versão verdadeira era a que tinha apresentado em julgamento, em algumas perguntas a propósito de contradições admitiu que as declarações prestadas em primeiro interrogatório, eram correctas e condizentes com o que se tinha passado.

A tal propósito, sublinhe-se, que o tribunal não está legalmente impedido de valorar as declarações que o mesmo prestou, aquando do seu primeiro interrogatório judicial, uma vez que o mesmo foi advertido a fls. 62, de que as declarações prestadas, poderiam ser utilizadas no processo e estar sujeitas à livre apreciação da prova.---

= Auto de Primeiro Interrogatório do arguido de fls. 61 a 69;---

Como dizíamos supra, o tribunal não está impedido de valorar as declarações prestadas pelo arguido, em primeiro interrogatório, e nesse âmbito o mesmo foi ouvido em 9 de Julho de 2013, onde para além de ter dito que convidou a arguida a entrar em sua casa e onde a mesma se pôs à vontade, tirando a camisa e ficado em top e onde lhe ofereceu uma cerveja e onde estiveram a conversar e a consumir haxixe até ao momento em que se desentenderam os dois por causa do telemóvel.

Acresce que no âmbito desse mesmo interrogatório, várias vezes referiu o termo faca e mencionou que lhe tinha dado uma facada.

Nomeadamente e a propósito são várias as expressões “ Eu vi a faca da cozinha e levei a faca” “tirei a bolsa e dei-lhe uma facada” “tirei a faca e fui para casa” “fui para casa lavei as mãos” “tive consciência que a aleijei supostamente com a faca” “eu tive a noção que a aleijei com a faca não tive a noção que a aleijei com gravidade” “ela ficou de olhos arremelgados e disse aleijaste-me” e outras expressões que se podem constatar e com as quais foi confrontado em audiência de julgamento.

Na verdade, em primeiro interrogatório nunca utilizou o termo canivete mas sim faca e facada, expressão que muitas vezes usou em audiência de julgamento.

Mas como se disse supra, confrontado com todas as contradições e versões apresentadas, manteve que o que valia era o que tinha dito em julgamento, sendo certo, que como diremos, em local próprio, também nas várias sessões de julgamento, apresentou várias versões diferentes e contraditórias.

2. Depoimentos de testemunhas-----

» o depoimento emocionado sincero e objectivo da ofendida V..., a qual referiu que conhecia o arguido há cerca de um ano de vista da Avenida (x).

Acrescentou que tinha sido sem abrigo e dormia junto ao prédio do arguido.

Disse que, já tinha estado em casa do mesmo com o seu ex companheiro uma vez e consumiram cocaína.

Referiu que, no dia dos factos era domingo e ao fim da tarde estava a subir a Avenida (x), quando encontrou o arguido que lhe pediu que comprasse droga no Intendente tendo-lhe dado uma nota de 20 euros.

De seguida foram para casa do arguido, onde os dois consumiram, tendo utilizado para tal efeito o canivete que estava em cima de uma mesa na sala.

Após resolveram ir adquirir mais droga, sendo que a ofendida emprestou ao arguido a quantia de 15 euros.

Já, de novo, em casa do arguido desentenderam-se por causa do dinheiro que a ofendida tinha emprestado ao arguido e este negou devolver-lho, sendo que esta pegou no telemóvel dele, para fazer chamadas para a polícia, facto que também o desagradou.

Foi então que iniciaram agressões mútuas, tendo a arguida empurrado o arguido e apertado o pescoço.

Já na varanda do apartamento, a ofendida, atirou com um vaso pequeno de loiça à porta da varanda e o arguido fez telefonemas para o 112 com a faca na mão, que lhe pareceu ser um punhal, mas não viu que ele estivesse com medo dela.

Na verdade ele estava com a faca na mão e a telefonar para o 112.

De seguida a ofendida retirou os 15 euros da bolsa do arguido, que estava em cima de um móvel, no hall de entrada, e fugiu, tendo subido as escadas do prédio e ali permanecido por uns instantes.

Perguntado à ofendida a mesma disse que, levou consigo a sua mala que depois foi entregue à sua avó.

Acrescentou que, quando fugiu com os 15 euros após uns instantes ouviu barulho e desceu a correr as escadas, sendo que o arguido estava à porta de casa à sua espera, tendo a mesma conseguido escapar e fugido para a rua.

O arguido desceu as escadas atrás dela, com uma faca na mão e quando chegou à rua a ofendida apanhou uma pedra na calçada e atirou-lhe com ela.

De seguida, o arguido aproximou-se da ofendida e espetou-lhe a faca por baixo do mamilo do seu lado direito, tendo logo começado a jorrar muito sangue.

Após ainda deu alguns passos, mas começou a ficar sem ar, referindo que esteve sempre a pressionar a ferida, tendo acabado por cair na rua e partido um dente.

Após, foi socorrida e levada para o Hospital.

Disse que levou seis transfusões de sangue e 33 pontos tendo ficado com uma cicatriz, onde sente muitas picadas e nota que se cansa mais facilmente.

Disse que sofria de bronquite que se agravou.

Referiu que a faca que lhe foi espetada pelo arguido parecia ter uns furos na lamina, no entanto confrontada com a fotografia da faca de cozinha que foi apreendida na casa do arguido, respondeu que se assemelhava com a faca de que fala e lhe foi espetada, pois o cabo é semelhante bem como o comprimento da lâmina.

Negou ter retirado qualquer bolsa ao arguido, documentos, chaves e canivete, pois o que lhe interessava eram os seus 15 euros que retirou do interior da referida bolsa.

Igualmente, negou ter na mão o canivete quando já na rua foi agredida pelo arguido, com a faca que o mesmo tinha na mão.

»» O depoimento da testemunha B…, agente da PSP, a exercer funções na 5ª esquadra criminal, Penha de França, o qual referiu que no dia 7 de Julho de 2013, estava com o seu colega J… e receberam, via rádio, uma comunicação de que uma pessoa estava caída no solo vítima de esfaqueamento, na Avenida(x).

Quando chegaram ao local, viu a ofendida deitada no chão e sangue na zona do peito e no chão.

Disse que o sangue jorrava muito e com a mão no peito a ofendida pressionava o mesmo, sendo que acabou por desfalecer, apercebendo-se que era uma situação grave.

Viu ali perto uma pedra da calçada com sangue.

Na altura viram um rasto de sangue, e falaram com três pessoas, que lhes disseram terem visto alguém entrar para o prédio com o nº 89, e que se tinham apercebido de uma discussão entre um homem e uma mulher na varanda de um dos apartamentos daquele prédio.

De seguida tocaram a várias campainhas, nesse prédio, sendo que tocaram também à campainha da casa do arguido, porque viram sangue na porta de entrada junto à zona da fechadura.

Acrescentou que, tocaram à campainha da porta e ali estiveram cerca de 10/15 minutos e só após o arguido abriu a porta, explicando que não tinha logo aberto a porta porque estava muito abalado com a situação.

Disse que viu a camisa com sangue, encontrava-se na casa de banho, e foi buscar um canivete dizendo que tinha sido aquela a arma do crime.

Não tem ideia se o mesmo estava aberto ou fechado e não tinha vestígios de sangue.

Após algumas insistências, o arguido indicou que a faca estava no topo de um móvel que teve de ser dali retirada, pelos seus colegas, com a ajuda de um banco.

A faca encontrava-se húmida parecendo ter sido lavada.

A casa não estava desarrumada, não se encontrava nada partido nem dava a entender que ali tivesse havido alguma luta.

Referiu ter visto o arguido com arranhões no corpo, mas questionado se queria ir ao hospital respondeu que não.

No hall de entrada viu em cima de um móvel uma bolsa de cor azul, onde estavam as chaves e que tinha vestígios de sangue.

O depoimento da testemunha J…, agente da PSP, na 5ª esquadra criminal de Lisboa.

Reiterou o que havia sido dito pelo seu colega, nomeadamente a comunicação via rádio que ambos receberam do esfaqueamento na Avenida (x).

Quando chegaram ao pé da vítima, reparou que a mesma jorrava abundantemente sangue do peito, tendo providenciado pelo sua assistência.

Disse que, pessoas que ali estavam deram a indicação de que tinha sido esfaqueada por uma pessoa que morava ali no prédio.

Viu sangue na rua e na porta de casa do arguido também havia sangue.

Após tocaram à campainha de casa do arguido e decorridos 10/15 minutos abriu a porta e deixou-os entrar, mostrando-lhes um canivete como tendo sido aquele, que tinha sido por si utilizado.

Tal canivete estava na casa de banho, não tinha sangue e estava fechado sendo depois aberto pelo arguido.

Acrescentou que da ferida e do sangue que tinha visto à ofendida não lhe pareceu que tivesse sido utilizado um canivete.

Depois de alguma insistência, o arguido indicou que a faca se encontrava no topo de um móvel que estava na sala.

Referiu que, foi necessário subir a um banco para retirar dali a faca que depois o arguido lhe disse que tinha sido aquela a ser utilizada e que se encontrava húmida de ter sido lavada há pouco tempo.

Mais referiu que, o arguido apresentava algumas escoriações, nomeadamente arranhões nas mãos mas sem sangue.

O arguido tinha a camisa com sangue, na casa de banho, e ele estava com outra vestida, mas não tinha sangue.

A casa estava normal, podendo haver alguma desarrumação própria de qualquer casa, mas sem quaisquer sinais de ter havido luta, não havendo vidros partidos.

»» O depoimento escrito prestado pela testemunha A… a fls. 407 e 408, o qual foi lido em audiência em virtude de o mesmo, ter, entretanto, falecido.

No essencial, aí se refere que se encontrava na Avenida (x) e verificou que saiam do nº 89, estando o arguido a agarrar a ofendida, por trás e tentando tirar-lhe uma pedra que esta tinha na mão.

Enquanto assim procedia, o arguido segurava na boca, com os dentes, uma faca com o cabo preto.

Uma vez libertada, a ofendida caminhou, cerca de 4 ou 5 metros pressionando o peito com uma das mãos

Ao cruzar-se com a ofendida, verificou que a mesma se esvaía em sangue e só a pressão que exercia com a mão sobre o peito, impedia a perda de mais sangue.

Nesse momento, através do seu telemóvel, com o nº 96 4884782, accionou o INEM.

Entretanto, enquanto efectuava a chamada, a ofendida caiu em cima de um carro e rodou por cima do mesmo, momento em que o depoente a amparou evitando que esta caísse por terra.

»» No que diz respeito aos depoimentos das testemunhas, Ricardo Capitão e António Fernandes, o tribunal não atendeu aos mesmos, por não os julgar relevantes e necessários, face á restante e abundante prova carreada para os autos.

No entanto, e quanto ao depoimento da testemunha R… foi importante na parte em que referiu ter visualizado do local onde se encontrava o arguido e a ofendida a discutir e em agressões mútuas na varanda do prédio do nº 89, 1º andar (cfr. fls. 405 e 406 depoimento escrito com o qual foi confrontado em audiência e confirmou).

Quanto ao que mais disseram estas duas testemunhas, o seu depoimento, mostrou-se um pouco confuso e sem grande conhecimento directo dos factos.

No entanto, como se referiu não se mostrou necessário atender, pelo menos, na íntegra, aos seus depoimentos.

»» O tribunal, atendeu, igualmente, ao depoimento prestado pelas testemunhas indicadas pelo arguido,  (…), as quais depuseram acerca das condições pessoais e profissionais do arguido.---

» No que diz respeito à prova documental e pericial o tribunal teve em consideração a prova junta aos autos, nomeadamente:

» o auto de noticia e detenção de fls. 2 a 5;---

» O auto de busca e apreensão de fls. 12;---

» Reportagem fotográfica de fls., 242 a 244 e 394 a 399---

» Documentação médica de fls., 180 e 181, 210 a 211.---

» Auto de audição e transcrição do contacto telefónico para chamada do 112 de fls., 426 a 428;

» Exame de avaliação do canivete de fls. 315 e 316;---

» Auto de audição e transcrição dos contactos feitos pelo arguido para o 112 de fls. 390 e 391;---

»Auto de 1º interrogatório do arguido de fls., 61 a 69.---

»Pericial;---

» relatório da perícia de avaliação do ano corporal em direito penal de fls. 248 a 249 e fls., 343 a 345;-

Relatório LPC de fls., 320 a 324 e fls., 325 a 364 a 367;---

» o teor do certificado de registo criminal do arguido, juntos aos autos;---

» o relatório social junto aos autos, no qual se descreve o percurso de vida do arguido, bem como o respectivo enquadramento familiar e profissional e situação de reclusão.---

» Atendeu-se a factura de fls. 479 e 484, no que diz respeito ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital.---

Análise crítica da prova;----

Face à matéria apurada nos autos, conjugados os meios de prova, nomeadamente as declarações do próprio arguido, o qual, pese embora, as contradições, em alguns aspectos, essenciais, admitiu os factos quanto à sua prática, depoimentos da ofendida, testemunhas, prova documental e pericial, não poderia deixar de se concluir que o arguido foi o autor dos factos, nos termos que lhe vinham imputados.

Efectivamente, e pese embora, como dissemos supra, o arguido ter apresentado várias versões, tentando fazer crer que teria sido em legítima defesa, ou seja em resposta e defendendo-se de uma agressão por parte da ofendida V..., conjugando a restante prova que foi produzida, foi possível concluir, que de modo deliberado e gratuito o arguido espetou a faca na zona do peito da ofendida V....

Na verdade, no que de essencial interessa reter para o apuramento dos factos e lançando mão das regras da experiencia, não poderíamos de modo algum ter como aceitável e plausível a versão do arguido, porque irreal, contraditória, incoerente, sem qualquer nexo lógico e eivada até de alguma fantasia.

Efectivamente, e da maneira como percecionamos, a situação em concreto, dúvidas não restaram de que arguido e ofendida se conheciam, não sendo a primeira vez que esta frequentava a casa daquele.

E, sendo assim, nada de casual teve, a situação ocorrida já na rua e que deu origem ao esfaqueamento.

Na verdade, o arguido convidou a V... para sua casa, ao ponto de aí conviverem, bebendo e consumido cerveja e haxixe.

E já após tal confraternização, onde houve uma saída para adquirir mais estupefaciente, os dois desentenderam-se devido ao facto de a ofendida ter emprestado 15 euros ao arguido, para a compra de mais droga, e que este recusou devolver.

Acresce, igualmente, que a ofendida já no decorrer da discussão, utilizou o telemóvel do arguido, facto que o desagradou.

Esta razão e não outra, nomeadamente, a avançada pelo arguido despoletou a discussão verbal e agressão física entre ambos.

Mas tal discussão, pese embora, ter acontecido, não motivou que a casa ficasse num verdadeiro caos, com tudo destruído, inclusive uma cadeira partida e vidros no chão, como o arguido quis fazer crer nas suas declarações.

Muito menos, a discussão e agressão entre ambos, seria um motivo real e plausível para que o arguido telefonasse para o 112, como efectivamente fez.

Na verdade, não deixando de se ter comprovado o referido telefonema, ouvido e analisado o mesmo, não poderíamos deixar de concluir que houve ali naquele pedido de auxílio, uma certa encenação por parte do arguido, o qual nunca esteve em perigo, como aliás resulta de toda a prova que foi produzida, nomeadamente das circunstâncias e modo como o telefonema foi feito.

E tal conclusão, é, igualmente, retirada se compararmos o pedido de socorro do arguido, com o pedido de auxílio da testemunha, que num primeiro momento ajudou a ofendida V....

Depois, porque ninguém que esteja em aflição, inicia um pedido de socorro com a seguinte frase “Eh pá chamem a bófia”, por se distanciar totalmente daquilo que é o entendimento e a normalidade da vida.

Acresce, ter sido referido pela ofendida V... de modo credível que em momento algum, o arguido esteve em perigo.

Igualmente resultou provado que, a ofendida retirou da bolsa que se encontrava em cima de um móvel no hall da entrada, os 15 euros, que havia emprestado ao arguido e saiu, refugiando-se nas escadas de acesso ao piso superior do prédio, e que de seguida fugiu para a rua, escapando ao arguido, que a esperava à entrada da porta de sua casa.

Assim como, resultou provado que o canivete de que o arguido dá conta, só foi utilizado no consumo do estupefaciente, antes da mencionada discussão.

Na verdade, foi na faca de cozinha que o arguido pegou tendo sido com a mesma, que acabou por agredir a ofendida, e ele próprio, admitiu isso mesmo, quando confrontado com as fotos que constam dos autos, embora dizendo que tal faca nunca saiu do seu bolso.

O arguido só pegou no canivete, quando os agentes entraram em sua casa e numa versão, que lhe parecia ser, para si, mais favorável, quis fazer crer que tinha espetado o canivete e não a faca.

E não será despiciendo sublinhar, que o arguido teve tempo para pensar na versão que lhe fosse mais favorável, uma vez que, indiferente ao que tinha acabado de acontecer dirigiu-se a casa mudou de camisa lavou as mãos e tratou de lavar a faca de cozinha que utilizou, colocando-a no topo de um armário, que só utilizando um banco, os agentes, lhe tiveram acesso.

É, igualmente, inquestionável que a perícia realizada à faca de cozinha, não sendo conclusiva, detectou vestígios de sangue, ao invés apesar de igual perícia não foi detectado qualquer vestígio de sangue no canivete.

Tal leva, igualmente, a concluir, que foi com a faca de cozinha, que o arguido atingiu a ofendida na zona do peito e lhe provocou os ferimentos que constam do relatório de perícia médica junto aos autos.

E os ferimentos causados foram graves, compatíveis com as dimensões da faca, não só pelas lesões físicas que causaram, ao ponto de ser atingido o pulmão direito, como pelas sequelas psicológicas que daí advieram e que de modo emocionado e sentido a ofendida V... deu conta.

E este depoimento da ofendida, além de emocionado foi, como se disse supra, objectivo, pois pese embora alguma confusão quanto à faca, para ela parecia punhal e tinha furinhos, quando confrontada com as fotografias da mesma, não hesitou em dizer que a dimensão e características eram aquelas que ali se retratavam, ao invés sempre negou, por um lado, ter levado o canivete para a rua, ter ameaçado o arguido utilizando o mesmo, e por outro que tivesse sido com ele agredida.

Igualmente, a gravidade dos ferimentos foi visualizada não só pelos agentes da autoridade como pela primeira testemunha que telefonou a pedir auxílio e a amparou, impedindo que a mesma caísse desamparada no chão, ao mesmo tempo que dizia que lhe saíam vaporadas de sangue do peito.

E depois desta análise, fácil será perceber que a versão do arguido, fazendo crer que foi com o canivete, e não com a faca que atingiu a ofendida resulta incoerente e sem qualquer nexo lógico.

Assim como resulta incoerente, e não faz sentido o arguido ir atrás da ofendida, levando a faca no bolso das calças e nunca daí a ter retirado, nem segundo diz, para apanhar os parafusos espalhados no chão, e a V... transportar a bolsa, quando queria apenas recuperar o seu dinheiro.

Por último, uma palavra para a posição de ataque que segundo o arguido, a ofendida se encontrava quando este a encontrou na rua, pois aqui atinge o absurdo pensar-se que alguém que sai a fugir com 15 euros que retirou de uma bolsa, possa ficar na rua, à espera da pessoa que a persegue, em posição de ataque com um canivete e uma pedra em cada uma das mãos.

Sendo certo que, a pedra que utilizou prende-se com a defesa que ela própria arranjou para se tentar defender do ataque do arguido.

Depois porque, ninguém tenta retirar uma bolsa e um canivete ao mesmo tempo que o espeta na outra pessoa, talvez por isso e quando confrontado, o arguido se baralhou por completo quanto às mãos e os gestos não acompanharam as palavras, mas a final concluiu dizendo, ser destro dando assim, mais uma explicação sem qualquer coerência e nexo lógico.

Por tudo o que fica exposto, e tendo em conta o essencial da prova produzida e examinada em audiência, e sendo certo que a verdade prática passível de ser obtida num processo judicial raramente se mostra completa, com concordância perfeita de todas as situações que vêm relatadas, a verdade é que a segurança daquilo que de essencial se provou, dando relevância, diga-se mais uma vez ao depoimento claro e isento por parte da ofendida leva a que a única conclusão a ter como certa, é a de que o arguido deve ser responsabilizado criminalmente pelos factos que nestes autos lhe foram imputados, na medida em que se provou, ter sido ele o autor dos mesmos impondo-se, assim, a sua condenação. (fim de transcrição)

5. Vejamos se assiste razão a cada um dos recorrentes iniciando a apreciação do recurso, não pela ordem de interposição mas, antes, pelo recurso do arguido na, parte que impugna a matéria de facto e na qual pretende ver alterada essa mesma matéria de facto pois razões de “(…) método que se comece pelo reexame de mais largo espectro, para que se não tenha eventualmente de entrar na análise mais limitada, o que só sucederá na falência daquele reexame[2].

Bem se compreende que assim seja pois, para além de permitir uma verdadeira sindicância alargada da matéria de facto da primeira instância, a eventual alteração da matéria de facto pode condicionar as demais questões colocadas em sede de recurso a este Tribunal.

O arguido, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, apenas pretende, verdadeiramente, a apreciação deste Tribunal em relação dos factos dados por assentes sob os números 1, 2 e 3, colocando as demais questões ao nível do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nomeadamente no “erro notória na apreciação da prova”.

Vejamos então.

Os tribunais de relação conhecem de facto de facto e de direito (artigo 428º do Código de Processo Penal (CPP).

A matéria de facto nos Tribunais de Relação pode ser impugnada por duas vias. Numa primeira via o recorrente pode impugnar a decisão proferida em matéria de facto (artigo 412º, nº 3) com vista à sua alteração (artigo 431º al. b) (reexame de largo espectro) e, numa segunda via, através da invocação dos vícios do artigo 410º, nº 2 todos do Código de Processo Penal, sendo certo que os vícios referidos são de conhecimento oficioso pelo tribunal.[3]

Convirá referir que estamos em presença de duas realidades distintas.

A este propósito e atenta a sua clareza, permitimo-nos transcrever o sumário do acórdão do STJ proferido no Proc nº 4375 em que foi relator o Conselheiro Raul Borges: «A partir da reforma de 1998 passou a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades. No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo. Nesta forma de impugnação os vícios da decisão têm de emergir, resultar do próprio texto, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma. No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do mesmo diploma». (www.dgsi.pt)

Este entendimento é hoje pacífico na doutrina e jurisprudência no que respeita à impugnação da matéria de facto em sede de recurso para o Tribunal da Relação.

No que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto o arguido pretende, como referimos, que o tribunal altere os factos dados como provados sob os números 1, 2 e 3. Em relação ao primeiro, no que diz respeito ao conhecimento, o segundo sobre o consumo e empréstimo e o terceiro sobre o desentendimento.

Para justificar tal alteração do decidido o arguido entende, basicamente, que o depoimento da ofendida não devia ter sido valorado, por não merecer credibilidade, devendo ter sido valoradas, pelo contrário, as declarações do arguido que não foram. Lança ainda mão das chamadas efectuadas para o 118 e pelo arguido para o 112, chegando, por essa via à conclusão que 26 minutos não são lapso de tempo bastante para terem ocorrido os factos que a ofendida V... relata, ou seja, desde que “se encontraram até ao desentendimento final”.

Ora, com o devido respeito, não tem razão o arguido recorrente. Ouvidas as declarações prestadas e os registos das chamadas efectuadas parece-nos perfeitamente razoável e lógica a valoração efectuada pelo Tribunal a quo, estando suficientemente motivada a decisão tomada e de acordo com a prova produzida, ainda que o recorrente retire da mesma, conclusões diversas das do Tribunal.

O que o recorrente pretende é, verdadeiramente, colocar em crise a convicção que o Tribunal recorrido formou perante as provas produzidas em audiência e substituir essa convicção pela sua própria convicção. Ora, a divergência de convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal formou não se confunde com o erro de julgamento ou com qualquer vício do artigo 410º nº 2 do CPP.[4]

Não podemos ignorar que no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, expressamente consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal impõe, salvo quando a lei dispuser diferentemente, que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Este princípio, fora do contexto dos erros de julgamento, (que não é o caso como se pode constatar pela audição dos depoimentos e elementos probatórios produzidos sobre essa matéria) e dos vícios legalmente previstos (que trataremos a seguir), afasta todas as situações de valoração diferente de prova como fundamento para se concluir pela errada apreciação da mesma.

Esta conclusão, decorrente do referido princípio, impõe-se ao recorrente como se impõe a este Tribunal – fora dos casos dos erros de julgamento ou vícios, repete-se - tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, está aquele tribunal obviamente mais bem apetrechado para aferir da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, já que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também o modo como estes foram prestados. Na verdade não podemos esquecer que no processo de formação da convicção do juiz “…desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”. Veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.

Como dizem A. Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, “(…) existem no julgamento da matéria de facto operações de carácter racional e psicológico, em que se baseia a convicção do julgador, que são, pela sua própria natureza, insindicáveis pelo tribunal de recurso.

E o dito princípio da livre apreciação da prova, que, por isso mesmo, não pode ser, pelo menos na totalidade, posto em crise, pela possibilidade de sindicância do julgamento da matéria de facto, através da gravação dos depoimentos, implica que as provas sejam valoradas livremente pelo julgador (quer sejam testemunhais, periciais, depoimentos de parte, etc.), sem que exista qualquer hierarquização entre elas[5].

 No mesmo sentido vai a opinião de Germano Marques da Silva o qual refere, sobre tal componente, “ (…) implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação[6].

A este propósito ainda escreveu-se no sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 6/12/2000 «O Tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (carácter; probidade moral) só verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1ª instância»[7].

 Em resumo só nos casos excepcionais legalmente previstos ou situações de arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos e imotiváveis, é possível sindicar a valoração efectuada pelo tribunal recorrido o que não é manifestamente o caso pelas razões aduzidas.

Improcede assim a primeira conclusão do arguido recorrente no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e erro de julgamento.

Vejamos agora as demais questões suscitadas iniciando a apreciação daquelas que o Ministério Público suscita no seu recurso e, entre estas, com a apreciação do vício invocado.

Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão do artigo 410º, nº 2 al. b) do Código de Processo Penal

Com esta conclusão o Ministério Público visa exactamente um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, mais concretamente “a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” (al. b).

Vejamos pois o que entender sobre este vício da decisão e se o mesmo se encontra presente na decisão colocada em crise.

Desde já convirá referir, como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado supra e resulta do próprio texto legal, os vícios previstos no nº2 do artigo 410º do CPP têm que, forçosamente, resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.  

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ocorre - “(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1999, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo III, p. 184.

Ou, como referem Simas Santos e Leal Henriques, “Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al.b) do nº2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.” Código de Processo Penal, 2ª ed. II vol, pág.379.

Estamos ainda em presença de contradição insanável nas situações em que existe um vício “(…) ao nível das premissas que determina uma formação defeituosa da conclusão: se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível”.[8]

A contradição insanável ocorre no seio da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. A fundamentação, para efeitos deste preceito e do próprio conceito, é não só aquela que se reporta ao facto, mas, também a que se reporta à decisão e a esta na sua relação com a fundamentação de facto.

Feito este enquadramento sobre o que entender pelo vício invocado, vejamos o caso em concreto.

O Ministério Público entende que o Tribunal a quo deu como provado, ao nível do facto, que o arguido agiu com dolo directo e depois condena o mesmo por dolo eventual. Sustenta a sua tese nos seguintes trechos do acórdão, ao nível dos factos:

7. O arguido perseguiu-a e, já na rua, com a dita faca, desferiu um golpe que atingiu a ofendida na zona do tórax.

12. Ao desferir o golpe na zona do tórax de V..., pretendia o arguido matá-la, sabendo que em tal local do corpo estão alojados órgãos vitais.

13. As lesões sofridas por V... são consideradas graves, do ponto de vista médico – legal e idóneas para produzir a morte, o que foi suprimido em virtude de conduta médico – cirúrgica empreendida tempestivamente.

14. Agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, e sendo capaz de agir de acordo com esse conhecimento.

Ao nível do direito escreveu-se no acórdão:

“Vertendo ao caso dos autos, considerou a acusação que o arguido, ao desferir a faca no corpo da ofendida como nela vinha descrito, teria pretendido de forma directa atingir mortalmente a ofendida, só não o tendo feito por razões alheias à sua vontade, o que se traduziria num dolo directo – artigo 14º nº 1 do Código Penal.-----

Sucede, porém, que tal não ficou demonstrado, mas sim que o arguido configurou a possibilidade de matar a vítima e se conformou com ela, verificando-se uma situação de dolo eventual e não de dolo directo.—

Na verdade o arguido ao espetar uma faca na zona do tórax, sendo este um órgão vital, previu que poderia daí resultar a morte da ofendida V..., tendo-se conformado com tal possibilidade e sabendo que poderia acontecer.

Assim, a factualidade demonstrada permite concluir que o arguido praticou um crime de homicídio simples na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal.

Efectivamente, demonstrado ficou que o arguido agrediu a ofendida com a faca de cozinha que consta dos autos e lhe provocou as lesões documentadas nos autos, lesões essas feitas, em órgãos vitais.

Tal agressão de que resultaram tais lesões teve origem em desentendimento anterior por causa de dinheiro que a ofendida V... havia emprestado ao arguido, e este se recusou a devolver.

Também se provou que a morte da ofendida, felizmente, não sobreveio mas por razões exteriores à vontade do arguido”. (sublinhados nossos)

Da análise do texto do acórdão invocado pelo Ministério Público, facilmente se chega à conclusão estarmos em presença de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e, por conseguinte em presença do vício do artigo 410º, nº 2, al. b) do CPP.

Não é possível, numa decisão, dar como provado factos integradores do dolo directo, tal como ele se encontra densificado na lei e condenar o agente, em sede de decisão, por dolo eventual.

O dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo, pode ser definido como “consciência e vontade de realizar o tipo objectivo de um delito[9]

O artigo 14º do Código Penal define as várias formas de dolo, nos seguintes termos: 

      “1. Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.

2. Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.

        3. Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformado com aquela realidade.”

O preceito prevê o dolo nas três formas que o mesmo pode revestir: directo, necessário e eventual.

      O número 1 prevê o dolo directo que corresponde à intenção criminosa de realização do tipo. Nele o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso.

      O número 2 prevê o dolo necessário e existe quando o agente sabe que, como consequência de uma conduta que resolve empreender, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo, apesar disso, de empreender tal conduta.

      O número 3 prevê o dolo eventual e abrange aqueles casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo porém de a empreender, e conformando-se com a produção do resultado.

O dolo, no seu elemento volitivo ou emocional, isto é, intenção do agente, é matéria de facto[10] e deve ser tratada dessa forma, devendo, por isso cada uma das suas formas constar dos factos provados.

Ora, sendo o dolo matéria de facto, no caso dos autos, se o Tribunal entendia que, da prova produzida em audiência, os factos tinham sido praticados pelo arguido a título de dolo eventual, devia ter dado como não provado o dolo directo constante da acusação do Ministério Público e dar como provado o dolo eventual, justificando na fundamentação de facto o porque da não prova do dolo directo e o porquê do dolo eventual fazendo, caso assim entendesse necessário, uma alteração não substancial dos factos.

O que o Tribunal a quo não pode, é dar como provado o dolo directo nos factos provados e depois considerar, na fundamentação de direito, que o arguido cometeu o crime a título de dolo eventual, tanto mais que “(…) as diversas modalidades de dolo envolvem diferentes graus de censurabilidade que o tribunal não pode deixar de ponderar[11].

O Tribunal não pode igualmente dar como provado, ao mesmo tempo e no mesmo processo, sob pena igualmente de contradição insanável, as várias modalidades de dolo.[12]

Atento o que fica dito, facilmente se conclui que o tribunal recorrido deu como provado o dolo directo no número 12 dos factos provados: “ Ao desferir o golpe na zona do tórax de V..., pretendia o arguido matá-la, sabendo que em tal local do corpo estão alojados órgãos vitais” e considerou depois, na fundamentação de direito, o dolo eventual: “(…) considerou a acusação que o arguido, ao desferir a faca no corpo da ofendida como nela vinha descrito, teria pretendido de forma directa atingir mortalmente a ofendida, só não o tendo feito por razões alheias à sua vontade, o que se traduziria num dolo directo – artigo 14º nº 1 do Código Penal. Sucede, porém, que tal não ficou demonstrado, mas sim que o arguido configurou a possibilidade de matar a vítima e se conformou com ela, verificando-se uma situação de dolo eventual e não de dolo directo”, o qual veio a determinar a pena aplicada.

Estamos pois em presença do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto no artigo 410º, nº 2 al. b) do Código de Processo Penal.

A verificação de um dos vícios do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal tem como consequência, se tal for possível, a supressão do mesmo pelo Tribunal de recurso e, em consequência a decisão da causa por esse mesmo tribunal ou, na impossibilidade, a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento na totalidade ou para questões concretas identificadas na decisão de reenvio (artigo 426ª, nº 1).

No caso em apreço, estamos em presença de questão estruturante de todo o processo, sendo, por isso, impossível a este Tribunal de recurso, por força da limitação decorrente da impossibilidade de materialização do princípio da imediação, mesmo estando toda a prova gravada, aferir da modalidade de dolo com que agiu o arguido.

Acresce ainda que havendo decisão deste Tribunal, que se traduziria numa verdadeira decisão ex novo e sendo o arguido condenado a pena inferior a 8 anos, estaria a colocar em crise, verdadeiramente, o segundo grau de jurisdição e em consequência o direito ao recurso estabelecido no artigo 32º, nº 1 da Constituição da República.

Em resumo e por tudo o que fica dito procede a segunda conclusão do recurso do Ministério Público e, em consequência, declara-se verificado o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, anula-se o julgamento e determina-se o reenvio do processo para novo julgamento na totalidade pelo mesmo Tribunal (artigos 426º, nº1 e 426º A, e 40º todos do CPP).

Por razões de inutilidade superveniente e pelo que ficou dito, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas pelo Ministério Público e pelo arguido nos seus recursos.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, anular o julgamento e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento na totalidade pelo mesmo tribunal que efectuou o julgamento anterior.

Sem custas por não serem devidas

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por trinta e cinco, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 27 de Novembro de 2014

Antero Luís

João Abrunhosa

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[1] Neste sentido e por todos, ac. do STJ de 20/09/2006 Proferido no Proc. Nº O6P2267.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-07-2007, processo n.º 07P2279, relatado pelo  Conselheiro Simas Santos in www.dgsi.pt

[3] Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
[4] Veja-se neste sentido acs. do STJ de 17/03/2004 Proc. 03P2612 e 13/07/2005 no Proc. 05P2122 em que foi relator o Conselheiro Henriques Gaspar
[5] Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 471
[6] Registo da Prova em Processo Penal – Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues”, pág. 817
[7] Proc. 733/2000.in www.dgsi.pt
 
[8] Acórdão do STJ de 28/10/1998 no Proc. Nº JSTJ00035662
[9] Francisco Muñoz Conde e Merdes García Arán in Derecho Penal Parte General 7 edição pág. 267.
[10] Neste sentido e por todos, acórdãos do STJ de 3/10/1990, Processo n. 40969 in BMJ 400 pág.268 e de 25/09/97 proc. 479/97 in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do STJ de 11/02/1993, proc. Nº 43146 in www.dgsi.pt
[12] Acórdão do STJ de 07/10/99 Proc. Nº 678/99 in www.dgsi.pt