Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12766/17.4T8LSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
FÉRIAS
RETRIBUIÇÃO
USO LABORAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– Tem natureza retributiva o valor pago pelo empregador aos seus trabalhadores com a retribuição de férias a título de subsídio de refeição, num montante fixo relativo a 21 dias por mês (no valor em 2017 de € 233,10 mensais), há cerca de 40 anos de um modo constante, uniforme, universal e pacífico.
II– Esta qualificação como retribuição ancora-se, quer na presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do CT – uma vez afastada a natureza compensatórias de despesas daquela atribuição patrimonial –, quer em se ter firmado um uso laboral vinculativo e relevante como fonte de direito para efeitos do disposto no artigo 1.º do mesmo Código.
III– O acto de gestão do empregador que se consubstancia na supressão de tal valor remuneratório, quer para o futuro, quer em termos retroactivos ao início do ano então em curso, constitui uma ilícita diminuição unilateral da retribuição devida no âmbito dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores. (Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1. Relatório:


1.1. AAA, intentou a presente acção declarativa comum contra BBB, SA pedindo que seja a R. condenada:
a) a reconhecer que o subsídio pago com a retribuição de férias é parte integrante da retribuição, nos termos do art. 258º e 260º nº 1 al. a) parte final, do Código de Trabalho;
b) a pagar aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio que se venceu, a partir de maio de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento;
c) a pagar a cada um dos seus trabalhadores associados no Sindicato ora A., representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio com a retribuição de férias desde o início do ano de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese: que grande parte dos trabalhadores da R. se encontram filiados no A.; que desde 1977 que o subsídio de refeição atribuído aos trabalhadores da R. é pago mensalmente num montante fixo, 12 vezes por ano à razão de 21 dias, exceptuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivo de baixa médica ou de faltas; que tais valores fazem parte da retribuição, pois pese embora o acordo de empresa sempre referir que o pagamento apenas era devido por cada dia de trabalho efectivo sempre os usos da empresa, há mais de 40 anos, foram no sentido de proceder a tal pagamento independentemente das férias, em que não existe trabalho efectivo, e como se de uma retribuição se tratasse; que no dia 18 de Abril de 2017 a Administração da R., emitiu um comunicado para a “caixa pessoal” de todos os trabalhadores do perímetro doméstico, informando-os que o subsídio de refeição pago 12 meses por ano deixaria de o ser, passando este subsídio a ser retribuído nos termos da cláusula 62.ª do AE, por cada dia de trabalho efectivamente prestado; que em Abril de 2017 foram descontados aos trabalhadores, no seu vencimento, os valores de subsídio de refeição relativos a férias gozadas a partir de Janeiro de 2017 e que estes actos lesam os direitos e garantias dos trabalhadores da Ré e os seus interesses colectivos que cabe ao A. promover e defender.

Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual sustento a sua absolvição do pedido e alegou, no essencial: que o pagamento era efectuado nas férias dos funcionários na medida em que o registo de férias era feito manualmente, em suporte de papel e tal conduzia a uma dificuldade de processamento salarial numa empresa com a dispersão geográfica e dimensão da Caixa; que só em 2000 o sistema informático descentralizado permite efectuar tal registo mas que manteve o pagamento em causa por mera liberalidade; que esta liberalidade teve o seu fim na medida em que existiu necessidade de redução de custos face à situação económica e financeira de grande dificuldade que a R. atravessa; que a prática que existiu teve uma razão de ser, não integra um uso, nem o pagamento a retribuição e, mesmo que integrasse um uso, este não poderia prevalecer sobre as disposições convencionais aplicáveis nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil e que nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis o subsídio de refeição nunca teve natureza retributiva.

Foi proferido despacho saneador e dispensada a realização de audiência preliminar, bem como a fixação de matéria de facto assente e a organização de base instrutória. Fixou-se à causa o valor de € 30.00,01.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, na qual as partes chegaram a acordo quanto a parte da matéria em litígio.

Em 02 de Outubro de 2017, a Mma. Julgadora a quo proferiu sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.

1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão, arguindo no requerimento de interposição de recurso a nulidade da sentença por não se ter debruçado a sentença sobre a aplicação retroactiva da decisão de retirada do subsídio de refeição.

Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões

“1. Após a arguição da nulidade da Sentença, feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, conforme o disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o Recorrente recorre da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, quanto à decisão de Direito que considerou improcedente a presente ação, absolvendo o R. no pedido.
2. O ora Recorrente discorda veementemente da decisão, ora em crise e, salvo o devido respeito, a douta Sentença padece de vários erros de julgamento de direito, bem como faz uma incorreta interpretação e aplicação do direito, no que respeita à fundamentação em que a decisão assentou e ainda padece de contradição entre os fundamentos de direito e a decisão.
3. Relativamente à questão da aplicação retroativa da decisão do Conselho de Administração de retirada do subsídio de almoço nos termos em que nos últimos 40 anos vinha a ser efetivado, constitui uma violação dos direitos adquiridos dos trabalhadores, bem como a violação do princípio da igualdade pondo irremediavelmente em causa estabilidade e segurança jurídica, tutelada pelo princípio da confiança jurídica.
4. O Recorrido violou assim, os princípios constitucionais dos artigos 13.º e 53.º da CRP.
5. O primeiro argumento sustentado pelo Tribunal de 1.ª Instância resulta de um erro de julgamento de direito e numa incorreta interpretação das normas previstas, nos artigos 258.º, n.º 1 e 3 e artigo 260.º, n.º 1, alínea a) do Código de Trabalho.
6. Para se considerar o subsídio de refeição parte integrante da retribuição é necessário que o valor seja pago aos trabalhadores num montante superior àquele que é dito normal e que o critério para se aferir desse montante “normal” é, por regra, o estipulado no Contrato de Trabalho ou em instrumentos de regulamentação coletiva- Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 10/12/2007, processo n.º 0714526.
7. Ora, é facto assente que o Recorrido sempre pagou o subsídio de alimentação num montante fixo 12 vezes por ano à razão de 21 dias (excetuando-se nos dias de baixa médica e outras faltas) ao invés do estipulado no Acordo de Empresa, outorgado entre o Recorrido e o Recorrente (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 4 de 29/01/2016), que contempla na sua cláusula 62.º, n.º 1, que “A todos os trabalhadores é atribuído, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, um subsídio de refeição no valor fixado no Anexo IV, que será pago mensalmente.”
8. Pelo que a Sentença padece de vício de julgamento na aplicação do direito ao concluir que o critério para aferir se o subsídio de refeição constitui parte integrante da retribuição é o quantitativo do montante pago.
9. Assim sendo, na posição da Sentença o montante de 233,10€ mensais, pago 12 vezes por ano não é considerado um valor bastante elevado para ser considerado retribuição.
10. Tal se repugna veementemente e se assim fosse, conduziria a que qualquer entidade patronal pudesse discricionariamente retirar ou descontar da retribuição dos seus trabalhadores valores, desde que não fossem quantias consideradas elevadas. Já nem se pondo em consideração, o cenário “apocalítico” que seria determinar o que é elevado ou não em termos de quantias.
11. Pelo exposto, a Sentença em crise padece de um vício de julgamento ao concluir que o subsídio pago há mais de 40 anos, não integra o conceito de retribuição nos termos e para o efeito do artigo 260.º, n.º 1 alínea a) do CT
12. Relativamente ao 2.º argumento apresentado pelo Tribunal “a quo”, o Recorrente discorda veementemente da fundamentação apresentada, porquanto houve um erro de julgamento na qualificação jurídica e na aplicação do direito.
13. A sentença faz uma interpretação errada do que é retribuição e subsídio de refeição. Não está em causa a natureza do subsídio de refeição, nesse sentido a jurisprudência e doutrina são unânimes, entendendo que o subsídio de alimentação está diretamente ligado à prestação efetiva de trabalho e que será sempre devido nessa medida.
14. Caso bem diferente é o caso em apreço, em que este subsídio assume, efetivamente carácter retributivo, dado que o Recorrido pagou ao longo de 40 anos aos seus trabalhadores com a retribuição de férias, e assim o é nos termos do artigo 258.º, n.º 1 e 3 do CT.
15. Em relação ao 2.º argumento, o Recorrente diverge do estribado na Sentença recorrida, porque seguindo esse raciocínio também a retribuição de férias não deveria ser paga aos trabalhadores, já que não resulta de trabalho efetivo, contrariando expressamente o previsto no artigo 265.º do Código de Trabalho.
16. Deste modo, também este argumento assenta num erro de julgamento, e como foi demonstrado o subsídio pago ao longo de 40 anos, também nas férias, faz parte integrante da retribuição e portanto, não poderia ter sido retirado aos trabalhadores do Recorrido.
17. Com esta decisão o Tribunal violou o princípio da irredutibilidade salarial, prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do CT.
18. A solução dada pelo 3.º argumento apresentado pelo Tribunal “a quo”, é de profunda discordância e estupefação face aos argumentos, já que parece deixar transparecer que finalmente o Tribunal daria provimento à pretensão do ora Recorrido.
19. Assim, o pagamento do subsídio ao longo de 40 anos, pelos “usos” tornou-se uma prática obrigatória e que, por isso não pode ser afastada pelas partes.
20. Desde logo, não só se criaram expetativas juridicamente relevantes que não podem ser frustradas, como se incorporaram na relação contratual e, por isso, são parte integrante da retribuição que não pode ser afastada pelas partes.
21. Os “usos” (fonte de lei) determinados por remissão da lei, nos termos do 260.º n.º 1 alínea a) in fine do CT, são o critério determinante para considerar que o subsídio de alimentação pago no 12.º mês, relativo ao período de férias integra o conceito de retribuição.
22. Não obstante, ao arrepio da consideração do subsídio como parte integrante da retribuição pelos usos, a Sentença concluiu em sentido diverso.
23. Merecendo a nossa maior discordância, porquanto enferma de erro manifesto de julgamento da questão de direito em causa e a desconformidade da Sentença com o direito substantivo aplicável.
24. Ora, invoca-se novamente o argumento utilizado anteriormente, ou seja, apesar de não ser trabalho efetivo o trabalhador recebe como se estivesse em serviço efetivo e o mesmo deverá ser entendido para o subsídio pago nas férias para os trabalhadores do Recorrido.
25. Sublinhe-se porque é este o busílis da questão: o subsídio sempre foi pago em 12 meses, de forma regular e periódica, num montante fixo, durante 40 anos, o que se tornou uma prática obrigatória e que por isso não pode ser afastada pelas partes.
26. Sendo assim, a sua consequência é a proibição da sua retirada, sob pena da violação do princípio da irredutibilidade salarial, de acordo com o artigo 129.º, n.º 1 al. d) do CT.
27. A natureza deste subsídio, pago em 12 meses por ano, num montante fixo e à razão de 21 dias assume contornos especialíssimos e, por isso, deverá ser tratado como tal, não se podendo igualar a outras situações enunciadas, nomeadamente o Acórdão referido na Sentença.
28. Deste modo, ao decidir como decidiu a Meritíssima Juíza “a quo” violou as normas constantes dos artigos 129.º 1, al. d), 258.º, n.º 1 e 3 e 260.º, n.º 1 al. a) todos do Código do Trabalho.29. Ao invés deveria ter considerado o subsídio como parte integrante da retribuição nos termos dos artigos 258.º, n.º 1 e 3 e 260.º, n.º 1 al. a) todos do Código do Trabalho.
30. Relativamente ao 4.º e último argumento, a Sentença Recorrida fez uma incorreta aplicação do direito e por isso o Recorrido não se revê na mesma.
31. É pacífico que os “usos laborais” aqui em causa são fonte de direito, desde que não contrários à boa fé e, no caso em apreço é a própria lei que remete para os mesmos, nos termos do artigo 1.º do CT
32. É igualmente pacífico, na Sentença, que os usos não podem afastar normas legais imperativas, contudo quando as disposições em confronto sejam de natureza dispositiva, podem prevalecer desde que num sentido mais favorável.
33. Com efeito, é o caso do subsídio de refeição, que não é uma norma imperativa, mas sim supletiva. O que significa que, com os usos laborais os trabalhadores do Recorrido adquirem um tratamento mais favorável do que aquele que está previsto no IRCT.
34. Deste modo, prevalecerá os usos sobre o IRCT porque estabelecem um tratamento mais favorável ao trabalhador.
35. Com isto, a Sentença ora em crise manifestamente errou no julgamento, interpretando incorretamente as normas constantes nos artigos 1.º e 3.º do CT, como também há uma clara contradição entre os fundamentos de direito e a decisão, ao entender que o IRCT prevalecia sobre os usos.
36. Pelo exposto, a Sentença ao decidir como decidiu violou as normas constantes nos artigos 1.º, 3.º, 129.º, n.º 1, alínea d), 258.º, n.º 1 e 3, 260.º, n.º 1 a), todos do Código do Trabalho e ainda as normas previstas nos artigos 13.º e 53.º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser concedido provimento ao presente Recurso, devendo ser revogada a douta Sentença e, em consequência, dando integral satisfação ao pedido deduzido pelo Recorrente. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

1.3. O R. apresentou resposta às alegações, defendendo que o recurso seja totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Concluiu que:

“1. A douta sentença recorrida não merece a censura que lhe faz o Recorrente.
2. A Meritíssima Juiz a quo fez uma correcta aplicação do direito aos factos provados, não merecendo por isso a censura feita pelo Recorrente.
3. O subsídio de refeição não constitui contrapartida da prestação de trabalho, servindo, antes, para compensar o trabalhador pela necessidade de tomar as refeições fora do seu domicílio, não integrando, por isso, como bem anotou a Meritíssima Juiz a quo, a noção de retribuição ínsita no n.º 1 do artigo 258.º do Código do Trabalho.
4. O subsídio de refeição nunca teve natureza retributiva, tal como as Partes (Recorrente e Recorrida) fizeram constar dos Acordos de Empresa que outorgaram, como decorre com evidência da cláusula 50.ª, n.º 4, alínea h), do Acordo de Empresa em vigor.
5. Como também pôde sublinhar a Meritíssima Juiz a quo, o valor do subsídio pago não excede o montante normal para uma refeição.
6. E também não pode ser tido por retribuição por não resultar de um uso, pelo menos válido, pois, como se disse já nestes autos, e resultou da prova produzida: “O pagamento do subsídio de refeição pela Ré, nos termos em que vinham sendo feitos, decorreu das dificuldades de processamento salarial, numa Empresa com a dimensão e dispersão geográfica da Caixa, face à tecnologia então disponível” – facto m).
7. E: “Só a partir de 2000 com a entrada em produção de uma aplicação de registo descentralizado de ausência no novo sistema informático – Meta 4 – é que o processo foi desmaterializado, ficando assim automatizado.” – facto o).
8. E ainda que: “Desde 2000 até á data mencionada em d) dos factos assentes a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço.” – facto p).
9. A prática seguida pela Recorrida teve num primeiro momento uma causa específica que, como se viu, teve origem na dificuldade operacional de contabilizar os dias de ausências dos trabalhadores em férias.
10. Sendo mantido tal procedimento, a partir do ano de 2000, por mera liberalidade da Recorrida.
11. A liberalidade em causa, embora praticada por longo período de tempo pela Recorrida, não constitui qualquer uso laboral, por ter uma causa específica que, como se viu, teve origem na dificuldade operacional de contabilizar os dias de ausências dos trabalhadores.
12. A prática seguida pela Caixa, constituindo uma efectiva liberalidade, no contexto de dificuldade económica e financeira que a Recorrida atravessa, tornou-se impraticável, o que justificou a sua cessação, também por operacionalmente não se levantarem os obstáculos com que, no passado, a Recorrida se deparava.
13. Ficou também provado que: “A medida tomada em d) dos factos assente resultou da necessidade de redução de custos face à situação económica e financeira que a R. atravessa.” – facto q).
14. A cessação da prática seguida pela Recorrida teve, também ela, uma causa específica e justificadora.
15. Como também se concluiu na douta sentença recorrida, mesmo que tal prática fosse tida como um uso laboral, o mesmo também não seria atendível pois seria contrário às disposições convencionais aplicáveis.
16. De acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil, “As normas corporativas prevalecem sobre os usos.”.
17. Entendimento que é acolhido na Jurisprudência, i.a, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/09/2007, disponível in www.dgsi.pt.
18. Também a Doutrina sublinha esta prevalência, como faz Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16.ª Edição, pág.ª 98, onde escreve: “Mas é preciso assinalar que o art. 3º/1 CCiv, considera, ele também, “atendíveis” os usos não contrários aos princípios da boa fé, “quando a lei o determine”. A relevância dos usos depende, aí, de remissão legal. Neste sentido, pode dizer-se que o uso preenche um dos sentidos normativos possíveis (ou um elemento do critério de valoração) que uma disposição legal compreende. Porém, o n.º 2 do mesmo artigo coloca os usos em posição subordinada às “normas corporativas”, que, em leitura actualizada, correspondem às convenções colectivas de trabalho. Nestes termos, os usos aparecem como fonte mediata de direito: a solução de casos concretos com base neles depende de expressão remissão legal e da não contrariedade de disposição convencional colectiva.”
19. O subsídio de almoço/refeição sempre esteve previsto em IRCT, primeiro, como se viu, no CCT do Sector Bancário que, posteriormente, veio a transformar-se em Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário,
20. Mais tarde, no caso da Recorrida e do Recorrente, pelos Acordos de Empresa publicados no no BTE, n.º 15, 1.ª série, de 22//04/2005 (cl.ª 63.ª), com as alterações publicadas no BTE, n.º 47, 1.ª série, de 22/12/2007 (cl.ª 63.ª), no BTE, n.º 47, 1.ª série, de 22/12/2007 (cl.ª 62.ª), no BTE nº 14, 1ª série, de 15/04/2011 (apenas tabela salarial e cláusulas de expressão pecuniária), com as recentes alterações publicadas no BTE, n.º 4, de 29/01/2016 (cl.ª 62.ª), com publicado do texto consolidado.
21. Pelo que ainda que a prática seguida na Recorrida constituísse um uso, este não seria atendível.
22. O subsídio de refeição não tem carácter retributivo, por não constituir contrapartida da prestação de trabalho e porque foi assim que o Recorrente e a Recorrida expressamente configuraram, presentemente, no Acordo de Empresa em vigor, pelo que a alteração operada pela Recorrida não fere o princípio da irredutibilidade da retribuição.
23. O pagamento do mesmo subsídio de refeição, nos moldes que vinham a ser praticados pela Recorrida, não constitui qualquer uso laboral mas sim uma prática decorrente da dificuldade de processamento salarial, numa Empresa com a dimensão e dispersão geográfica da BBB, face à tecnologia então disponível, como acima se expôs, mantida, a partir de 2000, por mera liberalidade da Recorrida.
24. A prática seguida pela BBB constitui uma efectiva liberalidade que, no contexto de dificuldade económica e financeira que a Recorrida atravessa, se tornou impraticável, o que justificou a sua cessação, também por operacionalmente não se levantarem os obstáculos com que, no passado, a Recorrida se deparava.
25. Mesmo que se considerasse que tal prática constituía um uso laboral – o que não se aceita -, esse uso não prevalece sobre as normas corporativas, o que, numa interpretação actualista do n.º 2 do artigo 3.º do Código Civil, corresponde a normas de convenções colectivas de trabalho, verificando-se que a BBB, no que respeita ao subsídio de refeição, está a cumprir escrupulosamente as obrigações que decorrem do Acordo de Empresa em vigor.
26. A douta sentença recorrida não merece, assim, a censura que lhe faz o Recorrente, devendo, antes, ser confirmada nesta sede de Apelação.
27. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, a Recorrida impugna, por cautela, a matéria de facto, nos termos acima expressos e que aqui se dão por reproduzidos.
28. A propósito do facto p), como acima se disse, foi entendimento da Meritíssima Juiz a quo que embora a prova testemunhal tivesse comprovado a explicação para a manutenção do pagamento, que decorreu de mera liberalidade da Recorrida, tal matéria constituiria uma conclusão que caberia retirar em sede decisória.
29. Face a tal entendimento, e antecipando que tal matéria possa ser tida, em sede desta Apelação, como matéria de facto que deveria ser levada aos factos provados, a Recorrida, por cautela, requer a ampliação do objecto de recurso de modo a que o facto p) seja aditado dessa factualidade por a mesma ter sido objecto de prova testemunhal.
30. Pois, sobre esta matéria foi relevante o que disse a testemunha (...), cujo depoimento ficou gravado no suporte do dia 28/09/2017, às 10:11, na pare acima transcrita e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
31. O facto constante do ponto p) deve ser alterado passando a ter a seguinte redacção: “Desde 2000 até á data mencionada em d) dos factos assentes a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço, o que decorreu de decisão de moto proprio da Recorrida sem qualquer negociação.”
32. De onde se conclui que a decisão de manter o pagamento nos termos que vinham sendo feitos decorreu de mera liberalidade da Recorrida.
33. A douta sentença recorrida deve, por isso, ser inteiramente confirmada, negando-se provimento à presente Apelação.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso, se necessário ampliando-se o objecto do recurso nos termos requeridos, mantendo-se a douta sentença recorrida, com o que farão V. Exas. JUSTIÇA.”

1.4. O recurso foi admitido, pronunciando-se o tribunal a quo  no sentido de que não se verifica a invocada nulidade por omissão de pronúncia, quanto à argumentação jurídica sobre a aplicação retroactiva da retirada do subsídio de alimentação.

1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de que a sentença merece ser confirmada.

Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                               2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – da nulidade da sentença;
2.ª – de saber se sobre a R., ora recorrida, impende a obrigação de efectuar o pagamento do valor do subsídio de refeição relativo a 21 dias úteis com a retribuição de férias dos seus trabalhadores com contrato individual de trabalho;
3.ª – em caso negativo, e assistindo razão à R. quanto à retirada do subsídio, saber se a R. podia reaver os valores já pagos a esse título com as férias gozadas entre Janeiro e Abril de 2017 e que foram descontados aos trabalhadores a partir do vencimento do mês de Abril de 2017.
Para a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente, cabe ainda apreciar a ampliação do objecto do recurso deduzida pela recorrida, a qual se cinge à impugnação da decisão de facto quanto à alínea p) da matéria de facto provada (cfr. o artigo 636.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho).
                                                                                                               *
3. Fundamentação de facto

*
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:

«[...]

a) Os trabalhadores da R. estão sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho, exceto os que se encontravam ao serviço da R. à data em entrada em vigor do DL 287/93 e que não optaram por tal regime;
b) Tendo a R. trabalhadores com o regime de contrato administrativo de provimento e de contrato individual de trabalho;
c) Desde 1977 que a R. procede ao pagamento aos seus trabalhadores do subsídio de refeição, num montante fixo mensal, pago doze vezes por ano, e à razão de 21 dias, exceptuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivos de baixa médica ou de faltas;
d) No dia 18 de Abril de 2017 a administração da R. emitiu um comunicado, via internet, para a “caixa pessoal” de todos os trabalhadores do perímetro domestico, informando-os que o subsídio de refeição pago 12 meses por ano deixaria de o ser, passando a ser retribuído nos termos da cláusula 62ª do AE, ou seja, “pago por cada dia de trabalho efectivo”;
e) Mais referiu que “a partir do processamento do vencimento do mês de abril, os valores correspondentes ao subsídio de refeição recebidos nos dias de férias gozados desde o início de 2017, serão deduzidos mensalmente e em partes iguais, até ao final do ano em curso, por forma a mitigar o impacto do ajustamento destes meses. A partir de maio, já se processará o subsídio de refeição nos termos acima indicados, deixando de ser processados os subsídios de refeição respeitantes às férias gozadas em cada mês. Esta alteração será aplicada a todos os colaboradores do Grupo … (perímetro doméstico).”
f) No vencimento do mês de Abril de 2017foram já descontados os valores do vencimento dos trabalhadores que gozaram férias a partir de janeiro de 2017;
g) O referido subsídio cifra-se em €233,10 mensais;
h) Foram feitos em Abril os acertos relativamente aos dias efetivos de trabalho de cada mês, ou seja, como entre Janeiro e Março foram pagos 21 dias, foi efetuado o acerto face aos dias úteis de cada um desses meses;
i) No mês de Abril foi pago o subsídio de refeição em função dos dias úteis desse mês;
j) No mês de Abril foi deduzido o subsídio de refeição relativamente aos dias de férias gozados entre Janeiro e Abril, independentemente de respeitarem a férias vencidas em 01/01/2017 ou de anos anteriores;
k) O acerto da reposição do subsídio de refeição quanto aos dias de férias gozados entre Janeiro e Abril está a ser processado em 9 prestações mensais, ou seja entre Abril e Dezembro de 2017;
l) A partir de Maio são pagos os dias efetivos de trabalho (descontando férias e outras ausências);
m) O pagamento do subsídio de refeição pela Ré, nos termos em que vinham sendo feitos, decorreu das dificuldades de processamento salarial, numa Empresa com a dimensão e dispersão geográfica da Caixa, face à tecnologia então disponível;
n) O registo das ausências por férias, com base em suporte de papel e registo manual e a impossibilidade de desenvolver sistemas de processamento automático, conduziram a que fosse mantido o sistema de pagamento de subsídio de refeição numa base mensal fixa;
o) Só a partir de 2000 com a entrada em produção de uma aplicação de registo descentralizado de ausências no novo sistema informático – Meta 4 –, é que o processo foi desmaterializado, ficando assim automatizado;
p) Desde 2000 até à data mencionada em d) dos factos assentes a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço;
q) A medida tomada em d) dos factos assentes resultou da necessidade de redução de custos face à situação económica e financeira que a R. atravessa.
[...]»
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4. Fundamentação de direito
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4.1. O recorrente invoca que a sentença da 1.ª instância é nula nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código do Processo Civil, porquanto o tribunal não se pronunciou sobre uma das questões nucleares suscitada pelo A.: o pedido constante da alínea c) da parte final da petição inicial, de condenação da R. a pagar aos seus trabalhadores os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, relativos ao subsídio e refeição pago com as férias gozadas entre Janeiro e Abril de 2017 e que lhe foram descontados a partir do vencimento do mês de Abril de 2017.

A nulidade por omissão de pronúncia prevista no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, consiste no incumprimento do dever que ao juiz incumbe de, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, bem como aquelas cujo conhecimento oficioso lhe seja imposto por lei - artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

A questão de saber se era lícito à R. descontar a partir de Abril de 2017 montantes já pagos aos trabalhadores desde o início do ano a título de subsídios pagos com a retribuição de férias era, na 1.ª instância, uma questão controvertida a cuja análise a sentença efectivamente não procedeu.

E não a abordou sem que diga, sequer, que a mesma se encontrava prejudicada pela solução dada ao litígio essencial que envolvia as partes e que consistia em saber se a decisão da R. comunicada em 2017.04.18 no sentido de passar a processar o subsídio de refeição por cada dia de trabalho efectivamente prestado nos termos do Acordo de Empresa, era, ou não, desconforme com o princípio legal da irredutibilidade da retribuição.

Sendo certo que, objectivamente e perante os contornos da petição inicial – perante os diferentes pedidos e causas de pedir nela enunciadas – a questão relacionada com a retirada retroactiva das referidas atribuições patrimoniais através de compensação com valores devidos no futuro constituía questão distinta da relacionada com o princípio legal da irredutibilidade da retribuição.

E constituía uma questão que se mantinha de pé ainda que se julgasse, como aconteceu, que a R. não violou esse princípio legal.
Com efeito, de acordo com a alegação do A. constante da petição inicial, mesmo que à R. assistisse razão quanto à retirada do subsídio, não poderia reaver os valores já pagos a esse título por, na perspectiva do A., tal violar os princípios da confiança e segurança jurídica, bem como a proibição da retroactividade e efeitos de uma decisão (artigos 48.º e ss. da petição inicial).

Ora a este propósito a sentença considerou provados os factos constantes nas alíneas h) j) e k) – “h) Foram feitos em Abril os acertos relativamente aos dias efectivos de trabalho de cada mês, ou seja, como entre Janeiro e Março foram pagos 21 dias, foi efetuado o acerto face aos dias úteis de cada um desses meses; j) No mês de Abril foi deduzido o subsídio de refeição relativamente aos dias de férias gozados entre Janeiro e Abril, independentemente de respeitarem a férias vencidas em 01/01/2017 ou de anos anteriores; k) O acerto da reposição do subsídio de refeição quanto aos dias de férias gozados entre Janeiro e Abril está a ser processado em 9 prestações mensais, ou seja entre Abril e Dezembro de 2017” – mas é absolutamente silente quanto ao enquadramento jurídico destes factos que julgou provados, ou seja, quanto à licitude, ou ilicitude, da aplicação retroactiva da medida adoptada pela R..

Nada justifica este silêncio da sentença sobre o pedido formulado na alínea c) da petição inicial, que subsiste sem resposta judicial, pelo que padece a mesma da nulidade que lhe foi assacada, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.  

Consequentemente cabe a este tribunal, nos termos do artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, conhecer esta questão que deixou de ser conhecida pelo tribunal recorrido, uma vez que os autos fornecem para tanto todos os elementos necessários.

Afigura-se-nos desnecessário ouvir de novo as partes, nos termos previstos no n.º 3 daquele artigo 665.º, dado que a omitida apreciação constitui uma das vertentes em que o A. sustenta a sua apelação, nela esgrimindo a argumentação que entendeu pertinente quanto à solução jurídica a dar a esta questão [vide as conclusões 1. a 4. da apelação], pelo que as partes tiveram ampla oportunidade de sobre tal matéria se pronunciarem, constituindo a decisão a proferir a consequência natural do conhecimento cabal do objecto do recurso.

Será assim oportunamente enfrentada a terceira questão enunciada de saber se a R. podia reaver os valores já pagos a título de subsídio de refeição com as férias gozadas entre Janeiro e Abril de 2017 e que foram descontados aos trabalhadores a partir do vencimento do mês de Abril de 2017, cuja apreciação autónoma depende de uma resposta negativa à segunda questão enunciada.
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4.2. Entramos a este passo na questão essencial a decidir no presente recurso, que consiste em saber se sobre a R., ora recorrida, impendia a obrigação de efectuar o pagamento do valor do subsídio de refeição relativo a 21 dias úteis com a retribuição de férias dos seus trabalhadores com contrato individual de trabalho e se violou o princípio da irredutibilidade da retribuição com a supressão dessa atribuição patrimonial a partir do ano de 2017.

4.2.1. A sentença recorrida, abordando esta questão e expondo o regime jurídico da retribuição e do subsídio de alimentação, julgou improcedente a pretensão do autor por considerar, essencialmente: que o subsídio de refeição pago aos trabalhadores num montante fixo, 12 vezes por ano e 21 dias por mês (no valor de € 233,10 mensais), com excepção dos dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivos de baixa médica ou de faltas, não pode ser considerado retribuição porque o valor pago não excede excessivamente o montante considerado normal; que o referido subsídio não constitui retribuição pois não é contrapartida da prestação de trabalho nem da disponibilidade laboral, que inexiste nas férias; e que a prática de pagar aos trabalhadores o subsídio de alimentação num montante fixo, 12 vezes por ano e 21 dias por mês, poderia constituir um uso laboral, mas, por um lado o subsídio de almoço não é devido durante as férias e, por outro, as normas corporativas prevalecem sobre os usos, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que este uso não é atendível.
Desta decisão discorda o recorrente alegando, em suma, que a sentença padece de um vício de julgamento ao concluir que o subsídio pago há mais de 40 anos com a retribuição de férias, não integra o conceito de retribuição nos termos e para o efeito do artigo 258.º, n.º 1 e n.º 3 e 260.º, n.º 1 alínea a) do CT, que o mesmo não poderia ter sido retirado aos trabalhadores do recorrido, pelo que o Tribunal violou o princípio da irredutibilidade salarial, prevista no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do CT e que a sentença errou no julgamento, interpretando incorrectamente as normas constantes nos artigos 1.º e 3.º do CT, ao entender que o instrumento de regulamentação colectiva prevalecia sobre os usos.
Vejamos.
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4.2.2. Não se encontra estabelecido na lei geral do trabalho o direito à percepção do subsídio de refeição. Assim era no âmbito do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), e continua a ser à luz dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009.
É todavia consensual que o subsídio de refeição visa compensar o trabalhador pela necessidade de tomar as refeições fora do seu domicílio nos dias em que presta trabalho, minorando as despesas que ele normalmente tem que suportar com a aquisição de tais refeições. Como diz Monteiro Fernandes[1] constitui o mesmo uma prestação de natureza “assistencial”, visando as numerosíssimas situações laborais em que o retorno do trabalhador a sua casa no intervalo de descanso não se mostra viável.

Esta prestação é geralmente atribuída em instrumento de regulamentação colectiva, sendo que quanto à ora recorrida o Contrato Colectivo de Trabalho das Instituições de Crédito publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 18, de 15 de Maio de 1978, por si subscrito, previa na sua cláusula 99.ª o pagamento de subsídio de almoço por cada dia de trabalho efectivamente prestado.

Mais tarde, as partes desta acção vincularam-se através de Acordos de Empresa que, todos eles, previam um subsídio de natureza similar – publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, 1.ª série, de 22 de Abril de 2005 (cl.ª 63.ª), com as alterações publicadas no BTE, n.º 47, 1.ª série, de 22 de Dezembro de 2007 (cl.ª 63.ª), no BTE, n.º 47, 1.ª série, de 22 de Dezembro de 2007 (cl.ª 62.ª), no BTE nº 14, 1ª série, de 15 de Abril de 2011 (apenas tabela salarial e cláusulas de expressão pecuniária), com as recentes alterações publicadas no BTE, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2016 (cl.ª 62.ª), com publicação do texto consolidado.

Atenta a sua função compensatória, o subsídio de refeição mostra-se geralmente previsto para ser pago nos dias úteis de trabalho, tal como ocorre com a cláusula 62.ª, n.º 1, do Acordo de Empresa subscrito pelas partes, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 4 de 2016, segundo a qual, aos trabalhadores “é atribuído, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, um subsídio de refeição no valor fixado no anexo IV, que será pago mensalmente.”
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4.2.3. E poderá o mesmo qualificar-se como retribuição, bem como merecer a tutela dos artigos 258.º, n.º 4 e 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho?

4.2.3.1. De acordo com o artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009, que enuncia os ali denominados “princípios gerais sobre a retribuição”, considera-se retribuição a prestação que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho (n.º 1). No conceito compreende-se a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (nº2), presumindo a lei que constitui retribuição “qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (nº 3).

Estes “princípios gerais da retribuição” eram enunciados de modo similar, nos artigos 82.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) e 249.º do Código do Trabalho de 2003.

Em todos os regimes – artigos 82.º, n.º 3, da LCT, 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009 –, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de factos susceptíveis de afastar a sua natureza retributiva (artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).

Nos termos do artigo 260.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não se consideram retribuição “[a]s importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador” [alínea a)]. De acordo com o disposto no n.º 2, do mesmo preceito, o estabelecido no seu n.º 1 é aplicável, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.

Os artigos 260.º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003 e 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho de 2009 vieram dispor de forma essencialmente idêntica ao que já dispunha o artigo 87.º da LCT, e equipararam expressamente o subsídio de refeição e o abono para falhas às ajudas de custo nos respectivos n.ºs 2, assim retirando a estas prestações a natureza jurídica de retribuição[2].
Assim, à luz da legislação codicística, o subsídio de alimentação, embora assuma, na maior parte dos casos, natureza regular e periódica, não constitui, em princípio, retribuição, o que bem se compreende na medida em que traduz a assunção pelo empregador das despesas com a alimentação em que o trabalhador incorre por causa da prestação do trabalho.

Nestas situações, embora verificando-se a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constitui retribuição, justamente porque tem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho. Como observam Jorge Leite e Coutinho de Almeida, “tais importâncias não visam pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade para o trabalho e não representam qualquer ganho efectivo do trabalhador, não sendo, por isso, retribuição[3]. Trata-se, apenas, de ressarcir o trabalhador de despesas que este suporta em virtude da prestação do trabalho[4]
 
Por isso se compreende a excepção à excepção estabelecida na parte final da norma, que confere qualificação retributiva à parte das importâncias em causa que exceda os montantes normais das deslocações ou despesas que visa ressarcir, se aquelas importâncias foram previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.

De acordo com o disposto no artigo 260º, nº 2 e nº 1, al. a), parte final, será considerada retribuição a parte do subsídio de refeição:

- que se demonstre exceder os respectivos montantes normais:
- que traduza uma despesa frequente; e
- se a respectiva importância for prevista no contrato ou deva considerar-se, pelos usos, elemento integrante da retribuição.

Deste regime deduz-se que o subsídio de refeição, não tem, em princípio, carácter retributivo.

Não integra, por um lado, a noção de retribuição ínsita no n.º 1 do artigo 258.º do Código do Trabalho, na medida em que não constitui contrapartida da prestação de trabalho

E enquadra-se, por outro lado, no rol de prestações que o artigo 260.º do mesmo diploma exclui, à partida, da qualificação retributiva, atenta a sua função compensatória de despesas.

4.2.3.2. Em conformidade com este enquadramento legal dos artigos 258.º e 260.º, n.º 1, alínea a), ex vi do n.º 2 do mesmo preceito, ambos do Código do Trabalho e com a finalidade geralmente associada a tal pagamento, a cláusula 50.ª, n.º 4, alínea h), do Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 4 de 2016, inclui o subsídio de refeição nas prestações de natureza pecuniária que não constituem retribuição.

E por isso também dispõe na sua cláusula 62.ª que “[a]todos os trabalhadores é atribuído, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, um subsídio de refeição no valor fixado no Anexo IV, que será pago mensalmente”.

Mas, por força do disposto no artigo 260.º do Código do Trabalho, caso o trabalhador alegue e prove factos demonstrativos de que o respectivo valor é pago com frequência, excede o montante normal e foi previsto no contrato ou resulta dos usos que constitui elemento integrante da sua retribuição (factos constitutivos do direito que se arroga – cfr. o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil), o subsídio de refeição terá carácter retributivo na medida daquele apurado excesso[5] e esse segmento beneficia da protecção legal da retribuição, vg. do princípio da irredutibilidade.

4.2.3.3. Em face da factualidade apurada, não se verifica, a nosso ver, o circunstancialismo previsto na última parte do n.º 1 do artigo 260.º do C.T. no que diz respeito ao subsídio de refeição que ao longo do ano era pago aos trabalhadores da recorrida representados pelo recorrente, nos dias úteis de trabalho.

Na verdade, ficou provado que desde 1977 que a R. procede ao pagamento aos seus trabalhadores do subsídio de refeição, num montante fixo mensal, pago doze vezes por ano, e à razão de 21 dias e que o referido subsídio se cifra em € 233,10 mensais [factos c) e g)], ou seja, corresponde ao montante diário de € 11,10 (€ 233,10 : 21).

Verifica-se pois que o valor diário pago a título de subsídio de refeição coincide com o montante de subsídio de refeição estipulado no AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 4 de 29 de Janeiro de 2016 – no valor diário de € 11,10 (anexo IV ao AE )

Ora, cabendo aferir para estes efeitos se o pagamento se limita ao montante necessário (normal) para cobrir a despesa diária suportada pelos trabalhadores com a refeição, ou vai além dela[6], o facto de a recorrida pagar a esse título o exacto valor determinado pelo AE significa que teve por referência o estipulado no referido instrumento de regulamentação colectiva como sendo o montante normal que deveria pagar para compensar as despesas acrescidas que os trabalhadores suportam com a refeição fora de casa por causa da prestação de trabalho quando se encontram ao serviço da recorrida.

Coincidindo, assim, o valor pago com o valor que as partes do instrumento de regulamentação colectiva entenderam fixar para estes efeitos no ano em causa, é de considerar que não está demonstrado que o subsídio pago excedia “os respectivos montantes normais” com as despesas de refeição.

É pois manifesto que nos dias úteis de trabalho, não pode dizer-se que os subsídios de refeição pagos pela recorrida aos trabalhadores representados pelo recorrente se integrem no conceito de retribuição, na medida em que a excepção à excepção consignada na segunda parte da alínea a) do artigo 260.º, n.º 1 do Código do Trabalho pressupõe que uma parte da atribuição patrimonial em causa exceda o montante normal das despesas do trabalhador que visa compensar, o que não resulta dos factos provados.

Não estando demonstrado qualquer excesso no subsídio diariamente pago, tanto basta para que não se lhe possa descortinar uma feição retributiva à luz do artigo 260.º do Código do Trabalho.

4.2.3.4. E quanto aos dias de férias em que, como se viu, a ora recorrida empregador pagou ao longo de cerca de 40 anos o mesmo subsídio de alimentação em 21 desses dias?

4.2.3.4.1. De acordo com o artigo 264.º, n.º 1, do Código do Trabalho, “[a] retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo”.

Assim, quanto à retribuição de férias, o legislador consagrou o chamado “princípio da não penalização retributiva”. Como diz o Professor João Leal Amado, “ainda que o contrato de trabalho se apresente, indiscutivelmente, como um contrato bilateral, marcado pelo sinalagma entre trabalho e retribuição, o certo é que o período de inactividade produtiva correspondente às férias não deverá ter qualquer impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador[7].

O preceito é praticamente idêntico ao do Código do Trabalho de 2003 (artigo 255.º) e ao da Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro (artigo 6.º) que anteriormente regia sobre esta matéria, sendo pacífico o entendimento de que a retribuição em férias não compreende as prestações atribuídas ao trabalhador para o compensar de despesas que tenha que realizar por não se encontrar no seu domicílio, ou por ter que se deslocar deste e para este para executar o contrato de trabalho. Não se verificando tais circunstâncias em tempo de férias, não são devidas na retribuição respectiva os valores que visam compensar as inerentes despesas, como acontece com o subsídio de refeição (e também, por idênticas razões, com o subsídio de transporte, abonos de viagem ou abonos para falhas)[8].

Recorde-se que o subsídio de alimentação não constitui contrapartida do trabalho prestado fora dos períodos de férias e, muito menos, no decurso destas – pelo que não se integra na hipótese do artigo 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho –, e que a sua natureza retributiva se mostra expressamente excluída pela alínea a) do n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho, conjugada com o número 2 do mesmo preceito, quando as importâncias pagas não excedam os respectivos montantes normais, como acontece in casu

É pois manifesto que da lei não decorre a obrigatoriedade do pagamento de quaisquer valores a título de subsídio de alimentação com a retribuição de férias.

E o mesmo sucede com o instrumento de regulamentação colectiva aplicável, cuja cláusula 62.ª é clara quanto à circunscrição da obrigação de pagamento do subsídio de alimentação aos dias úteis de trabalho.

4.2.3.4.2. Uma vez assente que o subsídio de alimentação não é devido na retribuição de férias (à luz da lei e do AE aplicável), um outro aspecto é importante abordar, atentos os contornos do caso sub judice.

É que os valores em causa pagos aos trabalhadores representados pela recorrida sob este título de subsídio de alimentação o são no período de férias, pelo que não se destinam, nem total, nem parcialmente, a compensar uma qualquer despesa que os trabalhadores tenham que suportar em virtude da prestação de trabalho, designadamente com refeições.
 
Com efeito, e por definição, constituindo o tempo de férias um tempo de não trabalho, em que a prestação laboral se interrompe para o repouso anual do trabalhador, este não incorre em quaisquer despesas acrescidas com a alimentação diária fora de casa por causa da prestação de trabalho.

E, assim, apesar do nomen que mantém no período de férias, o pagamento a que a R. procede aos seus trabalhadores do denominado subsídio de refeição doze vezes por ano, à razão de 21 dias, num montante fixo mensal de € 233,10 [alíneas c) e g) dos factos provados] descaracteriza-se enquanto pagamento de subsídio de refeição no período de gozo das férias anuais de cada trabalhador[9].

Em tal período, o valor pago sob o título formal de subsídio de refeição não visa compensar qualquer despesa com alimentação, ou outra, que o trabalhador necessite de suportar em virtude de uma inexistente prestação de trabalho.

E, assim, consistindo numa atribuição patrimonial que não tem correspondência com o nomen atribuído, há que convocar a presunção prevista no n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho de que toda e qualquer prestação efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui retribuição.

No período de férias, além das prestações retributivas que o trabalhador receberia se trabalhasse normalmente nesse período nos termos do artigo 264.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a recorrida procedia ainda ao pagamento aos seus trabalhadores do valor mensal de € 233,10 sem que tal pagamento se destinasse a compensar qualquer despesa, pelo que se mostra esta atribuição patrimonial submetida à indicada presunção ilidível de que constitui retribuição.

Precise-se que a remuneração do período de férias tem carácter retributivo, sendo pacífico que integra a contrapartida anual do trabalho prestado pelo trabalhador ao longo do ano, pelo que se nos afigura não suscitar quaisquer dúvidas a aplicabilidade da presunção legal estabelecida no n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho a esta mensalidade remuneratória que tem por referência a escala do ano civil.

4.2.3.4.3. Analisando a factualidade apurada, podemos adiantar que a recorrida BBB, S.A. não ilidiu tal presunção retributiva, pois que não demonstrou factos susceptíveis de levar a concluir que o pagamento do denominado subsídio de refeição de que os seus trabalhadores beneficiam desde 1977, a par da retribuição de férias, se reveste de distinta natureza e designadamente que, tal como alega, consistia numa mera liberalidade (cfr. os artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

É certo que as meras liberalidades, os valores atribuídos com animus donandi, não constituem, em princípio, fundamento de qualquer expectativa legítima de ganho e podem não gerar obrigações para o empregador.

É aliás fundamental, para traçar o âmbito do débito patronal, separar a obrigação (por força da lei, do contrato do instrumento de regulamentação colectiva ou dos usos) da liberalidade, o devido do facultativo. Isto porque só o devido traça o âmbito da irredutibilidade que, nos termos do artigo 129.º do Código do Trabalho, protege a retribuição do trabalhador e a torna insusceptível de modificação unilateral pelo empregador.

Mas no caso em análise não vemos como possam qualificar-se como liberalidade os pagamentos em causa, não sendo aptos a tanto os factos que se provaram de que:

“m) O pagamento do subsídio de refeição pela Ré, nos termos em que vinham sendo feitos, decorreu das dificuldades de processamento salarial, numa Empresa com a dimensão e dispersão geográfica da Caixa, face à tecnologia então disponível;
n) O registo das ausências por férias, com base em suporte de papel e registo manual e a impossibilidade de desenvolver sistemas de processamento automático, conduziram a que fosse mantido o sistema de pagamento de subsídio de refeição numa base mensal fixa;
o) Só a partir de 2000 com a entrada em produção de uma aplicação de registo descentralizado de ausências no novo sistema informático – Meta 4 –, é que o processo foi desmaterializado, ficando assim automatizado;”

Se estes factos demonstram que a prática seguida pela recorrida teve num primeiro momento uma causa concreta – a dificuldade operacional de contabilizar os dias de ausências dos trabalhadores em férias –, nada mais demonstram, designadamente no sentido de que a manutenção de tal procedimento a partir do ano de 2000 ocorreu por mera liberalidade da recorrida, tal como a mesma alegou na sua contestação e veio reiterar no recurso.

Designadamente nada se provou no sentido de que o empregador tenha comunicado aos trabalhadores que os valores de subsídio de refeição pagos com a retribuição de férias lhes eram atribuídos a partir de 2000 com um tal animus donandi (para premiar ou presentear os trabalhadores por um qualquer motivo que se não demonstrou) e de que os trabalhadores disso estivessem cientes, o que se nos afigura imprescindível que tivesse ocorrido, em conformidade com o dever geral de boa fé previsto no artigo 126.º do Código do Trabalho, sob pena de, sem informação do empregador em sentido distinto, valer a presunção retributiva prevista no n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho para toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Considerando que o empregador não podia desconhecer, quer que pagava aquele valor (não despiciendo) com a retribuição de férias, quer que, nem a lei, nem o AE lhe impunham que procedesse ao pagamento de subsídio de refeição no referido período, quer que em tal período inexistiam despesas do trabalhador a compensar a este título, quer que, por isso mesmo, os valores pagos nada tinham a ver com a função de um subsídio de refeição, e, ainda assim, persistiu no seu pagamento desde 1977 ao longo de cerca de 40 anos, sem praticar qualquer acto susceptível de tornar os trabalhadores cientes, designadamente a partir de 2000, de que o fazia como uma mera liberalidade, é de presumir que as inerentes prestações constituem retribuição.

Aliás, deve dizer-se que se nos afigura desde logo discutível que a dificuldade operacional de contabilizar os dias de ausências dos trabalhadores que se verificou entre 1977 e 2000 seja susceptível de, de algum modo, indiciar perante os trabalhadores que os pagamentos dos valores de subsídios de refeição com a retribuição de férias constitui uma liberalidade. Se o empregador não enfrentou tal dificuldade – ao invés do que fez no que diz respeito às faltas por motivo de doença ou outro [facto c)] – e pagou sempre nas férias os valores equivalentes ao subsídio de refeição por reporte a 21 dias, cremos que tal prática é susceptível de criar nos trabalhadores uma expectativa legítima de que o valor pago era devido a título de retribuição. Sem outros elementos indiciadores de que se tratava de uma liberalidade, naturalmente que tal prática é susceptível de criar nos trabalhadores a convicção de que perceberiam o valor inerente ao subsídio em causa independentemente de estarem, ou não, a trabalhar.

E quanto ao período que decorreu entre 2000 e 18 de Abril de 2017 [data mencionada em d) dos factos assentes], ficou provado que a recorrida manteve o pagamento do subsídio em apreço com a retribuição de férias [facto p)], ou seja, manteve esse pagamento regular durante cerca de 17 anos apesar de terem desaparecido os obstáculos operacionais com que entes se deparava.

Pelo que absolutamente nada autoriza a que, sobretudo neste segundo período, se considerem os pagamentos efectuados a título de subsídio de refeição na retribuição de férias como uma mera liberalidade, não havendo qualquer escolho ao funcionamento da presunção estabelecida no artigo 358.º, n.º 3 do Código do Trabalho que, como resulta do exposto, o empregador não ilidiu.

Uma vez assente a natureza retributiva da atribuição patrimonial em causa, a necessidade de redução de custos face à situação económica e financeira que atravessa [facto q)] não constitui, de per si, justificação bastante para o desrespeito das garantias associadas à retribuição e consagradas na lei para os seus trabalhadores.

4.2.3.4.4. Ainda no âmbito da questão de saber se sobre a recorrida, impende a obrigação de efectuar o pagamento do valor do subsídio de refeição relativo a 21 dias úteis com a retribuição de férias dos seus trabalhadores, deve enfrentar-se a problemática associada à invocabilidade dos usos laborais neste domínio, que a sentença negou, o que o recorrente refuta, afirmando que os usos laborais prevalecem sobre o instrumento de regulamentação colectiva que, no caso do subsídio de alimentação, contém uma norma supletiva. Procede-se a esta análise não para infirmar a exclusão da natureza retributiva do denominado subsídio de refeição no período de férias por força do apelo aos usos constante do artigo 260.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, do Código do Trabalho [que não é convocável, em conformidade com a natureza real dos valores pagos], mas para alicerçar a afirmação do direito à sua percepção pelos trabalhadores da recorrida representados pelo ora recorrente, também com base nos usos laborais, com a inerente vinculação da recorrida à obrigação de proceder ao seu pagamento.

4.2.3.4.4.1. A sentença sob recurso, não obstante considerar que a R. pagou, não sendo obrigada a tal, durante 40 anos um valor superior ao que se obrigou e estabeleceu a convicção generalizada nos trabalhadores que iriam receber sempre o mesmo valor fixo ao longo dos doze meses por ano, a título de subsídio de refeição, mesmo que se encontrassem de férias e não obstante considerar que a concessão deste benefício ao longo dos anos se traduziu numa prática reiterada e generalizada e gerou uma expectativa dos trabalhadores na continuação da aplicação de uma regra não obrigatória da R. da qual resultam para si pretensões individuais que se inserem nos respectivos contratos de trabalho, afirmando expressamente a existência de um uso laboral neste sentido, vem a concluir que este uso não é atendível pois seria contrário às disposições do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, o que se mostra vedado pelo artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil.

Vejamos.

4.2.3.4.4.2. O Código Civil estabelece no seu art. 1.º serem fontes imediatas de direito as leis e as normas corporativas, vindo no seu art. 3.º, n.º 1 a especificar a posição dos “usos” ao estatuir que “são juridicamente atendíveis quando a lei o determine” os usos não contrários aos princípios da boa fé.

Os “usos” referidos no art. 3.º do Código Civil são as práticas ou usos de facto, como ensina Mota Pinto[10], não constituindo verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte do chamado direito consuetudinário. Correspondem, sim, a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da obrigatoriedade[11].

Os Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 incluem também nas fontes específicas do direito do trabalho os “usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé” (artigo 1.º).

No que diz respeito ao critério de atendibilidade dos usos, a legislação codicística exige simplesmente que os usos “não contrariem o princípio da boa fé”, o que pode suscitar o problema da sua inserção na hierarquia das fontes do direito, problema que a LCT resolvia expressamente, colocando-os no sopé da hierarquia normativa.

Como defende Júlio Vieira Gomes, o artigo 1.º do Código do Trabalho “terá pretendido, ao usar a mesma expressão relativamente aos IRCT’s e aos usos laborais, deixar claro que os usos laborais são fonte (mediata) de direito, mantendo, ao mesmo tempo, aquela referência genérica que o artigo 12.º já continha. Em suma, o escopo do artigo 1.º terá sido o de esclarecer que as normas criadas por IRCT’s e por usos laborais se aplicam ao contrato individual e à relação por ele criada, que o contrato de trabalho é o destinatário, o alvo, de tais normas, que o contrato está exposto «sujeito» a essas normas.[12] E defende que os usos não podem afastar-se de normas legais absolutamente imperativas nem, tão pouco, de normas legais supletivas, a não ser que em sentido mais favorável ao trabalhador, nem podem afastar-se da Convenção Colectiva de Trabalho em sentido desfavorável aos trabalhadores[13].

Sufragamos este entendimento de que os usos não podem afastar normas legais imperativas e que não podem também contrariar normas legais de natureza supletiva, a não ser que num sentido mais favorável para os trabalhadores[14]. Como refere Júlio Gomes, “se o contrato individual de trabalho não puder afastar-se em sentido desfavorável de uma norma legal, tão pouco tal desvio será permitido a um uso de empresa[15].

Por outro lado, entendemos que os usos não podem afastar-se do instrumento de regulamentação colectiva aplicável em sentido desfavorável para os trabalhadores por ele abrangidos[16].

Numa perspectiva que parece ser distinto, Monteiro Fernandes, assinalando que o n.º 2 do artigo 3.º do Código Civil coloca os usos em posição subordinada às “normas corporativas” (que, em leitura actualizada, correspondem às convenções colectivas de trabalho) e vem a afirmar que a solução de casos concretos com base nos usos depende de expressa remissão legal e “da não contrariedade de disposição convencional colectiva”, sem distinguir se o uso pode ser, ou não, mas favorável do que a disposição do instrumento de regulamentação colectiva[17].

Mas, mesmo a entender-se, como parece entender este Professor invocado na sentença sob recurso, não serem admissíveis os usos laborais em sentido mais favorável a instrumento de regulamentação colectiva que vincule as partes, afigura-se-nos que a concreta prática que se firmou de a recorrida pagar com a retribuição do mês de férias o valor equivalente ao subsídio de refeição em 21 dias de gozo de férias, não contraria a disposição convencional que estabelece dever o subsídio de refeição “ser pago por cada dia de trabalho efectivamente prestado” (cláusula 62.ª do AE aplicável). Não só, como se verificou já, a prestação patrimonial paga não consubstancia, materialmente, um subsídio de refeição, pelo que não estaria abrangida pela assinalada cláusula, como, ainda que se considerasse estar em causa um efectivo subsídio de refeição, aquela prática apurada nos autos, na medida em que constitui um pagamento para além do dever convencionado na cláusula, não colide directamente com a sua observância.

Pelo que, a considerar-se que a prática seguida pela recorrida, consubstancia um uso, o n.º 2 do artigo 3.º do Código Civil não constitui obstáculo à sua atendibilidade por não haver qualquer contraditoriedade entre o Acordo de Empresa subscrito pelas partes e a enunciada prática.

4.2.3.4.4.3. Em face da factualidade apurada, verifica-se que a prática que a R. adoptou desde 1977 até 2017 de proceder ao pagamento aos seus trabalhadores do subsídio de refeição, num montante fixo mensal, pago doze vezes por ano, e à razão de 21 dias, exceptuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivos de baixa médica ou de faltas à razão de € 233,10 mensais [factos d) e g)], durou cerca de 40 anos e teve durante esse lapso de tempo as características de constância, generalidade e aceitação por ambas as partes, sendo a sua reiteração de molde a fazer surgir na esfera jurídica dos trabalhadores representados pelo recorrente a legítima expectativa de serem titulares do direito a que no período de férias, a retribuição a que tinham direito fosse majorada com o valor equivalente ao subsídio de refeição à razão de 21 dias.

Esta legítima expectativa funda-se na reiteração do comportamento da R., na generalidade da sua prática a todos os trabalhadores (prática social reiterada), na sua espontaneidade e, sobretudo, no facto de este ter perdurado de modo estável por 40 anos, sem que os autos noticiem uma qualquer instabilidade no que diz respeito aos pagamentos em causa.

A vinculação jurídica resultante de um uso tem a sua raiz numa prática que começa, num primeiro momento, por ser livre e espontânea, sem corresponder a qualquer obrigação jurídica, vg. de raiz contratual, e, num segundo momento – quando a prática assume a necessária reiteração –, passa a ser uma conduta devida, conteúdo de uma obrigação do empregador e do correspondente direito do trabalhador[18].

Segundo Tiago Cochofel de Azevedo, as práticas reiteradas no âmbito de relações contratuais de execução continuada e duradoura são passíveis de gerar efeitos associados à tutela da confiança e das expectativas das partes, estando o tempo associado à boa fé na execução dos contratos[19].

É pois de considerar que no período de tempo em análise – que durou cerca de 40 anos – a prática da empresa no sentido de pagar aos seus trabalhadores o referido montante fixo mensal a título de subsídio de alimentação, incluindo na retribuição de férias, se reveste das características necessárias à consideração de que constitui uma prática constante, uniforme, universal e pacífica que constitui um uso laboral vinculativo e relevante como fonte de direito para efeitos do disposto no artigo 1.º do Código do Trabalho.  
                                                                                                               *
4.2.4. Como resulta do exposto, mostra-se assente a natureza retributiva da atribuição patrimonial em causa no presente recurso – quer por virtude da operatividade da presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho, quer por força da existência de um uso laboral relevante – sendo de afirmar a consequente obrigação da recorrida de proceder ao respectivo pagamento.

A qualificação como retribuição de determinada prestação tem como consequência nos termos do artigo 258.º, n.º 4 do Código do Trabalho a aplicação do correspondente regime de garantias[20].

Tendo em consideração a conclusão a que se chegou quanto a partilhar de tal natureza o valor pago pela recorrida aos trabalhadores representados pelo recorrente a título de subsídio de refeição com a retribuição de férias, imperioso se torna afirmar que esse valor se mostra submetido à proibição da irredutibilidade da retribuição afirmada na alínea d), do n.º 1, do artigo 129.º do Código do Trabalho.

E, por isso, não é lícito o acto de gestão da R. comunicado em 18 de Abril de 2017 que se consubstanciou na supressão de tal valor remuneratório, quer para o futuro, quer em termos retroactivos ao início desse mesmo ano.

Como já foi dito, a necessidade de redução de custos face à situação económica e financeira que atravessa [facto q)] não constitui, de per si, justificação bastante para o desrespeito das garantias associadas à retribuição e consagradas na lei para os seus trabalhadores.

Assim, e respondendo à segunda questão enunciada, sobre a R., ora recorrida, impendia a obrigação de efectuar o pagamento do valor do subsídio de refeição relativo a 21 dias úteis com a retribuição de férias dos seus trabalhadores com contrato individual de trabalho, pelo que a mesma violou o princípio da irredutibilidade da retribuição com a supressão dessa atribuição patrimonial a partir do ano de 2017.
                                                                                                               *
4.2.5. Enfrentando agora a questão sobre a qual a sentença sob recurso omitiu pronúncia – saber se a R. podia reaver os valores já pagos a título de subsídio de refeição com as férias gozadas entre Janeiro e Abril de 2017 e que foram descontados aos trabalhadores a partir do vencimento do mês de Abril de 2017 – é manifesto o sentido da resposta que deve ser-lhe conferida.

Se à recorrida não era lícito suprimir o pagamento de tal verba aos seus trabalhadores representados pelo ora recorrente, para o futuro, é patente que igualmente o não pode fazer com efeitos retroactivos.

Em qualquer das hipóteses, a decisão de gestão da R. é desconforme com o princípio da irredutibilidade da retribuição plasmado no artigo 129.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.

Deve notar-se que, em face dos fundamentos invocados pelo recorrente na sua petição inicial, esta questão só mereceria apreciação distinta da já feita neste texto em caso de se decidir que assistia razão à R. quanto à retirada do subsídio para o futuro. Só considerando-se que não foi atingido com o acto da recorrida aquele princípio legal ligado às garantias da retribuição, se coloca a necessidade de convocar os princípios constitucionais da igualdade, da confiança e da segurança no emprego para obstar à aplicação retroactiva da medida de gestão comunicada aos trabalhadores em 18 de Abril de 2017.

Em suma, ainda por força da actuação do princípio da irredutibilidade salarial, não era igualmente lícito à recorrida reaver os valores já pagos a título de subsídio de refeição com as férias gozadas entre Janeiro e Abril de 2017 e que foram descontados aos trabalhadores a partir do vencimento do mês de Abril de 2017.
                                                                                                               *
4.2.6. A recorrida impugnou, por cautela, a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do Código do Processo Civil, a propósito do facto p), no qual ficou consignado que:

p) Desde 2000 até à data mencionada em d) dos factos assentes a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço;
Sustenta que este facto deve ser alterado, com fundamento na reapreciação do depoimento de uma testemunha que identifica, passando a ter a seguinte redacção:
 “Desde 2000 até á data mencionada em d) dos factos assentes a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço, o que decorreu de decisão de moto proprio da Recorrida sem qualquer negociação”.
A Mma. Juiz a quo, na motivação da sua convicção quanto a esta alínea dos factos provados, indicou que os factos em que a mesma se inscreve, alegados nos artigos 13.º a 17.º da contestação, foram provados sobretudo pelos depoimentos de (…),(…),(…), respectivamente director e sub-diretor de recursos humanos, e coordenador da área de remunerações, que explicaram o modo manual de processamento de férias, a dimensão do trabalho manual de desconto do subsídio de refeição, o modo como o sistema informático veio facilitar tal e sobretudo a nível de descentralização, em 2000-2002, quando a aplicação funciona a ponto de permitir processar o desconto nas férias. Quanto à explicação para a manutenção do pagamento do subsídio em apreço, indica que “foi dada pela primeira destas testemunhas ao referir que a BBB manteve esse pagamento como prática que tinha. Ora, o tribunal não deu por provado, nem como não provado, o facto de ser uma mera “liberalidade”, pois essa é a conclusão que caberá retirar em sede decisória. O facto em si é que a R. decidiu manter esse pagamento, e isso mesmo resulta da prova indicada e se deu por assente”.

Não merece censura este juízo, revelando-se despiciendo proceder à pretendida alteração.

Na verdade, e em primeiro lugar, a conclusão pela existência de uma liberalidade depende, efectivamente da prova de factos susceptíveis de qualificar nesses termos uma dada atribuição patrimonial do empregador ao trabalhador. Aliás, esse parece ser também o entendimento da recorrida na medida em que não sugere já a este tribunal que inclua no facto que pretende ver como provado aquela expressão que fez constar dos artigos 16.º, 17.º e 18.º da sua contestação.

Em segundo lugar, em face da presunção estabelecida sucessivamente nos artigos 82.º, n.º 3 da LCT, 249.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009, cabia ao empregador no caso vertente a alegação e prova de factos concretos dos quais fosse possível extrair que a prestação patrimonial em causa foi paga ao longo do tempo pelo trabalhador pelo empregador com animus donandi. E, para que possa configurar-se a existência de uma liberalidade, é manifestamente necessário que o trabalhador esteja disso ciente, por lhe ter sido comunicado, expressa ou tacitamente, pelo empregador. Mais uma vez chamamos a atenção para o princípio da boa fé que deve nortear o desenvolvimento das relações contratuais (artigo 126.º, n.º 1 do CT) e que constitui, também, fundamento do carácter vinculativo dos usos laborais (artigo 1.º do CT). Sem uma indicação de que a prática do empregador constitui uma liberalidade, a sua repetição e constância é susceptível de criar expectativas de ganho e continuidade juridicamente relevantes, sendo esta expectativa dos trabalhadores conforme com a boa fé[21].

Ora a alteração que a recorrida propõe em nada esclarece se houve uma tal indicação (expressa ou tácita) susceptível de tornar os trabalhadores cientes de que a prática do empregador constitui uma liberalidade.

Não basta para o efeito de se considerar a existência de uma liberalidade que se acrescente ao facto p) que a manutenção do pagamento do subsídio em apreço decorreu de decisão motu próprio da recorrida, pois que tal decorria já do facto p) tal como ficou provado na sentença. É manifesto que o relato na matéria de facto de um acto da parte, implica que o mesmo tenha sido de sua iniciativa própria. A não o ser é que teria que ser dito, designadamente porque alguém a tivesse obrigado a tal ou com ela o tivesse convencionado.

Não tem também qualquer relevo para tais efeitos que se inclua na alínea p) a afirmação de que a recorrida manteve os pagamentos em causa “sem qualquer negociação”, facto negativo este que não foi alegado e que é desnecessário apurar, por espúrio, na medida em que na sua ausência não pode presumir-se a existência de uma negociação.

Bem andou pois a Mma. Julgadora a quo em firmar o facto p) tal como o mesmo ficou a constar da sentença, nada adiantando quanto ao mérito do recurso os acrescentos que a recorrida quer ver efectuados (como resulta da decisão de mérito plasmada no ponto 4.2.3.4.3. deste aresto).

Mantém-se o facto p) da sentença, o qual deve ser interpretado nos moldes já expressos no sentido de que do mesmo não é possível extrair que a R. tenha procedido aos pagamentos com a retribuição de férias do subsídio de refeição ao longo dos 40 anos por que vem perdurando tal prática (quer antes, quer depois do ano 2000) por mera liberalidade.

Improcede a ampliação do âmbito do recurso.
                                                                                                               *
4.2.8. Em conclusão, tendo em consideração que os valores pagos pela recorrida aos trabalhadores representados pelo recorrente a título de subsídio de refeição com a retribuição de férias têm igualmente natureza retributiva e se mostram submetido ao princípio da irredutibilidade da retribuição afirmado na alínea d), do n.º 1, do artigo 129.º do Código do Trabalho, o acto de gestão da R. expresso na comunicação de 18 de Abril de 2017 [facto d)] que se consubstanciou na supressão de tal valor remuneratório, quer para o futuro, quer em termos retroactivos ao início desse mesmo ano, deve perspectivar-se como uma ilícita diminuição unilateral da retribuição devida no âmbito dos contratos de trabalho dos trabalhadores representados pelo recorrente.

Impendendo sobre a R., ora recorrida, a obrigação de efectuar o pagamento do valor do subsídio de refeição relativo a 21 dias úteis com a retribuição de férias dos seus trabalhadores com contrato individual de trabalho, é de entender que violou o princípio da irredutibilidade da retribuição com a supressão dessa atribuição patrimonial a partir do ano de 2017.

Deverá pois ser revogada a sentença da 1.ª instância, com o provimento da pretensão recursória do recorrente, o que acarreta a procedência da acção e a condenação da recorrida nos termos peticionados.

Aos valores em dívida a cada um dos trabalhadores representados pelo recorrente, acrescem juros moratórios à taxa legal, contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento – cfr. os artigos 559.º e 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil e a Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril).
                                                                                                               *
4.3. As custas deverão ser suportadas pela R., ora recorrida uma vez que ficou vencida quer no recurso interposto pela parte contrária, quer na ampliação do seu âmbito que deduziu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
                                                                                                               *
                                                                                                               *
5. Decisão

Em face do exposto:

5.1. julga-se procedente a arguida nulidade da sentença;

5.2. nega-se provimento à ampliação do âmbito do recurso deduzida pela R. ora recorrida;

5.3. concede-se provimento ao recurso do A., revogando a decisão final constante da sentença da 1.ª instância e condenando-se a R. (…):
a) a reconhecer que o subsídio pago aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, com a retribuição de férias, é parte integrante da retribuição;
b) a pagar aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio que se venceu, a partir de Maio de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento;
c) a pagar a cada um dos seus trabalhadores associados no Sindicato ora A., representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio com a retribuição de férias desde o início do ano de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento.    

Custas  pela Ré.



Lisboa, 21 de Março de 2018



(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Sérgio Almeida)


[1]In Direito do Trabalho, 12ª edição, Coimbra, 2004, pp. 473-474.
[2]Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 775.
[3]Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985, p. 92.
[4]João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 302.
[5]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2010.05.27, Processo: 467/06.3TTCBR.C1.S1.
[6]Como é dito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2007.12.10, Processo n.º 0714526, in www.dgsi.pt, quando o empregador assume o pagamento das despesas de alimentação do trabalhador pode fazê-lo de duas maneiras: ou assume o pagamento da totalidade da despesa de almoço ou contribui apenas com uma parte. Em regra, as despesas de almoço são pagas apenas em parte, entregando o empregador ao trabalhador uma determinada quantia certa, independentemente do trabalhador gastar mais ou menos na refeição ou até nada gastar. Tais quantias são fixadas nas Convenções Colectivas sob a designação de “subsídio de refeição/alimentação”. Segundo este aresto, se a dada altura o empregador baixou o subsídio de almoço para o montante que se encontrava previsto no CCT, tal significa que teve por referência o estipulado na referida Convenção como sendo o montante normal que devia pagar a título de subsídio de refeição, pelo que tudo aquilo que foi pago acima dos montantes previstos no CCT, ao longo dos anos, de forma regular e periódica, presume-se que faz parte da retribuição.
[7]No seu artigo Comissões, Subsídio de Natal e Férias à luz do Código do Trabalho, publicado no Prontuário do Direito do Trabalho, n.ºs 76, 77,78, Coimbra, 2007, pp. 229 ss.
[8]Afirmando que os montantes de subsídio de refeição não são devidos nas férias, nos subsídios de férias e de Natal na medida em que o seu pagamento pressupõe a efectiva realização de trabalho, vide o já citado Acórdão da Relação do Porto de 2007.12.10.
[9]Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 769, aludindo ao princípio da irrelevância do nomen iuris com citação de doutrina espanhola no sentido de que a vontade (individual ou colectiva) não pode atribuir natureza retributiva a uma prestação que dela careça ou, inversamente, negar tal natureza a uma prestação que intrinsecamente se apresenta como retributiva.
[10]In “Teoria Geral do Direito Civil”, p.33.
[11]Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Dogmática Geral”, parte I, Almedina 2005, p. 220.
[12]In Novos Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra, 2010, p. 79. Vide no sentido de que a partir do momento em que a prática ali em análise se consolidou e passou a constituir um uso laboral relevante como fonte de direito do trabalho, o objecto deste uso passou a incorporar directa e imediatamente os contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço do empregador, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2007, Revista n.º 2264/04, 4ª Secção, in www.dgsi.pt.
[13]In ob. cit., pp. 48-49.
[14]Cremos que a referência do Professor Bernardo Lobo Xavier a que os usos podem conduzir, “ou não, a situações mais favoráveis para os trabalhadores”(in Manual de Direito do Trabalho, 2.ª edição revista e actualizada, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, Lisboa, 2014, p. 285) não colide com esta afirmação, pois que aquele Professor não estabelece qualquer ponto de comparação com uma outra fonte de Direito do Trabalho (a lei ou o instrumento de regulamentação colectiva) quanto à favorabilidade a que se pretende reportar, sendo certo que se podem perspectivar situações pouco ou nada favoráveis em tese geral para os trabalhadores (sem qualquer ponto de comparação normativo), mas que não colidem com qualquer um daqueles núcleos regulativos.
[15]In estudo cit., p. 48.
[16]Vide os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2013.07.01, Processo n.º 1464/11.2TTPRT.P1 e de 2013.10.21, Processo n.º 105/12.5TTPRT.P1, ambos in www.dgsi.pt.  
[17]Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 18.ª edição, Coimbra, 2017, p. 109.
[18]Vide Júlio Gomes, in estudo cit, pp. 21 e ss.
[19]In Da relevância jurídica dos usos laborais, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2012, pp. 109-110. Veja-se também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.12.17, Processo n.º 292/11.0TTSTRE.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[20]Vide Joana Vasconcelos, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 622.
[21]Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 18.ª edição, Coimbra, 2017, p. 111, afirma, perspectivando o polo oposto, que “se o empregador tendo instituído um benefício para os trabalhadores (por exemplo um prémio) a título precário e reversível e, renovando a concessão explicitamente como tal em cada ano, num certo ano se esquece de o fazer” não se mostra de acordo com a boa fé a formação de uma vinculação.