Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28496/16.1T8LSB.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
DENÚNCIA DO CONTRATO
ARRENDATÁRIO
SITUAÇÃO DE ESPECIAL FRAGILIDADE
PROTEÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O DL nº 13/2019 veio dar resposta a algumas das preocupações causadas pela pressão imobiliária sentida em todo o pais, mas especialmente nos grandes centros urbanos.
- O preceituado no art.º 14 nº 3 do DL nº 13/2019 é aplicável ao  vínculo arrendatício entre AA e RR por ter sido constituído no domínio do RAU , sendo certo que o demais pressupostos estão preenchidos
- Acresce que o foco da referida norma se centre nos arrendamentos efectuados à luz do RAU , pois que é nestes que surge a especial necessidade de proteger arrendatários em função do tempo de permanência no locado e da fragilidade que lhe possa advir da sua idade , ou da sua incapacidade física.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A, contribuinte fiscal n° 155244540, viúvo, residente na Calçada das Lajes, n°  -A Lt. 16° D, 1900 - 291 Lisboa, B, contribuinte fiscal n° 101766718, viúva, residente Av. Marnoco e Sousa,  3000 - 271 Coimbra e C, casada, contribuinte fiscal n° 119312298, residente na Rua José Gomes Ferreira, n°  - 10° Dto., 4150-441 Porto, vêm propor contra D, contribuinte fiscal n° 135247519, residente na Rua General Taborda, nº  - 2° Esq., 1070 - 140 LISBOA, a presente acção declarativa ,alegando,em resumo:
 Os Autores são proprietários de um prédio urbano sito na Rua General Taborda, n° , Lisboa, que adquiriram por óbito de António …… . (Vidé docs. n° 1 e 2)
Tal prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 3436 da freguesia de São Sebastião da Pedreira e inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o nº 1555°. (Vide docs. n°s 1 e 2).
 Acontece que, por contrato de arrendamento datado de 1 de Julho de 2005, os Autores deram de arrendamento ao Réu o segundo andar direito do mencionado prédio, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 157,39 (cento e cinquenta e sete euros e trinta e nove cêntimos). (Vidé doc. nº 3).
O prazo inicial do contrato foi estabelecido em 5 anos e, por isso, concluiu-se em 30 de Junho de 2010. (Vidé doc. n° 3)
As prorrogações acordadas contratualmente estabelecidas são de três anos. (Vidé doc. nº 3)
Decorrido o prazo inicial do contrato, e no termo da primeira prorrogação do mesmo, os Autores procederam à denúncia do referido contrato de arrendamento em 24 de Abril de 2013. (Vidé doc. nº 4)
Tendo considerado intempestiva tal denúncia, o Réu opôs-se à mesma. (Vidé doc. nº 5)
Tendo-se, por isso, prorrogado o contrato de arrendamento por um novo período de 3 anos, que se concluiu em 30 de Junho de 2016.
Por isso, por carta datada de 7 de Setembro de 2015 (mas apenas enviada no dia 15 desse mês) os Autores denunciaram o contrato de arrendamento, com efeitos em 30 de Junho seguinte. (Vidé doc. nº 6)
Tendo o Réu recebido tal denúncia em 21 de Setembro de 2016. (Vidé doc. n° 6)
Chegado o termo do contrato, em 30 de Junho de 2016, o Réu não entregou as chaves.
Concluem pedindo a procedência da acção,decretando-se o despejo imediato, bem como a sua entrega aos Autores, em bom estado, tal como se encontrava na data de celebração do contrato de arrendamento, tudo com as demais legais consequências.o mesmo aos Autores.
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Devidamente citado, o R contesta, alegando, em resumo:
O R é parte ilegítima, por estar desacompanhado da sua mulher.
O Réu reside no locado desde 13 de Julho de 1967, por contrato outorgado com Maria …..Marta , na qualidade de senhoria.
Por carta datada de 24 de Fevereiro de 2005, e remetida pelo mandatário dos AA., foi o R. informado de que, por falecimento da Sr.ª Maria ……Marta , em 27 de Janeiro de 2005, usufrutuária do Locado, o contrato de arrendamento celebrado com o R. caducaria nessa data, pelo que os AA. solicitavam a entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens – veja-se carta que se junta e dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais como Doc 3.
A esta primeira missiva, o R. respondeu, solicitando prova das alegações contidas na carta por si recebida . Após o que recebeu, por parte do mesmo mandatário dos AA., cópia de certidão de óbito da senhoria – conforme documento que se junta e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais como Doc. 4.
Novamente respondeu o R., em 21 de Abril de 2005, exercendo o seu direito a um novo arrendamento, nos termos dos arts. 66º e 90º do RAU (DL 321B/90 de 15 de Outubro) – cfr. carta que se junta e dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais como Doc. 5.
Desconhecendo que direitos lhe assistiam, e com medo de, nesta altura mais fragilizada da sua vida, ficar sem tecto, o R. acedeu na assinatura de um contrato que lhe foi remetido pelos AA., através de carta datada de 21 de Junho de 2005 – conforme documento que se junta e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais como Doc. 6
Tendo assinado o referido contrato sem ter consciência do que o mesmo significaria, na medida em que estipulava uma duração limitada. Na realidade, o R. nunca realizou que o novo contrato poderia caducar pelo simples decurso do prazo!
 Tendo assinado tal contrato, primeiro, por o mesmo ter vindo na sequência de uma carta (a inicial, datada de 24.2.2005) que considerou intimidatória,
Na realidade, não concebeu o R. que tivesse qualquer alternativa à assinatura daquele contrato. Tendo-o assinado, por temer ficar numa situação precária.
Por isso , deve-se assim, ter-se como válido o contrato celebrado pelo R. com a senhoria inicial, tendo apenas operado uma cessão da respectiva posição contratual, quando, em Janeiro de 2005 aquela terá falecido.
Entretanto, em 2013, novamente ameaçado com a denúncia do seu contrato, o R. respondeu aos AA., por forma a prolongar a sua estadia por mais 3 anos na sua residência, julgando que o senhorio estaria obrigado a fundamentar a denúncia, e que a renovação do seu contrato estaria assegurada.
Neste sentido, o contrato celebrado em 2005, foi-o com base em erro, não apenas no que se refere ao circunstancialismo de facto que presidiu à sua vontade em contratar, como sobre as consequências que o negócio teria, nos termos do art. 252º do C.C.
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O que se apura[1]:
- O  Réu Manuel ….. faleceu no dia 15 de Julho de 2018
- O Réu  tinha casado com Maria ….. Miguel no ano de 2014
-A Maria….. Miguel reside no locado há mais de 20 anos e tem mais de 65 anos de idade.
- O Réu Manuel tinha celebrado em 13/7/1957 um contrato de arrendamento do locado com Maria Mesnier ,possuidora e usufrutuária do imóvel sito na  Rua General Taborda, n°  ,  Lisboa,
- Tendo Maria Mesnier falecido foi celebrado com os AA e o Réu um contrato de arrendamento de duração limitada, datado de 1/7/2005.
- Este contrato foi celebrado à luz do DL nº 321-B/90
Após prorrogação do contrato , por carta datada de 7 de Setembro de 2015 (mas apenas enviada no dia 15 desse mês) os Autores denunciaram o contrato de arrendamento, com efeitos em 30 de Junho seguinte. (Vidé doc. nº 6)
- O contrato de arrendamento nunca transitou para o NRAU
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Foi, então, proferida esta decisão:
Nos termos do disposto na Lei 30/2018, que estabeleceu um regime extraordinário e transitório para protecção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado Há mais de 15 anos, procedendo nestes casos à suspensão temporária dos prazos de oposição à renovação e de denúncia pelos senhorios dos contratos de arrendamento, ficando suspensas as denúncias já efectuadas pelo senhorio, quando a produção de e feitos dessas comunicações deva ocorrer duramente a vigência da mesma (artigos 1º, 2º e 3º da referida Lei ).
Ora, na presente acção, o senhorio invocou como fundamento da acção a denúncia do contrato para o termo do contrato.
Por sua vez, a Lei 13/2019 de 12.02.2019, veio estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e em a estabilidade arrendamento urbano a proteger arrendatários em situação especial de fragilidade.
Ora, no seu artigo 14º, n.º 3, estabelece a referida Lei que, “nos contractos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no n.º 1 do artigo 26 do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, cujo arrendatário, à data de entrada em vigor da presente lei, resida há mais de vinte anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos (...)o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101º do Código Civil, aprovado pelo DL 47344/66 de 25 de Novembro, com a redacção dada pela presente lei, havendo lugar à actualização ordinária da renda, nos termos gerais”.
Acontece que, os inquilinos, réus na presente acção, vivem no prédio desde 13 de Julho de 1967, em virtude de contrato de arrendamento celebrado com a usufrutuária, que posteriormente foi celebrado contrato a termo certo, com os actuais proprietários, Autores na presente acção, sendo que o Réu faleceu na pendência da acção, mas transmitiu-se o arrendamento à Ré mulher, que reside há mais de vinte anos, e tem mais de 65 anos de idade.
Pelo exposto, e por se verificarem os respectivos pressupostos, declaro a impossibilidade superveniente legal da instância e absolvo a Ré do pedido.
Custas pelos Autores.
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É esta decisão que os apelantes impugnam, formulando estas conclusões:
A.   No caso em apreço, o contrato de arrendamento foi objecto de oposição à renovação em 7 de Setembro de 2015.
B. Sendo os efeitos dessa oposição se produziram em 30 de Junho de 2016.
C. Tudo muito antes da entrada em vigor da disposição transitória contida no nº 3 do artigo 14 da Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro.
D. Tal disposição não se aplica àqueles contratos de arrendamento em que tenha existido oposição à sua renovação e que tal oposição à renovação tenha produzido efeitos anteriormente à entrada em vigor daquela lei.
E. A disposição transitória em questão é apenas aplicável aos contratos de arrendamento previstos no artigo 26º, nº 1 do NRAU e que tenham sido efectuadas após a data da entrada em vigor dada Lei n.º 30/2018, de 14 de junho.
F. A disposição transitória pretendia salvaguardar aqueles arrendatários que, transitando para o NRAU viam os seus contratos cessar e as rendas aumentar em consequência dessa transição, sem terem posses para suportar as novas rendas.
G. A transição do RAU para o NRAU não opera de forma automática carecendo de impulso do Senhorio.
H. O Senhorio, ora apelante, não desencadeou o processo de transição para o NRAU.
I. O contrato em questão não transitou para o NRAU e não está nele previsto.
J. A interpretação que o Mmo. Juiz a quo faz do nº 3 do artigo 14º da Lei 13/2019 é inconstitucional na medida em que viola os princípios da confiança e segurança jurídica ínsitos ao artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº 663 nº2 ,608 nº2, 635 nº4 e 639nº1 e 2 do Código de Processo Civil ), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso , exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é saber se ao contrato de arrendamento em causa se aplica o preceituado no artº 14 nº3 da Lei nº 13/2019.
Vejamos ….
A Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro veio instituir medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de fragilidade.
Esta Lei surge precisamente no seguimento do regime extraordinário instaurado pela Lei n.º 30/2018, que também ela estabeleceu um sistema de proteção dos arrendatários que se encontrassem nas situações previstas nesta Lei, suspendendo, de forma temporária, os prazos de denúncia e de oposição à renovação pelos senhorios. Este regime transitório nasce com um prazo de validade, a saber, até 31 de março de 2019, razão pela qual surge agora a Lei n.º 13/2019, a qual veio converter, de forma definitiva, algumas das medidas que o legislador quis acautelar.
O n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 13/2019 (embora seja uma norma de natureza transitória) introduz uma alteração ao artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 (o qual se aplica a arrendamentos habitacionais celebrados na vigência do RAU e a arrendamentos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95)( sublinhado nosso)[2]
Esta disposição respeita, porém, apenas a arrendamentos habitacionais celebrados na modalidade temporal de “duração limitada” (contratos a prazo).
Assim, o arrendatário que já vive no local arrendado há mais de 20 anos, na data da entrada em vigor da presente lei (contratos anteriores a 13 de fevereiro de 1999) e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau de incapacidade superior a 60%, fica protegido face à possibilidade de o locador se opor à renovação do contrato.
Tal oposição passa a ser possível apenas na hipótese da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, ou seja, em caso de extinção para a realização de obras.
Ora, tal como foi explanado na decisão impugnada[3] , e  que não foi impugnado ,a factualidade subsume-se a este quadro jurídico , por força do artº 90 mº1 al a) RAU ,ou seja ,o arrendamento transmitiu-se à viúva do R.E esta tem mais de 65 anos de idade e vive no locado há mais de 20 anos.
Tanto mais que o contrato nunca transitou para o NRAU.
Porém, os apelantes entendem que a aplicação desta norma é apenas aplicável aos contratos efectuados após a data da entrada em vigor da Lei nº 30/2018 , sob pena de violação do principio de confiança e segurança jurídica.
Vejamos …
O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.
Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRP [4]
Na verdade, não existe Estado de Direito democrático se a ordem jurídica não for a base fiável para o comportamento do cidadão, assegurando que a actuação dos poderes públicos se paute por referências previsíveis e determináveis, independentemente do desvalor que o seu incumprimento tenha para o cidadão comum. Por isso, em função da segurança jurídica o cidadão deve confiar que a sua conduta é acolhida pela ordem jurídica.
É o que podemos extrair do acórdão n.º 355/2013 do Tribunal Constitucional [5]:
 “....Efetivamente - escreveu-se no Ac. do TC n.º 17/84 ( in "Acórdãos do tribunal constitucional", 2.º vol., p. 375), " o cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua atuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica [...].
Esta confiança é violada sempre que o legislador ligue a situações de facto constituídas e desenvolvidas no passado consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar. Um tal procedimento legislativo afrontará frontalmente o princípio do Estado de direito democrático."
É inadmissível a afectação das expectativas em sentido desfavorável" quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar" e "quando não foi ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão" - cf. Ac. n.º 302/90, in BMJ 401.º-130.”
Neste contexto de salvaguarda destes princípios, aquando da promulgação do DL nº 13/2019 , o Sr Presidente da República emitiu a seguinte nota[6]
 “….O presente diploma parece pretender, com a sua vigência de cerca de nove meses, evitar certos despejos de maiores de sessenta e cinco anos e de portadores de elevado grau de deficiência, inquilinos há pelo menos quinze anos, no prazo considerado suficiente para eventual reapreciação global da legislação sobre arrendamento urbano.
Mas, no fundo, contém, desde já, uma inequívoca opção substancial quanto à proteção desses dois segmentos populacionais, salvo em caso de necessidade de habitação do senhorio ou descendentes em 1.º grau e nos casos de resolução e extinção do contrato.
Que dizer do diploma, desde logo em termos de respeito da Constituição da República Portuguesa?
Do ponto de vista da solução substancial, e olhando à experiência jurídica passada, sucessivos regimes legais sobre esta matéria acabaram por não ser considerados violadores dos princípios aplicáveis da Constituição da República.
Assim, por um lado, nunca foram declarados inconstitucionais, por violação do direito de propriedade privada, da liberdade de iniciativa privada ou da autonomia privada, os sucessivos regimes protegendo nomeadamente arrendatários com mais de sessenta e cinco anos e até garantindo direitos a descendentes que com eles vivessem.
Acresce que o facto de se entender dever a proteção ora consagrada abarcar outras situações tidas por equivalentes ou delas mais merecedoras – inquilinos nas condições descritas há menos de quinze anos ou inquilinos mais jovens com vários menores a cargo – não é por si só suficiente para invocar violação do princípio da igualdade.
Tal como, por outro lado, não foi tida por inconstitucional, por violação de expetativas jurídicas ou da proteção da confiança, a alteração em 2012 do regime jurídico vigente desde 2006 e várias vezes modificado. Aliás, o regime de arrendamento urbano foi alterado mais uma vez, ainda há um ano, precisamente em matéria relativa à denúncia para obras.
Do ponto de vista dos meios de defesa dos senhorios em Tribunal, não se afigurando existir inconstitucionalidade quanto à solução substancial, difícil se antolha haver no tocante ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, que há-de respeitar o direito substancial em cada momento vigente – e que, a partir da entrada em vigor deste diploma, suspenderia o exercício do direito de despejo nas situações enunciadas….”[7]
O que concluir?
O DL nº 13/2019 veio dar resposta a algumas das preocupações causadas pela pressão imobiliária sentida em todo o pais, mas especialmente nos grandes centros urbanos.
Por isso, o legislador sentiu a necessidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforçando a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, protegendo arrendatários em situações de especial fragilidade e combatendo o assédio no arrendamento.
Daí que o foco da norma, que analisamos, se centre nos arrendamentos efectuados à luz do RAU ; é que só nestes surge a especial necessidade de proteger arrendatários em função do tempo de permanência no locado e da fragilidade que lhe possa advir da sua idade , ou da sua incapacidade física.
Assim, neste contexto é de todo expectável que haja legislação que regule este tipo de situações.
Situação esta que é precisamente a que analisamos.
Podemos, pois, concluir que a aplicabilidade do artº 14 nº3 do DL nº 13/2019 ao contrato de arrendamento em análise não viola qualquer principio constitucional ; a realidade factual e a consequente fragilidade de uma das partes, o arrendatário , sustenta a confiança e a segurança do cidadão na ordem jurídica.
A este propósito, e porque estão em causa os mesmos interesses , podemos recordar o Ac. Tribunal Constitucional nº 297/2015 [8],: Julga inconstitucional a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro , ao ofender o direito do arrendatário á permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido á data da entrada em vigor daquela lei.
Termos em que improcedem as conclusões
                                             ***
Síntese: o preceituado no art.º 14 nº 3 do Dl nº 13/2019 é aplicável ao  vínculo arrendatício entre AA e RR por ter sido constituído no domínio do RAU , sendo certo que o demais pressupostos estão preenchidos  
                                     *************
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes
10/10/2019

TERESA PRAZERES PAIS
RUI VOUGA
ISOLETA COSTA

[1] Atendendo a que no âmbito das conclusões os apelantes não colocam em causa a factualidade contida no teor da decisão impugnada ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do Código de Processo Civil). Além do mais , está junta aos autos certidão de óbito.
[2]  Cf. “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019” de Maria Olinda Garcia | Março de 2019 na Revista “JULGAR”

[3] Acontece que, os inquilinos, réus na presente acção, vivem no prédio desde 13 de Julho de 1967, em virtude de contrato de arrendamento celebrado com a usufrutuária, que posteriormente foi celebrado contrato a termo certo, com os actuais proprietários, Autores na presente acção, sendo que o Réu faleceu na pendência da acção, mas transmitiu-se o arrendamento à Ré mulher, que reside há mais de vinte anos, e tem mais de 65 anos de idade.
[4] “ (Estado de direito democrático)
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”
[5] Publicação: Diário da República n.º 234/2013, Série II de 2013-12-03
[6] Publicitada no site da Presidência da República.
[7] Cf site da Presidência da República
[8] DR, II Série de 7-07-2015