Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
352/16.0T8VFX-AC.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: DÍVIDA FISCAL
PAGAMENTO POR TERCEIRO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- No caso das dívidas tributárias, o art. 40.º da LGT autoriza que o pagamento das mesmas seja realizado por terceiro (n.º 1), sendo que este, se pagar após o termo do prazo do pagamento voluntário, fica sub-rogado nos direitos da AT, desde que tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação e obtido autorização do devedor ou provado interesse legítimo (n.º 2).
II- Por sua vez, estabelece o artº 91º do CPPT que para beneficiar dos efeitos da sub-rogação, o terceiro que pretenda proceder ao pagamento da quantia em dívida à Fazenda Nacional, deve requerê-lo ao órgão competente, que decide no próprio requerimento, tendo ainda que provar o interesse legítimo ou a autorização do devedor.
III- Estando pendente processo de insolvência, no qual teve lugar a reclamação de créditos por parte da Fazenda Pública e pretendendo terceiro, que, alegadamente, efectuou o pagamento de tais dívidas junto da Autoridade Tributária, intervir nos autos de modo a exercer os direitos que cabiam à credora originária, o facto justificativo para a requerida intervenção não poderá deixar de ser a sub-rogação.
IV- Não tendo o terceiro, após ter sido notificado para o efeito, procedido à junção da declaração de sub-rogação emitida pela Autoridade Tributária, deverá ser indeferida a intervenção. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
Em 21/1/2016 o N…, S.A., requereu a Insolvência de I…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, tendo, após audiência final, sido proferida sentença, em 20/6/2016, a declarar a insolvência da requerida.
Da relação de créditos elaborada pelo Administrador da Insolvência nos termos do disposto no artº 129º do CIRE constam, entre outros, os seguintes créditos da Fazenda Pública:
- 3.292,95 € relativo a IMI, incluindo juros;
- 1.241,48 € relativo a IMT, incluindo juros;
- 1,864,18 € relativo a  IVA, incluindo juros;
- 3.662,50 € relativo a IRC, incluindo juros e
- 62,363,34 € IMT, IUC, IVA, IRC, IMI, Custas e Coimas, incluindo igualmente juros.
Em 23/01/2020, O Estado Português (Administração Tributária), juntou aos autos de insolvência requerimento com o seguinte teor:
“1º
Segundo informação prestada pela DSGCT, a insolvente já liquidou integralmente todos os créditos tributários reclamados no processo de insolvência. (doc. único)
2.º
Significa isto, portanto, que a Administração Tributária deixou de possui interesse e, inclusivamente, deixou de possuir legitimidade processual para votar o plano de insolvência proposto”.
Com este requerimento foi junto um ofício emitido pela Autoridade Tributária em 22/01/2020 e dirigido ao Ministério Público, com o seguinte teor:
“(…)
Assunto: Insolvencia nº …, – I…, S.A. (…)
Relativamente ao processo em epígrafe (…), informa-se que face aos elementos disponíveis no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o contribuinte tem a sua situação regularizada, tendo procedido ao pagamento integral da dívida reclamada.
(…)”
Em 30/01/2020, a apelante apresentou nos autos de insolvência requerimento com o seguinte teor:
“M…, interveniente nos autos acima referenciados, vem requerer a junção aos autos do documento comprovativo do pagamento, por si efectuado, das dívidas à AT da sociedade insolvente I…, S.A.”
Com tal requerimento juntou cópia de um cheque datado de 16/01/2010, sacado sobre o Banco … e emitido à ordem do I.G.C.P., no valor de € 92.011,50 e ainda cópia de uma ordem de débito emitida pela apelante e dirigida ao Banco … com o seguinte teor:
“(…)
Por débito da conta acima referida, queiram (Visar/Emitir) o cheque … Total debitado: € 92.011,50 (…)”
Em 23/03/2020, a apelante juntou aos mesmos autos requerimento com o seguinte teor:
“1. Como decorre dos autos, a ora requerente procedeu ao pagamento integral (por excesso, note-se) do valor que, nos presentes autos, foi reclamado pela Fazenda Pública, devendo, pois, no lugar daquela entidade, a ora requerente ser tida como credora em relação à massa insolvente.
2. Deve, pois, ser a mesma admitida a intervir em representação daquele crédito, tendo em consideração, designadamente, o plano de insolvência que foi apresentado nos
autos em 20.03.2020, ao qual, desde já se adiante, adere em absoluto.
3. O que se requer seja considerado.” 
Em 30/03/2020, foi proferido o seguinte Despacho:
“II. 23-03-2020, Requerimento de habilitação:
Não se alegando, especificadamente, os factos constitutivos da transmissão do crédito, designadamente, qual das modalidades de sub-rogação em causa, indefiro liminarmente o requerido.”
Em 12/05/2020, a apelante juntou aos autos requerimento com o seguinte teor:
M…, nos autos acima referenciados, tendo sido notificada do despacho de 30.03.2020, que afirma não estarem concretizados os factos constitutivos da sub-rogação, vem dizer e requerer o seguinte:
1. Como dos autos decorre, e ninguém questionou, até em face dos elementos documentais juntos aos autos, a ora requerente procedeu ao pagamento junto da Autoridade Tributária de todos os valores reclamados por aquela entidade à sociedade insolvente nos presentes autos.
2. Estamos, assim, no plano da previsão do constante do art. 40.º da LGT, sendo que os administradores da sociedade insolvente, enquanto responsáveis subsidiários, aceitaram que ocorresse a sub-rogação – cf., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2017, no proc. n.º … (sendo que a requerente tinha interesse direto no pagamento por via da viabilização do plano de insolvência, única forma de a mesma assegurar os seus créditos).
3. Trata-se, assim, factualmente de uma situação direta, que leva, desde logo, a que se venha reiterar seja considerada a ora requerente para exercer, em assembleia de credores, os votos inerentes ao crédito que era detido pela Fazenda Pública.
O que se requer”.
Em 24/11/2020, foi proferido o seguinte Despacho:
“(…)
II. 12-05-2020, Sub-rogação de M… nos créditos reclamados pela Fazenda Nacional
Notifique a Requerente para apresentar o despacho que autoriza a sub-rogação, previsto no artigo 91.º/4, do CPPT.
Prazo: 10 dias.”
Em 14/12/2020, a apelante juntou aos sutos o seguinte requerimento:
“M…, autos acima referenciados, tendo sido notificada do despacho que determina a apresentação de despacho a que se refere  o art. 91.º, n.º 4 do CPPT, vem dizer e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1. A questão que o despacho a que se responde coloca mostra-se absolutamente desviada do cerne daquilo que constitui a pretensão formulada pela requerente.
Com efeito,
2. O que foi ponderado foi, tão só e apenas, o facto de ter a ora requerente efetuado o pagamento das dívidas fiscais imputadas à insolvente, daí se extraindo as devidas consequências.
Ora,
3. Em momento algum se nega ou recusa que a ora requerente tenha efetuado o mencionado pagamento, situação que, aliás, se mostra comprovada nos autos.
4. Sendo certo que os créditos fiscais são insuscetíveis de cessão – nesse sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18.10.2018 proferido no proc. n.º 97/18.7BEAVR, entre outros, quando nota que “A cessão de créditos é uma forma de transmissão de direito de crédito, no todo ou em parte, que opera por acordo entre o credor e terceiro (art. 577º/1 do Código Civil). Em princípio, todos os créditos, como direitos patrimoniais, são livremente cedíveis, com exceção daqueles em que se verifique alguma das limitações que a segunda parte do n.º 1 do art. 577º do Código Civil enuncia. A lei proíbe a cessão dos créditos tributários a terceiros - salvo os casos previstos na lei- Art. 29º/1 LGT, o que resulta da indisponibilidade dos créditos tributários prevista no art. 30º/2 LGT.”
5. Não opera qualquer efeito uma pretensa sub-rogação, pois que, tendo liquidado um crédito de terceiro, sempre é a requerente credora da sociedade insolvente daquele valor, por efeito imediato.
6. E, ocorrendo tal, óbvio que é a requerente quem tem legitimidade para, detendo tal qualidade de credora (e para tal não opera qualquer efeito ou consequência a ocorrência de sub-rogação), intervir e votar, nomeadamente em assembleia de credores, em relação àquele que era o crédito que a Fazenda Pública reclamava nos autos.
7. Senão, qual a consequência? É reduzido o valor dos créditos reconhecidos? Tanto mais que a Fazenda Pública já manifestou nos autos a sua não intenção de exercer qualquer direito subjacente ao crédito liquidado pela ora requerente.
Termos em que se reitera o já antes propendido, devendo a ora requerente ser considerada como detentora do crédito reclamando e reconhecida como tal para os termos dos autos.”
Em 01/03/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“I. 12-05-2020, Requerimento de habilitação de M… no lugar da Fazenda Nacional
I.1 14-12-2020
Por falta de fundamento legal, indefiro a habilitação.
Notifique.”
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Inconformada a requerente M… interpôs recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 
a) A decisão sob recurso é nula por absoluta falta de fundamentação de facto e de direito – arts. 154.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC;
b) Estando-se em face do pagamento do crédito reclamado pela AT por parte da recorrente, tem o pedido de habilitação por si formulado absoluto fundamento – art. 356º do CPC;
c) A sentença recorrida violou as normas legais agora invocadas.
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Não foram apresentadas Contra-Alegações.
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Em 05/07/2021 foi proferido despacho admitindo o recurso, constando ainda do mesmo o seguinte:
“Suprindo a invocada nulidade:
Reitero já explanado a 24-11-2020: a Requerente não apresentou o despacho que autoriza a sub-rogação, previsto no artigo 91º/4, do CPPT”.
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II– OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos apelantes, importa decidir se se encontram preenchidos os pressupostos estabelecidos na lei para que seja admitida a intervenção da apelante nos autos de insolvência, na qualidade de sucessora da credora originária Fazenda Nacional.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
Com relevo para a decisão da causa e atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados os factos constantes do relatório que antecede e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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B) – Da invocada nulidade do despacho recorrido
Sustentou a recorrente que o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão. Invocou, assim, a nulidade do despacho nos termos do disposto no artº 615º, nº1, b), do C.P.Civil.
Aquando da admissão do recurso, a Mmª Juíza a quo proferiu o seguinte:
“Suprindo a invocada nulidade:
Reitero já explanado a 24-11-2020: a Requerente não apresentou o despacho que autoriza a sub-rogação, previsto no artigo 91º/4, do CPPT”.
Estabelece o artigo 617º do C.P.Civil:
“1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.
2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.
3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.
(…)”
A Mma Juíza declarou suprir a nulidade nos termos que antecedem, pelo que o despacho proferido considera-se como complemento e parte integrante do despacho recorrido.
Cumpre conhecer do recurso, começando por decidir da nulidade invocada.
Conforme se refere no Ac. do STJ de 04/07/19, relatora: Rosa Tching, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt, a nulidade prevista na citada alínea b) do artº 615º “Trata-se de um vício que corresponde à omissão de cumprimento do dever contido no art. 205º, nº 1 da CRP que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão.
E, tal como é jurisprudência pacífica - [2 - Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acs do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in, BMJ, n.º 235, pág. 152.], traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada”.
Sustenta-se também no Ac. do mesmo STJ de 06/07/17, relator: Nunes Ribeiro, disponível também in www.dgsi.pt:
“(…) é preciso esclarecer que só a falta absoluta de motivação constitui nulidade. A insuficiência ou mediocridade da motivação - como ensinava o Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pag 140, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
A nulidade apontada tem correspondência com o n.º 3 do art.º 607º do mesmo C. P. Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes...»”.
Atento o que fica referido, é jurisprudência assente que só a falta absoluta de motivação – e não a sua imperfeição ou incompletude – constitui fundamento para a nulidade a que se refere art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.
No despacho ora sob recurso, considerando o proferido relativamente ao suprimento da nulidade, o tribunal a quo sustentou a decisão de indeferimento da intervenção requerida pela apelante com fundamento no facto de a mesma não ter apresentado “o despacho que autoriza a sub-rogação, previsto no artigo 91º/4, do CPPT”.
Com base nestes fundamentos – de facto e de direito -, entendeu o tribunal a quo que a pretensão formulada pela apelante não podia merecer acolhimento. 
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, relator: José Alberto Moreira Dias, disponível em www.dgsi.pt:
«Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC. e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.).
Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277). (…)»
O despacho encontra-se fundamento em termos de facto – não foi apresentado “o despacho que autoriza a sub-rogação” -, constando também a fundamentação jurídica, ou seja, consta que o tribunal entendeu que, uma vez que não foi apresentado despacho autorizando a sub-rogação, face ao disposto no artº 91º, nº4, do CPPT, tinha a intervenção que ser indeferida.
Atento o que ficou referido, entende-se que o despacho não enferma de nulidade.
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D) De Direito
Pretende a apelante ser habilitada na qualidade de adquirente ou cessionária nos presentes autos de insolvência, invocando que procedeu ao pagamento das dívidas da insolvente I… da credora reclamante Autoridade Tributária, pretendendo passar a ter intervenção nos presentes autos na qualidade de credora.
O incidente de habilitação do adquirente do crédito transporta a modificação subjectiva da instância, a significar que traz à lide terceiros, alguém que ainda não é parte no processo ou a quem originariamente não respeitava a coisa ou o direito em litígio.
E ocorrendo a transmissão do crédito na pendência da acção, é o incidente de habilitação o meio processual adequado para fazer intervir nos autos os sucessores dos primitivos credores.
De acordo com o disposto no artº 356° do Cód. Proc. Civil, mesmo na falta de oposição, compete ao juiz verificar se a transmissão ou cessão é válida, apreciando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão (cfr. Ac. RP, de 27.9.2004: JTRP00037164, in www.dgsi.pt.
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Dec. Lei nº 398/98, de 17/12, estipula como princípio geral, no seu art. 29.º, o da intransmissibilidade dos créditos tributários e das obrigações tributárias, princípio que decorre da natureza indisponível daqueles créditos e obrigações; mas, como a norma expressamente consagra, esse princípio admite excepções «nos casos previstos na lei» (cfr. n.ºs 1 e 3, ambos in fine).
Entre essas excepções, pelo lado passivo da relação jurídico-tributária, a lei tributária, tal como a lei civil relativamente às obrigações - cfr. art. 767.º, n.º 1, do CC e art. 846.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - permite o cumprimento da obrigação tributária – ou seja, o pagamento da dívida tributária - por terceiro. Assim, logo no n.º 3 do art. 40.º da LGT, que tem como epígrafe «Pagamento e outras formas de extinção das prestações tributárias», alude aos «contribuintes ou terceiros que efectuem o pagamento» para lhes impor a indicação dos tributos e períodos de tributação a que se referem.
No artigo seguinte, subordinado à epígrafe «Pagamento por terceiro», prevê-se expressamente:
«1. O pagamento das dívidas tributárias pode ser realizado pelo devedor ou por terceiro.
2 - O terceiro que proceda ao pagamento das dívidas tributárias após o termo do prazo do pagamento voluntário fica sub-rogado nos direitos da administração tributária, desde que tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação e obtido autorização do devedor ou prove interesse legítimo.»
Também do n.º 1 do art. 264.º do CPPT resulta a possibilidade de o pagamento ser efectuado pelo executado ou por «outra pessoa por ele».
Estabelece, por sua vez, o artigo 91º deste mesmo código sob a epígrafe “Condições da sub-rogação
1 - Para beneficiar dos efeitos da sub-rogação, o terceiro que pretender pagar antes de instaurada a execução deve requerê-lo ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária competente, que decide no próprio requerimento, caso se prove o interesse legítimo ou a autorização do devedor, indicando o montante da dívida a pagar e respetivos juros de mora.
2 - Se estiver pendente a execução, o pedido será feito ao órgão competente, e o pagamento, quando autorizado, compreenderá a quantia exequenda acrescida de juros de mora e custas.
3 - O pagamento, com sub-rogação, requerido depois da venda dos bens só poderá ser autorizado pela quantia que ficar em dívida.
4 - O despacho que autorizar a sub-rogação será notificado ao devedor e ao terceiro que a tiver requerido”.
Por força da sub-rogação, nos termos do n.º 1 do artigo 593.º do Código Civil, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”.
Com a sub-rogação, o sub-rogado, na medida em que satisfez o crédito, fica investido na titularidade do mesmo direito de crédito de que era titular o credor originário, dispondo apenas dos poderes que este detinha em relação ao devedor.
A sub-rogação consiste, assim, numa transferência do direito de crédito, ou seja, numa substituição do credor na titularidade do crédito, passando o sub-rogado a exercer o direito que detinha o primitivo credor e não um direito próprio (cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume II, 4.ª edição, págs. 324 e 334; JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, volume II, pág. 325; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2.º volume, pág. 99).
Do que fica exposto resulta que, embora o pagamento seja obrigação do devedor, que deve corresponder ao sujeito passivo da obrigação tributária, a lei permite que o pagamento também seja efectuado por terceiro, desde que nas condições nela estipuladas, que não nas acordadas entre os particulares.
Conforme se decidiu nos Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2003, proferido no processo n.º 1898/02 e de 18 de Junho de 2008, proferido no processo n.º 213/08, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, o acordo ou pacto privado em ordem ao pagamento de uma obrigação tributária por alguém que não seja o seu devedor esgota a sua eficácia nas relações jurídicas estabelecidas entre as partes, não vinculando a AT, pois não tem a virtualidade de alterar o regime jurídico da obrigação tributária previsto na lei.
A Recorrente, invocando ter sido a própria que efectuou o pagamento da dívida tributária, pretende ser colocada na situação de credora, em substituição desta.
Após ter apresentado, em 23/03/2020, um 1º requerimento, invocando ter procedido ao pagamento do valor reclamado pela Fazenda Nacional e requerendo que fosse admitida a intervir nos autos “no lugar daquela entidade”, o qual foi indeferido liminarmente, veio a mesma apresentar outro requerimento, invocando que procedeu ao pagamento da aludida quantia e que os “administradores da sociedade insolvente, enquanto responsáveis subsidiários, aceitaram que ocorresse a sub-rogação”. Invocou que  tinha interesse directo no pagamento “por via da viabilização do plano de insolvência, única forma de a mesma assegurar os seus créditos” e, com estes fundamentos, requerer novamente a sua intervenção.
Na sequência de tal requerimento e conforme despacho de 24/11/2020, foi a requerente notificada para apresentar o despacho previsto no artº 91º do CPPT autorizando a sub-rogação.
Veio, então, a mesma invocar que em momento algum se nega ou recusa que a ora requerente tenha efectuado o mencionado pagamento, o qual se mostra comprovado nos autos, pelo que, não obstante os créditos fiscais serem insusceptíveis de cessão,  tendo liquidado um crédito de terceiro, sempre é a requerente credora da sociedade insolvente, pelo que tem legitimidade para intervir e votar, nomeadamente em assembleia de credores, em relação àquele que era o crédito que a Fazenda Pública reclamava nos autos.
Terminou concluindo que deve ser considerada como detentora do crédito reclamando e reconhecida como tal para os termos dos autos.
Como se viu supra, o artº 29º da Lei Geral Tributária estipula como princípio geral o da intransmissibilidade dos créditos tributários e das obrigações tributárias, admitindo, no entanto, excepções a estes princípios «nos casos previstos na lei» (cfr. n.ºs 1 e 3, ambos in fine).
Para que o terceiro que proceda ao pagamento das dívidas tributárias após o termo do prazo do pagamento voluntário – o que é o caso -, fique sub-rogado nos direitos da administração tributária, é necessário que tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação e “obtido autorização do devedor ou prove interesse legítimo”.
Estando pendente execução, o pedido deverá ser feito ao órgão competente.
Atento o alegado, não restam dúvidas que a causa invocada para a intervenção é a sub-rogação, sendo que in casu e pelo facto de a credora primitiva ser a Autoridade Tributária a lei exige, para que ocorra a substituição do credor na titularidade do crédito, que o terceiro demonstre ter requerido a autorização de sub-rogação junto do órgão competente.
Não tendo sido desde logo junta tal autorização, a Mmª Juiz a quo determinou a notificação da requerente/apelante para proceder à junção, o que aquela não fez.
Acresce que aquilo que a Autoridade Tributária declarou nos autos foi tão só que a insolvente - “contribuinte” tinha “a sua situação regularizada, tendo procedido ao pagamento integral da dívida reclamada”.
Assim, não estando demonstrado que a apelante tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação, não pode considerar-se a mesma sub-rogada nos direitos da Autoridade Tributária e, consequentemente, deverá ser mantido o despacho que indeferiu a sua intervenção nos autos.
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IV - DECISÃO
Em face do exposto acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Custas: pela apelante.
Registe e Notifique.                                                             

Lisboa, 26/10/2021
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro