Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2886/16.8T9LSB.L2-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
PRESSUPOSTO ADICIONAL DE PUNIBILIDADE
NOTIFICAÇÃO PRÉVIA PARA EM 30 DIAS PROCEDER AO PAGAMENTO DO DEVIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- O n.º 4 do artigo 105° do RGIT, na redação introduzida pelo artº 95º da Lei nº 53º-A/2006 de 29.12, passou a estabelecer uma nova condição objetiva de punibilidade, adicional ao decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal para entrega da prestação tributária anteriormente existente, relativamente àqueles contribuintes que tenham cumprido tempestivamente a obrigação declarativa.
Essa nova condição consiste na não regularização da situação tributária declarada mas não paga, no prazo de 30 dias, depois da notificação efetuada para o efeito.
Trata-se de um pressuposto adicional de punibilidade.
 Com esta alteração, o legislador visou diferenciar as situações daqueles contribuintes que cumprem a obrigação declarativa, e dos outros que nada fazem.
Mesmo que se verifique o integral preenchimento do tipo incriminador, dá-se agora uma oportunidade àqueles que cumpriram a obrigação declarativa acessória à entrega do imposto devido. Poderão evitar a punição criminal, mantendo-se a contra-ordenacional, se nos trinta dias seguidos à notificação que lhes deve ser feita, pagarem a prestação tributária, os juros e a coima prevista no artigo 114.º do RGIT pela não entrega no prazo legal;
II- Efectuando-se duas notificações ao arguido no mesmo processo com conteúdos diferentes e com um hiato de tempo considerável entre elas, e com a mesma finalidade, tem que se considerar não preenchido aquele pressuposto adicional de punibilidade exigido por lei e como consequência o arguido deverá ser absolvido.
Decisão Texto Parcial:ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO
No processo comum em Tribunal Singular com o nº 2886/16.8T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo local criminal de Lisboa, juiz 7, o arguido e ora recorrente AA, devidamente identificado nos autos veio interpor recurso da sentença que nestes autos foi proferida a folhas 728 e seguintes, proferida em 7.11.2018, através da qual e juntamente com a co- arguida ”Fénix Working-Empresa de trabalho temporário, Ldª” foi condenado nos termos que infra se referirá.
No entanto cumpre desde já deixar assente que o arguido AA interpôs recurso intercalar a folhas 752 a 758, no entanto não deu cabal cumprimento ao nº 5 do artº 412º do C.P.P., pelo que não será o mesmo conhecido, por motivos óbvios, o que se declara.
Então:
Através daquela sentença decidiu-se condenar os arguidos nos seguintes termos:
A)Condenar a arguida, “Fenix Working - Empresa de Trabalho Temporário, Lda”, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.°, com referência ao artigo 105.°, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 30.° do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no total global de €1.750 (mil, setecentos e cinquenta euros);
B)Condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.°, com referência ao artigo 105.°, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 30.° do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão;
C)Suspender a pena de dois anos e dois meses de prisão, por igual período, ficando tal suspensão sujeita ao cumprimento da obrigação, por parte do arguido, de comprovar nos autos, no prazo de seis meses, o pagamento da quantia de €2.000 (dois mil euros), ao Banco Alimentar Contra a Fome. 
D)Julgar o pedido de indemnização civil improcedente, absolvendo os demandados do pedido;
E)Absolver a demandante do pedido de condenação como litigante de má fé.
Então, como se disse e não se conformando com a decisão proferida veio o arguido AA  e seguintes, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem “ipsis verbis” ( sublinhados nossos):
- III - CONCLUSÕES
i.Com o presente recurso pretende o Recorrente defender-se do que considera ser uma condenação injusta, particularmente no que toca ao ter sido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.°, com referência ao artigo 105.°do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 30.° do Código Penal.
ii.Recurso que versa sobre dois distintos segmentos.
a)Por um lado, e no que respeita à decisão do pedido cível, recorre-se da absolvição do Demandante na peticionada condenação em litigância de má-fé.
b)Por outro lado, e quanto ao segmento penal vem o presente recurso de apelação interposto da sentença proferida nos presentes autos, na parte em que a sentença considera preenchida a condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b) do n.° 4 do artigo 105.° do Regime Geral das Infracções Tributárias e considera não se ter demonstrado qualquer causa da exclusão da culpa.
DA CONDENAÇÃO PELA ALEGADA PRATICA DO CRIME
iii.A cabal notificação que decorre da alínea b) do n°.4 do artigo 105° do RGIT importa o conhecimento exacto do cálculo e indicação concreta das importâncias que o notificando deve pagar, se quiser evitar o procedimento criminal.
iv.Tal impõe-se, pois, que o notificando pode até estar em dívida para com outras quantias que não estão incluídas em processo concreto não estando assim obrigado a pagá-las no âmbito e para efeitos de tal notificação.
 v.Deste modo, a notificação que não contenha tais elementos não satisfaz nem a letra, nem a ratio da norma pois o notificado tem o direito a saber qual é afinal a contrapartida concreta para que os factos não sejam puníveis, o que não pode ser deixado de ser notificado no acto da notificação.
vi.Doutra forma, os seus direitos, enquanto arguido de processo de natureza criminal, não estão acautelados e mostram-se, mesmo, grosseiramente violados.
vii.Nos presentes autos, e no que respeita à responsabilidade criminal do Arguido, este foi por duas vezes notificado nos termos e para os efeitos do artigo 105°, n° 4, alínea b) do RGIT, e, em ambas, para proceder ao pagamento de € 65.924,73 (sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e quatro euros e setenta e três cêntimos)
viii.Ora, como ficou cabalmente demonstrado no processo, sempre teve razão o Arguido quando foi dizer que não tinha que cumprir aquela notificação, por não ser devida aquela quantia.
ix.Não pode assim considerar-se que o aqui Arguido, e de resto também a sociedade coarguida, foram nunca notificados, nos termos e para os efeitos do artigo 105°, n°4, alínea b) do RGIT para proceder, no prazo de 30 dias, ao pagamento da quantia que representava a contrapartida concreta para que os factos não fossem puníveis
x.Em face do exposto e verificando que a acusação não contem todos os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena, pois que, da mesma não consta a necessária condição objectiva de punibilidade exigida pelo tipo legal, impõe-se a absolvição de todos os arguidos.
xi. Impõe-se a absolvição do Arguido/Recorrente, pois, e ainda que se considere estar verificada a condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT, o que não se concede, o preenchimento desta condição não pode ser imputado ao Arguido.
xii.Notificado nos termos e para os efeitos da alínea b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT, o Arguido/Recorrente sabia que o pagamento que lhe estava a ser exigido, já devia estar satisfeito.
xiii.Se não estava como se veio a verificar, permanecendo em dívida a quantia de 27.709,24 (vinte e sete mil, setecentos e nove euros e vinte e quatro cêntimos), e já não a quantia pela qual foi acusado, esta o montante de € 65.924,73 (sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e quatro euros e setenta e três cêntimos),
xiv.Se tal pagamento não havia ainda sido satisfeito, tal não resultou de qualquer conduta do Arguido, outrossim de uma actuação ilícita dos serviços competentes da Segurança Social.

Do PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
xv.Devem ser apagados dos factos dados como não provados, os factos que constam nos números 1 e 2
xvi.Deve ser acrescentado aos factos dados como provados o seguinte ponto " Provado que no período a que se refere o pedido de indemnização cível deduzido, a dívida por contribuições retidas aos trabalhadores importa em € 23.628,52"
xvii.E, como decorrência lógica da conclusão anterior, deve ser acrescentado aos factos dados como provados o seguinte ponto " Provado que o Instituto de Segurança Social, IP, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar"
xviii.Como resulta provado nos autos, nos termos que supra ficaram expostos, o Demandante i) deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, ao peticionar indemnização por uma quantia que sabe não ser devida,
 xix.Resultando igualmente provado nos autos que o Demandante alterou a verdade dos factos omitindo factos relevantes para a lide, ao esconder do Tribunal que havia reformulado a forma como aplicou a verba proveniente da caução
xx.Com esta conduta o Demandante preencheu a previsão das normas ínsitas nas alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 542° do Código do Processo Civil.
xxi.Impondo-se como consequência que, à luz do estatuído naquelas normas, o Demandante seja condenado em litigância de má-fé
xxii.A sentença recorrida comete, neste segmento, um erro de julgamento, ao considerar que "... não resulta que a mesma tivesse procedido na exposição dos factos das suas posições a uma alteração substancial dos factos que tenha sido absolutamente relevante para ajusta resolução do litígio nem que tenha agido de má fé.
xxiii.Ignorando que o Demandante deduziu pedido de indemnização civil pelos factos integradores do crime imputado ao Arguido, peticionando uma indemnização no valor de 65.924,736 (sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e quatro euros e setenta e três cêntimos), quando, no momento em que o pedido foi deduzido, tal verba não era devida, como o Demandante bem sabia, e não tinha sequer como ignorar.
xxiv.Deste modo, deve a sentença, nesta parte, ser corrigida declarando a litigância de má-fé do Instituto de Segurança Social, LP. e, em consequência, ser aquele Instituto condenado a indemnizar o Demandado/Recorrente na quantia de € 10.000,00 (dez mil euros)
TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO INTERPOSTO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A DECISÃO RECORRIDA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE NO SEGMENTO PENAL ABSOLVA O ARGUIDO DO CRIME DE QUE VEM ACUSADO, E QUE NO SEGMENTO CÍVEL CONDENE A DEMANDANTE EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, E NO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO AO ARGUIDO DE € 10.000,00.
O recurso foi admitido a folhas 777, através de despacho judicial.
 O MºPº junto da primeira instância respondeu só ao recurso apresentado  pelo arguido  pela forma  constante de 781v., que aqui se tem por integralmente reproduzido.
Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, a Digna Procuradora Geral Adjunta nela apos o seu “visto”,a fls 796.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.
Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recuro.
FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
 Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).
O objecto do recurso interposto pelo recorrente, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões:
- O artº 105 nº 4 al b) do RGIT nunca foi cumprido nos seus devidos termos legais relativamente aos arguidos, pois esta notificação deve conter a indicação concreta das importâncias que o notificando deve pagar se quiser evitar o procedimento criminal, coisa que nunca sucedeu no caso dos autos pelo que o arguido deverá ser absolvido;
-mesmo que assim não se entenda o pagamento que lhe estava a ser exigido já estava satisfeito pela caução/garantia bancária que prestou;
-O arguido deverá ser absolvido e a demandante cível ser condenada por litigância de má-fé, pois na altura da dedução do pedido cível, já sabia que tal quantia não era devida pelos arguidos.
Vejamos então:
A sentença sob censura tem o seguinte teor, de acordo com suporte informático, em formato word:

SENTENÇA
I- Relatório
(……………………)
II             - Fundamentação
1.            Matéria de facto provada
Da instrução e discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
Da Pronúncia:
1.A sociedade arguida é uma sociedade por quotas que tem por objecto o exercício da actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores;
2.O arguido exerceu a função de gerente de facto da sociedade no período compreendido entre Setembro de 2011 e Agosto de 2014.
3.Nesse mesmo período, o arguido, enquanto gerente da sociedade arguida, deduziu do valor das remunerações pagas aos trabalhadores por conta de outrem as respectivas quotizações devidas à Segurança Social, no valor total de 65.924,736 (sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e quatro euros e setenta e três cêntimos).
4.Mais concretamente, são as seguintes as quotizações referidas em 3:
Mês         Valor (Regime Geral)
Setembro 2011     €4.545,92
Outubro 2011       €3.812,81
Novembro 2011    €3.388,33
Dezembro 2011    €2.555,45
Janeiro 2012           €1.237,96
Março 2012           €1.970,
Abril 2012             €2.042,61
Maio 2012               €2.119,41
Junho 2012            €2.284,64
Julho 2012             €3.702,56
Agosto 2012           €2.172,92
Setembro 2012     €1.841,54
Outubro 2012       €2.904,78
Novembro 2012    €2.148,20
Dezembro 2012    €3.058
Janeiro 2013          €1.957,49
Fevereiro 2013      €2.321,91
Março 2013           €1.666,25
Abril 2013             €1.569,84
 
Maio 2013             €1.476,51
Junho 2013           €1.363,59
Julho 2013            €1.398,79
Agosto 2013          €1.530,64
Setembro 2013     €1.607
Outubro 2013       €1.643,92
Novembro 2013    €1.524,91
Dezembro 2013    €2.542,38
Janeiro 2014           €1.308,73
Fevereiro 2014      €875,62
Março 2014           €960,28
Abril 2014              €981,50
Maio 2014              €1.053,77
Junho 2014            €769,02
Julho 2014             €277,42
Agosto 2014          €120,03
TOTAL    €65.924,73

5. O arguido, enquanto gerente da sociedade arguida, não procedeu ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, nem no prazo legalmente previsto para o efeito, nem nos 90 dias subsequentes ao termo do prazo legal.
6.Notificado nos termos do disposto no artigo 105°, n.°4, al. b) do RGIT, o arguido, enquanto gerente da sociedade arguida, não liquidou o valor em dívida nos 30 dias subsequentes à sua notificação;
7.O arguido sabia que as contribuições deduzidas das remunerações auferidas pelos trabalhadores por conta de outrem constituíam um crédito da Segurança Social e que, ao não as entregar, obtinha um benefício indevido;
8.O arguido, enquanto gerente da sociedade arguida e actuando em nome desta, previu e quis, deduzir das remunerações pagas aos trabalhadores por conta de outrem as contribuições impostas por lei, nos períodos supra referidos, as quais não entregou à Segurança Social, no prazo devido, utilizando esse montante em proveito próprio e/ou da sociedade arguida; 
9.Sabia o arguido, agindo enquanto gerente da sociedade arguida, que tal conduta lhes estava vedada por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiu de a realizar;
Da contestação à acusação:
10.Para pagamento de quantias devidas ao Instituto da Segurança Social, IP, entre as quais, pelo menos em parte, aquelas a que se referem os presentes autos, foi acionada uma garantia bancária prestada pela sociedade arguida a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que havia sido constituída ao abrigo da obrigação imposta pelo artigo 6.° da Lei n.° 19/2007, de 22 de maio;
11.A sociedade arguida enfrentou dificuldades financeiras, decorrentes de uma diminuição de clientes, tendo deixado de conseguir cumprir as suas obrigações;
12.A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença datada de 09.04.2014;
13.Através de carta datada de 10 de março de 2015, dirigida à Secção de Processo executivo de Lisboa II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, a sociedade arguida solicitou o acionamento do seguro caução e que o montante do mesmo fosse aplicado ao pagamento das cotizações em dívida referentes aos períodos de novembro de 2009 a agosto de 2014;
14.Através de carta datada de 07 de dezembro de 2015, dirigida ao Instituto da Segurança Social, I.P., Unidade de Prestações e Contribuições, Núcleo de Contribuições, o arguido AA informou que a sociedade arguida “prestou uma garantia bancária no montante de cerca de €100.000,00 (cem mil euros), nos termos legalmente exigidos, para a eventualidade de a mesma não cumprir com as suas obrigações contributivas para com a segurança social”, mais tendo solicitado que esclarecessem se a garantia bancária existente já havia sido acionada e qual o valor remanescente em dívida;
15.Por comunicação expedida em 08.05.2017, dirigida à sociedade arguida, a Unidade de Prestações e Contribuições da Segurança Social veio informar que o seguro da caução no valor de €130.707,50 foi acionado e considerado para pagamento da dívida do período contributivo de 2009/11 a 2010/11 e parte de 2010/12 acrescido dos respetivos juros de mora;
16.Em 04.07.2017 a sociedade arguida foi notificada pela Segurança Social da reformulação da aplicação da caução, tendo esta considerado pagas as cotizações retidas aos trabalhadores e respetivos juros de mora até janeiro de 2013;
17.Mais se provou: 
18.A caução referida em 10 foi disponibilizada à Segurança Social em 19.02.2016;
19.A fls. 566 dos autos, por email datado de 14 de dezembro de 2017 veio o Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social informar que em 11.12.2017 foi liquidada a totalidade da dívida de cotizações e juros de mora remanescendo a dívida relativa à coima e custas, nos valores de €15.750 e €25;
20.A sociedade arguida não tem antecedentes criminais registados;
21.0 arguido AA trabalha como gestor de empresas, auferindo mensalmente €2.500;
22.Vive com uma companheira e com 4 filhos com 18, 12, 04 anos e 15 meses;
23.A companheira do arguido aufere a quantia mensal de €3.500;
24.Pagam a título de renda de casa o valor de €1.100.
25.O arguido José Ribeiro Costa tem registados os seguintes antecedentes criminais:
- Condenação, por decisão datada de 23.06.2005, transitada em julgado em 17.05.2006, proferida no âmbito do processo n.° 472/02.9TAVLG, pela prática, em 17.10.2002, de um crime de injúria, na pena de 90 dias de multa à razão diária de €10;
- Condenação, por decisão datada de 10.02.2011, transitada em julgado em 20.12.2012, proferida no âmbito do processo n.° 336/04.1DPRT, pela prática, em 14.07.2003, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 4 anos, sob condições;
- Condenação, por decisão datada de 02.10.2014, transitada em julgado em 10.09.2016, proferida no âmbito do processo n.° 9492/05.0TDLSB, pela prática, entre 2004 e 2009, de 9 crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos pelo artigo 105.°, n.°s 1 a 5 do RGIT, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
2.Matéria de facto não provada
Da contestação ao pedido de indemnização civil:
1No período a que se refere o pedido de indemnização civil deduzido, a dívida por contribuições retidas aos trabalhadores importa em €23.628,52;
2.O Instituto da Segurança Social, IP deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar. 
Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
Não se respondeu àquela matéria constante das contestações dos arguidos que é conclusiva; integrante de conceitos de direito ou irrelevante para o conhecimento do objeto dos autos.
Não existem factos ínsitos no pedido de indemnização civil apresentado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. que devam ser feitos plasmar, porquanto os mesmos constituem repetição da matéria constante da acusação (relativamente à qual já se tomou posição); meramente conclusiva e integradora de conceitos de direito.
3.Motivação quanto à matéria de facto
A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada da totalidade dos elementos de prova produzidos, nomeadamente, nas declarações prestadas pelo arguido (que admitiu os factos constantes da acusação no que concerne às funções que exercia na sociedade arguida e ao facto de ter retido aos trabalhadores as quotizações indicadas na acusação) e no teor dos documentos juntos aos autos, avaliados à luz das regras da experiência comum.
No que respeita aos factos referentes ao objeto e atividade da sociedade arguida, bem como à qualidade de gerentes do coarguido relevou a certidão comercial da sociedade arguida, não impugnada, junta aos autos a fls. 55 a 42.
A convicção do tribunal no que concerne à circunstância de os arguidos terem sido notificados para proceder ao pagamento das quantias em dívida resulta da análise dos documentos de fls. 20 a 23 (referente à notificação efetuada à sociedade arguida) e de fls. 24 a 25 (referente à notificação efetuada ao arguido AA).
Tais notificações foram, inclusivamente, feitas em duplicado, tal como consta de fls. 68 e 91 dos autos.
Quanto aos factos respeitantes às quantias descritas na acusação, correspondentes às deduções efectuadas em matéria de remunerações, relevou a análise dos documentos de fls. 116 a 241 (extratos globais das declarações de remuneração, de onde constam as quantias pagas a tútulo de salários e os montantes retidos); do “Parecer Fundamentado” de fls. 243 a 250 e do mapa das quotizações retidas e não pagas, junto a fls. 18/19.
A referida documentação foi valorada em conjunto com os depoimentos prestados por BB, CC, DD e FF (todos ex trabalhadores da sociedade arguida) e GG (Diretor da unidade de contribuições da Segurança Social de Faro).
Considerou-se, ainda, no que respeita aos valores e meses referentes às quotizações, os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela defesa,HH e JJ, respetivamente ex- directora e contabilista da sociedade arguida), que referiram ter analisado os mapas de quotizações e constatado que os valores indicados eram os corretos.
Através dos depoimentos prestados por estas duas testemunhas, das declarações do arguido e, sobretudo, do depoimento prestado pela testemunha GG, formou o tribunal convicção quanto à circunstância de o Instituto da Segurança Social, IP ter acionado a caução prestada pela sociedade arguida a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional, ao abrigo da obrigação imposta pelo artigo 6.° da Lei n.° 19/2007, de 22 de maio, a fim de, através da mesma, se fazer ressarcir de dívidas da sociedade arguida à segurança social, incluindo parte das quotizações que constituem objeto dos presentes autos.
Do depoimento prestado por GG resultou ainda que a caução foi disponibilizada à segurança social no dia 19.02.2016.
Tomaram-se ainda em conta o teor dos documentos juntos a fls. 314 a 317, 382 a 386 e 566 (informações prestadas pelo Instituto da Segurança Social) e a fls. 318 a 324 (cartas remetidas pelos arguidos ao Instituto da Segurança Social).
Consideraram-se, ainda, nos ternos já referidos, as declarações do arguido, que assumiu integralmente a prática dos factos que lhe são imputados, esclarecendo igualmente que a falta de entrega das quantias em causa ficou a dever-se ao facto de a sociedade não dispor de verbas para o efeito, uma vez que atravessava graves dificuldades económicas, já que tinha apenas quatro clientes principais e que estes próprios entraram em situação de crise financeira.
No que respeita à consciência por parte do arguido da ilicitude da sua conduta, pese embora este tenha que, numa primeira fase, tinha um acordo de pagamento em prestações e, nunca segunda fase, pensou que a segurança social se poderia ressarcir através da caução prestada a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional, é evidente que sendo o arguido um empresário não podia deixar de saber que estava obrigado a entregar à segurança social os montantes correspondentes às quotizações que reteve dos salários dos trabalhadores, sabendo, ainda, que ao não fazê-lo, incorria na prática de um crime.
No que concerne às condições sociais e económicas do arguido, foram tomadas em consideração as declarações prestadas pelo arguido que nos mereceram credibilidade.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, consideraram-se os respectivos certificados do registo criminal juntos aos autos.
Os factos considerados não provados, não se ignorando o teor marcadamente conclusivo do ponto n.° 2, resultam da circunstância de não ter sido efetuada prova quanto aos mesmos.
Com efeito, produzida toda a prova oferecida haverá que concluir que os montantes que consecutivamente foram sendo indicados pela segurança social como estando em dívida e sucessivas reformulações e alterações, prendem-se com formas de imputação dos valores da caução prestada pela sociedade arguida às quantias em dívida e alterações à forma de cálculo da mesma, não traduzindo qualquer intenção direta de omitir factos ao tribunal ou alterar a verdade.
III - Enquadramento jurídico dos factos
Uma vez fixada a matéria de facto, cabe agora proceder ao seu enquadramento jurídico-penal, tendo em consideração que os arguidos estão acusados pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido, pelo artigo 107.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 05 de Junho, com referência ao artigo 105.° do mesmo diploma.
O artigo 6.° do Regime Geral das Infracções Tributárias prevê a punibilidade da actuação em nome de outrem, ou seja, de quem agir, voluntariamente, como órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva.
Por seu turno, o artigo 7.° do mesmo diploma dispõe que as pessoas colectivas são responsáveis pelos crimes aí previstos quando cometidos pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo, estabelecendo, ainda, que a responsabilidade daquelas não afasta a responsabilidade individual dos agentes.
In casu a sociedade arguida era, na data da prática dos factos, representada pelo seu gerente, o ora arguido José Ribeiro da Costa.
Dispõe o artigo 107.° do Regime Geral das Infracções Tributárias que:
“1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n°s 1 e 5 do artigo 105°.
2- E aplicável o disposto nos nas 4 e 7 do artigo 105º".
O artigo 105.° estabelece como penas aplicáveis, “pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias
O bem jurídico que se pretende proteger com o crime de abuso de confiança contra a segurança social - que, no essencial, apenas difere do crime de abuso de confiança fiscal, no que respeita à entidade credora das quantias retidas - consiste na confiança do Estado (in casu Segurança Social) na real capacidade contributiva dos contribuintes, tendo-se em vista a prossecução dos princípios da igualdade e justiça tributárias.
São elementos objetivos deste tipo legal de crime:
a) A dedução, pelas entidades empregadoras, do valor das contribuições legalmente devidas pelos trabalhadores ou membros dos órgãos sociais;
b) A falta de entrega, total ou parcial, à Segurança Social, dos montantes deduzidos.
As entidades empregadoras estão obrigadas a entregar à Segurança Social as declarações de remunerações pagas no mês anterior aos seus trabalhadores, incidindo sobre os valores pagos taxas contributivas fixadas na lei, cujos montantes devem ser deduzidos a essas remunerações e entregues pela entidade empregadora, juntamente com a sua própria contribuição.
Atualmente, a lei não integra nos elementos do tipo, a expressa referência à “apropriação”, centrando-se na recusa ilegítima de entrega à administração tributária da prestação em causa.
Ainda no domínio de vigência do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras já era entendimento jurisprudencial prevalecente que se apropria da prestação o agente que não entrega a prestação tributária deduzida, usando-a para um fim diferente do legalmente previsto.
No que concerne à apropriação, importa, desde já, esclarecer que a mesma “não pressupõe o uso da coisa apropriada no interesse económico directo e imediato do agente, mas apenas que este a possui como se fosse sua'’ usando-a, assim, para fim diverso daquele para o qual a quantia lhe foi confiada (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2004, publicado na Colectânea de Jurisprudência, tomo V, 2004, pág. 210).
Do ponto de vista do preenchimento do tipo objectivo é irrelevante que o agente tenha integrado as quantias deduzidas no seu património pessoal, uma vez que o elemento apropriação, não pressupõe a utilização da coisa em proveito próprio.
Neste sentido se decidiu, entre outros, no Acórdão da Relação de Guimarães, de 25 de Maio de 2005, Processo: 1039/04-1 (www.dgsi.pt~) e no Acórdão da Relação de Coimbra de 23/03/2009, também disponível em (www.dgsi.pt), nos termos do qual:
“A «apropriação» é, por assim dizer, uma consequência lógica do desvio do destino das prestações tributárias retidas, pelo que, assim entendida, como omissão de entrega dessas prestações a quem de direito, com sua utilização para outros fins, dúvidas não podem restar de que, no caso vertente, houve apropriação por parte dos arguidos. Não se trata apenas da não entrega das prestações tributárias, mas da sua utilização para outros fins, com consciência de que as mesmas eram pertença do Estado”.
Em tais termos, é de considerar que os arguidos, ao deduzirem dos salários pagos aos trabalhadores a quantia correspondente à prestação devida à Segurança Social, dando, a tais quantias, destino diverso da sua entrega ao Estado, apropriaram-se das mesmas.
A tal apropriação não obsta o facto de os arguidos terem aplicado as referidas quantias a fins do interesse da sociedade, ainda que tais fins sejam o pagamento de outros salários ou a liquidação de débitos a fornecedores.
Ora, face aos factos provados, dúvidas que não restam que estão preenchidos os elementos do tipo objectivo do crime em questão.
Importa, ainda, verificar se se mostra preenchida a condição objectiva de punibilidade introduzida na alínea b) do n.° 4 do artigo 105.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, pela Lei n° 53-A/2006.
O n° 4 do referido artigo, dispõe que os factos em questão apenas são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e, desde a Lei do Orçamento do Estado para 2007, passou a exigir-se a verificação do incumprimento depois de uma notificação para regularização da situação fiscal, no prazo suplementar de 30 dias, nos termos da alínea b) desse n.° 4, aditado pelo referido diploma legal.
No caso sub judice, essa condição objectiva de punibilidade também se verifica, uma vez que, tal como resulta da factualidade provada, os arguidos foram notificados para regularizar a situação fiscal, não o tendo feito, pelo menos, quanto aos montantes referidos na acusação.
Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, apesar de o crime de abuso de confiança previsto no artigo 205.° do Código Penal exigir o dolo específico de obter para si, ou para outrem, vantagem patrimonial indevida, o artigo 107.° do Regime Geral das Infracções Tributárias pune a não entrega, sem necessidade de ulterior apropriação das prestações da Segurança Social retidas na fonte. O dolo manifesta-se, assim, “quanto à relação de confiança e à apropriação, total ou parcial, da prestação tributária(cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Junho 2005, acessível em www.dgsi.pt).
No caso sub judice, resulta dos factos provados que os arguidos quiseram agir da forma descrita, bem sabendo que a sociedade arguida estava obrigada a proceder à entrega das prestações que foram retidas nas remunerações pagas aos seus trabalhadores.
Ao deduzir no valor das remunerações mensais pagas aos seus trabalhadores, e não entregarem à Segurança Social, os montantes retidos, os arguidos alcançaram uma vantagem patrimonial ilegítima, financiando-se à custa do Estado.
Por fim, não se demonstrou qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude.
E certo que da argumentação do arguido e da factualidade provada resulta que a sociedade arguida, pelo facto de ter como objeto social a actividade de cedência de trabalhadores a terceiros (vg. trabalho temporário) constituiu a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional a caução para o exercício da atividade, em conformidade com o disposto na Lei n.° 19/2007, de 22 de maio.
Certo também é que o arguido José Ribeiro da Costa, notificado para os efeitos previstos pelo artigo 105.°, n.° 4, alínea b), do RGIT, dirigiu ao Instituto da Segurança Social,
IP, a carta junta aos autos a fls. 26, através da qual dá conta da prestação de garantia bancária e solicita informação sobre se a mesma já foi executada e a que montante e períodos foi aplicada.
No entanto, a existência da referida caução não colide minimamente com a condição objetiva de punibilidade, nem tem o condão de dispensar os devedores de proceder ao pagamento dos valores, coimas e juros que forem devidos.
Ou seja, independentemente da existência da referida caução, o arguido podia e devia ter procedido ao pagamento dos montantes indicados na referida notificação, sendo que as consequências a extrair de tal falta de pagamento não podem ficar dependentes dos eventuais esclarecimentos que os arguidos entendam solicitar ao Instituto da Segurança Social.
Acresce que a referida caução (que tem em vista a proteção dos interesses e direitos dos trabalhadores e não do Instituto da Segurança Social) não é constituída com a finalidade de assegurar o pagamento das quotizações devidas, muito menos, dos respetivos juros e coimas.
Não podia, pois, o arguido, deixar de saber que a existência da referida caução não o desobrigava de efetuar o pagamento.
Sempre se diga, aliás, que em face da redação do artigo 190.°, n.° 1, alínea b), do Código do Trabalho, que se refere expressamente a contribuições e não a quotizações, suscitam- se-nos sérias reservas sobre a decisão do Instituto da Segurança Social, IP, de ter utilizado o valor da caução por forma a, através deste, se fazer pagar parcialmente de dívidas referentes a quotizações.
Certo é que, em nosso entender, quando o Instituto da Segurança Social, IP, fez uso da caução prestada pela sociedade arguida, ou seja, em fevereiro de 2016, já o crime se havia consumado e também já a condição objetiva de punibilidade - aqui se insistindo em que o arguido foi, pela primeira vez, notificado no dia 18.09.2015 - havia produzido todos os seus efeitos.
Tudo ponderado, resulta claro que os arguidos cometeram, o crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social de que vêm acusados.
Dispõe o artigo 30.°, n.° 2 do Código Penal que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente ”.
O conceito de crime continuado resulta de uma ficção jurídica: para efeitos de punição, o legislador trata uma pluralidade de crimes como se fosse um só, em consideração “ó identidade do bem jurídico protegido, à homogeneidade da execução e à diminuição considerável da culpa no caso concreto” (in, Germano Marques da Silva in Direito Penal Português, II, Verbo, 1998, pág. 320).
Temos, assim, que são elementos essenciais e cumulativos da figura do crime continuado:
a) A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime;
b) A identidade do bem jurídico protegido, no sentido em que o interesse tutelado deve ser
essencialmente o mesmo;
c) A homogeneidade da execução;
d) A diminuição considerável da culpa no caso concreto, resultante das circunstâncias que rodearam a prática do crime e das facilidades com que o agente se deparou para o cometimento de actos idênticos;
e) A unidade do dolo.
Face à factualidade provada, é inequívoca a existência de uma pluralidade de resoluções criminosas, porquanto tais resoluções traduziram-se na realização repetida de um mesmo tipo de crime, estando em causa prestações da mesma natureza, sendo certo que as mesmas foram executadas por uma forma essencialmente homogénea (dedução e retenção nas retribuições) e num quadro de circunstâncias semelhantes, consubstanciadas nas dificuldades económicas da sociedade arguida.
Este circunstancialismo exógeno cria a convicção de que era menos exigível que os arguidos tivessem assumido um comportamento conforme ao Direito, o que indicia a existência de uma diminuição considerável da sua culpa.
Pelo exposto, é de concluir que os arguidos cometeram um crime de abuso de confiança contra à Segurança Social na forma continuada, sendo-lhes aplicável a pena correspondente à conduta mais grave integrada na continuação (artigo 79.° do Código Penal).
*
(:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::)
V             - Do Pedido de Indemnização Civil
Cabe agora analisar e decidir do fundamento e procedência do pedido cível deduzido.
Dispõe o artigo 129.° do Código Penal que: “A indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil. ”
O regime jurídico aplicável aos presentes autos é o que resulta do disposto nos artigos 483.° e seguintes e 562.° do Código Civil.
De acordo com o referido artigo 483.° “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Assim, são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos:
a) a verificação de um facto voluntário do agente;
b) a ilicitude desse facto;
c) um nexo de imputação do facto ao lesante;
d) a ocorrência de um dano;
e) a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
Resulta da análise da matéria de facto dada como provada, bem como da apreciação inerente à responsabilidade criminal, que os factos praticados pelos arguidos consubstanciam a prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social.
Está igualmente comprovada a voluntariedade da conduta ilícita, e inexiste qualquer causa de justificação.
Decidida a questão da existência de uma conduta culposa e violadora de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, impõe-se apreciar a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: a existência de danos como consequência direta e necessária da conduta da arguida.
Considerando que só os danos resultantes da violação estão abrangidos pela obrigação de indemnizar, é necessário determinar, de entre as várias condições do evento danoso, as que legitimam a imposição dessa obrigação sobre o agente. Tal determinação faz-se de acordo com o disposto no artigo 563.° do Código Civil, nos termos do qual: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. ”
O artigo 562.° do Código Civil estabelece, como princípio geral, que: "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
Na fixação da indemnização, nos termos do artigo 496.° do Código Civil, são considerados quer os danos patrimoniais, quer os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ora, no caso presente, o dano reporta-se às quantias que a sociedade arguida reteve aos seus trabalhadores, a título de cotizações, e indevidamente não entregou à Segurança Social.
A obrigação que sobre ela impendia, por força das disposições legais que violou, é uma obrigação pecuniária, pelo que se mostra possível a reconstituição natural, nos termos do artigo 562.° do Código Civil, devendo a indemnização calcular-se de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 564.° do mesmo diploma.
Resulta da informação prestada pela própria demandante que a totalidade da quantia em dívida foi, entretanto, liquidada.
E, tais termos, não há, na presente data, qualquer dano indemnizável a ressarcir.
Da invocada litigância de má fé por parte do Instituto da Segurança Social, I.P.;
Veio o demandado requerer a condenação da demandante, como litigante de má fé, no pagamento de indemnização no valor de €10.000.
Litigante de má-fé, segundo o artigo 542.° n.° 2 do Código de Processo Civil é aquele
que:
a) - tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava;
b) - tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes;
c) - tiver omitido grave dever de cooperação;
c) - tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.
O dolo pode ainda ser substancial- quando diz respeito à relação material, hipótese contemplada nas alíneas a) e b)- ou instrumental, quando diz respeito à relação processual hipótese contemplada para na alínea c).
O citado artigo 542.° impõe uma responsabilidade subjetiva no caso de dolo, tanto na sua forma substancial como instrumental, só a lide essencialmente dolosa, e não a meramente temerária ou ousada, justifica a condenação de litigante de má-fé.
Fazendo uma análise dos autos, entendemos que não se justifica condenar a demandante como litigante de má-fé, pois, apesar de a sua conduta processual raiar os limites do admissível, não resulta que a mesma tivesse procedido na exposição das suas posições a uma alteração substancial dos factos que tenha sido absolutamente relevante para a justa resolução do litigio, nem que tenha agido de má fé.
Em consequência, decide-se absolver a demandante da peticionada condenação como litigante de má fé.
VI- Decisão
Por todo o exposto, o Tribunal decide:
A) Condenar a arguida, “Fenix Working - Empresa de Trabalho Temporário, Lda, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.°, com referência ao artigo 105.°, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 30.° do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no total global de €1.750 (mil, setecentos e cinquenta euros);
B) Condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107.°, com referência ao artigo 105.°, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 30.° do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão;
C) Suspender a pena de dois anos e dois meses de prisão, por igual período, ficando tal suspensão sujeita ao cumprimento da obrigação, por parte do arguido, de comprovar nos autos, no prazo de seis meses, o pagamento da quantia de €2.000 (dois mil euros), ao Banco Alimentar Contra a Fome. 
D) Julgar o pedido de indemnização civil improcedente, absolvendo os demandados do pedido;
E) Absolver a demandante do pedido de condenação como litigante de má fé.
F) Condenar os arguidos no pagamento das custas criminais (artigos 513.° e 514.° do Código de Processo Pena e 8.°, n.° 9 do Regulamento das Custas Processuais), fixando-se em 4 U.C. a taxa de justiça.
(…) 

Conhecendo, dir-se-á:
O arguido não impugnou a matéria de facto nos termos legais e consentidos no artº 412º nº 3 e 4 do CPP.
Já acima se delimitou porém o âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo arguido e ora recorrente, os quais se circunscrevem ou delimitam às questões supra enumeradas.
Cotejando a sentença recorrida, constata-se que dela constam algumas idiossincrasias, vejamos então:
O Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº 6/2008 , in DR I Série, nº 94 de 15-05-2008, estabeleceu concordando-se com os seus fundamentos:
A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT].
 De acordo com o disposto no Ac. TRP de 7-01-2015 nele se refere que, “ A nova redação do artigo 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, estabelece um pressuposto adicional de punibilidade segundo o qual a não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida. A condição de punibilidade não é a notificação para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante ela, liquidando (ou não) as quantias em causa, condição de não punibilidade. Na notificação realizada ao abrigo do disposto no art. 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, não têm que ser indicadas as concretas importâncias em dívida.
Podemos desde já deixar expresso, que é com reservas que subscrevemos a cem por cento, o entendimento referido no Acórdão que antecede, e passemos a explicar, anotando-se que mesmo que se adoptem ratios imutáveis, o certo é que cada caso é um caso, e os Tribunais no exercício das suas funções constitucionalmente consagradas, terão que concretamente analisar a situação jurídica que lhe é presente, e neste caso, um recurso de uma decisão tomada em primeira instância, como é por demais evidente, com as suas particularidades.
Sob o ponto de vista dogmático-jurídico, o crime de abuso de confiança fiscal, assim como o crime de abuso de confiança contra a segurança social, configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico previsto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação tributária, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para cumprimento da obrigação tributária, por força do n.º 2 do art. 5.º do RGIT.
O n.º 4 do artigo 105° do RGIT, na redação introduzida pelo artº 95º da Lei nº 53º-A/2006 de 29.12, passou a estabelecer uma nova condição objetiva de punibilidade, adicional ao decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal para entrega da prestação tributária anteriormente existente, relativamente àqueles contribuintes que tenham cumprido tempestivamente a obrigação declarativa.
Essa nova condição consiste na não regularização da situação tributária declarada mas não paga, no prazo de 30 dias, depois da notificação efetuada para o efeito.
Trata-se de um pressuposto adicional de punibilidade.
 Com esta alteração, o legislador visou diferenciar as situações daqueles contribuintes que cumprem a obrigação declarativa, e dos outros que nada fazem.
Mesmo que se verifique o integral preenchimento do tipo incriminador, dá-se agora uma oportunidade àqueles que cumpriram a obrigação declarativa acessória à entrega do imposto devido.
Poderão evitar a punição criminal, mantendo-se a contra-ordenacional, se nos trinta dias seguidos à notificação que lhes deve ser feita, pagarem a prestação tributária, os juros e a coima prevista no artigo 114.º do RGIT pela não entrega no prazo legal.
Ora como se disse, esta nova redação do artigo 105.º n.º4. al. b) do RGIT estabelece um novo requisito ou pressuposto adicional de punibilidade, no sentido de que agora os factos não serão puníveis criminalmente se o agente regularizar a dívida tributária nos termos aí definidos.
A não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida.
Importa porém realçar que a condição de punibilidade não é a notificação que deve ser feita para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante esse procedimento (de notificação) que agora se exige.
Independentemente do efetivo e concreto teor da notificação em causa, a mesma resulta em favor do agente e impõe a este um facere de forma a excluir por esta sua acção a punibilidade da sua anterior conduta: o pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos respetivos juros e da coima aplicável.
No caso dos autos, ou melhor dizendo, ao longo dos autos,  e ao abrigo do disposto no artº 105 nº 4 al) b do RGIT, “inexplicavelmente” e ao longo do desenrolar do processo os arguidos foram ALVOS , não de UMA mas de DUAS notificações ao abrigo da norma supra citada, e com conteúdos diferentes.
E  assim retira-se que ao contrário do exarado na sentença recorrida, estas NÃO foram feitas em DUPLICADO, pelo simples facto de não serem iguais ou feitas em duplicado como refere a sentença recorrida.
Estas notificações têm um  conteúdo bem diferenciado, ou seja encurtando razões,  e simplificando, não são de todos iguais, para se poder  considerar ser uma  o duplicado da outra… para tal basta atentar com o devido cuidado na leitura do seu conteúdo, respectivamente a folhas 24 e 68, bem como nas diferentes datas em que cada uma foi efectuada…
Ora tal circunstância, faz logo que tendo de examinar o processo ainda com uma maior acuidade se cure saber a razão para a necessidade de se fazer duas notificações, quando uma deveria bastar…
Assim:
No presente caso, na PRIMEIRA notificação efectuada ao arguido recorrente a fls. 24 e 25, , não consta a liquidação dos concretos montantes referentes aos juros devidos, nem às coimas aplicadas, ou seja não cumpre manifestamente de forma plena o legalmente estatuído, e que é, não esqueçamos requisito objectivo de punibilidade, nem a  advertência que se proceder ao pagamento, os factos deixam de ser criminalmente puníveis.
 Contudo, há quem entenda do citado artigo 105º do RGIT, que não resulta essa mesma obrigatoriedade, de menção expressa de tais montantes na notificação realizada, sendo certo que pela própria natureza variável dos mesmos montantes, essa indicação seria sempre meramente indicativa, até à concreta e efetiva data da entrega dos montantes em causa, com o consequente momento da liquidação dos demais montantes.
Mas daqui não se retira, claramente, que a menção por exemplo, aos montantes das coimas ou aos juros não tenha de ser feita, o que aqui se acha e intui, é que não é necessário referir os exactos montantes dos juros por estarem em constante actualização, sob pena, entendemos de se simplificar e esvaziar a finalidade desta condição objectiva de punibilidade a uma mera formalidade esvaziada de conteúdo.
Entendemos que se o arguido tem de ser notificado para pagar o devido dentro de 30 dias, este tem o direito de saber exactamente (ressalvando a contagem dos juros por estarem em constante actualização) qual o montante a pagar, para de forma célere proceder ao seu pagamento, pois se assim não for aquele prazo fica inelutavelmente comprimido porque o arguido tem que se deslocar junto das entidades competentes, primeiro para saber qual o valor das coimas a pagar, cujo valor está omisso, bem como dos juros, sabendo nós as condicionantes e entraves que podem ocorrer neste processo.
Deste modo e pelo que que supra se deixou expresso aquela condição de punibilidade do artº 105 nº 4 al b) do RGIT, tem que vir perfectibilizada, ou seja se o arguido tem trinta dias para pagar, o montante que este tem de efectuar, neste caso à Segurança tem de estar completamente revelado naquela notificação, para lhe possibilitar o “facere” do pagamento não ficando dependente de organismos do Estado para saber o exacto montante que tem de pagar.
Alias nem consideramos impossível, pelo contrário, que ali se fizesse a concreta contagem dos juros devidos à data daquela notificação…
Isto tudo porque o fundamento do instituto em causa exige dos arguidos uma conduta positiva e ativa junto da administração tributária ou da segurança social, para liquidar tais montantes, de forma a excluir a punibilidade das suas condutas.
Assim, da actividade desenvolvida pelo agente junto das entidades tributárias irá obrigatoriamente resultar a concretização efectiva dos montantes em dívida, cujo pagamento exclui a punibilidade criminal da conduta anterior.
Mas tal pressupõe em analepse que os arguidos tenham um esclarecido conhecimento dos montantes em divida a liquidar, e neste caso, à Segurança Social, como deflui mesmo da norma jurídica em questão, não podendo esta passar a ser considerada como um produto “branco” da administração pública, ou como um mero requisito formal destituído de conteúdo, que é exactamente a menção do devido pelo contribuinte relapso.
Mas,  no caso concreto dos autos, mostra-se documentada a actividade do arguido já  no ano de 2005, e por duas vezes, note –se,  junto das entidades competentes no sentido de fazer accionar a caução que anteriormente  tinha prestado, e de informação sobre as quantias devidas, que sem dúvida indicia uma intenção de efectuar tais pagamentos em falta e de também de reparar a lesão provocada no erário público, com o accionamento da caução que tinha prestado, fazendo dois requerimentos para o efeito  junto das entidades competentes ambos no ano de 2015, as quais aparentemente não obtiveram uma resposta assertiva pela Segurança Social, mas que não impediram que a “administração pública” tenha utilizado tal caução/ garantia  prestada pelo arguido fazendo-se pagar pelas quantias devidas pelo ora recorrente, mas sem especificar claramente e de modo inequívoco quais e quando.
Mas o certo é a que a utilizou para liquidar as quantias em divida pelo arguido e da sociedade.
Mais se estranha ainda que nos presentes autos e relativamente ao pedido cível este tenha sido julgado improcedente por a quantia estar já paga, sendo certo que em nenhum sítio da sentença recorrida se diz quando e como tal ocorreu.
Tal resulta dos factos provados conforme se pode bem atestar.
Aliás algo contraditórios são os actos que resultaram provados e passamos a citar:
14.Através de carta datada de 07 de dezembro de 2015, dirigida ao Instituto da Segurança Social, I.P., Unidade de Prestações e Contribuições, Núcleo de Contribuições, o arguido AA informou que a sociedade arguida “prestou uma garantia bancária no montante de cerca de €100.000,00 (cem mil euros), nos termos legalmente exigidos, para a eventualidade de a mesma não cumprir com as suas obrigações contributivas para com a segurança social”, mais tendo solicitado que esclarecessem se a garantia bancária existente já havia sido acionada e qual o valor remanescente em dívida;
15.Por comunicação expedida em 08.05.2017, dirigida à sociedade arguida, a Unidade de Prestações e Contribuições da Segurança Social veio informar que o seguro da caução no valor de €130.707,50 foi acionado e considerado para pagamento da dívida do período contributivo de 2009/11 a 2010/11 e parte de 2010/12 acrescido dos respetivos juros de mora;
16.Em 04.07.2017 a sociedade arguida foi notificada pela Segurança Social da reformulação da aplicação da caução, tendo esta considerado pagas as cotizações retidas aos trabalhadores e respetivos juros de mora até janeiro de 2013;
17.Mais se provou: 
18.A caução referida em 10 foi disponibilizada à Segurança Social em 19.02.2016;
19.A fls. 566 dos autos, por email datado de 14 de dezembro de 2017 veio o Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social informar que em 11.12.2017 foi liquidada a totalidade da dívida de cotizações e juros de mora remanescendo a dívida relativa à coima e custas, nos valores de €15.750 e €25;
Então a tal acresce que a segunda notificação feita ao arguido nos termos do artº 105º nº 4 al b) do RGIT,  está datada de 21-12-2019/ vide folhas 68, ou seja em data muito posterior em que a caução foi disponibilizada à Segurança social  conforme resulta do ponto 18 dos factos provados , ou seja em 19.02.2016, sendo que esta notificação é diferente da anterior, bastando para tal ler os conteúdos respectivos.
Conforme supra referido a condição objectiva de punibilidade não reside no conteúdo concreto da notificação efectuada pela entidade tributária, em si mesmo, mas sim na atitude que o contribuinte assume face à mesma, no sentido de reparar a lesão do bem jurídico, e parece que minimamente tal desiderato foi cumprido pelo arguido como se se enfatizou já, não obstante a incompletude daquela primeira notificação e em rigor também da segunda ficando por apurar a necessidade de se repetir ( e se tal é legalmente consentido…) tal notificação.
É certo a afirmação anterior, mas também não menos certo é que pelo menos na notificação a efectuar nos termos do artº 105º nº 4 al. b) do RGIT, para além da quantia em divida ao Estado (que é preciso concretizar) algo mais é necessário para perfectibilizar tal notificação, até porque a finalidade visada é o pagamento do devido, e que é a menção da coima (se a ela houver lugar) e dos juros devidos, tendo nós a convicção que aqui não precisamos de ser fundamentalistas ao ponto de exigir a contagem dos juros aquela data, pois como se sabe, estes, os juros, estão sempre a acrescer até ao pagamento da divida, como se refere no Ac. Da Relação do Porto de 11.01.2012 “qualquer exigência de indicação, na notificação a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, dos valores supracitados revelar-se-ia redundante e inútil, uma vez que o montante dos juros está sempre a sofrer actualização .
Concordamos com o supra referido mas só no que tange à contagem dos juros ( que estão sempre em actualização), mas não no demais, pese embora existir, como não podia deixar de ser, entendimento adverso ou diverso, como por exemplo no Ac. da Relação do Porto de 24.09.2008, onde ali, se pode ler: «Nada na lei nos permite concluir pela exigência acrescida de que o concreto montante em que as prestações, os juros e a coima a pagar se traduzem seja indicado na própria notificação. O que o legislador teve em vista, na prossecução de objetivos de política criminal e fiscal que visavam não só a diminuição de processos, mas sobretudo uma mais rápida e fácil arrecadação de receitas, foi, tão só, dar aos agentes devedores uma segunda oportunidade de efetuarem o pagamento das quantias devidas a cada um daqueles títulos, interpelando-os para o efeito, e oferecendo-lhes como contrapartida (caso correspondam positivamente a essa interpelação), a impunibilidade criminal das respectivas condutas.
Ora, os devedores tributários que estejam interessados em fazê-lo dispõem de tempo mais do que suficiente para diligenciarem no sentido de, junto da entidade própria e que também é naturalmente aquela junto da qual o pagamento há-de ser efectuado, averiguarem o montante concreto e total que devem pagar, sendo certo que, pelo menos o montante das prestações ou contribuições já o saberão, além do mais porque já as declararam.
E é evidente que, no caso de sentirem dificuldades em obter as informações necessárias junto daquelas entidades, sempre poderão transmiti-las ao tribunal, que não deixará de providenciar para que daí não resulte prejuízo para aqueles que só não efectuem o pagamento atempado devido a falhas que não sejam da sua responsabilidade.
E com lisura afirma-se que não concordamos com tal asserção, primeiro porque sabemos como funciona em tempo real a segurança social, e máquina administrativa do Estado Português a providenciar informações, nomeadamente quando implica a contagem de juros, ou do exacto montante devido e coimas, e depois, porque o arguido tem o direito de saber dentro da faculdade que lhe foi conferida pela lei ( e porque só tem 30 dias para proceder ao pagamento do devido, depois da notificação legal /105º nº 4 al b) do RGIT…) pelo menos o valor da coima, ou , no caso, o real montante em divida das prestações à segurança Social em falta, concedendo-se que tem de para além do mais de pagar uma coima que acresce ao devido, mais juros,  e segundo porque ao devedor será necessário reunir condições para proceder ao pagamento, o qual, “ ab initio” não sabe qual é o seu valor, pelo que, francamente,  e sendo o prazo para proceder ao pagamento de 30 dias, este prazo ficará necessariamente comprimido, quando a finalidade concedida por aquela norma será promover o pagamento célere do devido, dizemos nós, (mas com o devido respeito por opinião contrária), não podendo ficar ao arbítrio de um despacho casuístico de  um Tribunal,  de conceder  mediante requerimento à extensão/ prorrogamento daquele prazo (por não ser, dizemos nós legalmente permitido/ por ser um prazo imune a prorrogações…) quando o arguido tenha dificuldade em obter as informações necessárias junto  das entidades Estatais.
 Tanto mais que não estando legalmente previsto tal extensão, de prazo este direito fica necessariamente dependente de decisões judiciais, que podem ser bem diversas relativamente ao mesmo assunto, ou seja não uniformes, entenda-se, coisa que violaria a segurança jurídica, a estabilidade, igualdade  e a confiança nas normas do nosso ordenamento Jurídico.
Ou seja não havendo norma específica para a extensão desse prazo sempre ficará dependente de decisões discricionárias dos Tribunais que podem ser antagónicas face ao mesmo pedido, como decorre da experiência comum.
Assim, no caso dos autos, como resulta de fls. 24 e 25, o arguido recorrente foi notificado, nos termos legais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º nº 4 alínea b) do RGIT, para “no prazo de 30 dias proceder ao pagamento do valor de € 65 924,73 relativo a quotizações retidas e não entregues e tal em 18.09.2015, juros e coimas mas sem a menção de possibilidade de arquivamento da infracção criminal.
MAS OUTRA NOTICAÇÃO E POSTERIOR FOI FEITA AO ARGUIDO.
Assim anacronicamente e a fls. 68 e seguintes não temos dúvidas, que esta renovada “notificação pretensamente” feita ao arguido, está já diferente da anterior (veja-se fotocópia de folhas 68)/ esta feita em 2016-12-21, por agora se referir que o arguido terá no prazo de 30 dias de proceder ao pagamento do valor de €65 924,73 , juros de mora que se vencem até integral pagamento e do valor da coima aplicável(…),: - b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Nela se contendo também a advertência de que o pagamento determinará o arquivamento dos autos… e a referência ao nº do Processo que da anterior estava omissa.
Retira-se daqui que a primeira notificação efectuada não foi feita de acordo com os ditames legais pelo que se tem de considerar esta como não produzindo os efeitos legais queridos pelo  legislador, logo inválida,  e tanto assim, que a segurança social certamente  se viu compelida a efectuar a segunda ( tanto mais e não esqueçamos que a SS já dispunha da caução que o arguido prestou para “se fazer pagar” do montante em divida), esta sim, com os requisitos mínimos exigidos por lei, e tal em 21-12-2016, quando nesta data o arguido já tinha pedido esclarecimento para pagar o devido ( note-se por duas vezes no ano de 2015) reportando-se à garantia bancária que efectuou e já acima identificada.
( e anote-se que a devida e correcta interpretação do artº 105º do RGIT, mormente das alíneas a) e b) do seu número 4, impõe que se deva entender que a mera não entrega das prestações tributárias não é crime, mesmo que passem 90, 100 ou 1000 dias. A ocorrência de crime (ou melhor, a verificação dos elementos subjectivos e objectivos do tipo e as condições de punibilidade) só se pode verificar após a notificação correcta da Administração Tributária para "pagar" a dívida e a sua violação por parte do contribuinte no de 30 dias concedido para o efeito).
Mas mais acutilante as dúvidas se acumulam, e tal porque em data anterior a caução já tinha sido disponibilizada à segurança social, tendo esta utilizado-a para liquidar as dividas do arguido (mas nunca explicando quando e quais), mas nunca explicando com a necessária clareza, porque é que efectivamente não o fez em tempo, tendo de voltar a notificar o arguido.
Será que bem andou a Segurança Social a apurar as quantias em divida atempadamente? Pensamos que não.
Todos os elementos dos autos/ anote-se factos provados apontam para que não o tenha efectivamente efeito com a transparência necessária, e tal decorre à saciedade dos autos, omitindo informações cruciais ao arguido para os efeitos do artº 105º nº 4 al b) do RGIT, que seria curial até neste caso, pois tendo o arguido prestado uma garantia bancária / caução, se os montantes em divida viessem discriminados na notificação, o processo de pagamento e accionamento da caução seria bem mais transparente do que foi.
Independentemente da efectiva ou correta ou incorrecta indicação dos montantes em causa que da segunda notificação feitas ao arguido constem (porque a primeira, será , digamos inexistente), temos sérias dúvidas que se verifique a condição objectiva de punibilidade, inserta no preceito legal, logo após o decurso do prazo de trinta dias sem que o arguido tenha procedido à entrega das quantias de que  indevidamente se tinha apropriado.
E perguntamos nós  agora da primeira ou da segunda? E qual foi a necessidade de se proceder a uma segunda notificação?
A resposta a estas perguntas será fácil.
Naturalmente decorre dos autos, que a primeira não é juridicamente relevante porque incompleta estava, e a segunda tendo sido feita em 21.12.2016,  foi ainda feita em data anterior à dedução da acusação (em 24.07.2017), a que se seguiu a fase de instrução, com a correspondente decisão instrutória ( em 29.06.2017), data em que o arguido já tinha iniciado junto da entidade competente diligências para proceder ao accionamento da garantia bancária constituída pelo arguido a favor do Instituto do Emprego e Formação Profissional que havia sido constituída ao abrigo da obrigação imposta pelo artº 6º da Lei nº 19/2007, de 22 de Maio, ( vide ponto 10 dos factos provados) para pagamento de “todo” o devido, e atente-se, tal em já no ano de 2015.
Desta afirmação decorre dos factos que resultaram claramente provados, sendo inquestionável que na data em que foi proferida a sentença e até antes, a segurança social já tinha accionada previamente a caução estando as quantias devidas pelos arguidos pagas pelo  menos parcialmente, senão veja-se os factos que resultaram provados:
(…)13.Através de carta datada de 10 de março de 2015, dirigida à Secção de Processo executivo de Lisboa II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, a sociedade arguida solicitou o acionamento do seguro caução e que o montante do mesmo fosse aplicado ao pagamento das cotizações em dívida referentes aos períodos de novembro de 2009 a agosto de 2014;
14.Através de carta datada de 07 de dezembro de 2015, dirigida ao Instituto da Segurança Social, I.P., Unidade de Prestações e Contribuições, Núcleo de Contribuições, o arguido José Ribeiro da Costa informou que a sociedade arguida “prestou uma garantia bancária no montante de cerca de €100.000,00 (cem mil euros), nos termos legalmente exigidos, para a eventualidade de a mesma não cumprir com as suas obrigações contributivas para com a segurança social”, mais tendo solicitado que esclarecessem se a garantia bancária existente já havia sido acionada e qual o valor remanescente em dívida;
15.Por comunicação expedida em 08.05.2017, dirigida à sociedade arguida, a Unidade de Prestações e Contribuições da Segurança Social veio informar que o seguro da caução no valor de €130.707,50  foi acionado e considerado para pagamento da dívida do período contributivo de 2009/11 a 2010/11 e parte de 2010/12 acrescido dos respetivos juros de mora;
16.Em 04.07.2017 a sociedade arguida foi notificada pela Segurança Social da reformulação da aplicação da caução, tendo esta considerado pagas as cotizações retidas aos trabalhadores e respetivos juros de mora até janeiro de 2013;
17.Mais se provou: 
18.A caução referida em 10 foi disponibilizada à Segurança Social em 19.02.2016;
19.A fls. 566 dos autos, por email datado de 14 de dezembro de 2017 veio o Centro Distrital de Faro do Instituto da Segurança Social informar que em 11.12.2017 foi liquidada a totalidade da dívida de cotizações e juros de mora remanescendo a dívida relativa à coima e custas, nos valores de €15.750 e €25;
Temos assim numa primeira abordagem que quando a caução/ garantia bancária referida no ponto 10 dos factos provados foi disponibilizada à segurança social, para pagamento pelo da divida, o arguido ainda não tinha sido regularmente notificado nos termos do artº 105º nº 4 al b) do RGIT.
(10.Para pagamento de quantias devidas ao Instituto da Segurança Social, IP, entre as quais, pelo menos em parte, aquelas a que se referem os presentes autos, foi acionada uma garantia bancária prestada pela sociedade arguida a favor do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que havia sido constituída ao abrigo da obrigação imposta pelo artigo 6.° da Lei n.° 19/2007, de 22 de maio;)
Mas o certo é que a quantia indicada na  segunda notificação já se encontrava paga, e se o não estava, tal deve-se a um “non facere” deficiente da segurança social, o qual nunca pode ser imputado ao arguido, pois a  garantia bancária foi disponibilizada à Segurança Social  em data anterior à segunda notificação que lhe foi feita.
E a tal acresce que mesmo se parcialmente pago o montante indicado na segunda notificação, nunca tal valor poderia então estar correcto, por já ter sido, digamos entretanto, amortizado…
(Vide e enfatizando-se :Nos termos do artº 105º nº 1 da Lei 15/2001, prevê-se expressamente que:
- “ Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.".
Sobre este tipo de crime, é manifesto que atenta a sua natureza omissiva, o mesmo se concretiza no momento da não entrega da prestação tributária.
Porém, o nº 4 do referido artº 105º prevê duas condições objectivas de punibilidade da conduta descrita no nº 1:
a) Os factos apenas são puníveis, se tiverem decorrido mais de 90 dias sobe o termo do prazo legal para de entrega da prestação (artº 105º nº 4 al. a);
b) Os factos descritos apenas constituem crime se a prestação comunicada à Autoridade Tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (artº 105º nº 4 al. b).
Ora, considerando a norma do art° 105° do RGIT, teremos de concluir que comete o crime de abuso de confiança fiscal quem, estando legalmente obrigado a entregar à administração tributária prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a € 7.500,00, omita, total ou parcialmente, tal entrega, desde que, cumulativamente, tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e a prestação comunicada à Administração Tributária não tenha sido paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Portanto, antes que tenham decorrido aqueles 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue a prestação tributária e antes que tenha sido efectuada notificação admonitória para que seja efectuada a entrega da prestação tributária, e após esta tenham decorridos 30 dias, não se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo.
Antes de decorridos aqueles 90 dias, bem assim como antes de transcorrido o prazo de 30 dias após aquela notificação admonitória, estamos no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional.
Até esse momento, não se verificam — não pode haver — suspeitas de prática de crime.
As suspeitas de prática de crime só podem ocorrer (isto é: só são legítimas e susceptíveis de fundamentar a constituição de arguido) a partir do momento em que se verificar que já decorreram 90 dias após a data em que o contribuinte devia ter entregado a prestação tributária (como previsto na alínea a) do nº 4 do artº 105º do RGIT), que foi realizada a notificação admonitória prevista na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, e que já se encontra esgotado o prazo de 30 após tal notificação.
Na verdade, em termos sequenciais, tudo se processa do modo seguinte ( sendo que no caso dos autos o crime que é imputado aos arguidos é do artº 107º do RGIT( aplicando-se no entanto o artº 105º quanto aos requisitos legais, como expressamente refere o artigo 107º do RGIT):
1. O sujeito passivo declara, para um determinado período, IVA a pagar (que, para ser susceptível de ulterior procedimento criminal, terá de ser de valor superior a € 7.500,00), mas não dá cumprimento à obrigação de entrega.
2. Esta omissão dá origem à instauração automática de um processo de contraordenação fiscal, nos termos do art. 114.º do RGIT;
3. Decorridos 90 dias sobre a data limite do prazo legal de entrega da prestação, é efetuada ao devedor a notificação prevista na alínea b), do n.º 4, do art. 105.º do mesmo diploma (com a admonição de que se a entrega não ocorrer naquele prazo incorre em procedimento criminal);
4. Decorridos os 30 dias previstos naquela notificação, caso persista a falta de entrega da prestação tributária (do imposto, juros respetivos e do valor da coima aplicável), o processo contraordenacional converte-se em processo criminal.
( vide aqui o  AC TRL de 11.12.2018, relatado pelo Sr Juiz Desembargador Cid Geraldo, in www.dgsi.pt)
Sob o ponto de vista dogmático-jurídico, o crime de abuso de confiança fiscal, assim como o crime de abuso de confiança contra a segurança social, configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico previsto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação tributária, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para cumprimento da obrigação tributária, por força do n.º 2 do art. 5.º do RGIT.
Tal crime tem como pressuposto a existência de uma prestação tributária deduzida e que o agente está legalmente obrigado a entregar ou que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a entregar.
O n.º 4 do artigo 105° do RGIT, na redação introduzida pelo artº 95º da Lei nº 53º-A/2006 de 29.12, passou a estabelecer uma nova condição objetiva de punibilidade, adicional ao decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal para entrega da prestação tributária anteriormente existente, relativamente àqueles contribuintes que tenham cumprido tempestivamente a obrigação declarativa.
 Essa nova condição consiste na não regularização da situação tributária declarada mas não paga, no prazo de 30 dias depois da notificação efetuada para o efeito, repete-se.
Trata-se de um pressuposto adicional de punibilidade.
 Com esta alteração, o legislador visou diferenciar as situações daqueles contribuintes que cumprem a obrigação declarativa e dos outros que nada fazem.
Mesmo que se verifique o integral preenchimento do tipo incriminador, dá-se agora uma oportunidade àqueles que cumpriram a obrigação declarativa acessória à entrega do imposto devido.
Poderão evitar a punição criminal, mantendo-se a contra-ordenacional, se nos trinta dias seguidos à notificação que lhes deve ser feita, pagarem a prestação tributária, os juros e a coima prevista no artigo 114.º do RGIT pela não entrega no prazo legal.
Esta nova redação do artigo 105.º n.º4. al. b) do RGIT estabelece um novo requisito ou pressuposto adicional de punibilidade, no sentido de que agora os factos não serão puníveis criminalmente se o agente regularizar a dívida tributária nos termos aí definidos. A não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida.)”
Importa porém realçar que a condição de punibilidade não é a notificação que deve ser feita para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante esse procedimento (de notificação) que agora se exige.
Independentemente do efetivo e concreto teor da notificação em causa, a mesma resulta em favor do agente e impõe a este um facere de forma a excluir por esta sua ação a punibilidade da sua anterior conduta: o pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos respetivos juros e da coima aplicável.
No presente caso, da 1ª notificação efetuada aos arguidos, designadamente ao recorrente, não consta sequer a menção da liquidação dos concretos montantes referentes aos juros devidos, nem da coima, nem das consequências do pagamento. Contudo, pode parecer da leitura do artigo 105º do RGIT não resultar essa mesma obrigatoriedade, de menção expressa de tais montantes na notificação realizada, sendo certo que pela própria natureza variável dos mesmos montantes, essa indicação seria sempre meramente indicativa, até à concreta e efetiva data da entrega dos montantes em causa, momento da liquidação efetiva dos demais montantes.
O fundamento do instituto em causa exige aos arguidos uma conduta celere, positiva e ativa junto da administração tributária ou da segurança social, para liquidar tais montantes, de forma a excluir a punibilidade das suas condutas, não podendo ficar dependente da actividade desenvolvida pela SS para lhe prestar as informações que em rigor estão em falta na notificação legal que lhe foi feita ( sob pena de se exaurir e comprimir ou até exceder o prazo de 30 dias que o contribuinte relapso tem ao seu dispor para proceder ao pagamento…..
Assim, da atividade desenvolvida pelo agente junto das entidades tributárias irá obrigatoriamente resultar a concretização efetiva dos montantes em dívida, cujo pagamento exclui a punibilidade criminal da conduta anterior.
Nos autos, mostra-se documentada a atividade do recorrente e por duas vezes no ano de 2015, junto da administração tributária no sentido de concretizar o pagamento dos montantes em causa, os quais na altura desconhecia na sua totalidade, indiciando uma intenção de efetuar tais pagamentos e de também reparar a lesão provocada no erário público.
No entanto, previamente a tal a notificação tem de estar efectivamente realizada de acordo com todos os cânones legais, coisa que já se anteviu não aconteceu nos presentes autos.
Assim, no caso em apreço, na” primeira notificação” como resulta do já atrás exposto, o arguido/recorrente não foi efetiva e regularmente notificado, através de contacto pessoal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º nº 4 alínea b) do RGIT , e advertido ainda de que “o cumprimento da presente notificação é passível de determinar a extinção da responsabilidade criminal” ( vide fls.  24 e 25 dos autos).
Ao invés na segunda notificação a folhas  68 tal menção é feita para além da indicação do número do processo….
Independentemente da efetiva ou correta liquidação dos montantes em causa que da mesma notificação constem (que não constam como se pode facilmente constatar), verifica-se que a condição objetiva de punibilidade, inserta no preceito legal, logo após o decurso do prazo de trinta dias não foi cabalmente cumprida, porque não podia, relativamente à primeira notificação, e da segunda, a fls 68 decorre que a caução já estava na disponibilidade da segurança social há vários meses pelo que em rigor nem seria necessário proceder a esta notificação por a Segurança social poder efectuar o ressarcimento das quantias concretamente devidas/ que até hoje se desconhecem, diga-se com toda a frontalidade.
Este facto é inquestionável.
Posto isto  e decidindo diremos que:
Vejamos e agora concretamente relativamente ao crime pelo qual os arguidos foram condenados:
Artigo 107.º
Abuso de confiança contra a segurança social
1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105.º
2 - É aplicável o disposto nos n.os 4 e 7 do artigo 105.º
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
- Lei n.º 66-B/2012, de 31/12
Consultar versões anteriores deste artigo:
-1ª versão: Lei n.º 15/2001, de 05/06
Artigo 105.º
Abuso de confiança
1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.
6 - (Revogado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
  Contém as alterações dos seguintes diplomas:
   - Lei n.º 60-A/2005, de 30/12
   - Lei n.º 53-A/2006, de 29/12
   - Lei n.º 64-A/2008, de 31/12
  Consultar versões anteriores deste artigo:
   -1ª versão: Lei n.º 15/2001, de 05/06
   -2ª versão: Lei n.º 60-A/2005, de 30/12
   -3ª versão: Lei n.º 53-A/2006, de 29/12
Então:
Para que tal condição se verifique, ponto é que se demonstre o cumprimento do disposto no nº4 do artº 105 do RGIT.
b. Se, decorridos que se mostrem 30 dias sobre tal notificação a prestação tributária não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, a condição objectiva de punibilidade mostra-se preenchida.
Todavia, atendendo à particularidade do caso, que demonstra estar a dívida já liquidada, e podendo estar, antes mesmo da data da segunda e anómala notificação feita ao arguido (esta já mais completa…)nos termos do artº 105 nº 4 al b) do RGIT, pela disponibilização da caução para o efeito, em data anterior, tal seria um acto inútil, pelo que absolvição não nos repugna dentro do contexto verificado.
Assim conclui-se pela absolvição de ambos os arguidos, por falta de verificação de uma condição de punibilidade, pois o arguido, bem como a sociedade arguida, não foram devidamente notificados ( das duas vezes .. vide folhas 24 e 68….), nos termos e para os efeitos da apontada al. b), do nº 4, do artigo 105º, do RGIT.
Isto não exclui o entendimento de que a nova redação do artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT, estabelece um pressuposto adicional de punibilidade, segundo o qual, a não punição resultará de uma atitude positiva do agente que obsta a essa consequência penal, pagando a dívida.
“A condição de punibilidade não é a notificação para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante ela, liquidando (ou não) as quantias em causa, condição de não punibilidade”- vide aqui AC TRP 15.05.2015 cfr. Ac. TRP de 07.01.2015, disponível em www.dgsi.pt.
Mas também aqui se verifica que o recorrente em data anterior à segunda notificação e depois da primeira, que não pode ser considerada, pelos motivos que supra já se deixaram expostos,  e  no ano de 2015 encetou diligências para o pagamento das quantias ( que ainda não se sabe quais, exactamente, a não ser o montante / sem juros dos montantes devidos à segurança social) fazendo accionar a garantia bancária  que ficou na disponibilidade da Segurança Social antes da segunda notificação ( artº 105º nº 4 al b) do RGIT).
Mas não só aqui.
E também relativamente às patologias das notificações a sentença recorrida não lhes faz nem acarreta quaisquer consequências ficando por explicar a razão pela qual se entendeu necessário proceder a duas notificações para o mesmo fim.
Ou seja relativamente a este compósito essencial a sentença se alheou, não lhe fazendo referência alguma, ficando por explicar tal.
Assim, não tendo sido sequer mencionado, ignorando portanto a ratio das duas notificações efectuadas, em confronto com o facto de a quantia já se encontrar liquidada mas desconhecendo-se a data, mas sendo certo que antes da segunda notificação a garantia bancária/ caução já estava na “ alçada “ da Segurança Social  que a accionou fazendo-se assim ressarcir do devido, aliado ao facto de se ter julgado improcedente o pedido cível, sem mais em virtude da quantia peticionada estar paga…
Ou seja não sabemos se o “pagamento” ( ou seja o accionamento da garantia bancária pela segurança social) em causa ocorreu muito depois ou antes do hipotético momento da consumação do crime, que concluímos não se ter verificado e  assim o limiar mínimo de punição, fronteira de relevância típica que integra o tipo de ilícito, é um elemento do tipo de ilícito que não se pode considerar realizado no caso, face ás particularidades e contornos que o mesmo reveste e já referidos, para tal bastando, face às duas notificações efectuadas para o mesmo fim e as circunstâncias circundantes( 105º nº 4 al b) do RGIT) e confrontando tal com a data em que a caução/ garantia bancária foi accionada ou seja em data muito anterior à segunda notificação efectuada.
Face a tal quadro diremos e cogitamos, que patologia acarreta tal omissão?
Deste modo, resume-se que não está verificada a condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT relativamente a ambos os arguidos e não preenchendo assim as suas apuradas condutas, o tipo objectivo e subjectivo do crime de crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1, 105º, nºs 1, 4 e 7 e 107º, nºs 1 e 2, todos do RGIT e art. 30º, nº 2 do C. Penal, face ao atrás exposto, impõe-se a sua absolvição pela prática deste ilícito típico não podendo, em consequência, manter-se a decidida condenação.
Sem necessidade de mais considerações, impõe-se, pois, a absolvição do recorrente do crime pelo qual foi condenado, e da sociedade arguida por a ela aproveitar o recurso.
Quanto ao segmento do pedido cível, não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto atinente, este fica vetado ao insucesso, o que se declara.
DISPOSITIVO
Em face do exposto acordam as Juízas Desembargadoras que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
1- Face ao atrás exposto, concede-se parcial provimento ao recurso apresentado pelo arguido recorrente, e acorda-se em revogar a sentença recorrida e consequentemente, em absolver o arguido AA e “Fénix Working-Empresa de trabalho temporário, Ldª”, ambos devidamente identificados nos autos, da prática dos crimes pelos quais foram condenados;
2-Não é devida tributação;
3-Notifique-se;
4-D.N.
Lisboa, 28 de Novembro de 2019
(Processado integralmente em computador e revisto pela Juíza Desembargadora relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

Filipa Costa Lourenço
Cristina Santana
Decisão Texto Integral: