Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7691/2004-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A natureza urgente do procedimento cautelar abarca as fases subsequentes à do decretamento da providência, abarcando designadamente o recurso de agravo ainda que este esteja circunscrito à questão da litigância de má fé.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


1. Nos autos de providência  cautelar de entrega judicial de veículo, em que é requerente “Sofinloc, S.A.” e requerido, J. Rodrigues,  foi decretada a providência requerida.

2. Durante a sua execução, foi interposto e admitido recurso do despacho que condenou a requerente como litigante de má fé.

3. A requerente foi notificada da admissão desse recurso, por carta registada expedida a 2/4/04 – cfr. fls. 278.

4. As respectivas alegações foram juntas aos autos em 28/4/04.

5. Foi então proferido despacho que, considerando que a apresentação das alegações era extemporânea, julgou deserto o recurso.

6. Desta decisão agrava a requerente a qual, nas suas alegações, conclui, dizendo:

Não corre em férias o prazo para apresentar alegações de recurso do despacho que condena uma parte como litigante de má fé, ainda que proferido no âmbito de uma providência cautelar, já decretada.

7. Não houve contra alegações.

8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

9. A questão que se coloca no presente recurso é puramente de direito, consistindo em saber se a natureza urgente do procedimento cautelar, afirmada no art. 382º, n.º 1, do CPC se mantém nas fases subsequentes à do decretamento da providência.

Vejamos.

Até à Reforma do Processo Civil de 1995/96, entendia a doutrina e a jurisprudência que, pelo menos até ser decretada uma providência cautelar, o processo corria em férias  judiciais.

Já no que toca às fases subsequentes, quer na da execução, quer na do recurso, havia quem entendesse que os prazos se suspendiam nas férias (cfr., neste sentido, v.g., o Ac. Rel. Év. de 8/3/84, CJ, II, 269).

Actualmente, o art. 382º, n.º 1, do CPC dispõe que «os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente...».

A actual redacção deste normativo foi introduzida pela Reforma do Processo Civil  de 1995/96 (cfr. D.L. 329/95, de 12 de Dezembro e D.L. 180/96, de 25 de Setembro).

Cremos que o preceito em causa não deixa margem para dúvidas: a expressa consagração da urgência do procedimento cautelar, sem quaisquer reservas, leva-nos a concluir que a natureza urgente se mantém enquanto estiver pendente o processo, inclusive, na fase de recurso.[1]

Naturalmente que, este entendimento não está dependente, nem condicionado, pelo conteúdo das decisões proferidas e das questões sobre que versem, pois isso levaria a uma proliferação (absurda e inconveniente) de tantos regimes jurídicos quantos os tipos de despachos proferidos, com as inevitáveis incertezas sobre as regras processuais aplicáveis, em cada caso.

Na verdade, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (...)” – art. 9º, n.º 1, do CC.

Além disso, como estabelece o mesmo art. 9º, do CC., no seu n.º 3, convém não esquecer que «na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

9.1. O caso sub judice:

O procedimento cautelar de entrega judicial de veículo está pendente, encontrando-se na fase da execução da providência, entretanto ordenada.

E, sendo assim, muito embora a decisão impugnada diga respeito a uma condenação por litigância de má fé, nada  autoriza – como se referiu supra - que se distinga em função da natureza e conteúdo da decisão proferida para determinar se deve (ou não) suspender-se, durante as férias, o prazo para apresentar as respectivas alegações de recurso.

Consequentemente,  correndo em férias o prazo para alegar (art. 144º, CPC),  as mesmas foram apresentadas fora de prazo.

10. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em manter a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Lisboa, 7-12-04

Maria do Rosário Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Neste sentido, entre outros, cfr. os Acs. do STJ de 12/1/99, BMJ 483/157; Ac. STJ de 28/9/99, BMJ 489, 277 e Ac. Rel. Coimbra de 5/2/02, CJ, 2002, I, 30 e, na doutrina, Lopes do Rego, Comentário, 277 e A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, 122.