Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
475/12.5TYLSB-F.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i. O processo civil corresponde a um conjunto de actos lógica e temporalmente concatenados, sujeitos a articulações recíprocas, ordens de precedência, preclusões e lapsos temporais de exercício;

ii. Essa articulação precisa de tempos e fases determina que o desrespeito, pelas partes, das suas regras e mecanismos vá encerrando portas e faculdades em termos que nada têm a ver com a violação do princípio da igualdade ou do Direito à tutela efectiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO              
Por apenso ao processo de insolvência iniciado por apresentação da SOCIEDADE (...), com os sinais identificativos constantes dos autos, JOSÉ (...), neles também melhor identificado, veio instaurar acção que denominou de «acção de verificação ulterior de créditos» reclamando os seguintes créditos laborais situados à margem do seu crédito graduado no aludido processo:
a)- metade da remuneração relativa ao mês de Fevereiro de 2012, no valor de €: 897,28 (...);
b)-Remuneração do mês de Março de 2012, no montante de €: 2063,38, (...)
c)- Remuneração do mês de Maio de 2012; no valor de 1823,40, (...)
d)- Remuneração do mês de Junho de 2012, Proporcionais de subsidio de Natal pelo trabalho prestado em 2012,
Férias não gozadas e subsídio de férias por referência ao ano de 2011, vencidas em 01 de Janeiro de 2012,
Proporcionais de férias e subsídio de férias por trabalho prestado em 2012, no valor de 6247,93. (...)
e)- Compensação por cessação do contrato €: 25.600,00 (16x €: 1600,00).

No processo de insolvência foi, com data de 28.03.2012, declarada a insolvência da sociedade (...)
Nos referidos autos apensos em que se gerou o recurso, foi proferida decisão judicial datada de 03.06.2014, que decretou:
A fls. 1058 a 1060 do processo principal, em 14.10.2013, foi proferido despacho declarando encerrado o processo de insolvência, por homologação, por decisão transitada em julgado, de plano de insolvência.
O referido encerramento, tem, como efeito, a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, que se encontrem pendentes, relativamente aos quais ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos (art.º 233º n.º 2 al. b) C.I.R.E.).
No presente apenso ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
Importa assim declarar a extinção da instância nestes autos.
(...)
Pelo exposto julgo extinta a instância no presente apenso de verificação de créditos.

É dessa decisão, proferida no referido processo urgente, que vem o presente recurso interposto a 04.07.2014 por JOSÉ (...) (e recebido a 09.05.2018), que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
 1- O Recorrente reclamou crédito no valor global de 4.047,10 €, relativo a créditos laborais;
2- O artigo 146º nº 1 do CIRE estabelece que, findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer, ainda, outros créditos, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra massa insolvente, os credores e o devedor.
3- Após a declaração de insolvência da sociedade (...), constituíram-se novos créditos na esfera jurídica do Recorrente, tendo este instaurado, por apenso à acção de insolvência, acção de verificação ulterior de créditos, reclamando a verificação de créditos no valor de 36.631,99 €.
4- Por decisão ora impugnada foi julgada extinta a instância no apenso da reclamação de créditos nos termos do disposto no artº 233º nº 2 al. b) do CIRE, tendo o Mmo Juiz a quo entendido que a homologação do plano de insolvência determinaria o encerramento do processo de insolvência, tendo por sua vez este, como efeito, a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, que se encontravam pendentes, relativamente aos quais ainda não fora proferida sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do disposto no artigo 233º, nº 2 al. b) do CIRE.
5- Esta decisão padece de erro na aplicação do direito, resultando violado o princípio da igualdade dos credores da insolvência consagrado no artigo 194º do CIRE, destituindo o Recorrente, titular de créditos sobre a devedora insolvente, de tutela jurisdicional efectiva.
6- Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo ignorou o direito dos vários credores de verem reconhecidos e pagos, no âmbito do plano de insolvência aprovado, em igualdade com os demais credores, a totalidade dos seus créditos reclamados, violando assim o disposto no artº 128º, nº 3 do CIRE, que estabelece “que todos os créditos têm que ser reclamados e reconhecidos no processo de insolvência após a sua declaração”.
7- Acresce que o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa como um dos direitos fundamentais reconhecidos na ordem jurídica interna.
8- Assim, ao interpretar a norma do artº 233º do CIRE no sentido de que se devem extinguir os processos de verificação de créditos pendentes nos quais ainda não tenha sido proferida sentença aquando do encerramento do processo de insolvência, o Tribunal a quo violou o disposto no artº 20º da CRP, padecendo a decião impugnada de inconstitucionalidade material, violando ainda, o disposto no artº 194º do CIRE.
9- Mais entende o Recorrente que o Tribunal a quo interpretou erradamente a norma prevista no artigo 233º, nº 2, al. b) do CIRE, porquanto a mesma, correctamente interpretada e aplicada, não determina a extinção dos processos de verificação de créditos, pelo que se impõe a sua revogação devendo ser proferida decisão que ordene o prosseguimento da instância do apenso de verificação ulterior de créditos até final para reconhecimento judicial do crédito do Recorrente.

Terminou pedindo a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra «que determine o prosseguimento do Apenso de Verificação Ulterior de Créditos até final».
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a questão a avaliar:
A decisão impugnada violou o disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e nos art.s 194.º e 233.º, n.º 2, al. b), ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Releva, neste espaço lógico da presente decisão, o facto processual fixado na decisão impugnada, a saber:
A fls. 1058 a 1060 do processo principal, em 14.10.2013, foi proferido despacho declarando encerrado o processo de insolvência, por homologação, por decisão transitada em julgado, de plano de insolvência.

O mesmo ocorre relativamente aos demais factos de idêntica natureza, referidos no relatório supra-lançado.
Fundamentação de Direito
A decisão impugnada violou o disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e nos art.s 194.º e 233.º, n.º 2, al. b), ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas?
A resposta a esta questão de tripla vertente técnica assenta, no seu núcleo, na interpretação da al. b) do n.º 2 do art. 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e na subsunção dos factos concretos do presente processo à vontade de expressão normativa aí contida. Complementarmente, e no âmbito do controlo da adequação final da interpretação e subsunção realizada, importa realizar o proposto teste de adequação à luz do Direito à tutela jurisdicional efectiva e do princípio da igualdade dos credores que motivam as normas invocadas.
A referida norma central deste recurso estabelece um quadro processual de activação do seu funcionamento, uma consequência para o preenchimento da sua previsão e um regime concomitante de exclusão ou excepção assente em critérios finos, precisos e taxativos.
Temos, assim, quanto à regra, que:
a) Ocorrendo o encerramento do processo de insolvência;
b) Verificando-se esse encerramento antes do rateio final,
extingue-se a instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes.
Não estamos, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, perante qualquer inutilização superveniente da lide. Antes nos encontramos face a específica opção do legislador orientada para a célere definição de direitos e deveres e de combate ao arrastamento e eternização das acções concursais (como se refere no ponto 12 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, o «fomento da celeridade do processo de insolvência constitui um dos objectivos» desse diploma legal). Aliás, não teria qualquer sentido, à luz da noção precisa e técnica da figura processual avançada, referir que se inutilizou uma acção que ainda não teve decisão final nem permitiu a consecução da finalidade visada com a interposição da acção.
Encontramo-nos, consequentemente, ante preceito que, atenta a finalidade de certeza e celeridade, optou por impôr uma extinção da instância desde que verificado um quadro processual específico e tido por relevante por vontade legislativa.
No caso em apreço, é manifesto terem ocorrido circunstâncias enquadráveis nas duas alíneas do texto supra-lançado.
Porém, como se disse, o funcionamento do regime normativo depende da não verificação do regime excepcional concomitantemente previsto. E previsto, diga-se, com o fim de tutelar direitos, com a finalidade patente de garantir, justamente, o Direito de aceder aos tribunais e de perante eles, buscar Justiça efectiva, invocado no recurso, e de, conforme aí também brandido, perante eles ter garantida a igualdade dos credores nos processos de insolvência e seus apensos.
Vejamos, pois, se alguma excepção ocorreu.
São tais excepções as seguintes:
a) Ter já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Decorrer o encerramento da aprovação do plano de insolvência
b.1.estando pendente recurso da sentença que o tenha aprovado (caso em que o recurso prossegue até final) ou
b.2. tendo os autores ou a devedora requerido o prosseguimento da acção no prazo de 30 dias.

Voltando de novo às circunstâncias emergentes dos autos e procurando subsumi-las aos mecanismos de excepção definidos, temos, de imediato, que reconhecer que não foi proferida a sentença referida em a) supra, pelo que está liminarmente afastada essa via de excepção.
Quanto à referida em b), é verdade que o encerramento decorreu da aprovação do plano de insolvência mas não corresponde à realidade estar pendente recurso da decisão que operou essa aprovação.
Resta, pois, a hipótese de se verificar a excepção «b.2» acima lançada.
A este nível, verifica-se que o Recorrente não requereu o prosseguimento da acção nos 30 dias ali mencionados. E não omitiu essa actividade por estar desacompanhado de apoio técnico e actuar como cidadão isolado perante um menos conhecido sistema de Administração de Justiça. Antes não actuou apesar de assistido por profissional do foro que não quis ou não soube activar o mecanismo legal que permitiria a obtenção da finalidade que desejou salvaguardar através da invocação de inadequação da intervenção do Tribunal «a quo» que, afinal foi sua ao não exercer, no momento próprio, faculdade que lhe era concedida por lei.
O processo civil corresponde a um conjunto de actos lógica e temporalmente concatenados, sujeitos a articulações recíprocas, ordens de precedência, preclusões e lapsos temporais de exercício. Essa articulação precisa de tempos e fases determina que o desrespeito, pelas partes, das suas regras e mecanismos vá encerrando portas e faculdades em termos que nada têm a ver com a violação do princípio da igualdade ou do Direito à tutela efectiva – por exemplo, a rejeição de uma contestação numa determinada acção por ultrapassagem do prazo legal da respectiva dedução não envolve a violação do Direito à igualdade de tratamento do Réu perante o Autor nem tem qualquer relação com a problemática de dimensão Europeia, Internacional e Constitucional do Direito de aceder aos Tribunais.
Por assim ser, por o processo ser ritual e o desrespeito das suas regras gerar consequências de potencial enorme gravidade, particularmente a perda da possibilidade de exercer direitos efectivamente existentes, é que se revela tão importante a qualidade do desempenho do mandato judicial.
No caso concreto, desenha-se como emergente da ausência de exercício de faculdade consagrada no Direito adjectivo constituído (que o Tribunal de Recurso não pode suprir), a consequência contra a qual se quis reagir no recurso. Num tal contexto, não há, da parte do Tribunal «a quo», erro de interpretação da norma aplicada, violação do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa ou desrespeito do regime emergente do art. 194.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
 É negativa a resposta à questão proposta.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
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Lisboa, 20.12.2018

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)