Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25787/19.3T8LSB.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
LIVRANÇA
EXECUTADOS RESIDENTES NO ESTRANGEIRO
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
COMPETENCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Nas causas que envolvam elementos de conexão com diversos Estados-membros da União Europeia, a competência internacional dos Tribunais portugueses deve ser determinada à luz do Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e não à luz do disposto nos arts. 60º e segs. do CPC.
II- Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para uma execução para pagamento de quantia certa intentada por um banco português contra duas pessoas singulares de nacionalidade espanhola e residentes em Espanha, tendo por títulos executivos livranças onde consta como lugar do pagamento Lisboa, e que os executados assinaram na qualidade de avalistas e gerentes da sociedade subscritora – art. 7º, nº 1, al. a) do referido Regulamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A [ Caixa ….. ] , pessoa coletiva nº 500792615, com sede na Rua Áurea, nºs 219 a 241, 1100-062 Lisboa intentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra B [ Marina ….. ] e C [ Esteban ……. ], ambos de nacionalidade espanhola, residentes em Calle Enric Valor …., Alicante, Espanha.
Apresenta títulos executivos 5 livranças que os executados subscreveram na qualidade de avalistas, e onde consta, como lugar do pagamento “CEMG/Lisboa”.
Indica como quantia exequenda o montante de € 67.765,32, acrescido de juros de mora vincendos desde 19-10-2019 até efetivo e integral pagamento.
Juntamente com o requerimento executivo apresentou diversos documentos, nomeadamente os seguintes acordos escritos:
i) “Protocolo de cooperação nº 216.45.000008-0”[1]
ii) “CONTRATO DE EMISSÃO DE GARANTIA BANCÁRIA Nº  216.43.000329.5”[2];
iii) “Contrato de Mútuo nº 216.36.100662-2”[3];
iv) “Contrato de emissão de garantia bancária nº 216.43.000345-1”[4];
v) “Contrato de emissão de garantia bancária nº 216.43.000361-1”[5]
Em 10-12-2019 o Mmº Juiz a quo proferiu despacho determinando o que segue[6]:
“Antes do mais, a fim de se aferir da competência deste Tribunal para tramitação da execução, e assim, do elemento de conexão a que alude o artigo 89.º, n.º 3 do CPC, convida-se a Exequente a indicar os bens que os executados têm nesta comarca.”
Notificada de tal despacho, em 18-12-2019 a exequente apresentou requerimento expondo o seguinte[7]:
“1.Foi a aqui Exequente notificada do despacho com a referência 392683982 com vista a identificar os bens dos Executados para verificar o elemento de conexão a que alude o art. 89º, nº 3 do CPC.
2. Ora, a Exequente desconhece a existência de bens propriedade dos Executados, pelo que não foi possível obedecer à disposição legal supra indicada.
3. Nesse sentido, veio aplicar subsidiariamente a regra geral constante no nº 3 do artigo 80º do CPC.
4. Em face do supra exposto, considera a ora Exequente que o Tribunal competente serão os Juízos de Execução de Lisboa.”
Na sequência, em 13-01-2020 o Mmº Juiz a quo proferiu despacho nos seguintes termos[8]:
Da incompetência territorial:
A [ Caixa ……. ], com sede em Lisboa instaurou a presente acção executiva, no valor de € 1.308.480,73, contra A e B, ambos com domicílio em Alicante, Espanha.
Pretendendo o Tribunal aferir da competência deste Tribunal para a execução, convidou a Exequente a indicar os bens que os executados têm nesta comarca, ao que a mesma respondeu que desconhece a existência de bens propriedade dos executados, e que aplicou subsidiariamente a norma do artigo 80.º, n.º 3 do CPC.--
Ora importa ter aqui presente a regra geral em matéria de competência executiva, de acordo com a qual é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado (artigo 89.º, n.º 1 do CPC).—
Assim, é desde logo de afastar o normativo legal a que alude a Exequente, o qual estipula a regra geral não quanto a ações executivas, mas a ações declarativas.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do aludido artigo 89.º do mesmo diploma legal que:
«Quando a execução haja de ser instaurada no tribunal do domicílio do executado e este não tenha domicílio em Portugal, mas aqui tenha bens, é competente para a execução o tribunal da situação desses bens», dando-se assim expressão à territorialidade da execução.--
No caso dos autos, os executados não têm domicílio sequer nesta comarca nem neste País, e a exequente omitiu a existência de bens no requerimento executivo e declarou expressamente desconhecer quaisquer bens que os mesmos possam ter inclusive em território português, por forma a aferir-se da conexão desta comarca com o tribunal da situação dos bens ou até da possibilidade de executar eventual património titulado pelos executados.--
Assim, a exequente não supriu a falta de indicação de bens dos executados em território nacional no requerimento executivo, nem o fez após convite nesse sentido pelo Tribunal, pelo que, conforme configurada a ação executiva, inexiste elemento de conexão que permita considerar a competência desta comarca ou dos tribunais portugueses.--
Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 62.º do Código de Processo Civil, Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
No caso dos autos, como se referiu, atentas as normas supra citadas, o domicílio dos executados, a falta de bens em território português, e a forma como a exequente configura a ação executiva, esta não pode prosseguir neste Tribunal segundo as regras de competência territorial.--
Consequentemente, julgo este tribunal internacionalmente incompetente para a tramitação desta execução.--
A incompetência internacional é uma incompetência absoluta, a qual configura uma excepção dilatória – cfr. artigo 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil -, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância [cfr. artigos 99.º, 576.º, n.º 2, todos do mesmo diploma legal].
*
Pelo exposto, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste juízo de execução para a tramitação da presente execução e, consequentemente, absolvem-se os executados da instância executiva.--
Custas pelo exequente.
Registe e notifique.
Dê conhecimento ao Sr. Agente de Execução.”
Inconformada com tal decisão, veio a exequente interpor recurso de apelação[9], cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:
A. A Recorrente celebrou vários contratos de empréstimo com os Recorridos, no valor global de € 1.308.480,73.
B. Os respetivos contratos foram alvo de incumprimento por parte dos Recorridos pelo que foram resolvidos nos termos estabelecidos contratualmente.
C. Pelo que a Recorrente teve de lançar mão da presente ação executiva, a fim de recuperar os montantes financiados, juros de mora e todas as despesas inerentes.
D. A Recorrente tem sede na área metropolitana de Lisboa.
E. Encontram-se os Recorridos a residir no estrangeiro, o que já era de conhecimento da Recorrente à data da celebração dos contratos.
F. A residência dos Recorridos não pode ser um entrave para o conhecimento da causa.
G. Para o efeito várias normas do Código de Processo Civil regulam a competência internacional dos Tribunais portugueses.
H. Em complemento e de modo a facilitar e uniformizar a atribuição de competência dos tribunais, foram criadas várias normas reguladoras a nível de União Europeia, como é o caso do Regulamento n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro.
I. O Regulamento supra identificado vincula todos os Estados-Membros da União Europeia e regula os respetivos litígios.
J. Com base nas normas estipuladas no Regulamento, bem como no Código de Processo Civil, e já supra citadas, resulta claro que o tribunal competente para julgar o presente litígio é o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa.
K. Em face do exposto, é internacionalmente competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa por aplicação dos artigos 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento da União Europeia n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012,
L. E ainda que não seja esse o entendido do douto Tribunal, seria sempre competente para conhecer do mérito da causa o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa, nos termos e para os efeitos do artigo 80.º, n.º 3 C.P.C. por aplicação subsidiária nos termos do artigo 551.º do C.P.C.
M. Inexistindo, assim, fundamento para a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, alínea a) do C.P.C.
N. O Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação das normas legais, desde logo porque não aplicou o Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
O. Nem tão pouco as normas gerais do Código de Processo Civil previstas para a ação declarativa e subsidiariamente aplicável às ações executivas nos termos do artigo 551.º do C.P.C..
Remata as suas conclusões nos seguintes termos:
“… deve o presente recurso ser julgado procedente e em
consequência:
a) Declarar o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Lisboa como internacionalmente competente para a presente ação executiva;
b) Julgar liminarmente admitida a ação executiva correr termos contra os Recorridos no referido Tribunal a quo.”
Admitido o recurso, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, foi o mesmo remetido a este Tribunal.
Por despacho do relator, determinou-se a devolução dos autos à 1ª instância, a fim de os executados serem citados para os termos da causa e do presente recurso, nos termos previstos no art. 641º, nº 7 do CPC, aplicável ex vi do art. 852º do mesmo código.
Citados os executados, os mesmos não contra-alegaram, nem por qualquer outra forma intervieram no processo.
Voltando os autos a este Tribunal, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, foram colhidos os vistos.
2. Questões a decidir
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[10]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil).
Não obstante, e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal apreciar questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[11].
Assim sendo, a única questão a apreciar e decidir reside em determinar se o  Tribunal recorrido é internacionalmente competente para tramitar a presente execução.
4. Fundamentação
4.1. Os factos
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede.
4.2. Os factos e o direito
4.2.1. Da competência internacional do Tribunal a quo
Como já demos conta, a única questão a equacionar e decidir reside em apreciar se o Tribunal a quo é internacionalmente competente para tramitar a causa, tendo presente que se trata de execução para pagamento de quantia certa, que a exequente é uma sociedade de direito português, com sede em Lisboa, que os executados são espanhóis e residem em Espanha, e que a exequente não indicou quaisquer bens à penhora e desconhece se os executados têm bens penhoráveis em Portugal.
Do supra exposto decorre com clareza que a obrigação exequenda envolve elementos de conexão com dois Estados a saber, Portugal e Espanha, pelo que a questão da competência territorial apreciada pelo Tribunal a quo foi enquadrada e decidida enquanto questão de competência internacional.
Ora, o princípio geral em matéria de competência internacional é o previsto no art. 59º, nº 1 do CPC, que estabelece que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.”
Da ressalva inicial constante deste preceito resulta de modo muito claro que as regras consagradas no CPC em matéria de competência internacional dos tribunais judiciais só se aplicam se não forem aplicáveis outras regras sobre a mesma matéria, consagradas em Regulamentos da União Europeia, ou noutros instrumentos de Direito internacional que vinculem o Estado português.
Essa ressalva constitui, no fundo, um afloramento da regra consagrada no art. 8º da Constituição da República, cujos, nºs 2 e 3 estabelecem:
“2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.”
Entre tais normativos de Direito supranacional sobressaem o Regulamento CE nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12-12-2012 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução e decisões em matéria civil e comercial[12], e a Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 16-09-1998, em Lugano (vulgarmente designada por Convenção de Lugano). O primeiro aplica-se às situações jurídicas que envolvam elementos de conexão com diversos Estados-Membros da União Europeia, enquanto que o segundo se aplicará às situações que envolvam elementos de conexão relacionando Estados-Membros da EU e os demais signatários daquela Convenção.
Assim sendo, as normas consagradas no CPC sobre competência internacional só se aplicam se não for aplicável nenhum dos mencionados instrumentos internacionais – Neste sentido cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[13], e acs. RG 24-01-2019 (Sandra Melo), p. 1689/17.7T8BGC.G1; STJ 01-10-2019 (Acácio das Neves), p. 2300/18.4T8PRT.P1.S1; e RG 08-07-2020 (Alcides Rodrigues), p. 2020/19.5T8VCT.G1.
No caso em apreço, considerando que a exequente é uma empresa portuguesa, com sede em Portugal, e que os executados são espanhóis e residem em Espanha, concluímos que a determinação da competência internacional não pode fazer-se à luz das regras consagradas nos arts. 62º, 80º, e 89º do CPC, como fez o Tribunal recorrido, mas antes de acordo com o disposto no Regulamento Bruxelas I bis.
O princípio geral em matéria de competência internacional consagrado neste Regulamento é o que consta do seu art. 4º, que no seu n.º 1 estabelece que “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.
A regra geral consagrada neste preceito é a do foro do domicílio do demandado, independentemente da sua nacionalidade.
Contudo, como resulta da ressalva inicial do preceito citado, admitem-se diversas exceções, consagradas nas secções 2 a 7 do capítulo I deste mesmo regulamento.
Em matéria de execuções relevam igualmente os arts. 39º e segs. do mesmo regulamento, mas estas não se aplicam no caso dos autos.
Com efeito, tais disposições reportam-se à execução de decisões, ou seja, à execução de sentenças e títulos executivos análogos, isto é, à execução de títulos executivos judiciais. Isso mesmo se alcança em função da definição de decisão constante do art. 2º, al. a) do Regulamento.
Assim, a determinação da competência internacional para a execução de títulos executivos extra-judiciais deve fazer-se à luz das mesmas regras aplicáveis às ações declarativas – Neste sentido cfr. acs. RP 16-05-2002 (Salreiro de Abreu), p. 0230758[14], RL 15-05-2012 (Tomé Gomes), p. 4867/08.6TBOER-A.L1-7[15], e RC 21-01-2014 (Barateiro Martins), p. 3949/12.4TBVIS.C1[16].
Ora, em matéria de obrigações contratuais, dispõe o art. 7º, nº 1 do Regulamento:
As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso da venda de bens, o lugar num Estado Membro, onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues;
- no caso da prestação e serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços devam ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a).“
Por outro lado, estabelece o art. 17º do Regulamento sob a epígrafe “Competência em matéria de contratos de consumo”:
1. Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa, o consumidor, para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a competência é determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 6.º e no artigo 7.º, ponto 5, se se tratar de:
a) Contrato de compra e venda, a prestações, de bens móveis corpóreos;
b) Contrato de empréstimo reembolsável em prestações, ou outra forma de crédito concedido para financiamento da venda de tais bens; ou
c) Em todos os outros casos, contrato celebrado com uma pessoa com atividade comercial ou profissional no Estado-Membro do domicílio do consumidor ou que dirija essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado-Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado-Membro, desde que o contrato seja abrangido por essa atividade.
2. Caso o consumidor celebre um contrato com uma contraparte que, não tendo domicílio no território de um Estado-Membro, possua uma sucursal, agência ou outro estabelecimento num Estado-Membro, essa contraparte é considerada, quanto aos litígios relativos à exploração de tal sucursal, agência ou estabelecimento, como tendo domicílio no território desse Estado-Membro.
3. A presente secção não se aplica ao contrato de transporte, com exceção dos contratos de fornecimento de uma combinação de viagem e alojamento por um preço global.
Ora, no acórdão de 14-03-2013 (proc. C-419/11), o Tribunal de Justiça da União Europeia teve oportunidade de se pronunciar acerca da interpretação de disposições do Regulamento Bruxelas I, que correspondem aos arts. 4º, 7º e 17º do Regulamento Bruxelas I bis, no contexto de um litígio com contornos muito semelhantes à dos presentes autos, envolvendo uma livrança, subscrita por uma sociedade comercial, e avalizada pelo executado, na qualidade de gerente, para garantir obrigações daquela sociedade para com uma instituição de crédito, decorrentes de credito bancário.
Ao fazê-lo, o TJUE respondeu a duas questões prejudiciais:
- a primeira, consistia em saber se deveria considerar-se aplicável o art. 15º, nº 1 do Regulamento 44/2001 (que corresponde ao art. 17º, nº 1 do Regulamento 1215/12)
- A segunda, residia em apreciar se deveria considerar aplicável o art. 5º, nº 1, al. a) do Regulamento 44/2001 (que corresponde ao art. 7º, nº 1 do Regulamento 1215/12).
Quanto à primeira questão, expôs o Tribunal[17]:
“Para responder a esta questão, há que observar que o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 é aplicável no caso de estarem preenchidos três requisitos, a saber: em primeiro lugar, a existência de uma parte contratual na qualidade de consumidor que atue num âmbito que possa ser considerado estranho à sua atividade comercial ou profissional; em segundo lugar, ter sido efetivamente celebrado um contrato entre esse consumidor e um profissional; e, em terceiro lugar, esse contrato integrar uma das categorias referidas no dito artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) a c). Estes requisitos devem estar cumulativamente preenchidos, pelo que, se não se verificar um dos três requisitos, a competência não pode ser determinada segundo as regras em matéria de contratos celebrados por consumidores.
Quanto ao primeiro requisito de aplicação do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, embora a redação desta disposição não seja exatamente idêntica à do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, essas alterações respeitam às condições de aplicação que devem ser preenchidas pelos contratos de consumo (v., neste sentido, acórdão Pammer e Hotel Alpenhof, já referido, n.° 59), e não à definição do conceito de consumidor, pelo que este conceito deve ter o mesmo alcance no âmbito do Regulamento n.° 44/2001 que no âmbito da Convenção de Bruxelas.
A propósito do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal já declarou que resulta da redação e da função desta disposição que a mesma só é aplicável ao consumidor final privado, não envolvido em atividades comerciais ou profissionais (v., neste sentido, acórdãos de 19 de janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C-89/91, Colet., p. I-139, n.os 20 e 22, de 3 de julho de 1997, Benincasa, C-269/95, p. I-3767, n.° 15, de 20 de janeiro de 2005, Gruber, C-464/01, Colet., p. I-439, n.° 35; e acórdão Engler, já referido, n.° 34).
Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal que o regime especial instituído pelas disposições da Convenção de Bruxelas sobre a competência em matéria de contratos celebrados por consumidores tem por função garantir uma proteção adequada do consumidor, enquanto parte do contrato reputada economicamente mais fraca e juridicamente menos experiente do que o seu cocontratante profissional (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Gruber, n.° 34, e Engler, n.° 39). Esta função implica que a aplicação das regras de competência especiais previstas para esse efeito pela Convenção de Bruxelas não seja alargada a pessoas para as quais essa proteção não se justifica (v., neste sentido, acórdão Shearson Lehman Hutton, já referido, n.° 19).
O Tribunal concluiu que só os contratos celebrados fora e independentemente de qualquer atividade ou finalidade de ordem profissional, com o único objetivo de satisfazer as próprias necessidades de consumo privado de um indivíduo, ficam sob a alçada do regime especial previsto pela referida convenção em matéria de proteção do consumidor, ao passo que essa proteção não se justifica no caso de contratos que têm por objetivo uma atividade profissional (v. acórdão Gruber, já referido, n.° 36, e, neste sentido, acórdão Benincasa, já referido, n.° 17).
Ora, cumpre declarar que, em circunstâncias como as do processo principal, não está preenchido o requisito da existência de um consumidor na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001.
Com efeito, é ponto assente que o avalista no processo principal se constituiu garante das obrigações da sociedade de que é gerente e na qual detém uma participação maioritária.
Por conseguinte, embora a obrigação do avalista revista caráter abstrato e seja, portanto, independente da obrigação do subscritor da livrança do qual se constituiu garante, o certo é que, como sublinhou a advogada-geral no n.° 33 das suas conclusões, não se pode considerar que o aval de uma pessoa singular, prestado no âmbito de uma livrança emitida para garantir as obrigações de uma sociedade comercial, tenha sido prestado fora e independentemente de qualquer atividade ou finalidade de ordem profissional, se essa pessoa singular tiver relações profissionais estreitas com a referida sociedade, como um cargo de gerência ou uma participação maioritária na mesma.
Em qualquer caso, o simples facto de o avalista ser uma pessoa singular não é suficiente para estabelecer a sua qualidade de consumidor na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001.
Nestas circunstâncias, não é necessário examinar se estão preenchidos os outros dois requisitos para a aplicação do referido artigo.
Resulta do conjunto das considerações precedentes que se deve responder à primeira questão que o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que tem relações profissionais estreitas com uma sociedade, como um cargo de gerência ou uma participação maioritária na mesma, não pode ser considerada consumidor, na aceção desta disposição, quando avaliza uma livrança emitida para garantir as obrigações que incumbem a essa sociedade ao abrigo de um contrato relativo à concessão de um crédito. Por conseguinte, esta disposição não é aplicável para determinar o órgão jurisdicional competente para conhecer de uma ação judicial pela qual o beneficiário de uma livrança, estabelecido num Estado-Membro, reivindica os direitos decorrentes dessa livrança, incompleta à data da sua assinatura e completada posteriormente pelo beneficiário, contra o avalista domiciliado noutro Estado-Membro.”.
No tocante à segunda questão, expôs o mesmo Tribunal[18]:
“Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 é aplicável para determinar o órgão jurisdicional competente para conhecer de uma ação judicial pela qual o beneficiário de uma livrança, estabelecido num Estado-Membro, reivindica os direitos decorrentes dessa livrança, incompleta à data da sua assinatura e completada posteriormente pelo beneficiário, contra o avalista domiciliado noutro Estado-Membro.
A título preliminar, importa observar que, no âmbito desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, por um lado, saber se a relação jurídica entre o beneficiário e o avalista de uma livrança se enquadra no conceito de «matéria contratual», na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, e, por outro, determinar qual é o alcance do conceito, que figura nessa disposição, de «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão», no caso de uma livrança emitida de forma incompleta e completada posteriormente.
A este respeito, há que recordar, como no n.° 27 do presente acórdão, que, na medida em que os termos do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 são idênticos aos do artigo 5.°, ponto 1, primeiro período, da Convenção de Bruxelas, deve ser reconhecido à primeira disposição um alcance idêntico ao da segunda (v., neste sentido, acórdão de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch, C-533/07, Colet., p. I-3327, n.os 48 e 56).
Por conseguinte, para determinar, em aplicação do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional competente, devem continuar a ser tidos em conta os princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal relativa ao artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas (v., neste sentido, acórdão Falco Privatstiftung e Rabitsch, já referido, n.° 57).
No que se refere, em primeiro lugar, ao conceito de «matéria contratual» na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, importa sublinhar que este conceito deve ser interpretado de forma autónoma, por referência ao sistema e aos objetivos desse regulamento, com vista a assegurar a aplicação uniforme do mesmo em todos os Estados-Membros. Não pode, portanto, ser entendido como remetendo para a qualificação que a lei nacional aplicável efetua da relação jurídica em causa no órgão jurisdicional nacional (v., por analogia, nomeadamente, acórdãos de 17 de junho de 1992, Handte, C-26/91, Colet., p. I-3967, n.° 10, e de 5 de fevereiro de 2004, Frahuil, C-265/02, Colet., p. I-1543, n.° 22).
Embora o artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 não exija a celebração de um contrato, é, contudo, indispensável identificar uma obrigação, para o aplicar, dado que a competência jurisdicional, por força desta disposição, é fixada em função do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida. Assim, o conceito de «matéria contratual» na aceção da referida disposição não pode ser entendido como abrangendo uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido por uma parte perante a outra (v., por analogia, acórdão de 17 de setembro de 2002, Tacconi, C-334/00, Colet., p. I-7357, n.os 22 e 23, e acórdão Engler, já referido, n.° 50).
Por conseguinte, a aplicação da regra de competência especial prevista em matéria contratual no referido artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 pressupõe a determinação de uma obrigação jurídica livremente consentida por uma pessoa para com outra e na qual se baseia a ação do demandante (v., por analogia, acórdão Engler, já referido, n.° 51).
No que respeita à existência de uma tal obrigação em circunstâncias como as do processo principal, importa reconhecer, à semelhança da advogadageral no n.° 45 das suas conclusões, que, no caso em apreço, o avalista, ao apor a sua assinatura na frente da livrança, por baixo da menção «bom para aval», aceitou voluntariamente agir como garante das obrigações do subscritor da referida livrança. Deste modo, a sua obrigação de garantir as referidas obrigações foi, através da sua assinatura, livremente aceite, na aceção da referida disposição.
A circunstância de essa assinatura ter sido aposta numa livrança em branco não é suscetível de infirmar esta conclusão. Com efeito, devese ter em conta o facto de que o avalista, ao assinar também o acordo de preenchimento das menções em falta, aceitou livremente as condições relativas ao modo como essa livrança seria completada pelo beneficiário quando a preenchesse aditando as informações em falta, ainda que a assinatura do referido acordo não acarrete, em si mesma, a prestação do aval.
A este respeito, importa sublinhar que a questão de saber se o preenchimento das menções em falta na livrança foi efetuado em violação do referido acordo não se enquadra na interpretação do conceito de «matéria contratual» na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, mas está mais relacionada com a verificação de que o lugar do pagamento decorrente da livrança em causa foi validamente acordado entre as partes, pelo que esta questão do órgão jurisdicional de reenvio respeita à interpretação do conceito de «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão», na aceção da referida disposição, que será examinado nos n.os 52 e seguintes do presente acórdão.
Daqui decorre que a relação jurídica entre o beneficiário e o avalista de uma livrança, emitida de forma incompleta e completada posteriormente, se enquadra no conceito de «matéria contratual», na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001.
Em segundo lugar, há que precisar o sentido do conceito de «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão», na aceção da referida disposição.
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, designadamente, se, para determinar esse lugar, deve ter em conta unicamente as informações que figuram na livrança ou também os dados contidos no acordo de preenchimento das menções em falta.
Cumpre recordar, por um lado, que o conceito de «obrigação», que figura no artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, remete para a obrigação que decorre do contrato e cujo incumprimento é invocado para justificar a ação judicial (v., por analogia, designadamente, acórdãos de 6 de outubro de 1976, De Bloos, 14/76, Colet., p. 605, n.° 13, de 15 de janeiro de 1987, Shenavai, 266/85, Colet., p. 239, n.° 9, e de 19 de fevereiro de 2002, Besix, C-256/00, Colet., p. I-1699, n.° 44) e, por outro, que o lugar onde essa obrigação foi ou deva ser cumprida deve ser determinado em conformidade com a lei que regula essa obrigação de acordo com as regras de conflito do órgão jurisdicional chamado a decidir o litígio (v., por analogia, designadamente, acórdãos de 6 de outubro de 1976, Industrie Tessili Italiana Como, 12/76, Colet., p. 585, n.° 13, e de 28 de setembro de 1999, GIE Groupe Concorde e o., C-440/97, Colet., p. I-6307, n.° 32; e acórdão Besix, já referido, n.os 33 e 36).
Por outro lado, tendo em conta a importância geralmente atribuída à vontade das partes pelos direitos nacionais em matéria de contratos, quando a lei aplicável permite às partes contratantes, nas condições que ela determina, designarem o lugar do cumprimento de uma obrigação, a convenção relativa ao lugar do cumprimento da obrigação é suficiente para situar no mesmo lugar a competência jurisdicional na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 (v., por analogia, acórdãos de 17 de janeiro de 1980, Zelger, 56/79, Recueil, p. 89, n.° 5, e de 20 de fevereiro de 1997, MSG, C-106/95, Colet., p. I-911, n.° 30; e acórdão GIE Groupe Concorde e o., já referido, n.° 28).
Deve, todavia, observar-se que, embora as partes sejam livres de convencionar um lugar de cumprimento das obrigações contratuais, não podem fixar, com o único objetivo de determinar um foro competente, um lugar de execução que não tenha nenhuma relação efetiva com a realidade da relação contratual e onde as obrigações decorrentes dessa relação não poderiam ser cumpridas nos termos da mesma (v., neste sentido, acórdão MSG, já referido, n.° 31).
No caso em apreço, tendo em conta o facto de que o lugar de cumprimento da obrigação em causa no processo principal está expressamente indicado na livrança, o órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que o direito aplicável permita essa escolha do lugar de cumprimento da obrigação, está obrigado a ter em conta o referido lugar, para determinar o órgão jurisdicional competente em conformidade com o artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001.
Nestas condições, há que responder à segunda questão que o artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 é aplicável para determinar o órgão jurisdicional de reenvio competente para conhecer de uma ação judicial pela qual o beneficiário de uma livrança, estabelecido num EstadoMembro, reivindica os direitos decorrentes dessa livrança, incompleta à data da sua assinatura e completada posteriormente pelo beneficiário, contra o avalista domiciliado noutro Estado-Membro.”
Não obstante, o caso apreciado pelo TJUE se reportasse a um procedimento de injunção de natureza declarativa, e não, como sucede no caso em análise, a uma ação executiva, cremos que as considerações que expendeu acerca da interpretação dos preceitos ali referenciados vale por inteiro na apreciação do caso dos autos, posto que como sustentámos, as disposições legais em questão são inteiramente aplicáveis às execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais.
No caso dos autos, das livranças dadas à execução consta, como local de pagamento, a cidade de Lisboa, tendo a exequente invocado, no requerimento executivo, que as mesmas foram emitidas nos termos previstos em cinco acordos escritos, cujas cópias juntou, e que contêm cláusulas consagrando como lugar do cumprimento das obrigações deles emergentes, a cidade de lisboa. Dos mesmos acordos resulta que os mesmos foram outorgados pelos executados na qualidade de gerentes da sociedade subscritora.
Sendo Lisboa o lugar do cumprimento, quer das obrigações cartulares tituladas pelas livranças dadas à execução, quer das obrigações a que aludem os contratos outorgados pela exequente e pelos executados que motivaram a subscrição, por estes  daquelas livranças, e legitimara o preenchimento das mesmas pela exequente, conclui-se que, nos termos do disposto no art. 7º, nº 1, al. a) do Regulamento Bruxelas I bis, assiste à exequente o direito a demandar os executados no Tribunal de Lisboa. Em sentido idêntico, analisando um caso em que estava em causa a execução de um título extra-judicial, e concluindo pela aplicabilidade da regra do foro do lugar do cumprimento da obrigação prevista na Convenção de Lugano, cfr. o já citado ac. RC 21-01-2014 (Barateiro Martins), p. 3949/12.4TBVIS.C1[19].
Tal significa que o Tribunal a quo tem competência internacional para a presente causa. Não obstante, essa competência encontra-se limitada, visto que resulta do disposto no art. 24º nºs 2 e 5 do Regulamento que vimos aplicando que os tribunais de cada Estado-Membro têm competência exclusiva para tramitar execuções nas quais se pretenda a penhora e venda de bens imóveis situados no seu território (no sentido exposto, cfr. o já citado ac. RL de 15-05-2012, bem como o ac. 06-06-2012 (Leopoldo Soares), p. 4472/09.0TTLSB-B.L1-4.
Daqui decorre que no caso em apreço, não obstante o Tribunal a quo seja internacionalmente competente para tramitar a presente execução, carece de competência para a penhora e venda de bens imóveis situados noutros Estados-Membros.
Porque assim é cumpre revogar o despacho recorrido, visto que no mesmo se havia indeferido liminarmente o requerimento executivo, com fundamento na incompetência internacional.
4.2.2. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito“.
Por seu turno, acrescenta o nº 2 do mesmo preceito que “(…) dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.”
No caso em apreço, cremos que as custas não devem ser imputadas a nenhuma das partes, porquanto o recurso incidiu sobre um despacho de indeferimento liminar, e os recorridos não contra-alegaram, nem por qualquer outra forma intervieram na presente execução.
Nesta conformidade, entendemos que não são devidas custas.
5. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, al c) do CPC, acordam os Juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação procedente, e, em consequência revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento da execução.
Sem custas.
Lisboa, 10 de novembro de 2020 [20]
_______________________________________________________
[1] Doc. 2 junto com o requerimento executivo, fls.
[2] Doc. 3 junto com o requerimento executivo, fls.
[3] Doc. 4 junto com o requerimento executivo, fls.
[4] Doc. 5 junto com o requerimento executivo, fls.
[5] Doc. 5 junto com o requerimento executivo, fls.
[6] Refª 392560959 (fls. 1 a 4)
[7] Refª 24991965/34357795, fls. 107.
[8] Refª 393261149, fls. 109-110.
[9] Refª 25410993/34734577, fls. 111-121
[10] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[11] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[12] Vulgarmente denominado “Regulamento Bruxelas I bis”. O sufixo “bis” serve para o distinguir do Regulamento 44/2001, que anteriormente dispunha sobre a mesma matéria, e que era vulgarmente conhecido como “Regulamento Bruxelas I”. Por sua vez este foi antecedido pela Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial
[13] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, p. 91.
[14] Este aresto aplicou a Convenção de Bruxelas, mas cremos que as conclusões a que chegou são inteiramente transponíveis no âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I bis.
[15] Aplicou o Regulamento Bruxelas I, mas as conclusões a que chegou são igualmente válidas no quadro normativo do Regulamento Bruxelas I bis.
[16] O acórdão em questão aplicou a Convenção de Lugano, mas as conclusões que alcançou são inteiramente válidas no contexto do Regulamento Bruxelas I bis.
[17] Parágrafos 30. a 40.
[18] Parágrafos 41. a 58.
[19] A única diferença entre o caso ali apreciado e a situação dos autos reside na circunstância de naquele caso as partes não terem convencionado o lugar do cumprimento da obrigação.
[20] O presente acórdão foi assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.