Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1453/15.8S5LSB.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: ACUSAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
ELEMENTO SUBJECTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP”.
- Se dos fundamentos de facto da decisão recorrida (factos provados) não consta a narração concretizada da factualidade integradora dos elementos do tipo subjectivo do crime imputado (que na acusação pública descritos também se não encontram) preenchidos não estão os elementos típicos desse crime nem, aliás, de qualquer outro, pelo que o recorrente tinha necessariamente de ser absolvido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1453/15.8S5LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 1453/15.8S5LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 12, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido R. absolvido, por sentença de 07/03/2018, da prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea c), do Código Penal, de que vinha acusado.

2. O Ministério Público não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1- A matéria dada como provada na sentença é suficiente para preencher também o tipo subjetivo do crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
2- Na verdade, as expressões em causa nos autos são reconhecidas pela Comunidade amplamente como aptas a provocar medo c inquietação a quem são dirigidas, sendo o arguido "deste mundo" basta a afirmação dc que o arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. "
3- No caso em concreto, com a imputação ao arguido de um crime de ameaça agravada, é exatamente uma das situações em que há essa correspondência entre o que é tido na consciência coletiva como conduta ilícita e o que se encontra previsto nos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, ambos do Código Penal, pelo que a matéria dada como provada na douta sentença recorrida é o bastante para decidir pela condenação do arguido pela prática do crime pelo qual foi acusado.
4-  Ao proferir a sentença recorrida o Tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 14.º, 153.º, n.º 1 e 155.º n.º 1, alínea c), todos do Código Penal.
5- Da matéria provada não falta qualquer elemento, designadamente subjetivo, que justifique a absolvição do arguido, motivo pelo qual se deve revogar a sentença recorrida e seja esta substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal.
Nestes termos, devem Vossas Excelências julgar procedente o recurso c, em consequência, revogar a douta sentença recorrida, condenando-se o arguido pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n. º 1, alínea c), ambos do Código Penal fazendo assim, como sempre, a costumada JUSTIÇA.

3. Respondeu o arguido à motivação de recurso, pugnando pelo não provimento.

4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

1.   Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se os factos dados como provados integram a prática pelo arguido do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea c), do Código Penal, por que vinha acusado.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1o) No dia 05.11.2015, às 15h50m, o arguido dirigiu-se à 12a Esquadra da Polícia de Segurança Pública, sita nas Olaias, em Lisboa, por ter que cumprir uma medida de coacção de apresentações periódicas, que lhe tinha sido aplicada no âmbito de outro processo-crime.
2o) Acto contínuo, quando o agente da Polícia de Segurança Pública, R.T. estava a cumprir a sua função, o arguido proferiu as seguintes palavras: "contigo não faço apresentação nenhuma! Tou farto de ti! Vês-me todos os dias na rua e ofereces-me porrada!"
3o) De seguida, o arguido acrescentou: "Qualquer dia vou-me passar e deixas de comer pela boca!", "Eu já te marquei! Tu ameaçaste-me com a caçadeira no parque da Bela Vista e amarraste-me a uma árvore durante 5 horas!".
4°) O comportamento do arguido causou receio e desassossego em R.T. , que chegou a temer pela sua integridade física.
5o) Não obstante, proferiu as descritas expressões, querendo e conseguindo ultrajar e vilipendiar a dignidade, honra e consideração devida ao mesmo.
6o) Ao actuar nos moldes acima descritos, o arguido:
- Agiu de forma voluntária, livre e conscientemente;
- Sabia que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.
7o) O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas toda a factualidade supra descrita.
8º) No certificado do registo criminal do arguido, consta que este foi condenado:

Caixa de texto: Data factos	Data decisão	Data trânsito	Crimc(s)	Pena(s)
08.10.1993	09.11.1994	Desconhecido	Tráfico de estupefacientes de menor gravidade	1A6M prisão, substituída por pena de multa
07.03.2000	12.12.2000	27.12.2000	Tráfico de estupefacientes	4A6M prisão
22.09.1999	06.02.2001	21.02.2001	Tráfico de estupefacientes	4A8M prisão
21.03.1999	24.05.2001	Desconhecido	Condução sem habilitação legal	120 dias prisão
03.06.2011	02.03.2012	02.03.2012	Condução veículo em estado de embriaguez	85 dias multa, a €5,00
Janeiro 2012	09.02.2015	04.04.2016	Tráfico de estupefacientes e detenção arma proibida	5A6M prisão
02.05.2016	18.10.2016	21.11.2016	Ameaça	200 dias multa, a €5,00

9º) O arguido:
- Actualmente encontra-se detido em estabelecimento prisional, em cumprimento de pena de prisão;
- Em liberdade, vive com uma companheira e com dois filhos desta (15 e 16 anos de idade), em casa camarária, pela qual é devido o pagamento de uma renda de cerca de €30,00;
- Não dispõe de qualquer fonte de rendimento;
- Não é titular de qualquer meio de transporte próprio;
- Não tem filhos;
- Tem como habilitações literárias, o 5o ano de escolaridade.
10) Durante a audiência de julgamento, o arguido demonstrou arrependimento pela sua actuação, tendo, espontaneamente, apresentado um pedido de desculpa ao ofendido, que a aceitou.

Quanto aos factos não provados, considerou inexistirem.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
A convicção do tribunal resultou dos seguintes meios de prova:
Números 1) a 6): Declarações do arguido, por ter admitido como verdadeira toda esta factualidade,
Número 7): Acta de julgamento.
Número 8): Certificado do registo criminal que constitui fls. 153 a 158.
Número 9): Declarações do arguido que o tribunal reputou de verdadeiras.
Número 10): Percepção do tribunal perante a postura assumida pelo arguido em audiência, sendo que, o pedido de desculpa se encontra retractado na aludida acta.

Apreciemos.

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença revidenda.

Sustenta o recorrente Ministério Público que os factos tidos por assentes na decisão recorrida integram a prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea c), do Código Penal, por que foi deduzida acusação pública.

Entendimento contrário teve o julgador da 1ª instância, o que explicitou nos seguintes termos:

“Pressuposto essencial para que o arguido pudesse ser condenado pela prática do crime de ameaça agravada é que constasse na acusação que o mesmo representou que as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado que as mesmas palavras necessariamente provocariam medo ou inquietação ou prejudicassem a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado como possível que as mesmas palavras poderiam provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir.

No caso em apreço, não consta da acusação a alusão a tal factualidade, logo não se pode dar como provada, pelo que, a factualidade fixada provada é, por si só, insuficiente para responsabilizar criminalmente o arguido pela actuação que lhe é imputável, conforme resulta do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o qual fixou jurisprudência no sentido de que "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358" do Código de Processo Penal." (Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 1/2015, publicado no Diário da República, Ia série, n.° 18, de 27.01.2015) (…).”

Em conformidade com esse entendimento, absolveu o arguido da prática do crime em causa.

Consagra-se no artigo 153º, do Código Penal:

“1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido (…)”.

E, no artigo 155º, do mesmo:
“1 - Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:

(...)

c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas (...) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º (...).”

O bem jurídico tutelado pela norma é a liberdade de decisão e de acção, porque as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade – cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 342.

O tipo objectivo é integrado pela comunicação de uma mensagem que traduza a prática futura de um mal ao destinatário. O mal futuro há-de consistir no cometimento, pelo agente ou por um terceiro a mando do agente, de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor do destinatário da mensagem ou de terceiro. Tem a mensagem de ser adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do destinatário – assim, Ac. deste Tribunal da Relação e Secção de 05/04/2011, Proc. nº 94/10.0PAVLS.L1, consultável em www.dgsi.pt, mas a verificação deste resultado é, para a respectiva subsunção, irrelevante, pois trata-se de um crime de perigo.
Na vertente subjectiva, exige-se a forma de cometimento a título de dolo (de acordo como o disposto no artigo 13º, do Código Penal, “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”), em qualquer das modalidades enunciadas no artigo 14º, do mesmo Código.
Tem-se sedimentado na doutrina penalista o entendimento do dolo do tipo de ilícito como composto pelo conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto, o que plasmado está no referenciado artigo 14º.

Assim, para que o dolo do tipo esteja presente necessário se torna, desde logo, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo objectivo de ilícito (isto é, o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do mesmo).

Com efeito, é necessário que ao actuar, o agente conheça “tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter de ilícito”, porquanto só quando os elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 351 - exigindo-se ainda que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização.

Daí que, como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/09/2017, Proc. nº 146/16.3 PCCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, “a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual)”.

Conforme vertido no Acórdão de 25/02/2015, Proc. nº 1193/12.0GAMAI.P1, também desse Tribunal da Relação, que pode ser lido no mesmo sítio, relativamente ao crime de ameaça, o dolo tem que abranger “não só o conhecimento e vontade de praticar o facto, mas também a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação e, pressupõe, que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado”.

Destarte, para que o tipo doloso esteja preenchido, necessário se torna, entre o mais, como bem se salienta na decisão objecto de crítica, que provado esteja que o mesmo representou que as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado que as mesmas palavras necessariamente provocariam medo ou inquietação ou prejudicassem a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado como possível que as mesmas palavras poderiam provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir, pelo que tais factos são necessariamente objecto de prova, no processo.

E se, na verdade, a sua comprovação se pode inferir dos demais factos provados, com recurso a presunções naturais (não jurídicas) ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum, tal não implica que seja admissível prescindir da narração dos factos que consubstanciam o dolo.

Aliás, no Ac. do STJ nº 1/2015, de 20/11/2014, DR nº 18, I Série, de 27/01/2015, fixou-se a seguinte jurisprudência: “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP”.

Nele se podendo ler que “a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito.”

Acrescentando-se ainda: “conexionada com o problema anterior, coloca-se finalmente a questão de saber se a falta, na acusação, de todos ou alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjectivo do ilícito, mais propriamente, do dolo (englobando o dolo da culpa, no sentido atrás referido), pode ser integrada no julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.

Tal equivalerá a considerar essa integração como consubstanciando uma alteração não substancial dos factos.

11.1. Já vimos que esses elementos têm de constar obrigatoriamente da acusação, implicando a sua falta a nulidade do libelo (art. 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP)” (…) a exigida narração dos factos é a de todos os factos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles pertencentes ao tipo objetivo do ilícito, sejam ao tipo subjetivo e ainda, naturalmente, na sequência do que temos vindo a expor, os elementos referentes ao tipo de culpa. A factualidade relevante, como factualidade típica, portadora de um sentido de ilicitude específico, só tem essa dimensão quando abarque a totalidade dos seus elementos constitutivos. Não existem puros factos não valorados, como vimos, a propósito, nomeadamente, das teorias do objeto do processo, e a valoração especifica que aqui se reclama, consonante com um tipo de ilícito, só se alcança com a imputação do facto ao agente, fazendo apelo à representação do facto típico, na totalidade das suas circunstâncias, à sua liberdade de decisão, como pressuposto de toda a culpa, e, envolvendo a consciência ética ou dos valores, à posição que tomou, do ponto de vista da sua determinação pelo facto. Sem isso, não está definida a conduta típica, ilícita e culposa.”


Assim sendo, considerando que dos fundamentos de facto da decisão recorrida (factos provados) não consta a narração concretizada da factualidade integradora dos elementos do tipo subjectivo do crime imputado (que na acusação pública descritos também se não encontram, vero é) preenchidos não estão os elementos típicos desse crime nem, aliás, de qualquer outro, pelo que o recorrente tinha necessariamente de ser absolvido, não merecendo, por isso, provimento o recurso.


III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida.

Sem tributação.

Lisboa, 18 de Setembro de 2018


(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)


Artur Vargues

Jorge Gonçalves