Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
54/18.3PULSB.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: PROCESSO SUMARISSIMO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Tendo sido requerida pelo MºPº a aplicação ao arguido, sob a forma de processo sumaríssimo, de uma pena por crime de detenção de estupefaciente para consumo (previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela C a ele anexa), na sequência do que não tendo sido possível assegurar a notificação do arguido e tendo-se determinado o “reenvio do processo para outra forma processual”, e a remessa dos autos “aos Serviços do Ministério (Público), tendo em vista o cumprimento do disposto no art. 398.º, n.º 2, do Código Processo Penal”, a que se seguiu a dedução de uma acusação por tráfico de menor gravidade (art.ºs 21.º e 25.º, al. a), do DL n.º 15/93) e o pedido da sua notificação pessoal ao arguido, não há lugar, com efeito, a uma nova acusação, mas como o art. 398.º, n.º2, do Cód. Proc. Penal, claramente o deixa entendido, a uma sua equivalência em relação ao requerimento que o Ministério Público haja formulado nos termos do art. 394.º que se converte na acusação “definitiva”.

- Neste quadro, em que os autos foram reenviados para outra forma (comum perante tribunal singular) e em que foi deduzida outra acusação e ao que se lê, em relação a ela, ter-se-á entendido que o Arguido foi validamente notificado, mormente para requerer a instrução. a decisão do Mm.º Juiz a quo, de arquivar e não de remeter os autos ao DIAP para ter lugar o cumprimento do sobredito art. 398.º, n.º 2 CPP (e ulteriores termos do processo), não merece qualquer censura.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:

I - 1.) Inconformado com o despacho aqui melhor contante de fls. 89 verso a 90 verso, em que o Mm.º Magistrado Judicial do Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 9), rejeitou a acusação que havia deduzido contra o Arguido F. , recorreu o Ministério Público para esta Relação, condensando as razões da sua irresignação com a apresentação das seguintes conclusões:

1.ª - O arguido F.  foi presente ao Ministério Público, o qual requereu a aplicação ao arguido, sob a forma de processo sumaríssimo, de uma pena de 70 dias de multa, à razão diária de 5,00 €, por entender o mesmo incurso na prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela C a ele anexa.
2.ª - Nos termos do disposto no artigo 394.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tal requerimento do Ministério Público contém, além das indicações tendentes à identificação do arguido, a descrição dos factos imputados, a menção das disposições violadas e a prova.
3.ª - Este requerimento mereceu a concordância do Mm.º Juiz do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa - J2, que determinou a notificação do arguido, por contacto pessoal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
4.ª - Como não se mostrou possível a notificação do arguido, foi determinado o reenvio do processo para outra forma processual e os autos remetidos para os Serviços do Ministério, tendo em vista o cumprimento ao disposto no artigo 398.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
5.ª - O Ministério Público junto do D.I.A.P. de Lisboa, aludindo à impossibilidade de notificação do arguido e, por conseguinte, do seu interrogatório, veio deduzir nova acusação, imputando agora ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), dos supracitados Decreto-Lei e Tabela anexa.
6.ª - O Douto despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo, de que ora se recorre, considerando que “está em causa é a ilegitimidade material do Ministério Público para deduzir nova acusação e, destarte, a impossibilidade de apreciação do mérito da causa”, determinou ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Penal, a rejeição da acusação formulada pelo Ministério Público contra o arguido F. e, consequentemente, determinou o arquivamento dos autos.
7.ª - Concordando que posteriormente o Ministério Publico junto do D.I.A.P. de Lisboa, já em sede de processo comum, sem a realização de quaisquer outras diligências de prova, não poderia/deveria ter deduzido acusação contra o arguido pela prática de factos susceptíveis de integrar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º alínea a) do Dec.- Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro; mas deveria, isso sim, ter dado apenas cumprimento ao disposto no art. 398.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal, equivalendo o requerimento para processo sumaríssimo a acusação e nesses termos imputar ao arguido a prática de factos susceptíveis de integrar apenas um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do mencionado Dec.- Lei;
8.ª - A questão essencial a apreciar e decidir neste recurso é a de saber se o Mm.º Juiz a quo no Douto despacho recorrido poderia, como efectivamente fez, rejeitar “tout court” a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido, nos termos do disposto no art. 311.º n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, em consequência, determinar o arquivamento dos autos.
9.ª - Ora, a resposta a esta questão afigura-se-nos dever ser negativa.
10.ª - É que se de facto, por um lado, temos nos autos uma acusação em que se imputa ao arguido a prática de factos susceptíveis de integrar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º alínea a) do Dec.- Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
11.ª - Por outro, temos também, e primeiramente, nos autos um requerimento do Ministério Público, em processo sumaríssimo, em que se imputam factos susceptíveis de integrar a prática pelo arguido de um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2 do Dec. - Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
12.ª - Requerimento esse que, não tendo sido possível notificar ao arguido, determinou o reenvio dos autos, nos termos do disposto no art. 398.º do Cód. Proc. Penal, para outra forma processual e a remessa dos mesmos aos Serviços do Ministério Público.
13.ª - Ora, decorre da lei, que “o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, equivalendo à acusação, em todos os casos, o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do artigo 394.º” (art. 398.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal). Nestes termos, o requerimento para processo sumaríssimo equivale à acusação.
14.ª - De todo o exposto decorre que o Mm.º Juiz a quo não podia “tout court” rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público.
15.ª - Podia e devia, nos termos do disposto no art. 311.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, rejeitar a acusação deduzida em processo comum contra o arguido pela prática de factos susceptíveis de integrar o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º alínea a) do Dec.- Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, face ao disposto no art. 398.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal;
16.ª - E determinar a devolução dos autos ao D.I.A.P. de Lisboa para que fosse, relativamente ao requerimento formulado nos termos do disposto no art. 394.º do Cód. Proc. Penal, o qual equivale a acusação (ainda que sob outra forma processual), dado cumprimento ao disposto no art. 398.º, n.º 2, do referido diploma legal;
17.ª - E deveria, em fase posterior ao cumprimento pelo D.I.A.P. desse preceito legal, caso não fosse requerida a abertura da Instrução, receber a acusação (requerimento inicialmente formulado) deduzida contra o arguido por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do Dec.- Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro.
18.ª - Em súmula, e nos termos supra expostos, o despacho proferido nos autos sob a ref. Citius 385033833 de 14/03/2019, a fls. 89 a 90 v., ao rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público e ao determinar o arquivamento dos autos violou o disposto no art. 311.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal em conjugação com o disposto no art. 398.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal.
19.ª - Deve o despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo proferido nos autos sob a ref. Citius 385033833 de 14/03/2019, a fls. 89 a 90 v., ser revogado e substituído por outro que, embora rejeite a acusação deduzida em processo comum contra o arguido pela prática de factos susceptíveis de integrar o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º alínea a) do Dec.- Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, não determine o arquivamento dos autos, mas sim a devolução dos mesmos ao D.I.A.P. de Lisboa para que seja, relativamente ao requerimento formulado nos termos do disposto no art. 394.º do Cód. Proc. Penal, o qual equivale a acusação (ainda que sob outra forma processual), dado cumprimento ao disposto no art. 398.º, n.º 2, do referido diploma legal;
20.ª - Devendo o Mm.º Juiz a quo, em fase posterior ao cumprimento pelo D.I.A.P. desse preceito legal, caso não seja requerida a abertura da Instrução, receber a acusação (requerimento inicialmente formulado) deduzida contra o arguido por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do Dec.- Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

I - 2.) Respondendo ao recurso interposto, o Arguido F.  concluiu no sentido manutenção da douta decisão de arquivamento dos autos em toda a sua extensão, por ser legalmente inadmissível o ora requerido pelo Ministério Público.

II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a apor o seu visto.
*
Seguiram-se aqueles outros previstos no art. 418.º do Cód. Proc. Penal.
*
Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) Conforme resulta das conclusões apresentadas, pelas quais consensualmente se define o respectivo objecto, através do recurso interposto, tem em vista o Ministério Público não tanto contestar a rejeição da acusação proferida pelo indicado crime de tráfico de menor gravidade agora imputado, mas antes, afastar o arquivamento que concomitantemente foi determinado, entendendo que os autos deveriam ser remetidos ao DIAP para cumprimento do art. 398.º, n.º2, do Cód. Proc. Penal, para assim fazer renascer a acusação inicialmente deduzida de detenção para consumo (art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93), e assegurar o seu subsequente processamento, com eventual responsabilização do Arguido por este crime.

III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor do despacho de que se discorda:

“(…)

1. A. como processo comum (com intervenção do tribunal singular).

2. Rejeição da acusação deduzida pelo Ministério Público.

Em ato seguido à sua detenção (auto de notícia por detenção), o arguido F.  foi presente ao Ministério Público, o qual requereu a aplicação ao arguido, sob a forma de processo sumaríssimo, de uma pena de 70 dias de multa, à razão diária de 5,00 €, por entender o mesmo incurso na prática de um crime de consumo (de estupefacientes) previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela C a ele anexa.
Antes deste requerimento o arguido apresentara um outro, de sua lavra (utilizando um formulário preexistente dos serviços do Ministério Público) no qual declarou que “o produto apreendido era para consumo próprio para 4 dias, comprei a um desconhecido” [sic], indicando, ademais, uma síntese da sua situação socioeconómica.
Observando as formalidades impostas pelo artigo 394.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o requerimento do Ministério Público continha - além das indicações tendentes à identificação do arguido - a descrição dos factos imputados e a menção das disposições violadas e a prova - cf. fls. 25-16.
Sobre este requerimento recaiu a concordância do MM. Juíza do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa - J 2, que determinou a notificação do arguido, por contacto pessoal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - douto despacho de fls. 30-31.
Subsequentemente, o arguido, através da sua Exma. Defensora, declarou aceitar a pena proposta e solicitou simultaneamente a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade - requerimento de fls. 39ss.
Contudo, não se mostrou exequível da sua notificação por contacto pessoal, como fora determinado, e por tal razão, implicitamente desconsiderando a aceitação manifestada pela Exma. Defensora (visto que nem o Ministério Público nem a MM Juíza se pronunciaram expressamente sobre a questão), foi determinado o reenvio do processo para outra forma processual e os autos remetidos para os “Serviços do Ministério” [sic] a fim de ser dado cumprimento ao disposto no artigo 392.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quer dizer, para ser determinada a forma do processo a seguir e notificada a acusação ao arguido - cf. fls. 66.
Acontece que recebidos os autos, porém, o Ministério Público - DIAP de Lisboa, após ter declarado “encerrado o inquérito” e aludido à impossibilidade de notificação do arguido e, por conseguinte, do seu interrogatório, veio deduzir nova acusação, imputando agora ao arguido, pelos mesmíssimos factos (objetivamente considerados) vertidos no requerimento de processo sumaríssimo, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), dos supracitados Decreto-Lei e Tabela anexa.
Semelhante procedimento não se afigura admissível.
Embora já ultrapassado o âmbito processual-sumaríssimo, cabe observar introdutoriamente que, s.m.o., talvez pudesse ter sido analisada - aceitando-a ou não - a não-oposição manifestada pela Exma. Defensora (extensamente, no sentido de que a não-oposição pode ser transmitida pelo Defensor, não o tendo de ser pessoalmente pelo arguido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2012, processo n.º 397/11.7SAGRD-A.C1, consultado em www.dgsi.pt).
Feita esta observação, a verdade é que não sendo possível a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, entende-se unanimemente que tal inviabiliza o necessário consenso subjacente ao processo sumaríssimo, produzindo o mesmo efeito da oposição expressa do arguido, i.e., o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 398.º, devendo ser o processo remetido ao Ministério Público para esse efeito (questão outrora algo controvertida, mas que hoje parece pacificada).
Ora, quer do espírito da forma sumaríssima, em que se entende estarem de pronto reunidos todos os requisitos de facto, de direito e probatórios, legitimadores da aplicação de uma pena ao arguido, quer do n.º 2 alínea a) do artigo quer finalmente do n.º 2 do artigo 395.º do Código de Processo Penal, retira-se que a intervenção do Ministério Público após o reenvio deverá cingir-se à determinação da forma de processo (abreviado ou comum) e, sendo admissível a instrução (processo comum), à notificação da acusação ao arguido.
A acusação de que se fala não pode deixar de ser a que já constava do requerimento para aplicação de pena em processo sumaríssimo, cujos requisitos, nesta parte, são em todo semelhantes aos impostos para a acusação a se: é o que expressa, sem margem para dúvidas, o artigo 398.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Significa isto que o Ministério Público não pode deduzir nova acusação e muito menos poderá fazê-lo imputando ao arguido um crime diverso do especificado no dito requerimento como, no caso, se fez, pois que se imputou inicialmente a prática de um crime de consumo de estupefacientes para agora (aliás, sem realização de qualquer diligência probatória) se decidir imputar a prática do crime sumamente mais grave de tráfico de estupefacientes, ainda que de menor gravidade.
Poderá, ainda, chamar-se à colação a doutrina subjacente ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2011 (DR, Série I, n.º 2/2011, 27-01-2011, pp. 570-583), decerto aplicável por flagrante analogia (cf. artigo 4.º do Código de Processo Penal), em cuja fundamentação se consigna - além do mais:
O Ministério Público que assume expressamente, em qualquer momento processual, uma posição de direito donde deriva a inculpabilidade do arguido ou a sua menor culpabilidade, não pode, em momento posterior, modificar essa sua posição, alegando melhor juízo, em desfavor, ainda que só eventual, da posição do arguido.
Poderá argumentar-se que aquele melhor juízo será o que ajuda à descoberta da verdade material e da realização da justiça. Mas em rigor consubstancia uma negação dos princípios e valores que devem presidir ai processo penal próprio de um Estado de Direito Democrático.
Quer dizer que mais do que a falta de legitimidade formal (pressuposto processual) o que está em causa é a ilegitimidade material do Ministério Público para deduzir nova acusação e, destarte, a impossibilidade de apreciação do mérito da causa.
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, rejeita-se a acusação formulada pelo Ministério Público contra o arguido F. e, consequentemente, determina-se o arquivamento do processo.
Notifique-se.

(…)”

III – 3.1.) Os actos processuais que basicamente importam à apreciação da questão acima deixada identificada, já em grande parte se encontram referidos nas conclusões e no despacho acabado de transcrever, pelo que, nessa parte, importa apenas destacá-los.
 
Assim:

Por entender que o Arguido se mostraria incurso na prática de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro (com referência à Tabela C a ele anexa), o Ministério Público requereu a aplicação ao mesmo, sob a forma de processo sumaríssimo, de uma pena de 70 dias de multa, à razão diária de 5,00 €.

Na sua sequência, foi exarada pela Mm.ª Magistrada Judicial do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa a verificação dos requisitos exigidos pelos art.ºs 392.º e 394.º do Cód. Proc. Penal, e a concordância com a sanção proposta, mais se ordenando a notificação do Arguido, por contacto pessoal, para se aferir da sua eventual aceitação/oposição.

Uma vez que não foi possível assegurar tal forma de contacto, determinou-se o “reenvio do processo para outra forma processual”, e a remessa dos autos “aos Serviços do Ministério (Público), tendo em vista o cumprimento do disposto no art. 398.º, n.º 2, do Código Processo Penal”.

Da nossa parte, temos algumas dúvidas sobre a legitimidade desta última vertente do despacho, … para além do que, tal notificação só se torna efectivamente pertinente na hipótese de a forma do processo a reenviar ser comum.

Seja como for, o que se seguiu foi a dedução de uma acusação por tráfico de menor gravidade (art.ºs 21.º e 25.º, al. a), do DL n.º 15/93) e o pedido da sua notificação pessoal ao Arguido para diversos fins, mormente, a de requerer a abertura da mencionada fase processual.

Uma vez mais não se alcançou o seu paradeiro. Mas acabou-se por entender que aquela comunicação tinha sido remetida “para a morada constante do TIR”, e os autos foram remetidos à distribuição.

Proferindo-se então o despacho recorrido.

III - 3.2.) Como já houve a oportunidade de realçar, neste momento, o Digno Recorrente já não põe em causa a bondade da rejeição desta nova acusação por tráfico.

É inquestionável que nas condições indicadas, não há lugar, com efeito, a uma nova acusação, mas como o art. 398.º, n.º2, do Cód. Proc. Penal, claramente o deixa entendido, uma sua equivalência em relação ao requerimento que o Ministério Público haja formulado nos termos do art. 394.º.
Ou seja, aquele converte-se na acusação “definitiva”.

Desconformidade processual tanto mais relevante, quando, no caso, se operou uma alteração substancial dos factos em relação à anteriormente deduzida, e com ela, da respectiva qualificação jurídica.

Questão que não vemos tratada, é a de saber por que via normativa exacta aquela rejeição da acusação se opera, uma vez que as causas que legalmente a autorizam estão especificadas no n.º 3 do art. 311.º e aí não encontramos qualquer referência à “ilegitimidade material do Ministério Público”.

Mas não se questionando, no recurso, tal segmento da decisão, também não seremos nós a introduzir outras dificuldades nesse domínio.

III - 3.3.) Assim se convindo, somos então em considerar que a decisão do Mm.º Juiz a quo de arquivar e não de remeter os autos ao DIAP para ter lugar o cumprimento do sobredito art. 398.º, n.º 2 (e ulteriores termos do processo) não merece qualquer censura.

Como vimos, a notificação em causa retirava a sua lógica de cumprimento da circunstância do requerimento de aplicação de pena, em processo sumaríssimo, se converter em acusação e como tal, se prevenir a hipótese de abertura da instrução.

Ora no caso presente, os autos foram reenviados de modo agora tornado inevitável para outra forma (comum perante tribunal singular), em que tal normativo já não pertina.
Mas mais do que isso: Foi deduzida outra acusação e ao que se lê, em relação a ela, ter-se-á entendido que o Arguido foi validamente notificado, mormente para requerer a instrução.

Pelo que o tal condicionalismo conexo com a forma sumaríssima dos autos ficou ultrapassado: Quando o Senhor Juiz de julgamento intervém em sede de saneamento do processo, o que tem para apreciar é aquela acusação concreta proferida naquele contexto processual preciso.
Não sendo de lhe exigir que levasse em conta outros eventuais cenários de conformação que aí não se mostrem materializados.

Ninguém pediu a nulidade (irregularidade) do processado posterior ao não cumprimento do art. 398.º, nem vemos que o Ministério Público tenha legitimidade para a invocar.
E repete-se, no cenário processual criado, já não tinha qualquer sentido repristinar aquela notificação.

Nesta conformidade:

Nos termos e com os fundamentos mencionados, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

Não são devidas custas.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator o 1.º signatário.