Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
233/18.3YHLSB.L1-PICRS
Relator: RUI MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: ÓNUS DA PROVA
CONTRAPROVA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I–É ao autor que cabe fazer prova dos actos constitutivos do seu direito (artº 342º/1 C.C.).;

II–À parte não onerada com a prova do facto cabe apenas um ónus de contraprova quando se proponha abalar a certeza com que o Tribunal tenha ficado ou possa ficar da realidade do respectivo facto ou da sua prova. Visa, assim, a neutralizar a prova (prova principal), repondo o juiz no estado de dúvida ou incerteza inicial, não necessitando de ir até ao ponto de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva).

III–“Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos).

IV–No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.” -Ac. do STJ de 07.05.2009, proc. 08S3441;

V–Constitui abuso de direito o registo de uma marca apenas para que a parte genérica da mesma, utilizada por terceiro concorrente, não possa por este ser utilizada;

VI–Um comportamento como o descrito é um comportamento emulativo que não realiza interesses ponderáveis da R., antes nega somente interesses do A..

VI–A intencionalidade da conduta é dedutível pelo Tribunal com recurso a regras de experiência;

VII–Ante tal o direito da R. surge exercitado em termos "clamorosamente ofensivos da justiça", constituindo tal exercício "clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante" sendo, como tal, abusivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a Secção de Propriedade Industrial, Concorrência, Supervisão e Regulação do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório


LD… demandou no …º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual GA… peticionando que seja declarado que o exercício pela Ré do seu direito ao uso exclusivo da marca e do logotipo registados sob o nº. … de marca nacional, mormente para impedir o A. de os utilizar (com excepção da locução “by Gi Calhau”) é abusivo e que seja declarado que o A. pode continuar a utilizar no seu comércio a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus”, com as cores patenteadas nos docs. nº.s 9 a 15 desta petição, bem como o logotipo consistente num chapéu de coco vermelho (panetone #ffcc66), com uma pena amarela (panetone #993333), visível nos referidos documentos bem como no pagamento das custas do processo.

Para tanto e em síntese contendeu que na sequência de uma acção inspectiva da ASAE, através da qual tomou conhecimento de que a R. lhe imputava a prática do crime de usurpação por ele – continuar a – usar, no comércio dele, os elementos distintivos (a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus”, escrita em harlow solid italica, em vermelho e amarelo, acompanhada de um chapéu de coco vermelho com uma pena amarela), não registados, que utiliza há mais de dez anos (a denominação) e há mais de cinco anos (o logotipo) que ela fizera registar, acrescentando a locução “by Gi Calhau”, a seu favor, como marca nacional ….

Sucede que a Ré não era titular do direito ao registo, por não ter legítimo interesse na marca e no logotipo, que não usa para assinalar os produtos do seu comércio.

A Ré, ex-trabalhadora e enteada do A., abriu, entretanto, com o seu irmão uterino, um negócio concorrente, na Rua …, artéria na qual se situa o estabelecimento do A, onde os produtos são comercializados com a marca (também registada a favor da recorrida) “Os Chapeleiros”, mas sem qualquer referência a “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, que apenas registou para prejudicar o ora recorrente;

Citada a R. esta alegou que que o negócio que gira sob a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus” não era apenas do A., mas também da mulher deste e da própria. Sustentou ainda que a marca “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, com a exacta configuração que consta do boletim do INPI (e que reproduz, embora a preto e branco, o sinal, não registado, utilizado pelo A.), fora criada por ela.

Os autos seguiram o seu normal curso e na audiência prévia, o A. ampliou o pedido, impetrando a anulação da marca em causa e o cancelamento do seu registo.

Após audiência de julgamento veio a ser proferida douta decisão onde se julgou a acção “inteiramente improcedente”, absolvendo-se a Ré, aqui apelada, de todos os pedidos.

Inconformado veio o A. recorrer para esta instância formulando, após motivação, as seguintes conclusões:
a)- O A., ora apelante, instaurou a presente acção, em 23 de Agosto de 2018, contra a Ré, na sequência de uma acção inspectiva da ASAE, através da qual tomou conhecimento de que a ora apelada lhe imputava a prática do crime de usurpação por ele - continuar a - usar, no comércio dele, os elementos distintivos (a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus”, escrita em harlow solid italica, em vermelho e amarelo, acompanhada de um chapéu de coco vermelho com uma pena amarela), não registados, que utiliza há mais de dez anos (a denominação) e há mais de cinco anos (o logotipo) que ela fizera registar, acrescentando a locução “by Gi Calhau”, a seu favor, como marca nacional …;
b)- Pretendia - pretende ainda - o A. que, na procedência da acção, lhe fosse consentida a manutenção da denominação comum e o uso do logotipo (cuja criação foi por ele encomendada e paga), uma vez que a Ré não era titular do direito ao registo, por não ter legítimo interesse na marca e no logotipo, que não usa para assinalar os produtos do seu comércio;
c)- A Ré, ora apelada, ex-trabalhadora e enteada do A., abriu, entretanto, com o seu irmão uterino, um negócio concorrente, na Rua …, artéria na qual se situa o estabelecimento do apelante, onde os produtos são comercializados com a marca (também registada a favor da recorrida) “Os Chapeleiros”, mas sem qualquer referência a “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, que apenas registou para prejudicar o ora recorrente;
d)- Na contestação, a Ré, ora apelada, defendeu a tese de que o negócio que gira sob a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus” não era apenas do A., mas também da mulher deste e da própria apelada;
e)- Afirmou ainda a Ré, na mesma peça processual, que a marca “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, com a exacta configuração que consta do boletim do INPI (e que reproduz, embora a preto e branco, o sinal, não registado, utilizado pelo A.), fora criada por ela;
f)- Analisada a prova documental junta aos autos e ponderada a prova pessoal (depoimentos das testemunhas e declarações de parte) produzidas na audiência de discussão e julgamento, a Mmª. Juiz a quo julgou a acção “inteiramente improcedente”, absolvendo a Ré, aqui apelada, de todos os pedidos (na audiência prévia, o A. ampliara o pedido, impetrando a anulação da marca em causa e o cancelamento do seu registo);

2.– Da Impugnação do Julgamento de Facto A – Dos Factos Provados

g)- É entendimento do A., ora apelante, que a Mma. Juiz a quo não procedeu na, aliás douta, sentença recorrida, à correcta apreciação da prova quanto aos factos que se assinalam nas conclusões que se seguem e nas quais se indicará o sentido em que o facto deveria ter sido dado como provado e os meios de prova que impunham esse sentido da resposta;
h)- Nos factos provados n°s. 1 e 9, a Mmª. Juiz a quo acolheu a tese da Ré de que o negócio que gira sob a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus”, com o logotipo do chapéu de coco antes referido, foi iniciado não apenas pelo A., mas também por ela e por sua mãe (ao tempo namorada de pouca data do aqui apelante), ainda que no facto 9 restrinja a intervenção da ora apelada a “colaboração”.

O Venerando Tribunal ad quem deverá, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art°. 662°. do Código de Processo Civil revisto, alterar a formulação dos factos provados 1 e 9, de acordo com a sugestão feita no corpo das presentes alegações, com base: (i) nos depoimentos das testemunhas AM…, PA…, RT… e AC… (mãe da Ré), nos art°s. 9°. e 19°. da contestação e nos factos provados n°s. 2, 3, 4, 5 e 6, que contrariam o que foi dado como assente nos factos aqui em crise;

i)- No facto provado n°. 14, a Mmª. Juiz a quo considerou assente que o A. cancelou o endereço de correio electrónico usado pela Ré e pela sua mãe, sem que, todavia, esteja identificado tal endereço. Certo é que o A. apenas poderia proceder ao seu cancelamento se o ou os endereço(s) estivesse(m) registado(s) em nome dele, como era o caso de …@gmail.com. ou associado ao site que também foi registado em nome do ora apelante, ainda solteiro (factos provados n°s. 2 e 5, respectivamente).

Essa inibição de acesso terá ocorrido, de acordo com o facto provado n°. 26, entre Julho e Novembro de 2017. Como o A. se separou de facto da mãe da Ré em 26 de Março do mesmo ano (facto provado n°. 13) e a Ré cessou a relação laboral em 30 de Junho seguinte (doc. de fls. 13 v. e 14), nada há de censurável nesse alegado comportamento imputado ao ora recorrente;

Não se encontrando motivado, o facto n°. 14, relativamente ao qual não foi produzida prova (nem haveria objecto para a sua produção sem se identificar o concreto endereço de correio electrónico), deverá ser eliminado da relação dos dados como assentes;

j)- No facto provado n°. 23 - seguindo a linha de raciocínio de que o negócio do A. não era dele, mas de uma sociedade irregular de três sujeitos -, a Mma. Juiz a quo deu como provado que o site de “A Fábrica dos Chapéus” foi sujeito à aprovação do ora apelante, da sua mulher e da Ré.

Decorre realidade diversa dos depoimentos das testemunhas RB… e PL… (únicas referidas na fundamentação deste facto), identificados e transcritos, na parte pertinente, no corpo da presente petição de apelação, pelo que a redacção do facto n°. 23 deverá passar a ser a sugerida pelo ora apelante;

k)- No facto n°. 24 dos factos provados, a Mmª. Juiz a quo consignou que a divisão provisória do negócio do casal (do A. com a mãe da Ré) tinha abrangido igualmente a ora apelada e não apenas os cônjuges, procurando dar consistência à versão de que o negócio também era dela.

Uma audição atenta dos depoimentos e declarações referenciados na fundamentação da matéria de facto da, aliás douta, sentença recorrida conduz a um resultado muito diferente, o qual deverá ser reflectido na redacção do facto provado n°. 24.

Nas suas declarações de parte, o A., aqui recorrente, não especificou a forma de atribuição provisória das lojas (incluindo a loja online e o respectivo site) a cada um dos cônjuges, limitando-se a referir que elaborou três propostas, conformando-se com a escolha que, dentre elas, fizesse a sua mulher (por conseguinte, excluindo a Ré da partilha dos bens do casal).

Já a testemunha AC… esclareceu como ocorreu a divisão (provisória) de facto, tendo ficado ela com o atelier, com as lojas da Av. … e da Rua … e a quota do A. na sociedade de direito belga que também integrava o património conjugal, enquanto ao ora apelante havia sido atribuída a loja da Rua …, a revenda e o site (e respectiva loja virtual), realidade confirmada pela testemunha AMA… (também referida na fundamentação deste ponto da matéria de facto), o que deverá ser reflectido na sua redacção;

B–Dos Factos Não Provados

l)- Na alínea A dos factos aqui em causa, a Mma. Juiz a quo deu como não provado que o investimento na primeira loja de “A Fábrica dos Chapéus”, na Rua …, n°. … (facto provado n°. 3), tivesse sido feito apenas com o dinheiro do ora apelante (entendendo- se como tal também o de empréstimos que tivesse obtido).

Lê-se na fundamentação desse facto que o A. “não logrou provar que a Ré e sua mãe não tivessem contribuído também”. Porém, a prova desses factos (negativos, da perspectiva do demandante) não impendia sobre ele, cabendo antes a quem os invocou, nos termos do art°. 342°. do Código de Processo Civil revisto, erradamente interpretado e aplicado na, aliás douta, sentença recorrida.

m)- Lê-se ainda na fundamentação deste facto pela Mma. Juiz a quo que “segundo a versão de AC…, esta contribuiu e bastante”.

Ouvido - e transcrito, como consta do corpo das presentes alegações, onde se encontra referenciado - esse depoimento, a conclusão a extrair é que foi cometido um erro material na citada fundamentação, já que a testemunha não apenas confirmou o empréstimo feito ao A. pelos seus pais, como afirmou ter ela própria emprestado, “mas não foi muito”. Se se tratou de um empréstimo, é evidente que não consistiu num investimento no negócio por banda da mãe da ora apelada.

Com base nos depoimentos das testemunhas AM…, LO… e AC…, o facto não provado A deverá transitar, com formulação positiva, para a relação dos “PROVADOS”;

n)- O facto não provado B refere-se à contratação da Ré, pelo A., para trabalhar no “negócio dos chapéus.

O documento de fls. 13 v. e 14, uma certidão da Segurança Social, comprova que, entre 1 de Abril de 2010 e 30 de Junho de 2017, a Ré foi trabalhadora dependente do A., situação essa também indiciada no documento junto pela Ré a fls. 45v, que a faz retroagir a mês não especificado de 2009, por conveniência da própria.

A realidade, oposta à acolhida pela Mmª. Juiz a quo, foi confirmada pela própria Ré nas suas declarações de parte, nas quais assumiu que iniciou a sua colaboração como eventual (apenas trabalhando nas folgas do seu emprego, nas Caldas da Rainha), passando depois a trabalhadora com contrato sem termo.

Com base nos documentos de fls. 13 v. e 14 e de fls. 45v, bem como no depoimento da ora apelada, o facto não provado B deverá passar a fazer parte da lista dos “PROVADOS”;

Os factos não provados C e D convocam, ao cabo e ao resto, uma mesma matéria de facto, ainda que, verdadeiramente, o facto não provado releve, nas concretas circunstâncias, uma questão de direito: o interesse da Ré, qualificado como legítimo, de que depende a existência do direito ao registo da marca na sua esfera jurídica;

o)- A Ré, reconhecidamente, no momento actual e no da propositura da acção, comerciante de chapéus (depois de ter exercido essa actividade ao serviço e como trabalhadora dependente do A., aqui apelante), desenvolve o seu comércio - através da “Gabarito Métrico, Lda.”, sociedade de que detém metade do capital - sob e com a marca “Os Chapeleiros” (d’Elx ou com o logotipo da ave), não identificando os produtos que comercializa com a marca nacional …, “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”;

p)- Uma vez que, inquestionavelmente, o A., aqui recorrente, identifica todos os bens que comercializa (do mais caro ao mais barato) com a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus” associada ao logotipo do chapéu de coco, a Ré, ao registar como sua uma marca decalcada, na íntegra, dessa sinalização, visa, exclusivamente, prejudicá-lo, impedindo-o de continuar a exercer a sua actividade sem que antes proceda à reidentificação de milhares de chapéus, da sua loja e do site através do qual procede às vendas online;

q)- Os depoimentos das testemunhas MC…, AMA… e VA…, que não foram infirmados por quaisquer outros meios probatórios, foram concludentes quanto à seguinte realidade: todos os chapéus comercializados pelo A. aqui apelante, estão identificados - tal como a sua loja - com a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus” e com o referido logotipo e a Ré, aqui apelada, não tem à venda nenhum chapéu de que conste a marca “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, cujo direito ao uso exclusivo pretende exercer;

r)- A própria mãe da Ré, a testemunha AC…, reconheceu essa realidade, quando interrogada pela Ilustre mandatária da ora apelada;

s)- Com base nos depoimentos das testemunhas MC…, AMA…, VA… e AC…, os factos não provados C (com a referida restrição quanto à matéria de direito) e D deverão ser levados ao elenco dos “PROVADOS”;

Quanto à Errada Interpretação e Aplicação da Lei

t)- Não é lícita a conduta de quem, valendo-se da falta de registo por parte do comerciante que a utiliza para identificar os produtos do seu comércio, reproduzindo, integralmente, a denominação comum e o logótipo utilizados por esse terceiro, regista esses elementos como marca, o que se tornou possível pela adição de um elemento determinativo - “by Gi Calhau” -, sem que a use e com o único intuito de prejudicar aquele terceiro;

u)- A Ré, aqui apelada, requereu o registo da marca “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau” quinze dias depois de ter cessado a sua relação laboral com o A., aqui apelante - como decorre da certidão junta a fls. 13 v. e 14, no confronto com o que consta dos factos provados 17 e 20 -, utilizando os sinais, não registados, usados pelo ora apelante há mais de dez anos, tendo, logo após, apresentado queixa junto da ASAE, como a própria referiu aos 28m14s das suas declarações de parte;

v)- A recorrida registou a marca “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, que não usa, para prejudicar o ora recorrente e para beneficiar desse prejuízo, através da eliminação, pelo menos provisória, de um concorrente directo;

w)- O uso da denominação comum e do logotipo, cuja criação encomendou e pagou, pelo A. tornou-se ilícito no momento do registo da marca ilegitimamente requerida pela ora apelada, sem que ele tivesse praticado qualquer acto que lhe fosse interdito ou omitido qualquer conduta que estivesse adstrito a realizar;

x)- Para que o direito à marca exista na pessoa do requerente é indispensável que ele tenha legítimo interesse no registo que requer, aferindo-se a legitimidade do interesse pela utilização no seu comércio da marca de cujo uso pretende passar a ser o exclusivo titular, como preceitua o art°. 211°. do actual Código da Propriedade Industrial (que reproduz o art°. 225°., alíneas a) e b) da versão anterior, vigente aquando da propositura da acção);

y)- No que concerne ao logotipo, a regulamentação legal é semelhante à que vigora para a marca, como decorre do estatuído no art°. 282°. da actual versão do Código da Propriedade Industrial (que reproduz o art°. 304°., alínea b), da versão anterior);

z)- O interesse da apelada - para sindicar a sua titularidade do direito a requerer o registo da marca e do logotipo - não pode qualificar-se como legítimo, posto que ela, embora exerça a actividade de chapeleira (por interposta sociedade de que é sócia), não os usa para identificar os produtos da sua indústria ou comércio;

aa)- Não sendo a Ré, aqui apelada, titular do direito a requerer o registo da marca e do logotipo (por lhe faltar o indispensável legítimo interesse), tendo-o obtido, deverá a marca ser anulada e o respectivo registo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial cancelado;

bb)- O exercício do direito ao uso exclusivo da marca nacional … pela Ré, aqui apelada, que a não usa, é abusivo, porque unicamente dirigido ao prejuízo do A., aqui recorrente, sem qualquer utilidade digna de protecção jurídica para ela;

cc)- O exercício do direito ao uso exclusivo da marca, nos moldes em que a Ré, aqui apelada, pretende fazê-lo (apenas para prejudicar o A.) extravasa dos limites impostos pela boa-fé e pelo fim social desse direito, o que determina a sua ilicitude, nos termos do art°. 334°. do Código Civil;

dd)- A própria Ré admitiu - aos 7m31s das suas declarações de parte - que registou a seu favor a marca quando descobriu que o A. o não fizera e que não a usa para identificar os produtos do seu comércio, realidade confirmada pelo depoimento da sua mãe, assinalado e transcrito no corpo das presentes alegações de apelação, nas quais admitiu que a conduta da sua filha fora uma retaliação perante determinados comportamentos do ora apelante que lhe desagradaram;

ee)- A Mmª. Juiz a quo procedeu na, aliás douta, sentença recorrida á errada interpretação e aplicação dos art°s. 211°. e 282°. do Código da Propriedade Industrial e dos art°s. 342°. e 334°. do Código Civil.

Pelo exposto, e com o douto suprimento do Venerando Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento à apelação e, consequentemente, revogada a, aliás douta, sentença recorrida, como é de inteira Justiça.

Respondeu ao recurso assim interposto e admitido a R. recorrida concluindo, após motivações que:

a)- Por sentença, datada de 17 de Junho de 2019, decretou o douto tribunal a quo, julgar totalmente improcedente a presente ação de anulação, assim como julgou improcedentes os demais pedidos formulados pelo A. e em consequência foi a R. absolvida dos mesmos.

b)- Pois, atenta a prova produzida, não resultou que a R. pretendesse prejudicar o Recorrente, fazendo-lhe concorrência desleal, pois o que a R. pretende é continuar a usar a marca com a qual iniciou a sua actividade, juntamente com a sua mãe e o próprio A., ora Recorrente.

c)- Pelo que, o recurso do A., não tem qualquer fundamento de facto ou de direito, desde logo por manifesto incumprimento do ónus de prova que incumbia ao A..

d)- Ao longo do extenso recurso do A., não se vislumbram com precisão, numa primeira análise, quais os fundamentos do mesmo para alterar a decisão recorrida.

e)- Em bom rigor, o que o A. pretende com o presente recurso é uma efectiva reapreciação da prova por forma a alterar a sentença.

f)- Ou seja, o Recorrente, A., apenas pretende atacar a forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida para, por essa via, atingir uma decisão diferente.

g)- Acontece porém, que estamos perante factos objetivos, em nada contrariados no recurso do A., sendo que ao ler-se a sentença, ora em crise, facilmente se percebe qual foi o raciocínio seguido na motivação da convicção probatória do tribunal a quo e como se alicerçou mediante o exame crítico da prova.

h)- Ora percorrendo as Alegações do Recorrente, não se vislumbram elementos concretos que ponham em causa o processo lógico que motivou a factualidade indicada pelo Douto tribunal a quo.

i)- Limitando-se o A. a fazer a sua interpretação dos depoimentos prestados e restante prova carreada para os autos expondo a sua versão dos factos, o que em bom rigor, reveste cariz inócuo em sede de impugnação da matéria factual.

j)- Não pode o A., sem mais, querer substituir a convicção de quem julga pela sua convicção.

k)- Isto quando a prova produzida em julgamento se encontra devidamente gravada e o A. não específica sequer, nas suas alegações ou conclusões, as provas que impõem decisão diversa da recorrida.

l)- Em suma, o A. não especifica os concretos factos que julga incorretamente julgados, ou as provas que devem ser renovadas também por referencia ao consignado em sentença.

m)- Acresce que, a sentença proferida não padece de qualquer vício e não violou qualquer disposição legal, pelo que deverá manter-se na íntegra o seu teor, conteúdo e alcance.

n)- Encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o Recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.

o)- O processo de formação da convicção do tribunal recorrido e a sua fundamentação são, refira-se, irrepreensíveis. Aliás, a sentença a quo supera e ultrapassa todas as questões que o A., por via de recurso, vem de novo colocar, conforme infra se verá.

p)- Na verdade os factos apurados, a inerente fundamentação e os juízos lógico-dedutivos explanados pela Meritíssima Juiz a quo não merecem reparo.

q)- Ora, o A. envereda, por via do recurso, pelo exercício da impugnação da convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre os factos, tentando impor a sua convicção, isto ao total arrepio da regra da livre apreciação da prova.

r)- Sendo certo que, o Tribunal da Relação conhece de facto e direito, verdade é que, o recurso não constitui, uma reapreciação total da globalidade de elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida: não é, pois, um novo julgamento.

s)- Caberá pois ao douto Tribunal da Relação analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.

t)- Ora, o A. no seu recurso opina de forma genérica sobre os depoimentos prestados em julgamento e valora-os segundo a sua perspectiva, não apontando qualquer elemento que infirme a matéria dada por assente.

u)- Aliás, o Recorrente impugna factos não provados, querendo, em sede de recurso, fazer prova do que não é verdade.

v)- A título de exemplo: Tenta o Recorrente criar a convicção que a R. ora Recorrida não fabrica, nem comercializa quaisquer produtos em que seja utilizada a marca "A Fábrica dos Chapeus By Gi Clhau", ou o logótipo chapéu de coco com a pena, o que não é verdade.

w)- E o Apelante, A., sabe, pois numa outra ação que deu entrada contra a mãe da R., vem precisamente juntar fotografias de etiquetas Fábrica dos Chapéus fabricadas e comercializadas pela R., pedindo desta feita uma indemnização à mãe da R. Como pode o Recorrente numa ação dizer uma coisa e nesta o seu contrário?!

x)- Mais, o A. Recorrente cedeu a quota, pelo valor de 1 €, quota que detinha na sociedade "L’Usine des Chapeaux", à R., que só comercializa chapéus da "Fábrica dos Chapéus", com etiqueta "Fábrica dos Chapéus", em Bruxelas.

y)- Com o devido respeito, quem age de má fé é o A. que sabe e conhece estas situações, deturpa a realidade para fazer sua uma marca que é da R.

z)- E diga-se, o A. nunca quis ou pretendeu registar esta marca, ao contrário a R. que tudo fez para a marca ser preservada e registada.

aa)- Em suma, pretende o Recorrente deturpar tudo quanto foi dito em tribunal, para criar uma convicção diferente e antagónica, junto ao Tribunal da Relação de Lisboa.

bb)- Em suma, a marca da R. foi aceite, e a imagem do chapéu com a pena, fez com que a marca genérica tivesse suficiente distintividade para poder ser registada.

cc)- Defende o A. que sempre usou a marca a fabrica dos chapéus e que foi ele quem a concebeu, o que não é verdade, nem nunca resultou provado do depoimento das testemunhas,

dd)- Mais, nunca o A. registou a marca.

ee)- E, nem se diga que a R. procedeu ao registo da marca para prejudicar o A., pois conforme resultou provado pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento, três pessoas faziam uso da marca, aliás ainda hoje o fazem.

ff)- Assim, tendo a R. registado a marca, "Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau", nos termos e para os efeitos do artigo 224.°, do CPI, tem direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina.

gg)- Não tendo resultado provado, que a R. pretende ou pretendeu com o registo da marca prejudicar o A., a acção só poderia ser julgada totalmente improcedente por não provada.

hh)- Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser mantida na íntegra, e o recurso interposto pelo recorrente ser julgado improcedente.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, julgar o presente recurso totalmente improcedente, mantendo-se, pois, a sentença recorrida, pois,

Só assim se decidindo será feita Justiça e cumprido o Direito!”

Os autos subiram a este Tribunal, foram a vistos e à conferência.

Antes de prosseguirmos recordemos os factos dados como assentes e não assentes pela 1ª instância.

Assim:
“1- Em Agosto de 2008 o A. com ACB… iniciou o negócio de fabrico e comercialização de chapéus, com a designação de “A Fábrica dos Chapéus”.
2- No dia 9 de Agosto o A. criou o endereço de correio electrónico …@gmail.com.
3- Nesse mês e ano abriu a sua primeira loja na Rua …, nº …, em Lisboa,

(Imagem removida)

com a seguinte imagem na porta.
4- Nos cartões comerciais, papel timbrado e publicidade, o A. utilizava uma

(Imagem removida)

elipse com esse nome.
5- A 10 de Fevereiro de 2009 o A. registou o domínio “afabricadoschapeus.com”.
6- Em 18 de Julho de 2009 requereu, junto do INPI, o registo da marca “A fábrica dos chapéus”, mas foi-lhe indeferido com o fundamento de ser uma denominação comum insusceptível de ser objecto de um direito privativo.
7- O A. e AC… casaram em …/09/2011.
8- A R. é filha de AC….
9- Autor, e AC… conceberam e iniciaram em 2008 a comercialização de chapéus com a designação de “Fábrica dos Chapéus”, com a colaboração da R.
10- A primeira loja situava-se na Rua …, nº … em Lisboa.
11- Posteriormente passou a situar-se na Rua …, nº … em Lisboa.
12- Abriram mais duas lojas, uma na Rua … e outra no Centro Comercial … e uma terceira em Bruxelas.
13- A. e AC… separaram-se a …/03/2017, estando a correr termos o divórcio.
14- O A. cancelou o endereço de e-mail que a R e sua mãe usavam.
15- A R. requereu em 22/11/2017 o registo da marca nacional nº 592217 “Os Chapeleiros de LX”, o qual foi concedido em 22/02/2018, para assinalar na Classificação Internacional de Nice os seguintes produtos e serviços:
Classe 18 CHAPÉUS DE SOL DE PRAIA; CHAPÉUS-DE-SOL; CHAPÉUS-DE-SOL IMPERMEÁVEIS; POCHETES DE CERIMÓNIA; MALAS DE SENHORA PARA CERIMÓNIA.
ARMAÇÕES DE CHAPÉUS; BARRETES FEZ [CHAPÉUS TRADICIONAIS MUÇULMANOS]; BONÉS [CHAPÉUS]; CHAPÉUS; CHAPÉUS-ALTOS; CHAPÉUS COM BORLAS; CHAPÉUS DE BASEBOL; CHAPÉUS DE CERIMÓNIA; CHAPÉUS DE COZINHEIRO; CHAPÉUS DE ESQUI; CHAPÉUS DE MODA; CHAPÉUS DE PALHA; CHAPÉUS DE PAPEL PARA CHEFES DE COZINHA; CHAPÉUS DE PAPEL PARA ENFERMEIROS; CHAPÉUS DE PAPEL PARA USAR COMO ARTIGOS DE VESTUÁRIO; CHAPÉUS DE PELE; CHAPÉUS DE PRAIA; CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS E BONÉS DE DESPORTO; CHAPÉUS EM PELE FALSA; CHAPÉUS FEDORA; CHAPÉUS PARA A CHUVA; CHAPÉUS PARA FESTAS [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS PEQUENOS; PALAS DE CHAPÉUS; TOQUES [CHAPÉUS]; CHAPÉUS DE PAPEL [VESTUÁRIO]; VESTUÁRIO PARA HIPISMO [EXCETO CHAPÉUS DE EQUITAÇÃO].
16 - A R. requereu em 18/08/2018 o registo da marca nacional nº 607360

(Imagem removida)

o qual foi concedido em 22/02/2018, para assinalar na Classificação Internacional de Nice os seguintes produtos e serviços:
Classe 18CHAPÉUS-DE-CHUVA; CHAPÉUS-DE-SOL; CHAPÉUS DE CHUVA PARA CRIANÇAS; ANÉIS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; ARMAÇÕES DE CHAPÉUS DE CHUVA; ARMAÇÕES DE CHAPÉUS-DE-CHUVA OU DE CHAPÉUS-DE-SOL; ARMAÇÕES PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA OU PARA CHAPÉUS-DE-SOL; BAINHAS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; BARBAS DE BALEIA PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA OU CHAPÉUS-DE-SOL; BENGALAS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; BENGALAS E CHAPÉUS DE CHUVA COMBINADOS; BENGALAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; CAIXAS DE CHAPÉUS PARA VIAGEM; CAIXAS EM IMITAÇÃO DE COURO PARA CHAPÉUS; CAIXAS PARA CHAPÉUS EM COURO; CAPAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; CAPAS PARA CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS DE CHUVA COM CABO TELESCÓPICO; CHAPÉUS DE CHUVA E CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS DE CHUVA PARA GOLFE; CHAPÉUS DE SOL DE PRAIA; CHAPÉUS-DE-SOL IMPERMEÁVEIS; CHAPÉUS-DE-SOL PARA ESPLANADAS; CHAPÉUS-DE-SOL PARA JARDINS; COBERTURAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; ESTOJOS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; ESTOJOS EM COURO PARA CHAPÉUS; ESTOJOS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; FITAS DE CHAPÉUS [FITAS EM COURO]; FITAS DE QUEIXO, EM COURO, PARA CHAPÉUS; PEÇAS METÁLICAS PARA CHAPÉUS DE CHUVA; PUNHOS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; PUNHOS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; VARETAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA OU CHAPÉUS-DE-SOL; VARETAS DE CHAPÉUS DE CHUVA; VARETAS (BARBAS DE BALEIA) PARA CHAPÉUS DE CHUVA OU DE SOL; SACOS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA.
Classe 25BANDANAS; ARTIGOS DE CHAPELARIA COM PALA; ARTIGOS DE CHAPELARIA DE DESPORTO (EXCETO CAPACETES); AROS PARA USAR NA CABEÇA [VESTUÁRIO]; AQUECEDORES DE MÃOS EM PELE; AQUECEDORES DE MÃOS [VESTUÁRIO]; ARMAÇÕES DE CHAPÉUS; ARTIGOS DE CHAPELARIA DE DESPORTO [SEM SER CAPACETES]; ARTIGOS DE CHAPELARIA EM COURO; ARTIGOS DE CHAPELARIA PARA CRIANÇAS; ARTIGOS DE CHAPELARIA PARA SENHORA; BANDANAS [LENÇOS PARA PESCOÇO]; BARRETES DE LÃ; BARRETES FEZ [CHAPÉUS TRADICIONAIS MUÇULMANOS]; BIVAQUES; BONÉS [CHAPÉUS]; CHAPÉU DE TECIDO; CHAPÉUS; CHAPÉUS-ALTOS; CHAPÉUS COM BORLAS; CHAPÉUS DE BASEBOL; CHAPÉUS DE CERIMÓNIA; CHAPÉUS DE COZINHEIRO; CHAPÉUS DE ESQUI; CHAPÉUS DE MODA; CHAPÉUS DE PALHA; CHAPÉUS DE PALHA DE ESTILO JAPONÊS (SUGE-GASA); CHAPÉUS DE PAPEL PARA CHEFES DE COZINHA; CHAPÉUS DE PAPEL PARA ENFERMEIROS; CHAPÉUS DE PAPEL PARA USAR COMO ARTIGOS DE VESTUÁRIO; CHAPÉUS DE PAPEL [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS DE PELE; CHAPÉUS DE PRAIA; CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS E BONÉS DE DESPORTO; CHAPÉUS EM PAPEL [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS EM PELE FALSA; CHAPÉUS FEDORA; CHAPÉUS PARA A CHUVA; CHAPÉUS PARA FESTAS [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS PEQUENOS; PALAS DE CHAPÉUS; TOQUES [CHAPÉUS]; VESTUÁRIO PARA HIPISMO [EXCETO CHAPÉUS DE EQUITAÇÃO].

17- A R. requereu em 14/07/2017 o registo da marca nacional nº …

(Imagem removida)

para assinalar na classe 25 da Classificação Internacional de Nice «Chapéus».
18- O A. opôs-se ao registo da marca com fundamento na reprodução da sua denominação social, mas em 21/03/2018 foi concedido o registo de tal marca.
19- O A. registou em 26/07/2017 a firma “A fábrica dos chapéus de VPM Barbosa, Unipessoal, Lda”, a qual tem por objecto «fabrico, venda directa e comércio a retalho de chapéus, bonés e outros artigos e acessórios para vestuário em qualquer material; comércio a retalho por correspondência e por via internet; revenda, importação e exportação de chapéus, boinas, bonés e outros acessórios».
20- O site com a configuração

(Imagem removida)

foi usado até ocorrer a separação.
21- Barbalete , significa Barbosa de Almeida e era a marca usada para chapéus de festa.
22- O site e o nome de domínio foram pedidos pelo A.
23- PL… e RL… redesenharam e conceberam, com aprovação do A. e AC… a configuração do site referido em 20.
24- Com a separação do A. e AC…, ficou acordado que o A. continuaria com a loja da Rua …, e AC… e G… com a da R. … e CC … e a de Bruxelas, sendo que G… estava sempre mais tempo em Bruxelas.
25- A loja do CC … fechou.
26- A R. e sua mãe deixaram de ter acesso ao domínio, ao site e aos mails entre Julho e Novembro de 2017.
27- Apesar da loja de … se encontrar a funcionar, no site aparece como fechada permanentemente, sendo que essa é a informação que a loja do A. dá a quem ligar a perguntar por aquela.
***

Factos não provados:

a)- Que o investimento na loja tivesse sido efectuado apenas com dinheiro do A.;
b)- Que a R. tivesse sido contratada apenas em 2010 como trabalhadora do A.
c)- Que a R. não tenha interesse na marca “A fábrica dos chapéus by Gi Calhau”
d)- Que a R. queira prejudicar o A. com o registo de tal marca.

Fundamentação de Direito e subsunção.

Como decorre das conclusões formuladas pelo recorrente (e as quais delimitam o poder cognoscitivo deste Tribunal) são duas as questões a tratar:

a)- A reapreciação da matéria de facto dada como provada e não provada nos moldes propostos pelo recorrente;

b)- Saber se é manter a marca registada a favor da recorrida (ou não) por a mesma ter sido registada apenas para obstar ao normal desenvolvimento do negócio do recorrente.

Como decorre do que ficou exposto a segunda questão a tratar depende da procedência da primeira já que na 1ª instância se deu como não provado que, além do mais, a recorrida não agiu com o intuito de prejudicar o recorrente.


Dispõe o artº 640º do C.P.C. que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3– O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Tendo presente este figurino, a primeira questão a decidir prende-se com a possibilidade de rejeição do recurso nesta parte por falta de indicação das passagens que sustentam a posição assumida, questão levantada pela recorrida na sua conclusão “K”.
Ora, o recorrente, neste particular, é claro em referir quais os pontos de facto de que discorda e quais as passagens, quando a elas recorre, que entende sustentarem a sua posição.

É verdade que o faz na sua motivação e não nas conclusões mas é precisamente aí que a boa técnica aconselha a colocar essa matéria já que as conclusões são isso mesmo, a súmula concludente do que se motivou.

O que a recorrida não faz – e esta crítica é-lhe assacável – é dar cumprimento ao disposto no artº 640º nº 2 al. b) do C.P.C. pois que, não obstante dizer que o recorrente não tem razão não informa onde está a prova que sustentará a versão que foi acolhida na decisão e que, afinal, sustenta a posição que defende.
Vejamos, ponto por ponto, as críticas do recorrente.

Começa o recorrente por pretender a alteração do assente em 1) e 9) “de acordo com a sugestão feita no corpo das presentes alegações”. No dito corpo a R. sugere que se dê por provado que:
1)- Em Agosto de 2008, o A. iniciou o negócio de fabrico e comercialização de chapéus, com a designação de “A Fábrica dos Chapéus”;
9)- A Ré passou a prestar a sua colaboração para o negócio com a designação “A Fábrica dos Chapéus", em 1 de Abril de 2010.

Na sentença deu-se como assente que:

1- Em Agosto de 2008 o A. com ACB… iniciou o negócio de fabrico e comercialização de chapéus, com a designação de “A Fábrica dos Chapéus”.;
9- Autor e AC… conceberam e iniciaram em 2008 a comercialização de chapéus com a designação de “Fábrica dos Chapéus”, com a colaboração da R.

(será lapso a menção a ACB… já que da dinâmica dos factos remete sempre para AC… e AM… é o nome da mãe do A., ouvida como testemunha)

O Tribunal sustentou a prova de tais factos em “- O facto 1 decorreu da prova testemunhal produzida, sendo que todas as testemunhas e até o próprio A. admitiu que iniciou o negócio com a mãe da R.” e “O facto 9 resultou da conjugação de todos os depoimentos das testemunhas da R. e do teor de fls. 46v., 49, 51v. e 52.”

Ora, ouvida a prova, designadamente, as declarações do A. temos que este referiu que a mãe da R., então sua namorada, o ajudou e até foi conivente no “criar” o nome da marca. Contudo, em momento algum do seu depoimento o A., como o Tribunal a quo refere, diz que iniciou o negócio com a mãe da R.

Quanto ao facto nº 9, ouvida toda a prova produzida pelas testemunhas arroladas pela R., da mesma não resulta que existisse qualquer tipo de sociedade ab initio.

Na verdade, o que resulta é que o A. e a mãe da R. tinham uma relação de namoro e partilharam um sonho em comum. Esta partilha não se traduziu, no entanto, num contrato de sociedade mas apenas e só numa partilha de uma ideia entre namorados. Um dos namorados – o A. – criou o negócio e a namorada contribuiu para o mesmo e mais tarde a R. também o fez. Acontece que, como refere em declarações o A., esta contribuição é semelhante À de muitas outras pessoas que trabalhando para o A. (como a R. o fez) deram o seu labor em prol do negócio sem que isso os fizesse sócios ou comproprietários do mesmo.

Aliás, o A. refere que começou o negócio com 10.000 € e a testemunha AM…, sua mãe, confirma que ela e o esposo emprestaram tal quantia ao filho para inicio de negócio.

Assim, há que alterar os pontos 1) e 9) em conformidade.

Quanto ao facto 14, na conclusão i), o recorrente acaba por concluir que “(…) nada há de censurável nesse alegado comportamento imputado ao ora recorrente” donde se acaba por considerar que o facto ocorreu pelo que nada há que alterar nesta parte.

Quanto ao facto 23 (PL… e RL… redesenharam e conceberam, com aprovação do A. e AC… a configuração do site referido em 20.) ouvida a prova indicada pelo recorrente, a saber, RB… e PL…, resulta da mesma que não corresponde à verdade o que ficou vertido.

O PL… referiu que era informático. É amigo do G…, irmão da recorrida, e contactou com o recorrente pois estava na faculdade e foi ele quem criou a loja “on line” em 2009. Conhece a GC… por ser a irmã do G…. Referiu que fez um trabalho para o LB…, uma loja on line “denominada”. Tratava com o L… todas as questões da loja “on line” (02’.59”) mas quando havia questões de design estava também presente a C…, mãe do G… (03’08”). Com a G… não trabalhou a primeira versão da loja, só mais tarde. Sabe que ela tinha feito as fotos dos chapéus (03’36”).

O R… fez um restyling da imagem. Ajudou o primo. Tem a noção que ajudou a família do G… não sabendo quem, em concreto, pediu a ajuda. Confirmou ter feito o logo de fls. 140 (o chapéu vermelho, as letras vermelhas e a pena amarela)

Na verdade, o papel da AC… não é o de quem redesenha e concebe um “site” desde logo porque apenas intervinha às vezes em questões de design. Contribuir, dar achegas, não é redesenhar e conceber um “site”. Aliás, a testemunha PL… refere expressamente que com quem trocava e-mails era com o recorrente e que era ele quem enviava os textos (06’51” do seu depoimento). O contacto sempre foi com o L…, refere. Quem pagou foi o L… (08’.20” do seu depoimento)

Assim, deverá ser alterada a redacção do facto passando a mesma a ser “PL… e RL… redesenharam e conceberam, com a aprovação do A. e ouvida AC…, a configuração do ‘site’ referido em 20.”

Quanto ao facto provado nº 24 deu-se como assente que “Com a separação do A. e AC…, ficou acordado que o A. continuaria com a loja da Rua …, e AC… e G… com a da R. … e CC … e a de Bruxelas, sendo que G… estava sempre mais tempo em Bruxelas.”

O Tribunal a quo justificou a prova deste facto da seguinte forma:
“O facto 24 resultou assim provado, por tanto A., como R. e como AC… assim o terem afirmado, tendo tal também sido afirmado por AG…, que afirmou que G… estava mais em Bruxelas”

Ora, ouvida a prova, designadamente aquela indicada pelo Tribunal a quo temos que a factualidade vertida na sentença não corresponde à prova produzida.

Assim, temos que o R., nas suas declarações, pura e simplesmente, nada refere quanto à forma como seguiria o negócio após a separação (o afirmado é após a separação). O R., nas suas declarações de parte que cedo se transformam numa troca de palavras com a mãe da R. em plena sala de audiências, refere que fez propostas que não foram aceites e nada mais (no que para aqui releva).

Já a mãe da R., AC…, explicou esta questão, como segue:
“Mma. Juiz : Um investimento de chapéus mas que também foi, serviu para fornecer a loja de Bruxelas? É a minha pergunta. (aos 26m 11s do depoimento desta testemunha)
C.A.: Bruxelas era um cliente. Não serviu para fornecer, Bruxelas é um cliente. (aos 26m 16s do seu depoimento)
Mma. Juiz: Então, mas a senhora... então não estou a perceber, se é um cliente não era uma sociedade vossa. (aos 26m 20s)
C.A.: Era uma sociedade, mas também era um cliente do LB…, em Portugal.
Era uma sociedade em Bruxelas, há uma sociedade em Bruxelas que se chama a Fábrica dos Chapéus SPRL. É uma sociedade e é uma loja que existe em Bruxelas. Que era um cliente do LB…, a quem o LB… vendia chapéus. (aos 26m 24s)
ADVOGADO: Sendo certo que ele era dono de metade do capital dessa sociedade a quem vendia chapéus? (aos 26m 46s)
C.A.: Ele era sócio da Fábrica dos Chapéus. (aos 26m 50s)
E mais à frente …
C.A.: Aquilo era meu e dele. (aos 27m 07s)
ADVOGADO: Oh Senhora Dra. disse-me que esse negócio de Bruxelas era dos três. (aos 27m 09s)
C.A.: Era dos dois e a minha filha era empregada. (aos 27m 14s)

Como bem salienta o recorrente, “No que releva para o facto 24, aqui em apreço, a mesma testemunha, no seu depoimento, deixou ainda claro que o negócio era apenas dela e do ora apelante, não tendo a Ré, aqui apelada, a posição de sócia, ainda que informal”

A testemunha prossegue ainda o seu depoimento referindo-se à atribuição provisória que tinha sido feita:

C.A.: (...) A nossa intenção foi sempre manter a marca, ficarmos os três com a marca.
Mantermos as lojas, cada um com as suas lojas, mantermos a revenda, mantermos o site.
Ele ficava com o site, ficava com a revenda, eu ficava com a produção.
Ele ficava com uma loja, e eu ficava com duas.
Este foi o nosso acordo (aos 30m 01s)”

Resulta assim deste depoimento que da separação em diante AC… ficou com a produção (chapéus de cerimónia e encomendas especiais) e as lojas da Av. … e da Rua …, enquanto que o A., ora apelante, ficou com a revenda, com o site e com a loja da Rua …, n°. ….

Também é aceite por ambos que a quota do A. na sociedade belga foi transmitida à mãe da R. por um euro pelo que este facto se aceite para efeitos de afirmação da divisão oficiosa feita após a separação (não a partilha formal)

A testemunha AMA…, caixeira da loja da Rua …, desde 2016, também citada na fundamentação do facto 24, aqui em apreciação, ouvida no dia 6 de Maio de 2019 e  identificada pelas iniciais “A.G.”, referiu o seguinte:

Mma. Juiz: E conhece a D. GA…? (aos 00m 50s do depoimento desta testemunha)
A.G.:  Sim. (aos 00m 53s do seu depoimento)
Mma. Juiz: E porque é que conhece a D. G…? (aos 01m 01s)
A.G.:  Foi colega na Fábrica dos Chapéus. (aos 01m 04s)
ADVOGADO: A Senhora trabalhou em que loja, só na ... só nesta da Rua…? (aos 02m 24s)
A.G.: Eu trabalhei em todas as lojas, mas estive mais tempo na Rua … a fazer serviço ... (aos 02m 28s)
ADVOGADO: Mas trabalhou em … também? (aos 02m 34s)
A.G.: Também. (aos 02m 35s)
ADVOGADO: Sempre. E disse... disse à Senhora Dra. Juiz que conhece a Senhora D. G…. (aos 02m 39s)
A.G.: Exacto. (aos 02m 46s)
ADVOGADO: Sua colega, foi o que disse, não é? (aos 02m 47s)
A.G.: Sim, sim. (aos 02m 48s)           
ADVOGADO: Ela foi apresentada como quê? (aos 02m 49s)
A.G.: Como colega. (aos 02m 50s)
ADVOGADO: Como colega. Como... como empregada da loja, foi isso? (aos 02m 51s)
A.G.: Sim. (aos 02m 54s)
ADVOGADO: Não foi como... como designer de chapéus, ou foi? (aos 02m 55s)
A.G.: Não, não. (aos 02m 57s)
ADVOGADO: Das suas funções, a Senhora está na loja, enfim, e também acompanhou um pouco o que se faz de encomendas ou não acompanhou nada disso? (aos 02m 58s)
A.G.: Acompanho, sim. (aos 03m 07s)
ADVOGADO: Nessa sua outra função, de acompanhar, quem é que escolhe os modelos, quem é... quem é que escolhe o design, quem é que escolhe os tecidos, padrões, quem é que faz isso? (aos 03m 09s)          
A.G .: O L…. (aos 03m 17s)
ADVOGADO: Não é a Senhora D. G… que desenha os chapéus que... que manda fazer? (aos 03m 19s)
A.G.: Nunca foi. (aos 03m 23s)         
ADVOGADO: Nunca foi. Nem em …? (aos 03m 24s)
A.G.: Não. (aos 03m 27s)
ADVOGADO:.: Nunca ouviu dizer que o negócio fosse da Senhora D. G…? (aos 03m 41s)            
A.G.: Não, não. (aos 03m 43s)
ADVOGADO: Ou que ela fosse fundadora do negócio? (aos 03m 45s)
A.G.: Não. (aos 03m 46s)
ADVOGADO: (aos 03m 48s) Ela era apenas uma empregada como a Senhora é também? Este apenas não tem nada de pejorativo...
A.G.: Sim, sim, compreendo. (aos 03m 52s) 
ADVOGADO: Era isso que ela era? (aos 03m 54s)
A.G.: Sim. (aos 03m 55s)
ADVOGADO: O facto de ser filha ... ser enteada do patrão não tinha... não significava... (aos 03m 56s)         
A.G.: Depois posteriormente fiquei a saber que... que era enteada do... (aos 04m 00s)”

Ante a prova produzida não pode subsistir o ponto 24 com a sua actual redacção sendo que se alterará o mesmo passando a nele constar: “Com a separação do A. e de AC…, ficou acordado que o A. continuaria com a loja da Rua …, a revenda e o site e AC… com a da Rua …, a do Centro Comercial … e a de Bruxelas” .

O recorrente põe igualmente em crise os factos não provados.

Quanto ao facto não provado “A” do mesmo consta que não se prova que o investimento na loja tivesse sido efectuado apenas com o dinheiro do A..

O Tribunal a quo fundamentou a não prova da seguinte forma: “ A alínea A) foi dada como não provada, porque, apesar de se ter referido que os pais do A. o ajudaram monetariamente, o certo é que, para além de tal não ter a relevância que este lhe quer dar, não logrou provar que a Ré e sua mãe não tivessem contribuído também.

Aliás, segundo a versão de AC…, esta contribuiu e bastante.”

Vejamos.

É consabido que é ao A. que cabe fazer prova dos actos constitutivos do seu direito (artº 342º/1 C.C.). Ao R. (ré neste caso) incumbe apenas fazer a contraprova de tais factos, isto é torná-los duvidosos (artº 346º C.C.). Para alcançar tal desiderato poderá produzir, em audiência de julgamento, prova, se assim o desejar, em que apresente a sua versão. Como salienta o Prof. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, pág. 346, "À parte não onerada com a prova do facto cabe apenas um ónus de contraprova quando se proponha abalar a certeza com que o Tribunal tenha ficado ou possa ficar da realidade do respectivo facto ou da sua prova. Visa, assim, a neutralizar a prova (prova principal), repondo o juiz no estado de dúvida ou incerteza inicial, não necessitando de ir até ao ponto de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva)".

Ora, o facto em apreço é constitutivo do direito do A. pois que ele se propõe provar que foi ele (e mais ninguém) quem iniciou o negócio dos chapéus aqui em causa.

O A. trouxe à audiência a sua mãe que depôs informando que os pais ajudaram o filho com 10.000 € para dar inicio ao negócio, quantia que este lhes pagou de volta.

A R. teria de colocar em crise, em dúvida, esta factualidade. Acontece que de acordo com o Tribunal a quo o facto é dado como não provado porque, além do mais, “não logrou provar que a Ré e sua mãe não tivessem contribuído também.”. Ora, este ónus não é do A. Ele tem de provar que financiou o negócio. A R. tem de colocar este facto em dúvida.

É a própria mãe da R., à data namorada do A., no seu depoimento refere que:

ADVOGADO: O L… precisou de capital para abrir a loja. Onde é que ele o arranjou? (aos 18m 39 do depoimento desta testemunha)

C.A.: Precisou. Os pais emprestaram-lhe dez mil euros, eu emprestei-lhe algum dinheiro também, mas não foi muito, era para coisas pontuais que eram precisas. Nomeadamente fui ao Ikea e fiz as compras, e também lhe emprestei os meus fornecedores. Que lhe deram pagamentos de 30 e 60 dias. (aos 18m 42s do seu depoimento).

Ora, não existe qualquer razão para colocar em crise estes depoimentos (sendo certo que o prestado pela mãe da R., porque pessoa que mantém litigiosidade com o A., assume especial preponderância dado que a testemunha não estará inclinada a ser favorável às pretensões do A.), pelo que o facto terá de ser dado como provado.

Acresce ainda e ad nauseum que, como refere o recorrente, se a mãe da R. emprestou algum dinheiro não investiu no negócio, apenas emprestou dinheiro.

Assim, o facto passará a provado.

No facto não provado b) deu-se por não provado que “ a R. tivesse sido contratada apenas em 2010 como trabalhadora do A.”.

O Tribunal a quo sustentou a sua resposta, no que releva, que “Os factos dados como não provados, foram-no por não ter sido efectuada prova nesse sentido, tendo- se provado que a R. tem efectivo interesse na marca cuja anulação o A. pretende (…)”.

Nos termos do disposto no artº 607º nº 4 do C.P.C. “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Ora, no caso concreto, o Tribunal limitou-se a dizer que não foi feita prova nesse sentido.

No entanto, houve prova feita e direccionada a toda a matéria que, a final, se deu como não provada e sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou.

É certo que se podia anular o decidido e reenviar o processado para 1ª instância para nova decisão mas tal apenas levaria a um maior atraso na decisão. Na verdade, os elementos que permitem uma decisão conscienciosa estão já presentes nos autos, apenas não foram considerados como o deviam ter sido.

Como se salientou no Ac. STJ de 18.05.2017, tirado no proc. 4305/15.8T8SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt “I– O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art. 607.º do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto. II – Em tal circunstância, compete ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância, pois só assim actuando está, efectivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos.”

Vejamos, pois o facto não provado b). O que ali se dá como não assente é que a R. haja sido, desde 2010, uma trabalhadora dependente (do A., entenda-se). De pouco releva neste facto se “A fábrica dos chapéus” era do A. ou do A. e da mãe da R. em sociedade (ainda que conjugal). O que se procurou afirmar era a dependência funcional da R. em contraposição com a existência de uma sociedade irregular em que a R. tinha equivalência funcional ao A. e à sua (dela) mãe.

Ora, da certidão do Instituto da Segurança Social, autuada a fls. 13v., resulta que a R. foi trabalhadora dependente do A. entre 1 de Abril de 2010 e 30 de Junho de 2017, tendo cessado essa relação laboral cerca de três meses após a separação do casal da sua mãe com o A.

A R. não poderia desconhecer tal situação tanto mais que pagou contribuições em conformidade com a mesma.

A fls. 45v. foi junta, pela própria Ré (como doc. n°. 3 da contestação), a impressão de uma mensagem dirigida pelo ora apelante ao Banco Espírito Santo, em 10 de Fevereiro de 2014, informando que a ora apelada era “colaboradora da nossa empresa, com contrato sem termo, desde 2009” (curiosamente ainda antes dos descontos terem começado).

Se aliarmos tal à normalidade da vida, em que um casal impulsionou um negócio temos que, não trazendo a R. qualquer valor acrescentado ao negócio, o mais certo era que fosse uma mera empregada.

Acresce ainda que o Tribunal olvidou o depoimento da testemunha AMA…, caixeira da loja da Rua …, já transcrito supra o qual é inequívoco quanto à posição da R. na “A fábrica dos Chapéus”.

Assim sendo, há que dar como provado o facto que presentemente consta como não provado em “B”).

O facto não provado “C” é que “Que a R. não tenha interesse na marca “A fábrica dos chapéus by Gi Calhau”.

Este facto é constitutivo do direito a que o A. se arroga sendo que a sua não prova resultará no colapso da sua pretensão.

Como é natural e dado tratar-se um facto de capital importância na pretensão do A., este trouxe à audiência prova para o sustentar.

Neste particular, o Tribunal a quo diz que não foi feita prova.

No que ao facto diz respeito não concordamos com a afirmação feita pelo A. recorrente de que “o ‘interesse’ na marca referida no facto não provado C não é, pacificamente, matéria de facto, mas sim de direito, porquanto esse substantivo está qualificado pelo adjectivo “legítimo”, que é condição para que exista, na pessoa do requerente, o direito ao registo da marca.

A pergunta feita é se a R. tem interesse na marca, não interesse legítimo. O “interesse” aqui referido respeita “ao que convém a alguém” ou à “utilidade”.

Assim, se a pergunta fosse se a R. tem utilidade na marca (que significa o mesmo que a formulação pela qual se optou) a questão não se colocaria.

A questão, pois, a verdadeira questão é se a R. tem utilidade na marca e a resposta a tal questão apenas pode advir da conjugação de diversos factores. Neste sentido, é verdade que a pergunta feita encerra algo de conclusivo.

Contudo, como se salientou no Ac. do STJ de 07.05.2009, proc. 08S3441, acessível em www.dgsi.pt “Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à à interpretação e aplicação da lei. No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos). No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.”

Assim sendo é legítimo afirmar o “interesse” ou ausência dele por via de uma única resposta embora encontrando parte desta em factos igualmente afirmados.

Este facto está intimamente ligado com o facto não provado “D” pelo que, por conveniência de decisão e porque a prova de um é a do outro, iremos analisar ambos os factos em conjunto.

Vejamos, pois.

A R. foi enteada do A.. trabalhou para este (e sua mãe) até dada altura. Com a separação do A. e da sua mãe, a R. deixa de trabalhar para o A. e pede, em 14.07.2017 o

(Imagem removida)

registo da marca

A separação entre a mãe da A. e o R. ocorreu em ….03.2017.

Por outras palavras o registo da marca ocorre quatro meses depois da separação.

Ora, da prova produzida resulta que todos os chapéus comercializados pela Ré, na loja que abriu na Rua …, em Lisboa, são-no com a marca “Os Chapeleiros” (quer na versão da marca nacional n°. 592217, quer na da n°. 607360), como se evidencia das fotografias constantes de fls. 95 a 104v. e da factura de fls. 105.

Não há nos autos qualquer indício de que a Ré comercialize, seja o que for, com a marca “A Fábrica dos Chapéus By Gi Calhau”.

Que assim é - e sem que tivesse sido produzida alguma forma de contraprova - resulta dos depoimentos das testemunhas MS… (adiante identificada pelas iniciais “M.F.”), AMA…, VA… (adiante identificado pelas iniciais “V.M.”) e AN…, mãe da R. e ex-mulher do A. já referida supra

Assim,

MS…

ADVOGADO: Olhe, entretanto, como sabe, o seu patrão separou-se da mulher (aos 04m 37s do depoimento desta testemunha)

M.F.: Sim. (aos 04m 41s do seu depoimento)

ADVOGADO: E a G… abriu uma loja um bocadinho mais acima, na avenida, na Rua do Século. A senhora voltou para a Rua do Século quando, Senhora D. M…? (aos 04m 42s)

M.F.: Como?

ADVOGADO: Na Rua …? Voltou para a Rua … quando?

M.F.: Eu voltei para a Rua …, eu não sabia na altura, mas foi quando o L… se separou da C…. Portanto, mandaram-me de volta para o Bairro Alto.

M.F.: Passo lá todos os dias. É onde eu, eu passo por lá porque eu vou, a minha rotina manteve-se e eu vou beber café ao café que é um bocadinho mais acima. Portanto, eu passo lá todos os dias. (aos 05m 17s)

ADVOGADO: E mais acima da sua loja e ainda tem que passar também a da G…. (aos 05m 26s)

M.F.: Sim, sim, sim, sim, sim, sim. Passo em frente à porta todos os dias. (aos 05m 29s)

(…)

ADVOGADO: É uma loja com uma montra para a rua? (aos 05m 34s)

M.F.: Uma montra para a rua, duas montras, três montras, neste momento, para a rua. (aos 05m 37s)

ADVOGADO: Dá para ver o que se passa lá dentro? (aos 05m 40s)

M.F.: Dá para ver, sim, dá para ver o que está lá dentro. (aos 05m 41s)

ADVOGADO: Vê lá alguma marca, alguma identificação da Fábrica dos Chapéus? (aos 05m 45s)

M.F.: Não. Não, claro que não. A única coisa que se vê é os Chapeleiros. (aos 05m 49s)

ADVOGADO: Os Chapeleiros. (aos 05m 55s)

M.F.: Aliás, está bem visível. (aos 05m 56s)

(…) Mma. Juiz: Deixe-me só esclarecer uma coisa. (aos 06m 00s)

(…) Mma. Juiz: Mas esta loja que está a referir é da G…, é isso? (aos 06m 02s)

M.F.: Os Chapeleiros? (aos 06m 06s)

Mma. Juiz: Sim, essa loja que tem as três montras. (aos 06m 07s)

M.F.: Sim, essa... (aos 06m 10s)

Mma. Juiz: Na Rua ….(aos 06m 11s)

M.F.: ...é da G… sim. É ela que lá está todos os dias. (aos 06m 12s)

Mma. Juiz: É ela que está. (aos 06m 13s)

M.F.: Sim.

Mma. Juiz: E essa loja abriu quando? (aos 06m 15s)

M.F.: Portanto, abriu em Dezembro, fez um ano este Dezembro passado, se não me engano. Sim. Eu lembro-me que foi na altura do Natal. Um pouco antes da altura do Natal. (aos 06m 16s)

Mma. Juiz: E como é que se chama essa loja então? (aos 06m 36s)

M.F.: Os Chapeleiros... (aos 06m 37s)

(…)

ADVOGADO: E este emblema é o tal que vimos ali há pouco, da D. G…? (aos 11m 03s)

M.F.: Sim. (aos 11m 06s) (nota do relator: o emblema a que se refere a testemunha é do ponto 16 dos factos provados que não foi colocado em crise)

ADVOGADO: As caixas de chapéus são estas? Tem ideia de ver estas caixas de chapéus? (aos 11m 12s)

M.F.: Eu já vi um cliente com uma caixa de chapéus. Sim. (aos 11m 20s)

ADVOGADO: Que era isto? (aos 11m 22s)

Sim, que era preta. Sim. Com o emblema a dizer Chapeleiros. Depois os clientes também passam lá pela nossa loja. (aos 11m 23s)

(…)

ADVOGADO: Mas quer daquilo que se vê de dentro, de fora para dentro, quer daquilo que … (aos 12m 55s

M.F.: Sim… (aos 12m 56s)

ADVOGADO: Algum dizia a Fábrica dos Chapéus? (aos 12m 58s)

M.F.: Não. … (aos 13m 01s)

ADVOGADO: Em contrapartida, os chapéus que se vendem na loja onde a senhora trabalha estão todos identificados como quê? (aos 13m 06s)

M.F.: A Fábrica dos Chapéus.(aos 13m 07s)

ADVOGADO: Todos? (aos 13m 08s)

M.F.: Todos têm etiqueta a dizer a Fábrica dos Chapéus. (aos 13m 10s) ADVOGADO: Mesmo os mais modestos e baratos? (aos 13m 11s)

M.F.: Com certeza. Sim. Está tudo identificado. Todos, estão todos. Aliás, é uma regra básica da loja. (aos 13m 17s);

ADVOGADO: Há chapéus baratinhos? (aos 13m 18s)

M.F.: Há chapéus, há baratinhos, mas estão todos identificados com a nossa etiqueta.(aos 13m 23s)

ADVOGADO: E desde quando? (aos 13m 25s)

M.F.: Desde sempre. Era obrigatório. (aos 13m 27s)

ADVOGADO: Não há nenhum chapéu que seja vendido que não tenha a etiqueta cosida ou pregada?

M.F.: Não, não pode. Não pode mesmo. Têm que estar todos identificados. (aos 13m 31s)

AMA…, referiu o seguinte

ADVOGADO: Entretanto, pergunto-lhe se sabe que lá na Rua …, uns metros acima, abriu outra loja de chapéus (aos 04m 23s do depoimento desta testemunha)

A.G.: Sim. (aos 04m 31s do seu depoimento)

ADVOGADO: Sabe como se chama? (aos 04m 32s)

A.G.: Os Chapeleiros (aos 04m 33s)

ADVOGADO: Sabe de quem é? (aos 04m 34s)

A.G.: Pelo menos eu penso que é da G…. (aos 04m 36s)

ADVOGADO: Lá vê-a, costuma vê-la lá? (aos 04m 39s)

A.G.: Às vezes. (aos 04m 41s)

ADVOGADO: Senhora D. AM…, se não se importa. Eu vou-lhe mostrar aqui, a preto e branco (o tribunal não imprime a cores) mas tenho aqui a cores e, portanto, resolvi mostrar os meus. Isto é a montra da loja? (aos 05m 06s)

A.G.: Sim. (aos 05m 25s)

ADVOGADO: Este painel? (aos 05m 31s)

A.G.: Está cá fora. (aos 05m 34s)

(…)

ADVOGADO: E, portanto... folhas 97, Senhora Dra.. É esta a marca que tem por dentro? (aos 06m 26s)

A.G.: Os Chapeleiros. (aos 06m 31s)

ADVOGADO: Os Chapeleiros. Há muitos clientes que vêm desta loja e que passam na vossa? (aos 06m 32s)

A.G.:Sim. (aos 06m 36s)

ADVOGADO: Alguma vez viu algum chapéu vendido lá que dissesse a Fábrica de Chapéus? (aos 06m 38s)

A.G.: Não. (aos 06m 42s)

(…)

ADVOGADO: Isto é o tal painel exterior da loja, aqui a folhas 101, é isso? (aos 08m 01s)

A.G.: Sim. (aos 08m 03s)

ADVOGADO: Isto é a montra da loja? (aos 08m 05s)

A.G.: Sim. (aos 08m 07s)

ADVOGADO: Tem aqui uma tabuleta, diz o quê? Também os Chapeleiros? (aos 08m 08s)

A.G.: É os Chapeleiros, sim. (aos 08m 11s)

ADVOGADO: Não diz a Fábrica de Chapéus em lado nenhum? (aos 08m 12s)

A.G.: Não. (aos 08m 14s)

ADVOGADO: E as cores são estas, é este preto e amarelo ou... (aos 08m 15s)

A.G.: Dourado... (aos 08m 18s)

ADVOGADO: (…) Na loja onde... onde a Senhora D. AM… trabalha, os chapéus estão todos marcados ou há uns que não têm identificação? (aos 08m 54s)

A.G.: Estão todos marcados. (aos 09m 12s)

ADVOGADO: E estão todos marcados com quê? (aos 09m 13s)

A.G.: Com a etiqueta e com o preço, a etiqueta da Fábrica de Chapéus... (aos 09m 15s)

ADVOGADO: E a etiqueta da Fábrica de Chapéus de que cores é que é? (aos 09m 18s)

A.G.: É amarela e vermelha. (aos 09m 21s)

ADVOGADO: E tem algum boneco? (aos 09m 22s)

A.G.: Tem a penazinha. (aos 09m 24s)

ADVOGADO: E um chapéu? (aos 09m 25s)

A.G.: E um chapéu. (aos 09m 26s)

ADVOGADO: Um chapéu de coco. (aos 09m 27s)

VA…, gerente de estabelecimentos comerciais de produtos alimentares, possuindo dois estabelecimentos na Rua …, artéria lisboeta onde se situam tanto a loja do A., como a loja da Ré:

ADVOGADO: Dois. E já conhece ali a loja do Dr. LB… há uns tempos? (aos 01m 52s do depoimento desta testemunha)

V.M.: Sim. Eu passo ali frequentemente na rua. Pelo menos passo de carrinha aí umas 5, 6 vezes na Rua … desde... (aos 01m 57s do seu depoimento)

ADVOGADO: Por dia? (aos 02m 06s)

V.M.: Por dia. Desde o Calhariz até cá acima ao Príncipe Real. (aos 02m 07s)

(…)

ADVOGADO: Olhe, nesse seu périplo pela Rua …, frequente périplo, deu conta que, a certa altura, abriu uma outra loja de chapéus? (aos 02m 42s)

V.M.: Do outro lado da rua. Sim. (aos 02m 50s)

ADVOGADO: Um bocadinho mais acima. (aos 02m 51s)

V.M.:Um bocadinho mais acima. É quase de frente do meu estabelecimento comercial. Portanto dá bastante nas vistas. (aos 02m 52s)

ADVOGADO: Essa loja, do ponto de vista da imagem, é semelhante à do Dr. LB…? (aos 02m 58s)

V.M.:Não, daquilo que eu me recordo, eles até têm uma publicidade bem grande, à porta, que diz Os Chapeleiros assim num lettering, se não me engano, é claro, ou é dourado ou é amarelo. E o cartaz é escuro. Portanto, preto, azul escuro, qualquer coisa do género. Portanto, não tem nada a ver. (aos 03m 08s)

ADVOGADO: Já entrou nesta loja? (aos 03m 26s)

V.M.: Também já entrei. Também já comprei lá um chapéu. (aos 03m 27s)

ADVOGADO: E já andou lá à procura de chapéus? (aos 03m 30s)

V.M.: Já. (aos 03m 31s)

(…)

ADVOGADO: O senhor já entrou nesta loja? Esse é o painel que lá está à porta? (aos 04m 01s) (nota do relator a loja retratada a fls. 101)

V.M.: Se não é esse é muito parecido, quase igual. (aos 04m 09s)

ADVOGADO: Olhe, a montra é assim uma coisa grande? (aos 04m 11s)

V.M.: É uma coisa grande sim. (aos 04m 12s)

(…)

ADVOGADO: ... O senhor esteve lá dentro a comprar chapéus. Isto é a loja? (aos 04m 20s)

V.M.: Isto é a loja sim. (aos 04m 26s)

ADVOGADO: Recorda-se destes bancos aqui nas fotografias? (aos 04m 28s)

V.M.: Recordo, estão do lado de cá. Isto tem um balcão, isto é género, não sei se seriam duas salas. Isto é uma sala ampla, mas isto seria, portanto, a porta de entrada é aqui, aqui está a caixa registadora. Estes bancos estão deste lado, até estive lá sentado. (aos 04m 30s)

(…)

ADVOGADO: Não reparou no... aqui são... não interessa nada. Agora aqui quando eu disse virou o chapéu do avesso era assim. É isto que está no interior dos chapéus? (aos 05m 03s)

V.M.: Daquilo que eu me recordo ou isto, ou uma etiqueta aqui. Recordo-me até mais dumas etiquetas aqui a dizer exactamente a mesma coisa. (aos 05m 19s)

ADVOGADO: Com o mesmo aspecto cromático, com o mesmo boneco. (aos 05m 26s)

V.M.: Sim. Com o mesmo boneco. Portanto, uma etiqueta quadrada aqui na, na, nesta parte. Não sei como é que isto se chama, mas no sítio aqui... interior. (aos 05m 27s)

ADVOGADO: Tinha um saquinho assim? (aos 06m 17s)

V.M.: Tinha um saquinho assim, tinha. Eu lembro-me dum saquinho. (aos 06m 18s)

ADVOGADO: É isso, com este laçarote? (aos 06m 20s)

V.M.: Sim, com... (aos 06m 26s)

ADVOGADO: ...dourado e o tal, e o talpassaroco? (aos 06m 27s)

V.M.: Sim. (aos 06m 28s)

(…)

ADVOGADO: Recorda-se de ver lá estas caixas de chapéus? (aos 07m 00s)

V.M.: Recordo. Estavam em cima dos armários, no chão, estavam praticamente em todo o lado. (aos 07m 02s)

ADVOGADO: Não viu aqui dentro ou viu, dir-me-á se viu, alguma coisa que significasse a Fábrica de Chapéus, com aquelas cores que o senhor há bocado referiu? (aos 07m 06s)

V.M.: Não, não tinha nada a ver. Eu, inclusive, eles tinham lá uns panamás que acho que eram mesmo do Panamá. Portanto, que eram originais. E as duas únicas coisas que eu me recordo de ver lá era coisas a ver com Os Chapeleiros. Portanto, logotipos escuros e estes do Panamá. Já não me recordo como é que era o logotipo, mas não tinha nada a ver, eram chapéus de importação

ADVOGADO: Ora bem, agora vamos ver aqui a fotografia de folhas 102 verso e 103. A tal etiqueta quadrada que o senhor refere é esta, é? (aos 07m 14s)

V.M.: Exactamente. (aos 07m 41s).

ADVOGADO: Cosida aqui na, na fita do chapéu, na fita da cabeça do chapéu (aos 07m 47s).

V.M.: Exactamente. Aliás, eu até recordo-me bem disto porque eu não sei se os chapéus têm tamanhos, mas por aquilo que eu percebi, portanto, a funcionária foi buscar um feltro para colar aqui ou... aquilo acho que era colado. Para fazer o género, nos sapatos a gente mete palmilhas. Nos chapéus mete-se um feltro por dentro, pelo que eu percebi, para o chapéu ficar mais apertado, para caber na cabeça. E portanto, nós estivemos a fazer isso lá no balcão e eu recordo-me disso. (aos 07m 50s).

ADVOGADO: Portanto, o tal emblema cosido é este. (aos 08m 16s)

V.M.: Sim, é isso. É isto. Sim, um emblema quadrado. É isto que está aqui. Um emblema quadrado (aos 08m 19s)

ADVOGADO: Pronto. E viu mais uma de dezena de chapéus, pergunto-lhe. (aos 08m 32s)

V.M.: Nós fomos escolher um panamá. Pronto. Mas a gente deve ter visto seguramente mais de vinte chapéus, sim. (aos 08m 37s)

ADVOGADO: E em nenhum desses chapéus viu nenhuma etiqueta a dizer, peço desculpa, Senhora Dra., a dizer Fábrica dos Chapéus? (aos 08m 42s)

V.M.: Não. (aos 08m 46s)

ADVOGADO: E quando comprou o chapéu na loja aqui do Senhor L…, como lhe chama, também não viu lá nada que não dissesse a Fábrica dos Chapéus? (aos 08m 55s)

V.M.: Não. Aliás, eu até fui apanhado um bocado de surpresa porque não sabia que havia este conflito. Eu, quando fui à fábrica, à fábrica, à loja, não sei se é fábrica, mas quando fui à loja do Senhor L… terá sido mais ou menos para aí antes do Inverno e era para comprar um chapéu de Inverno. E agora fui para comprar um panamá. E pronto, nunca vi nada nem na fábrica do Senhor L… que tivesse a ver com Os Chapeleiros, nem nos Chapeleiros que tivesse a ver com a Fábrica dos Chapéus. (aos 09m 00s)

AC…, mãe da R. e ex-mulher do A.

ADVOGADA: E actualmente como é que funciona? Quem é que está a utilizar a marca e em que lojas? (aos 10m 47s do depoimento desta testemunha)

C.A.: Eu estou a utilizar a marca na Rua …, que é uma loja que ainda estou eu a explorar, e está a utilizar o Senhor LB…, numa loja na Rua … número … que ainda está ele a explorar. A G… nos Chapeleiros não se usa a marca porque está-se ali a fazer publicidade a uma pessoa que está a usar indevidamente a marca, como é óbvio. (aos 10m 52s do seu depoimento).

Ora, a conjugação destes depoimentos, de onde resulta que a R. nunca utilizou a marca que registou poucos meses depois da separação da mãe da pessoa do A., conjugado com o facto de que a R. trabalhou para o A., foi sua enteada, que existe um conflito não resolvido entre a mãe da R. e o A., aliados às regras da experiência comum levam-nos a concluir que a R. não tem qualquer interesse comercial na utilização da marca “A Fábrica dos Chapéus By Gi Calhau” a qual é acompanhada de um logotipo muito semelhante àquele que o A. usa há mais de 10 anos (conquanto sem protecção legal) e que a mesma foi criada e registada com o intuito de prejudicar o apelante.

Na verdade, não se consegue ver na conduta da A. de registar uma marca que não usa senão o querer prejudicar o A. A R. foi enteada do A. e existe nítido litigio entre a mãe da R. e a R., por um lado, e o A. por outro. O registo da marca, ocorrido depois da separação, nunca foi utilizado pela R. a qual faz uso de uma marca sua (Os chapeleiros de Lisboa) sendo que é com esta que gira no mercado e com a qual se apresenta ao público em loja sita na mesma artéria que a loja do A. Entretanto o tempo passou e a R. nunca usou ou demonstrou ter planos de usar a marca. A R. não pode desconhecer por haver trabalhado para o A. que este gira sob a marca (não registada) de “ A fábrica dos chapéus” e não pode desconhecer que ao registar “A fábrica de chapéus by Gi Calhau” estaria, na prática a afectar o negócio do A. Na conduta da R. não se vê outro propósito que não esse prejuízo.

Assim sendo os factos não provados C) e D) terão de passar para os factos provados.

Ora bem … aqui chegados temos como factos provados os seguintes:

“1- Em Agosto de 2008, o A. iniciou o negócio de fabrico e comercialização de chapéus, com a designação de “A Fábrica dos Chapéus”;

2- No dia 9 de Agosto o A. criou o endereço de correio electrónico …@gmail.com.

3- Nesse mês e ano abriu a sua primeira loja na Rua …, nº …, em Lisboa, com a seguinte imagem na porta:
(Imagem removida)

4- Nos cartões comerciais, papel timbrado e publicidade, o A. utilizava uma elipse com esse nome :
(Imagem removida)

5- A 10 de Fevereiro de 2009 o A. registou o domínio “afabricadoschapeus.com”.

6- Em 18 de Julho de 2009 requereu, junto do INPI, o registo da marca “A fábrica dos chapéus”, mas foi-lhe indeferido com o fundamento de ser uma denominação comum insusceptível de ser objecto de um direito privativo.

7- O A. e AC… casaram em …/09/2011.

8- A R. é filha de AC….

9- A Ré passou a prestar a sua colaboração para o negócio com a designação “A Fábrica dos Chapéus", em 1 de Abril de 2010.

10- A primeira loja situava-se na Rua …, nº … em Lisboa.

11- Posteriormente passou a situar-se na Rua …, nº … em Lisboa.

12- Abriram mais duas lojas, uma na Rua … e outra no Centro Comercial … e uma terceira em Bruxelas.

13- A. e AC… separaram-se a …/03/2017, estando a correr termos o divórcio.

14- O A. cancelou o endereço de e-mail que a R e sua mãe usavam.

15- A R. requereu em 22/11/2017 o registo da marca nacional nº 592217 “Os Chapeleiros de LX”, o qual foi concedido em 22/02/2018, para assinalar na Classificação Internacional de Nice os seguintes produtos e serviços:

Classe 18 CHAPÉUS DE SOL DE PRAIA; CHAPÉUS-DE-SOL; CHAPÉUS-DE-SOL IMPERMEÁVEIS; POCHETES DE CERIMÓNIA; MALAS DE SENHORA PARA CERIMÓNIA.

ARMAÇÕES DE CHAPÉUS; BARRETES FEZ [CHAPÉUS TRADICIONAIS MUÇULMANOS]; BONÉS [CHAPÉUS]; CHAPÉUS; CHAPÉUS-ALTOS; CHAPÉUS COM BORLAS; CHAPÉUS DE BASEBOL; CHAPÉUS DE CERIMÓNIA; CHAPÉUS DE COZINHEIRO; CHAPÉUS DE ESQUI; CHAPÉUS DE MODA; CHAPÉUS DE PALHA; CHAPÉUS DE PAPEL PARA CHEFES DE COZINHA; CHAPÉUS DE PAPEL PARA ENFERMEIROS; CHAPÉUS DE PAPEL PARA USAR COMO ARTIGOS DE VESTUÁRIO; CHAPÉUS DE PELE; CHAPÉUS DE PRAIA; CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS E BONÉS DE DESPORTO; CHAPÉUS EM PELE FALSA; CHAPÉUS FEDORA; CHAPÉUS PARA A CHUVA; CHAPÉUS PARA FESTAS [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS PEQUENOS; PALAS DE CHAPÉUS; TOQUES [CHAPÉUS]; CHAPÉUS DE PAPEL [VESTUÁRIO]; VESTUÁRIO PARA HIPISMO [EXCETO CHAPÉUS DE EQUITAÇÃO].

16- A R. requereu em 18/08/2018 o registo da marca nacional nº 607360 o qual foi concedido em 22/02/2018, para assinalar na Classificação Internacional de Nice os seguintes produtos e serviços:
(Imagem removida)

Classe 18 CHAPÉUS-DE-CHUVA; CHAPÉUS-DE-SOL; CHAPÉUS DE CHUVA PARA CRIANÇAS; ANÉIS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; ARMAÇÕES DE CHAPÉUS DE CHUVA; ARMAÇÕES DE CHAPÉUS-DE-CHUVA OU DE CHAPÉUS-DE-SOL; ARMAÇÕES PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA OU PARA CHAPÉUS-DE-SOL; BAINHAS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; BARBAS DE BALEIA PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA OU CHAPÉUS-DE-SOL; BENGALAS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; BENGALAS E CHAPÉUS DE CHUVA COMBINADOS; BENGALAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; CAIXAS DE CHAPÉUS PARA VIAGEM; CAIXAS EM IMITAÇÃO DE COURO PARA CHAPÉUS; CAIXAS PARA CHAPÉUS EM COURO; CAPAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; CAPAS PARA CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS DE CHUVA COM CABO TELESCÓPICO; CHAPÉUS DE CHUVA E CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS DE CHUVA PARA GOLFE; CHAPÉUS DE SOL DE PRAIA; CHAPÉUS-DE-SOL IMPERMEÁVEIS; CHAPÉUS-DE-SOL PARA ESPLANADAS; CHAPÉUS-DE-SOL PARA JARDINS; COBERTURAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; ESTOJOS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; ESTOJOS EM COURO PARA CHAPÉUS; ESTOJOS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; FITAS DE CHAPÉUS [FITAS EM COURO]; FITAS DE QUEIXO, EM COURO, PARA CHAPÉUS; PEÇAS METÁLICAS PARA CHAPÉUS DE CHUVA; PUNHOS DE CHAPÉUS-DE-CHUVA; PUNHOS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA; VARETAS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA OU CHAPÉUS-DE-SOL; VARETAS DE CHAPÉUS DE CHUVA; VARETAS (BARBAS DE BALEIA) PARA CHAPÉUS DE CHUVA OU DE SOL; SACOS PARA CHAPÉUS-DE-CHUVA.

Classe 25 BANDANAS; ARTIGOS DE CHAPELARIA COM PALA; ARTIGOS DE CHAPELARIA DE DESPORTO (EXCETO CAPACETES); AROS PARA USAR NA CABEÇA [VESTUÁRIO]; AQUECEDORES DE MÃOS EM PELE; AQUECEDORES DE MÃOS [VESTUÁRIO]; ARMAÇÕES DE CHAPÉUS; ARTIGOS DE CHAPELARIA DE DESPORTO [SEM SER CAPACETES]; ARTIGOS DE CHAPELARIA EM COURO; ARTIGOS DE CHAPELARIA PARA CRIANÇAS; ARTIGOS DE CHAPELARIA PARA SENHORA; BANDANAS [LENÇOS PARA PESCOÇO]; BARRETES DE LÃ; BARRETES FEZ [CHAPÉUS TRADICIONAIS MUÇULMANOS]; BIVAQUES; BONÉS [CHAPÉUS]; CHAPÉU DE TECIDO; CHAPÉUS; CHAPÉUS-ALTOS; CHAPÉUS COM BORLAS; CHAPÉUS DE BASEBOL; CHAPÉUS DE CERIMÓNIA; CHAPÉUS DE COZINHEIRO; CHAPÉUS DE ESQUI; CHAPÉUS DE MODA; CHAPÉUS DE PALHA; CHAPÉUS DE PALHA DE ESTILO JAPONÊS (SUGE-GASA); CHAPÉUS DE PAPEL PARA CHEFES DE COZINHA; CHAPÉUS DE PAPEL PARA ENFERMEIROS; CHAPÉUS DE PAPEL PARA USAR COMO ARTIGOS DE VESTUÁRIO; CHAPÉUS DE PAPEL [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS DE PELE; CHAPÉUS DE PRAIA; CHAPÉUS DE SOL; CHAPÉUS E BONÉS DE DESPORTO; CHAPÉUS EM PAPEL [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS EM PELE FALSA; CHAPÉUS FEDORA; CHAPÉUS PARA A CHUVA; CHAPÉUS PARA FESTAS [VESTUÁRIO]; CHAPÉUS PEQUENOS; PALAS DE CHAPÉUS; TOQUES [CHAPÉUS]; VESTUÁRIO PARA HIPISMO [EXCETO CHAPÉUS DE EQUITAÇÃO].

17- A R. requereu em 14/07/2017 o registo da marca nacional nº …
(Imagem removida)

para assinalar na classe 25 da Classificação Internacional de Nice «Chapéus».

18- O A. opôs-se ao registo da marca com fundamento na reprodução da sua denominação social, mas em 21/03/2018 foi concedido o registo de tal marca.

19- O A. registou em 26/07/2017 a firma “A fábrica dos chapéus de VPM Barbosa, Unipessoal, Lda”, a qual tem por objecto «fabrico, venda directa e comércio a retalho de chapéus, bonés e outros artigos e acessórios para vestuário em qualquer material; comércio a retalho por correspondência e por via internet; revenda, importação e exportação de chapéus, boinas, bonés e outros acessórios».

20- O site com a configuração
(Imagem removida)

foi usado até ocorrer a separação.

21- Barbalete , significa Barbosa de Almeida e era a marca usada para chapéus de festa.

22- O site e o nome de domínio foram pedidos pelo A.

23- PL… e RL… redesenharam e conceberam, com a aprovação do A. e ouvida AC…, a configuração do site referido em 20.

24- Com a separação do A. e de AC…, ficou acordado que o A. continuaria com a loja da Rua …, a revenda e o site e AC… com a da Rua …, a do Centro Comercial … e a de Bruxelas

25- A loja do CC … fechou.

26- A R. e sua mãe deixaram de ter acesso ao domínio, ao site e aos mails entre Julho e Novembro de 2017.

27- Apesar da loja de … se encontrar a funcionar, no site aparece como fechada permanentemente, sendo que essa é a informação que a loja do A. dá a quem ligar a perguntar por aquela.

28- O investimento inicial na loja foi efectuado apenas com dinheiro do A.;

29- A R. foi contratada apenas em 2010 como trabalhadora do A.

30- A R. não tem interesse na marca “A fábrica dos chapéus by Gi Calhau”

31- A R. quer prejudicar o A. com o registo de tal marca.

Sendo estes os factos a considerar vejamos o Direito.

O registo de marca confere ao seu titular o direito de propriedade e de uso exclusivo da marca para os produtos ou serviços a que a mesma se destina. Visa atribuir ao seu titular o direito de impedir que terceiros usem, sem o seu consentimento e no exercício das respectivas actividades económicas, qualquer sinal igual ou semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possam causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor (arts. 224º e 228º do CPI).

Contudo, o direito de explorar a marca constitui, simultaneamente, uma obrigação, imposta, ainda que indirectamente, pelo legislador, na medida em que este previu um conjunto de normas que sancionam a falta de uso da marca.

No caso concreto, a marca “A fábrica dos Chapéus by Gi Calhau” mostra-se registada desde 14.07.2017 nunca tendo sido usada.

Ante a data do seu registo não pode o mesmo ser declarado caduco nos termos do artº 268º do CPI.

No entanto há que indagar se a conduta da R. de registar uma marca com o único intuito de prejudicar o comércio do A. (pois que dúvidas não podem restar que a manutenção da marca fará com que o A. tenha, pelo menos, de mudar todas as etiquetas dos seus produtos e ver-se-á afectado no seu comércio) não constitui um abuso de direito.

A doutrina do abuso de direito tem, para o Prof. Manuel de Andrade, a função de obstar a "injustiças Clamorosas", a que poderia conduzir, em concreto, a aplicação dos comandos abstractos da lei.

E assim, para este insigne Professor, haverá abuso de direito quando um certo direito, admitindo como válido em tese geral, surge, num determinado caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante.

Nas mesmas águas navega o Prof. Vaz Serra, para quem "de um modo geral, há abuso de direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante".

Diferente é a concepção do Prof. Castanheira Neves.

Para este autor, o abuso de direito traduz-se num "comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica - por não contrariar a estrutura formal - definidora de um direito, à qual mesmo externamente corresponde - e, no entanto, viole ou não cumpra, no sentido concreto - materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício".

Para outro ilustre Professor, Orlando de Carvalho, a questão situa-se em saber se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites do poder de autodeterminação, o qual existe apenas para se prosseguirem interesses, não para se negarem interesses, sejam próprios ou alheios. Quando os direitos subjectivos, que são os instrumentos desse poder de autodeterminação - e, nessa medida, instrumentos de afirmação de interessess - são utlizados para fim diverso, há abuso de direito.

"O abuso do direito é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de se usar dele".

Também interessante é a posição de J. M. Coutinho de Abreu ("Do Abuso de Direito", págs. 42/45).

Para este autor, os direitos subjectivos são meios de prossecução e satisfação de necessidades das pessoas.

Daí que, quando se invoca um direito para legitimar um comportamento (acção ou omissão) não ajustado àquela função ou finalidade, "essa invocação é espúria", já que esse comportamento não pode então traduzir as faculdades em que o direito se analisa. Não pode, então, falar-se em exercício de um direito, por muito que o comportamento assumido aparente sê-lo.

E se o referido comportamento for susceptível de causar prejuízo não insignificante a um terceiro, então estaremos perante um abuso de direito.

Há, pois, abuso de direito "quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumentos e na negação de interesses sensíveis de outrém".

O abuso de direito é, como refere Castanheira Neves, um princípio normativo, um postulado axiológico-normativo do direito positivo. Como tal, não precisaria sequer de ser afirmado em lei se aceitar a sua vigência.

Mas, como é sabido, o princípio tem consagração legal no nosso direito positivo, repousando no seio do artigo 334 do Código Civil. Nele se dispõe que "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

A boa fé pode entender-se num duplo sentido: ou como estado ou situação de espírito, traduzido na convicção de que certo comportamento é lícito ou na ignorância de que é ilícito; ou como norma de conduta ou princípio de actuação - significando que as pessoas devem comportar-se, no exercício dos seus direitos e deveres, com honestidade, correcção e lealdade, de modo a não defraudar a legítima confiança ou expectativa dos outros.

No que concerne a este segundo sentido muito se pode dizer da conduta da R. a qual, usando um direito que tinha (o de registar uma marca a seu favor) o faz sem a honestidade mental daquele que, de forma sã, regista uma marca para dela colher frutos do seu comércio ou indústria, mas sim a regista para obstar a que outros (o A.) possam prosseguir um negócio que é seu, que iniciou e que se mostra implantado.

Aliás, afigura-se-nos que, sem sair das avenidas do abuso do direito, podemos ir ainda mais longe na nossa caminhada.

Constitui também abuso do direito, no dizer da lei, o exercício de um direito com excesso manifesto dos limites impostos "pelo fim social ou económico desse direito".

A função social dos direitos é, assim, um elemento delimitador do conceito de abuso de direito.

Ora, a actuação da R., exercitando o direito - que, em abstracto, se lhes reconhece - de, no circunstancialismo ocorrente, defenderem marca que registou, extravasa manifestamente dos limites impostos pelo fim social e económico do seu direito.

Trata-se, desde logo, a nosso ver, de um comportamento emulativo, que visa apenas prejudicar o A.. Um comportamento, isto é, que não realiza interesses ponderáveis da R., antes nega somente interesses do A.. A R. não quer a marca “A Fábrica dos Chapéus by Gi Calhau”, quer apenas que o A. não use a marca (não registável) “A fábrica dos Chapéus” que usa há uma dezena de anos com todas as desvantagens monetárias directas (designadamente os ter de mudar os rótulos da sua mercadoria, as tabuletas e montras da loja) e indirectas (perda do valor do nome comercial obtido.

Note-se que é certo que o A. se expôs a tais consequências ao usar um elemento identificativo de marca que não era registável mas para que a R. pudesse reclamar a sua marca esta teria de ter sido registada como tal e para os fins de marca que subjazem ao registo. Ao invés, a R. registou apenas para prejudicar o A. e para que este não agisse no comércio e tivesse prejuízos.

Por outro lado, não constituindo o exercício do direito, para a R, uma vantagem objectiva, em contrapartida dele resulta, em concreto, apenas (ou fundamentalmente) uma desvantagem para o A.

A este propósito, cabe aqui salientar que a doutrina italiana, partindo do artigo 833 do respectivo CC, que proíbe ao proprietário a prática de actos emulativos - Il proprietario non può fare atti i quali non abbiano altro scopo che quello di nuocere o recare molestia ad altri - extrai daí o princípio de que a legitimidade dos actos de exercício da propriedade tem como limite resultar deles qualquer utilidade para o proprietário que os realiza (cf. Rescigno,"L'abuso del diritto", págs. 231 e segts., e Mazzoni, "Atti emulativi, utilitá sociale e abuso del diritto").

É tamanha a desproporção entre a utilidade que a R. obteria com a improcedência da acção e as desvantagens que para o A. decorreria dessa improcedência que se pode claramente afirmar que o direito da R. surge exercitado em termos "clamorosamente ofensivos da justiça", constituindo tal exercício "clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante".

Embora sob a aparência de um comportamento lícito, o exercício de tal direito não cumpre, em concreto, a intenção normativa que materialmente fundamenta o direito invocado, o direito de marca, que a R. diz acautelar. Esta usa o seu direito, no caso concreto, não para prosseguir interesses próprios, senão para negar interesses alheios.

Em suma: abusa do seu direito.

Se o registo foi feito em abuso de direito segue-se que não se pode manter.

O pedido inicial formulado na p.i. ( e que a 1ª instância negou) era de que:

I– Ser declarado que o exercício pela Ré do seu direito ao uso exclusivo da marca e do logotipo registados sob o nº. … de marca nacional, mormente para impedir o A. de os utilizar (com excepção da locução “by Gi Calhau”) é abusivo;

II– Ser declarado que o A. pode continuar a utilizar no seu comércio a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus”, com as cores patenteadas nos docs. nº.s 9 a 15 desta petição, bem como o logotipo consistente num chapéu de coco vermelho (panetone #ffcc66), com uma pena amarela (panetone #993333), visível nos referidos documentos (…).

Ora, quanto ao pedido formulado em I, ante a revogação do decidido em 1ª instância, é de proceder pois que, como se viu, o uso da marca é abusivo.

No que respeita ao pedido formulado em II dir-se-á que é a decorrência da procedência do pedido formulado em I. O A. pode usar a denominação que tem usado sempre mas sempre se dirá que, mesmo após esta decisão, continuará a não beneficiar de qualquer protecção no uso que fizer.

Na audiência prévia o pedido foi ampliado passando do mesmo a constar “sendo consequentemente anulada aquela marca e cancelado o respectivo registo junto do INPI”.

Tais pedidos são a consequência lógica do pedido inicial formulado em I (foi, aliás tal, que autorizou a ampliação do pedido nos termos do artº 265º do C.P.C.).

Assim, a acção também procede quanto a estes pedidos.

Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a Secção de Propriedade Industrial, Concorrência, Supervisão e Regulação do Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto por LD… e assim revogar, in totum, a douta decisão recorrida e conceder provimento ao peticionado pelo recorrente na sua petição inicial e na audiência prévia, designadamente:

a)- Declara-se que o exercício pela Ré do seu direito ao uso exclusivo da marca e do logotipo registados sob o nº. … de marca nacional, mormente para impedir o A. de os utilizar (com excepção da locução “by Gi Calhau”) é abusivo;

b)- Declara-se que o A. pode continuar a utilizar no seu comércio a denominação comum “A Fábrica dos Chapéus”, com as cores patenteadas nos docs. nº.s 9 a 15 desta petição, bem como o logotipo consistente num chapéu de coco vermelho (panetone #ffcc66), com uma pena amarela (panetone #993333).

c)- Ordena-se a anulação da marca e do logotipo nacionais registados sob o nº. …;

d)- Ordena-se o cancelamento do respectivo registo junto do INPI.

Custas pela recorrida.

Notifique.

Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pelos Venerandos Juízes Adjuntos

Lisboa e Tribunal da Relação, 17 de Dezembro de 2019

Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira

-Relator

Carlos M.G. de Melo Marinho

-1º Adjunto

Ana Isabel MascarenhasPessoa
-2ª Adjunta