Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2632/19.4T8BRR.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa; a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado; a função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado.
II- Valendo como autoridade, por efeito do caso julgado, o já decidido por sentença transitada em julgado, não pode mais ser contraditado ou afrontado por alguma das partes em acção posterior.
III- Tendo sido decidido, por decisão transitada em julgado, o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante não pode a questão relativa à (não) verificação dos pressupostos para tal indeferimento voltar a ser discutida nestes autos.
IV- Para efeitos de interpretação da lei, o intérprete deve recorrer aos elementos gramatical, sistemático, histórico e teleológico.
V- Recorrendo aos elementos referidos para efeitos de interpretação do disposto na alínea c) do nº1 do artº 238º do CIRE, conclui-se que foi intenção do legislador consagrar como fundamento para indeferimento liminar do pedido de exoneração não só as situações em que, nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência, existiu despacho final num processo de insolvência anterior a conceder a exoneração do passivo restante ao insolvente, mas também aquelas em que este, dentro do mesmo prazo, viu ser declarada a cessação antecipada do procedimento de exoneração por força do disposto no artº 243º do CIRE.      
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
T… apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante, por entender estarem verificados os requisitos previstos no artigo 237º do CIRE.
O credor E…, GMBH pronunciou-se no sentido de ser liminarmente indeferida a exoneração, por violação do art. 238.º n.º 1 al. c) do CIRE, uma vez que a insolvente apresentou-se anteriormente à insolvência e beneficiou da exoneração, incidente que foi cessado antecipadamente, por ter tido uma postura relapsa e incumpridora.
Em resposta, veio a insolvente alegar que, apesar de tal instituto ter sido liminarmente deferido, na verdade nunca dele beneficiou porque no decurso do processo conseguiu arranjar emprego fora do país e deixou de receber as notificações do tribunal, o que foi, erroneamente, encarado pelo tribunal como falta de colaboração. O normativo em causa apenas pretende que os insolventes não beneficiem duas vezes do mesmo instituto, após os cinco anos depois de ter sido concedido, o que no caso não sucedeu, pois, na verdade, a insolvente não beneficiou da exoneração.
Foi junta aos autos certidão do processo n.º …, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de …, na qual consta o despacho liminar de exoneração do passivo restante e o despacho de cessação antecipada da exoneração, o qual foi notificado aos credores e insolvente para contraditório.
A credora A… Limited veio pronunciar-se no sentido do indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, por força do disposto no art. 238.º n.º 1 al. c) do CIRE.
A insolvente respondeu, mantendo a sua posição.
O Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido de que deverá ser admitida liminarmente a exoneração do passivo restante.
Foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela devedora/insolvente.
Inconformado a insolvente apresentou o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1º Recorre-se da decisão, datada de 21/05/2020 (refª citius …), que decidiu indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante deduzido, nos termos do disposto no artigo 238º, nº 1, alínea c), do CIRE.
O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e do Direito, concretamente dos preceitos legais aplicáveis (artigos 238º, 244º e 245º do CIRE), devendo, por via disso, ser revogada e substituída a decisão recorrida por outra que defira o pedido de exoneração do passivo restante.
Todos os factos alegados pela recorrente/insolvente na petição inicial, porquanto tendo sido alegados pela própria, se consideraram confessados (artigo 28º do CIRE), os quais, por economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais (Cfr. artigos 1º a 71º da PI).
Assim, referiu a mesma (sem nada omitir ao Tribunal), que, em 03/06/2013, no âmbito do processo nº …, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local de …, extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …, apresentou-se à insolvência, que foi declarada por sentença proferida em 07/06/2013.
Que, em 11/09/2019, foi o referido processo encerrado por insuficiência de bens da massa insolvente.
Que, em 05/01/2015, foi liminarmente deferida a exoneração do passivo restante e decorridos 3 anos (em 08/01/2018), foi declarada a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, por o Tribunal entender que a devedora incumpriu os deveres legais de informação ao Fiduciário e ao Tribunal sobre os seus rendimentos (artigos 243º, nº s 1, al. a), e nº 3, o CIRE).
A pedido do Tribunal recorrido, foi junta certidão do despacho de recusa/cessação antecipada da exoneração do passivo restante, proferido no aludido processo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Desde logo, com o devido respeito, andou mal aquele Tribunal (Juiz 2 do Juízo Local de …, extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …) ao declarar cessada antecipadamente a exoneração do passivo restante, sem que tivesse sido demonstrado, para além do incumprimento, uma conduta menos correcta da devedora, acrescida de um prejuízo concreto por esse facto da satisfação dos créditos sobre a insolvência, pois o mero incumprimento, por exemplo, no que tange à entrega de quantias ao fiduciário, por parte da insolvente, sem que se tivesse apurado ter sido doloso e que tenha causado prejuízo aos credores, não poderia, sem mais, ter conduzido à cessação antecipada prevista no artigo 243º do CIRE.
A este propósito, vejam-se os Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/04/2019, processo nº 17273/11.6T2SNT.L1-1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/04/2019, processo nº  79/13.8TBPCV.C1.S2, disponíveis in www.dgsi.pt, onde se exige a verificação de um prejuízo concreto para os credores e que o referido despacho de cessação antecipada não verificou/deu como provado.
10º Na verdade, no decurso daquele período de cessão, a recorrente/insolvente conseguiu arranjar um trabalho fora do país e acabou por deixar de conseguir receber as notificações que lhe foram dirigidas e de responder às mesmas, tendo essa atitude sido erroneamente encarada pelo Tribunal como falta de colaboração.
11º Quando o seu propósito foi o de procurar uma vida melhor no estrangeiro e, assim, obter rendimentos suficientes para conseguir pagar aos seus credores, via exoneração do passivo restante e estes acabaram, assim, por não ver os seus créditos satisfeitos face à não concessão da exoneração do passivo restante.
12º De frisar que, no seguimento do despacho liminar da exoneração do passivo proferido no aludido processo, a recorrente/insolvente nunca conseguiu entregar qualquer quantia ao fiduciário, por o seu rendimento mensal não ultrapassar o valor de rendimento indisponível fixado pelo Tribunal.
13º Por requerimentos de 16/12/2019 e 23/04/2020, juntos aos autos a fls., a recorrente/insolvente penitenciou-se expressamente pelo facto de, no âmbito do anterior processo de insolvência, se ter ausentado do país, pelas razões apontadas, e, com isso, não ter conseguido responder às notificações que lhe foram dirigidas, culminando, tal facto, com a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, e requereu uma segunda oportunidade de recomeçar de novo.
14º Expressamente, obrigou-se, perante o Tribunal recorrido, seriamente e sem falhas, a cumprir todas as condições de que a exoneração do passivo restante depende, nomeadamente as previstas no artigo 239º, nº 4, do CIRE, e juntou o documento nº 13 da PI, correspondente à declaração prevista no artigo 236º do CIRE.
15º Ao longo do presente processo, a recorrente/insolvente prestou toda a colaboração ao Tribunal e ao senhor administrador da insolvência, e assim pretende continuar a fazê-lo (vide relatório do artigo 155º do CIRE, nomeadamente, págs. 9 e 13, a fls.).
16º Por requerimento de 05/05/2020, a fls. o sr. Administrador da insolvência pronunciou-se favoravelmente à admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante da insolvente, porquanto, pese embora tenha sido admitida liminarmente a exoneração do passivo restante no processo n.º …, a mesma não lhe foi efectivamente concedida, atenta a respectiva cessação antecipada, em 08/01/2018.
17º O caso contemplado na alínea c), nº 1, do artigo 238º do CIRE visa vedar ao devedor/insolvente a possibilidade de aceder à exoneração do passivo restante se este já tiver beneficiado da mesma nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
18º O escopo do instituto da “exoneração”, requerido pela recorrente/insolvente, é a extinção de todas as suas obrigações – é o começar de novo, sem dívidas.
19º Para efeitos do artigo 238º, nº 1, alínea c), do CIRE, importa distinguir dois principais momentos processuais que conduzem à efectiva exoneração do passivo restante: o despacho liminar de admissão e a sua efectiva concessão (ou não) durante o período de cessão.
20º Salvo melhor entendimento, o que o legislador terá querido dizer é que, apresentando-se o devedor novamente à insolvência, antes de decorrido o período de 10 anos anteriores à data do início de um processo de insolvência anterior, o mesmo não poderá vir a beneficiar novamente do instituto da exoneração do passivo restante, caso, após o período de cessão de 5 anos, este lhe tenha sido concedido e tenha obtido o “perdão” das dívidas existentes e relacionadas.
21º Pese embora a insolvente tenha visto ser-lhe admitida liminarmente a exoneração do passivo restante no processo nº …, iniciado em Junho de 2013 e encerrado em Setembro desse mesmo ano; porém a mesma não lhe foi efectivamente concedida, atenta a sua cessação antecipada, em 08/01/2018, como se referiu, não tendo obtido, assim, o tal perdão das dívidas existentes e relacionadas, e as mesmas permanecem até hoje. Exemplo disso, é que acabaram por serem reclamadas e relacionadas pelo senhor administrador da insolvência.
22º E essa concessão da exoneração do passivo restante só se verifica, efectivamente, decorridos 5 anos do período de cessão, com o despacho final a conceder tal exoneração e não com o despacho de admissão liminar do pedido ou com a cessação antecipada.
23º Tal como vem sendo defendido pela Jurisprudência; A título de exemplo, vejam os Acórdãos do Tribunal da Relação da Relação de Coimbra de 30/06/2015, processo nº 1140/11.6TBLRA.C1, e de 25/01/2011, processo nº 767/10.8T2AVR-B.C1, disponíveis in www.dgsi.pt.
24º No primeiro lê-se o seguinte. “(…) O procedimento em questão tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.º 1 do art.º 239º do CIRE. (…) No final do período da cessão será proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração e, sendo esta concedida, ocorrerá a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que for concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados – art.º 241º, n.º 1 e 245º, ambos do C.I.R.E. (…).” (negrito nosso)
25º E no segundo lê-se que: “Importa distinguir com clareza os dois principais momentos processuais que conduzem, eventualmente e ultrapassado o primeiro, à efectiva exoneração do passivo. Dito de outro modo, deve acentuar-se que a exoneração só ocorre, e quando ocorre, com a decisão final (artigo 244.º), isto é, mesmo tendo havido despacho inicial de deferimento, mesmo que não tenha havido (durante o período de cessão) cessação antecipada, ainda assim, no final, pode ser concedida ou recusada a exoneração do passivo restante, o que o juiz oportunamente decidirá, depois de ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência (artigo 244.º, n.º1). No fundo, o deferimento liminar da exoneração corresponde à verificação da inexistência, nessa ocasião processual, das causas legalmente previstas que impõem o indeferimento liminar, porquanto reveladoras do imerecimento do devedor em vir a ser exonerado; no entanto, não significa que a exoneração se efective ou, muito menos, que estejamos já perante ela, tanto mais que a exoneração é recusada, quer a final, quer antecipadamente, quando se apure a existência de alguma das circunstâncias previstas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, as quais, se conhecidas em tempo, fundamentariam o indeferimento liminar – artigos 243.º, n.º1, alínea b) e 244.º, n.º 2.”
26º Assim, o Tribunal a quo ao entender que a recorrente/insolvente já havia beneficiado da exoneração do passivo restante do anterior processo nº …, e, como tal, já não podia voltar a beneficiar da exoneração, indeferindo-a liminarmente, decidiu mal.
27º Coartando à recorrente/insolvente o direito a que lhe seja concedida uma nova oportunidade de começar de novo (fresh start), que não usufruiu no anterior processo de insolvência pelas razões apontadas, permitindo a sua reabilitação económica que, sem a concessão do benefício da exoneração do passivo, não conseguirá.
28º Além do mais, como se disse, a recorrente/insolvente obrigou-se a cumprir todas as condições de que a exoneração do passivo restante depende, nomeadamente as previstas no artigo 239º, nº 4, do CIRE e a adoptar uma “conduta recta”.
29º Não merecendo tal atitude e compromisso de honra qualquer valorização e credibilidade por parte do Tribunal a quo.
30º Sem a exoneração, os credores dificilmente conseguirão reaver os seus créditos.
31º Encontram-se, portanto, preenchidos os pressupostos do artigo 238º, nº 1, incluindo o da alínea c), do CIRE para o deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, pois, na verdade, a insolvente não beneficiou nos 10 anos anteriores à data do início do presente processo de insolvência da exoneração do passivo restante.
32º Ao não se considerar tal verificação foram violados os artigos 238º, nº 1, alínea c), 244º e 245º todos do CIRE.
Concluiu que nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve o despacho, na parte de que se recorre, ser revogado e substituído por outra decisão que admita e defira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante da insolvente.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Mma Juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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II– OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, importa decidir se a decisão do tribunal a quo enferma de erro de julgamento, ao entender que se encontram preenchidos os requisitos previstos na al. e) do nº1, do art.º 238º, do CIRE e, assim, concluir pelo indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente. 
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
Na decisão que proferiu o tribunal recorrido considerou como provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:
1. T… foi declarada insolvente nos presentes autos por sentença datada de 22.10.2019.
2. A devedora nasceu em 06-06-1965.
3. É casada com J…, sob o regime de comunhão de adquiridos.
4. O seu agregado é integrado pela devedora, o marido, e duas filhas com 18 e 14 anos de idade.
5. Residem na casa dos pais do marido da devedora a título gratuito.
6. A devedora encontra-se reformada por invalidez … e aufere a pensão mensal bruta de € 1.072,39 e líquida de € 943,41.
7. O marido da devedora encontra-se desempregado, desde o mês de Junho de 2019 e não recebe subsídio de desemprego, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego do Sul Tejo …
8. A devedora e J… foram declarados insolventes no processo n.º …, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de …, extinto 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, por sentença proferida em 07.06.2013.
9. Em 11.09.2013, foi o referido processo de insolvência declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente.
10. Em 05.01.2015, foi liminarmente deferida a exoneração do passivo restante dos devedores.
11. Em 08.01.2018, foi declarada a cessação antecipada da exoneração do passivo restante à devedora e a J…, nos termos do art. 243.º n.ºs 1 al. a) e 3 do CIRE.
12. As referidas decisões transitaram em julgado.
13. Resultou provado no processo n.º …, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de …, extinto 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de … que:
a. O Sr. Fiduciário remeteu ao processo o primeiro relatório em 05.05.2016, que constitui o documento junto a fls. 599, dando conta que os insolventes não prestaram a informação que lhes foi solicitada sobre os respectivos rendimentos, não tendo cedido qualquer valor.
b. O Il. Madatário que representava os insolventes veio aos autos renunciar ao mandato que lhe havia sido conferido pelos insolventes.
c. Em 27.03.2017, o Sr. Fiduciário veio remeter ao processo novo relatório, que constitui fls. 613, dando novamente conta que os insolventes não prestaram a informação que lhes foi solicitada sobre os respectivos rendimentos, nem cederam qualquer valor.
d. Por despachos de 05.04.2017 e de 12.06.2017, os insolventes foram notificados pelo Tribunal para expor as razões do não cumprimento do dever de entrega do rendimento, para a morada pelos mesmos indicada no processo, nada tendo respondido.
e. Foram efectuadas diversas tentativas de notificação pessoal dos insolventes a fim de comunicar a renúncia ao mandato, tendo todas elas sido frustradas, sendo desconhecido o atual paradeiro dos insolventes (cf. fls. 625).
f. Foi nomeado um patrono a fim de assegurar a sua defesa, que notificado dos termos do processo nada veio requerer.
14. A devedora não sofreu condenações criminais relevantes.
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B) De Direito
O instituto da exoneração do passivo restante encontra-se previsto nos arts. 235º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – diploma a que pertencem todos os artigos adiante indicados sem outra referência - e conforme resulta da exposição de motivos que consta do diploma preambular do Dec. Lei que aprovou o Código em causa - Dec. Lei nº 53/2004 de 18.03: “(…) o código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante.
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica. (…)”
Ou seja, a exoneração “apenas deve ser concedida a um devedor que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, reveladores de que a pessoa em causa se afigura merecedora de uma nova oportunidade” - Assunção Cristas, in Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, pág. 264.
Na pendência do período de cessão são impostas ao devedor obrigações, destacando-se a obrigação de durante cinco anos ceder os rendimentos disponíveis, que em cada momento serão determinados por contraposição com os rendimentos necessários a uma subsistência humana e socialmente condigna, que ao juiz cabe quantificar e fixar, constituindo estes os rendimentos que o devedor não está obrigado a ceder ao fiduciário nomeado.
O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação e será sempre rejeitado, se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório, ou, no caso de dispensa da realização desta, após os 60 dias subsequentes à sentença que tenha declarado a insolvência.
Se não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, deve constar do acto de citação do devedor pessoa singular a indicação da possibilidade de solicitar a exoneração do passivo restante, nos termos previstos no número 1 do artº 236º - cfr nºs 1 e 2 deste artigo.
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe desde logo que não exista motivo para o indeferimento liminar do pedido, por força do disposto no artigo 238º - vd artigo 237 º.
Atento o que resulta do nº 4 daquele artigo 238º, o despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência nos termos previstos no n.º 4 do artigo 236.º, excepto se o pedido for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.
Estabelece o artigo 238º, nº1, que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
a) For apresentado fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
Encontram-se definidos neste normativo, pela negativa, os requisitos que justificam a exoneração.
Ao requerente cumpre alegar, tempestivamente, a qualidade de insolvente e fazer constar do requerimento a declaração expressa do artigo 236.º, nº 3 e como é entendimento da jurisprudência maioritária, os fundamentos enunciados no n.º 1 do art. 238º do CIRE equivalem a factos impeditivos do direito à exoneração do passivo e são fundamentadores do indeferimento liminar dessa pretensão, constituindo, portanto, matéria de excepção. Deste modo, o ónus de alegação e prova de tais factos recairá sobre os credores do insolvente e sobre o administrador da insolvência, por força do disposto no artº 342º, nº2, do C. Civil – cfr, entre outros, Acórdãos do STJ de 21-01-2014, relator Cons. Paulo Sá, de 27-03-2014, relator Cons. Orlando Afonso, de 14-02-2013, relator Cons. Hélder Roque, de 19-04-2012, relator Cons. Oliveira Vasconcelos, de 17-06-2014, relator Cons. Fernandes do Vale e Acs. da RL de 20-06-2013, relator Desemb. Jorge Leal e de 08/11/2012, relator Desemb. Jerónimo Freitas, todos in www.dgsi.pt.. Neste mesmo sentido, pode encontrar-se a nível doutrinal Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, volume I, 2ª Edição, 2013.
In casu, o tribunal recorrido entendeu que o pedido de exoneração do passivo era tempestivo uma vez que formulado na petição inicial, que não se verifica a condição prevista na alínea a), nem consta que a devedora tivesse obtido crédito ou subsídios de instituições públicas, ou que tenha sido condenada criminalmente [alíneas b) e f)].
Considerou que não resultava igualmente dos autos que a mesma tenha violado os deveres de informação e colaboração [alínea g)] e que também não resultaram provados quaisquer factos que possam integrar a al. d) do art. 238.º n.º 1 do CIRE.
Entendeu, no entanto, que a devedora não pode beneficiar da exoneração do passivo restante no presente processo de insolvência, porquanto se verifica a condição prevista na al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE, conforme invocado pelos credores E…, GMBH e A… Limited. 
Resultou provado que a devedora já tinha sido anteriormente declarada insolvente por sentença proferida em 07.06.2013 e que, por ter sido requerido e estarem reunidos os pressupostos, foi-lhe liminarmente deferida a exoneração do passivo restante, por decisão de 05.01.2015.
Também se encontra demonstrado que naqueles autos foi determinada a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, por decisão datada de 08.01.2018, com fundamento na existência de incumprimento reiterado por parte da devedora dos deveres de prestar informação ao Fiduciário e ao Tribunal sobre os seus rendimentos – art. 243.º n.ºs 1 al. a) e 3 do CIRE.
Entendeu o tribunal a quo que, não obstante ter sido determinada a cessação antecipada da exoneração do passivo, a devedora já beneficiou, efectivamente, de tal instituto, em 2015 e, com esse fundamento, decidiu que a mesma não pode beneficiar da exoneração do passivo restante no presente processo de insolvência, em virtude de se verificar a condição prevista na al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE.
Sustentou a apelante que o Tribunal (Juiz 2 do Juízo Local de …, extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …) “andou mal”  ao declarar cessada antecipadamente a exoneração do passivo restante, sem que tivesse sido demonstrado, para além do incumprimento, uma conduta menos correcta da devedora, acrescida de um prejuízo concreto por esse facto da satisfação dos créditos sobre a insolvência e que o mero incumprimento no que tange à entrega de quantias ao fiduciário, por parte da insolvente, sem que se tivesse apurado ter sido doloso e que tenha causado prejuízo aos credores, não poderia, sem mais, ter conduzido à cessação antecipada prevista no artigo 243º do CIRE.
Encontra-se provado que nos aludidos autos, em 08.01.2018, foi declarada a cessação antecipada da exoneração do passivo restante à devedora e a J…, nos termos do art. 243.º n.ºs 1 al. a) e 3 do CIRE e que tal decisão transitou em julgado.
Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º (…)”art. 619º, nº1, do CPC.
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)” – art. 621º do CPC.
Como se sabe, o caso julgado pode ser formal ou material. Aquele só tem valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida (art. 620º CPC); em contrapartida, o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é susceptível de produzir os seus efeitos para além do processo em que foi proferida a decisão transitada (art. 619º, CPC) – cfr Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, III vol., pág. 383 e ss.
As decisões proferidas num processo podem ser decisões de forma, se incidirem (apenas) sobre aspectos processuais, ou, decisões de mérito, se apreciarem substantivamente as relações jurídicas que constituem o objecto do processo, concluindo pela procedência ou improcedência da acção.
Em regra, somente as decisões de mérito são susceptíveis de adquirir a eficácia do caso julgado material, não podendo ser contrariadas ou negadas noutro processo (art. 619º, nº 1 CPC).
“Daqui resulta que a definição que lhe for dada tem que ser acatada em todos os tribunais quando lhes for submetida, a qualquer título, quer a título principal (repetição de uma causa), quer prejudicial (como fundamento ou base de qualquer outro efeito da mesma relação).” – Anselmo de Castro, ob. cit., pag. 384.
No que respeita aos limites objectivos do caso julgado, não restam dúvidas que o caso julgado abrange a parte decisória da decisão, isto é, a conclusão extraída dos fundamentos (art. 607º, nº 3, do CPC).
Além disso, como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 578 e ss., uma vez que “toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Porém, a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado. Ambos são efeitos diversos da mesma realidade jurídica, existindo mesmo hoje uma larga corrente de opinião defendendo que para que autoridade do caso julgado actue não se exige sequer a coexistência da tríplice identidade referida no artº 581º (cfr., a esse propósito, Ac. da RC de 21/1/1997, in "CJ, Ano XXII, T1 - pág. 24"; Ac. da RC de 27/9/05, in www.dgsi.pt; Ac. da RC 15/5/2007, in "Rec. Agravo nº 80/95) e o prof. Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil, págs. 320/321.").
O prof. Miguel Teixeira de Sousa (in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ nº 325, págs. 49 e ss) escreve: "a excepção de caso julgado visa evitar que o orgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior", já "quando vigora como autoridade do caso julgado , o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente".
O instituto do caso julgado exerce, pois, duas funções: uma função positiva e uma função negativa; a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado; a função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado.
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Aquela, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 581º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - nesse sentido, entre outros, Acs. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739, de 06.03.2008, processo nº 08B402 e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, www.dgsi.pt.
Atento o que fica referido, a questão relativa à verificação dos fundamentos para a declaração antecipada da exoneração do passivo restante no processo nº … que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local de …, extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de …, encontra-se abrangida pela autoridade de caso julgado, não podendo voltar a ser discutida nos presentes autos. 
Invocou ainda a recorrente que, pese embora tenha visto ser-lhe admitida liminarmente a exoneração do passivo restante nos autos supra referidos, a mesma não lhe foi efectivamente concedida, atenta a sua cessação antecipada, em 08/01/2018, não tendo obtido, assim, o tal perdão das dívidas existentes e relacionadas, as quais permanecem até hoje. Disse que a concessão da exoneração do passivo restante só se verifica decorridos 5 anos do período de cessão, com o despacho final a conceder tal exoneração e não com o despacho de admissão liminar do pedido ou com a cessação antecipada. Com estes fundamentos, concluiu que não se verifica o fundamento previsto no artº 238º, nº1, c), do CIRE com base no qual o tribunal a quo indeferiu liminarmente a exoneração do passivo restante requerida nestes autos.
Este normativo considera fundamento de indeferimento liminar o facto de o devedor já ter beneficiado, nos dez anos anteriores ao início do processo de insolvência, de outra exoneração do passivo restante. Como diz Alexandre de Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2017, 2ª edição revista e actualizada: «Desta forma, impede-se que a exoneração do passivo restante seja utilizada como frequência pelo mesmo devedor, repelindo-se o surgimento de “profissionais da exoneração”».  
A lei diz que é fundamento de indeferimento liminar do pedido de exoneração a circunstância de o devedor ter já “beneficiado” da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Para efeitos de interpretação da lei, o intérprete deve recorrer aos elementos gramatical, sistemático, histórico e teleológico.
O primeiro – as palavras em que a lei se exprime – constitui o ponto de partida da interpretação jurídica – “a interpretação deve reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” -  artº 9º, nº 1 -, mas o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal” – artº 9º, nº2 – e presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – nº3 do mesmo artigo e “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei”, como resulta do já referido nº 1 do artigo em questão.
No que concerne ao elemento sistemático, na sua base está a ideia de que a ordem jurídica tem unidade e coerência jurídico-sistemática, pelo que a compreensão duma norma postula a cognição das normas afins ou paralelas. Este elemento constitui a ratio legis, ou seja, a razão de ser, o fim ou objectivo prático que a lei se propõe atingir. Esta «revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina e, sendo o intérprete um colaborador do legislador, a sua importância é fundamental.
O Código Civil português acolheu também este elemento ao determinar que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”» – vd A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 9ª edição, págs. 336 e ss.
Interpretando o normativo supra referido em conformidade com as regras de interpretação enunciadas, não se pode deixar de concluir que foi intenção do legislador consagrar como fundamento para indeferimento liminar do pedido de exoneração nos termos previstos na alínea c) do nº 1 do artº 238º não só as situações em que, nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência, existiu despacho final num processo de insolvência anterior a conceder a exoneração do passivo restante ao insolvente, mas também aquelas em que este, dentro do mesmo prazo, viu ser declarada a declarada a cessação antecipada do procedimento de exoneração por força do disposto no artº 243º do CIRE.      
Como bem se refere na decisão em recurso, admitir que o preenchimento da aludida al. c) só se verifica quando o insolvente efectivamente beneficia da exoneração do passivo restante, isto é, quando existe despacho final a conceder a exoneração do passivo restante, implicaria que os insolventes que violassem os deveres da exoneração tivessem um tratamento mais favorável do que aqueles que cumprissem com os deveres da exoneração. As regras supra referidas relativas à interpretação da lei não permitem sustentar tal entendimento. 
No caso sub judice, em 05.01.2015, foi ali deferida liminarmente a exoneração do passivo restante da apelante e do também ali devedor J… Sucede, no entanto, que, em 08.01.2018, foi declarada a cessação antecipada de tal exoneração, nos termos do art. 243.º n.ºs 1 al. a) e 3 do CIRE.
O que está em causa neste artigo é a cessação do procedimento de exoneração do passivo restante, antes de preenchido o chamado período de cessão, sendo que na alínea a) do nº 1 do artigo em referência se encontram previstos, como uma das causas para a cessação antecipada, comportamentos do devedor, ocorridos no período de cessão, que envolvem violação dolosa ou com grave negligência das obrigações que lhe são impostas pelas alíneas do nº 4 do artº 239º do CIRE – obrigações durante o período de cessão – e dos quais resultou prejuízo para a realização dos créditos sobre a insolvência.
A recorrente “beneficiou” da exoneração no processo anterior. O que se verifica foi que a mesma viu ser declarada a cessação antecipada de tal exoneração em virtude de incumprimento culposo pela sua parte e com prejuízo para os credores, das obrigações a que ficou sujeita aquando da concessão de tal benefício.
Atento o que ficou referido, a circunstância em causa é fundamento para indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo deduzido pela devedora/apelante, impondo-se, assim, a confirmação do decidido.
*
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes deste coletivo em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Registe e notifique.

Lisboa, 09/02/2021
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
Paula Cardoso