Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22065/17.6T8LSB.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
MORA
LOCAL DE TRABALHO
TEMPO DE DESLOCAÇÃO
HORÁRIO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- O facto de a ré não ter feito a avaliação dos trabalhadores em momento próprio não conduz a que se presuma a atribuição de notação máxima e a imediata progressão de escalão. A violação daquele dever acarreta apenas a constituição da ré em mora, nos termos do art.º 804, nº2 do Código Civil, uma vez que, por causa que lhe é imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Sendo que in casu, o autor não alegou que os seus associados tivessem perdido o interesse naquelas avaliações, tanto mais que as mesmas foram efectuadas em 2017 e aqueles, notificados dos respectivos resultados, não interpuseram qualquer recurso.
II- Uma vez que todos os contratos individuais de trabalho celebrados entre a ré e os seus trabalhadores contêm uma cláusula onde consta como local de trabalho toda a “zona de exploração” da ré, obrigando-se os trabalhadores a prestar a sua actividade nos locais que forem determinados por aquela, é de concluir que não existe ausência de delimitação do que possa ser o local de trabalho, sendo que a definição de zona de exploração da ré, contratualmente acordada com cada um dos trabalhadores  é lícita e está delimitada em termos geográficos.
III- Pese embora possa ser custoso compreender que o trabalhador tenha, ou possa ter, a expensas do seu tempo próprio, de fazer todo o percurso do local do fim da prestação ao local de início no “seu” tempo, e não no tempo de trabalho, a verdade é que este já não está numa situação de subordinação jurídica, podendo gerir esse tempo com as suas actividades privadas como entender, pelo que o tempo de deslocação não pode ser tido como integrando o horário de trabalho.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
AAA, Sindicato (…) intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra BBB,SA, pedindo que a Ré seja condenada a:
1. Reconhecer o direito de todos os associados do A. em progredirem ao escalão remuneratório imediatamente seguinte, atenta a falta de avaliação que unilateralmente determinou.
2. Reconhecer a nulidade do seu conceito de local de trabalho constante dos contratos individuais de trabalho dos associados do A.;
3. A incluir no horário de trabalho de cada trabalhador associado da A. os tempos inerentes às deslocações referentes entre o local do termo do serviço e do local do seu início, sempre que terminem em local distinto do local de início da prestação de trabalho.
4. A pagar uma sanção pecuniária compulsória de €100 ao A. por cada dia decorrido entre a sentença e o seu integral cumprimento.
Para tanto alegou, em síntese, que a Ré, por força do acordo de empresa, tem de efectuar uma avaliação de desempenho anual, o que não sucedeu nos anos de 2011 a 2016, escudando-se na lei do orçamento de estado para o efeito. Porém, o Orçamento de Estado apenas proíbe valorizações remuneratórias mas não impede a realização de avaliação de desempenho. Conclui alegando que ao suspender a avaliação de desempenho por 5 anos, obstou a que os trabalhadores pudessem recorrer da avaliação de desempenho e impossibilitou a identificação dos trabalhadores da Ré e associados do Autor que estariam em condições de progredir em cada ano, respeitando-se as correspondentes densidades anuais.
Relativamente ao local de trabalho refere que todos os trabalhadores estão alocados a determinado local de trabalho distribuído por diversas estações. Mas contrariando o código de Trabalho, a Ré estabeleceu nos contratos de trabalho que o local de trabalho é toda a área de exploração da sua actividade, o que gera incertezas e causa prejuízos aos trabalhadores. Uma vez que nunca foi concretizado o que é área de exploração não se sabe se a mesma pode ser ampliada ou reduzida, nem se sabe a que área geográfica corresponde, o que se pode traduzir, no limite, a todo o território nacional.
Dado que a lei obriga a que seja definido o local de trabalho não pode a R. defini-lo de modo tão vago quanto o faz, pois equivale a não estar delimitado. E conclui pedindo que seja a Ré condenada a definir como local de trabalho as estações a que estão adstritos os seus trabalhadores associados do Autor.
Por fim, peticiona que seja incluído no horário de trabalho o tempo de deslocação gasto pelos trabalhadores entre o local do termo do serviço e do local do seu início, quando terminem em locais distintos,
Realizou-se audiência de partes não tendo sido lograda a obtenção de acordo.
A Ré contestou, excepcionando a ilegitimidade do Autor e a ineptidão da petição inicial. Em sede de impugnação sustenta que o pedido relativo à avaliação de desempenho é ilegal, por não existir norma que imponha que, na ausência de avaliação, a Ré esteja obrigada a promover os trabalhadores ao escalão remuneratório imediato, sendo que promoveu a avaliação referente aos anos de 2011 a 2016, conjuntamente com a de 2017, e que não o fez antes na medida em que as restrições orçamentais o impediam. No entanto, efectuada a  avaliação repôs 50% dos direitos adquiridos no dia 1 de Julho e os demais 50% serão repostos em Janeiro. Mais alega que nenhum dos associados da Autor recorreu da pontuação final da avaliação final ao contrário do que sucedeu com outros trabalhadores.
Quanto ao local de trabalho refere que em todos os contratos de trabalho está definido que este é a zona de exploração da Ré a qual está definida por lei ser a cidade de Lisboa. Quanto à inclusão do tempo de deslocação conclui não assistir razão ao Autor na medida em que os trabalhadores iniciam e terminam o trabalho, no seu local de trabalho, que é toda a zona de exploração da Ré, pelo que não tem de incluir esse tempo de deslocação no horário de trabalho.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções  invocadas pela Ré, tendo sido dispensada a realização de audiência prévia, bem como a selecção da matéria de facto assente e a organização da base instrutória.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida a sentença na qual foi exarada a seguinte
DECISÃO
Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolvo a R. do pedido.
Custas a cargo da A. sem prejuízo da eventual isenção que beneficie (art. 527.º, n.º 1, do Código do Processo Civil).
Registe e notifique.
Inconformado, interpôs o Autor recurso desta decisão no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES
(…)
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, devendo condenar-se às avaliações que não efetuou ao arrepio do AE celebrado e em vigor, quer no que concerne à declaração da nulidade da cláusula respeitante ao Local de Trabalho, violadora da lei, e bem assim condenar a R. a considerar o tempo de deslocação dos trabalhadores como tempo de trabalho.
Mais deve a R., a ser condenada nestes termos, ser igualmente condenada na sanção pecuniária compulsória peticionada.
Assim decidindo farão V. Exas. a Acostumada Justiça!
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a resolver:
1. se a omissão da avaliação de desempenho nos anos de 2012 a 2016 deve ter como consequência a progressão de um escalão remuneratório;
2. se a cláusula atinente ao local de trabalho aposta no contrato de trabalho de cada um dos trabalhadores associados do Autor é nula por indeterminabilidade;
3. se o tempo de deslocação gasto pelos trabalhadores entre o local do termo do serviço e do local do seu início , sempre que correspondam a locais distintos deve ser incluído no horário de trabalho.
II – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1. A Ré procedeu à avaliação dos seus trabalhadores relativamente aos anos de 2012 a 2016 no ano de 2017;
2. Os trabalhadores representados pelo Autor não interpuseram recurso das avaliações de 2012 a 2016, tendo havido outros trabalhadores que não estão representados pelo Autor, que interpuseram recurso;
3. A Ré procedeu ao pagamento de metade do valor da promoção em julho de 2017 aos seus trabalhadores que por força da avaliação de desempenho tenham progredido no escalão remuneratório, devendo proceder ao pagamento da outra metade em janeiro de 2018;
4. Todos os trabalhadores foram notificados em 2017 das fichas de avaliação relativos à avaliação de desempenho dos anos de 2012 a 2016;
5. A regra da Ré na consideração do horário de trabalho é a seguinte:
a) O tempo de deslocação de um trabalhador entre o local onde inicia o período de descanso após o primeiro período de trabalho e o local onde irá começar o segundo período de trabalho é considerado pela Ré como tempo de trabalho e incluído no seu horário normal de trabalho.
b) O tempo de deslocação de um trabalhador entre o local onde terminou o seu trabalho e o local onde o iniciou não é considerado pela Ré como tempo de trabalho, nem incluído no horário normal de trabalho do trabalhador;
6. Todos os contratos individuais de trabalho celebrados entre a Ré BBB, S.A. e os seus trabalhadores contêm uma cláusula que define o local de trabalho como abrangendo toda a «zona de exploração» da BBB, obrigando-se o trabalhador a prestar a sua atividade nos locais que forem determinadas por aquela.
III – APRECIAÇÃO
1. Da avaliação de desempenho
De acordo com a cl. 77ª do Acordo de Empresa celebrado entre a Companhia BBB, SA e o AAA– Sindicato (…) o Regulamento de Carreiras Profissionais e de Avaliação de Desempenho faz parte integrante deste AE (anexo III).
Nos termos do art. 1º, nº1 do Regulamento de Avaliação de Desempenho “A avaliação de desempenho é um sistema de notação profissional que, realizado através de um método de análise e observação do desempenho dos trabalhadores nas suas funções, no seu relacionamento, nos seus conhecimentos e responsabilidades, permite valorar o modo como a sua atitude profissional se adequa ao seu posto de trabalho, durante o período a que reporta a avaliação.”
Por seu turno, estatui o art. 9º do mesmo Regulamento, no nº1, que a avaliação de desempenho reportar-se-á a um período de 12 meses (Fevereiro a Janeiro) e realizar-se-á de 1 de Fevereiro a 31 de Março de cada ano. E acrescenta que a produção de efeitos, em matéria de evolução profissional, verificar-se-á em 1 de Julho de cada ano.
Como a Ré admite, e encontra-se assente, esta apenas procedeu à avaliação dos seus trabalhadores, no que concerne aos anos de 2012 a 2016, em 2017. E fê-lo porque, segundo ela, fazendo a empresa Ré parte do sector empresarial do Estado, as restrições orçamentais das Leis do Orçamento de Estado dos anos de 2012 a 2016 impediam-na de efectuar quaisquer actos que consubstanciassem valorizações remuneratórias.
Ora as várias Leis de Orçamento de Estado respeitantes aos anos de 2012 a 2016 o que impediam era que a avaliação obtida pudesse dar origem a qualquer progressão, promoção na carreira ou aumento de escalão remuneratório, por imposição do art. 20, nº1 da Lei nº 64-b/2011, de 30.12, lei que aprovou o OE para 2012, art. 35, nºs 1 e 2 al. a) da Lei nº 66-b/2012, de 31.12, lei que aprovou o OE para 2013, art. 39, nºs 1 e 2, al. a) da Lei nº 83-C/2013, de 31.12, lei que aprovou o OE para 2014, art. 38, nºs 1 e 2, al. a) da Lei nº 82-B/2014, de 31.12, lei que aprovou o OE para 2015 e art. 18, nº1 da Lei nº 7-A/2016, de 30.2, lei que aprovou o OE para 2016.
De modo algum impediam que a Ré realizasse, como era sua obrigação, no prazo previsto no art. 9º do Regulamento, a avaliação anual dos seus trabalhadores nos anos de 2012 a 2016.
É que a avaliação de desempenho tem objectivos que vão para além das repercussões que esta possa vir a ter em termos de progressão, promoção na carreira ou aumento de escalão remuneratório, como decorre do art. 1º desse Regulamento.
Assim, para além de valorar o modo como a atitude profissional de cada trabalhador se adequa ao seu posto de trabalho, a avaliação visa ainda possibilitar, segundo o nº2 do art. 1º:
- o conhecimento integral das capacidades profissionais dos trabalhadores como base de informação para a gestão de recursos humanos mais adequada às necessidades da empresa e dos seus trabalhadores;
- a determinação de critérios uniformes e precisos, para a evolução profissional, à luz dos mecanismos instituídos no Regulamento das Carreiras Profissionais;
- a melhoria da comunicação no seio da empresa;
- orientar o desenvolvimento de capacidades através do estabelecimento de planos de formação mais adequados;
- contribuir para um ambiente de trabalho mais favorável.
Daí que as restrições impostas pelos vários Orçamentos de Estado respeitantes aos anos de 2012 a 2016 de modo algum acarretavam a inutilidade da avaliação dos trabalhadores respeitantes a esses anos.
Assim, ao não ter procedido a tais avaliações, a Ré infringiu o Regulamento de Avaliação de Desempenho, mormente o disposto no seu art. 9º, que prescreve que estas devem ter lugar anualmente.
É certo que ficou provado que a Ré procedeu a tais avaliações no ano de 2017. No entanto, não é indiferente o momento temporal em que a avaliação se realiza.
Com efeito, e como bem se refere na sentença recorrida “(...) o legislador entendeu ser relevante fixar um período de tempo em que tal devia ocorrer por força de um certo imediatismo que tem de existir para que a avaliação seja o mais fidedigna possível.
(...)
Não é a mesma coisa realizar-se a avaliação do ano de 2012 volvidos cinco anos, em 2017, do que nos próprios meses que se lhe seguem (de fevereiro a Março de 2013), pois por um lado está mais marcado no espírito do avaliador o desempenho do avaliado, por outro existe a garantia que quem tem competência para se pronunciar sobre essa avaliação ainda está no serviço em causa (e não se reformou ou mudou de serviço) e por fim, o conhecimento por parte do trabalhador visado do que é apontado na avaliação poderá permitir-lhe mudar e melhorar o seu desempenho nos anos seguintes. E nada disso ocorre se a avaliação for efectuada por cinco anos seguidos de uma só vez como sucedeu.”
Quid juris quanto à falta de cumprimento do dever de avaliação anual dos seus trabalhadores por banda da Ré?
Pretende o Sindicato Autor que a consequência será a de os trabalhadores seus associados verem reconhecido o direito de progredirem ao escalão remuneratório seguinte.
Mas sem razão.
Com efeito, a violação de um dever contratual não pode conduzir à obtenção do efeito mais gravoso que essa violação pode comportar.
Com também é referido na sentença “O facto de não ter feito a avaliação em momento próprio não conduz, nem pode conduzir, a uma presunção de atribuição de notação máxima e imediata progressão ao escalão. Nem o tribunal tem elementos para saber se essa avaliação por si mesma seria suficiente para que todos progredissem ao escalão remuneratório seguinte.”
A violação daquele dever acarreta apenas a constituição da Ré em mora, nos termos do art. 804, nº2 do Código Civil, uma vez que, por causa imputável ao devedor (a aqui Ré), a prestação, ainda possível (e que acabou por ser realizada em 2017), não foi efectuada no tempo devido.
O incumprimento definitivo – diz-nos o art. 808, nº1 do CC – só tem lugar na hipótese do credor perder (objectivamente), o interesse na realização da prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele.
In casu, o Autor não alegou que os seus associados tivessem perdido o interesse naquelas avaliações, tanto mais que as mesmas foram efectuadas em 2017 e aqueles, notificados dos respectivos resultados, não interpuseram qualquer recurso.
Acresce que, ainda que a mora se tivesse convertido em incumprimento, ainda assim a consequência não era a que pretende o Sindicato, ou seja, a obtenção do escalão remuneratório imediato.
Como princípio geral a obrigação de indemnizar conduz à reposição ou restauração natural, nos termos do art. 562 do CC, ou seja, à reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, levando a que o Tribunal condenasse a Ré a efectuar as avaliações em falta.
Caso tivessem ocorrido para os trabalhadores associados do Autor outros danos decorrentes da ausência da avaliação tempestiva, o que não foi alegado (nem demonstrado), tal apenas poderia conduzir ao arbitramento de uma indemnização pecuniária - o que porém não foi pedido-, mas não à progressão imediata ao escalão remuneratório seguinte.
Assim, e quanto a esta questão não merece censura a decisão recorrida.
2. Do local de trabalho
Alega o Autor/Apelante que o local de trabalho deve ser determinado, ou determinável. Porém, a Ré fez inserir no contrato de trabalho dos seus trabalhadores – Motoristas e Guarda Freios – uma cláusula onde é referido que o local de trabalho é toda a área de de exploração da sua actividade, obrigando-se o trabalhador a prestar a sua actividade nos locais que forem determinadas por aquela. Não estando definida a área geográfica a que corresponde, esta pode vir a ser reduzida ou ampliada, podendo, no limite, ser ou vir a ser todo o território nacional, o continente europeu ou em qualquer outro lugar onde consiga contratos e onde explore o mercado dos transportes colectivos. Conclui pela nulidade dessa cláusula.
Vejamos.
De acordo com o prescrito no nº1 do art. 193 do CT/2009 que, com actualização da remissão, corresponde literalmente ao art. 154, nº1 do CT/2003, “O trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”, sendo que este respeita à transferência do local de trabalho.
É patente a importância que no contrato de trabalho assume, para ambas as partes, o local de trabalho, ou seja, o local físico onde a prestação de trabalho deve ser executada e que, em regra, resultará, expressa ou implicitamente, do contrato, devendo recorrer-se a todos os elementos que permitam interpretar o negócio. Quando não resulte expressa ou tacitamente do próprio contrato, há-de ser determinado de acordo com a vontade hipotética das partes ou de acordo com os ditames da boa fé (art. 293 do CC).
Como refere o Prof. Menezes Leitão (Direito do Trabalho, Almedina, 2008, pág. 278) “As partes são, em princípio, livres de estabelecer com maior ou menor amplitude o local de trabalho (indicação de rua, localidade ou concelho). Podem também estabelecer locais de trabalho alternativos, desde que sejam concretizados adequadamente os termos da alternativa. Não pode, porém, ser estipulada uma indeterminação excessiva do local de trabalho, como na hipótese de o mesmo ser convencionado em qualquer lugar do território nacional que o empregador determine. Esse tipo de cláusula será nula por indeterminabilidade (art. 280 do CC), não afectando a subsistência do contrato.”
No mesmo sentido opina Pedro Madeira de Brito em anotação ao art. 154 do CT/2003: “Em qualquer circunstância, o parâmetro geográfico da prestação de trabalho não pode ficar indeterminado, designadamente através da concessão ao empregador de colocar o trabalhador em qualquer local indicado por aquele. Estas cláusulas são nulas por indeterminação (art. 280 do CC).”
Também José Andrade Mesquita (Direito do Trabalho, pág. 571/572) afirma que “O local de trabalho tem de estar determinado ou ser determinável, correspondendo, em qualquer caso, à efectiva execução contratual e não a hipotéticas necessidades empresariais futuras. Estas podem dar lugar a posteriores alterações do local de trabalho, segundo regras que equilibrem os interesses de ambas as partes.”
No caso vertente, está provado que “Todos os contratos individuais de trabalho celebrados entre a Ré BBB,SA e os seus trabalhadores contêm uma cláusula que define o local de trabalho como abrangendo toda a “zona de exploração” da BBB, obrigando-se o trabalhador a prestar a sua actividade nos locais que forem determinados por aquela.”
Ora a validade desta cláusula tem que ser aferida no momento em que o contrato é celebrado.
E do teor da referida cláusula resulta que a mesma contém a determinação do local de trabalho onde os trabalhadores devem desempenhar as suas funções ao serviço da Ré e que é a sua zona de exploração. Ora os parâmetros geográficos da zona de exploração da Ré no momento da celebração de cada um dos contratos de trabalho onde foi aposta esta cláusula é perfeitamente determinável nesse momento por referência a essa realidade, sendo que a 2ª parte da cláusula está naturalmente relacionada com a 1ª, pelo que “os locais que forem determinados pela Ré são os que se situam na mesma zona de exploração.
Acresce que o art. 2º do DL 86-D/2016, de 30.12 – diploma que atribui ao Município de Lisboa a assunção plena das atribuições e competências legais no que respeita ao serviço colectivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa e transfere a posição contratual detida pelo Estado no Contrato de Concessão de Serviço Público celebrado com a BBB – preconiza que esta tem como actividade a exploração, em regime de exclusividade, do serviço público de transporte colectivo de superfície de passageiros por meio de autocarros, carros eléctricos, ascensores mecânicos e um elevador, no território da cidade de Lisboa, nos termos e para os efeitos da legislação em vigor.
Ainda que essa zona possa ainda abranger pequenas zonas nos concelhos limítrofes, como é admitido pela Ré, a respectiva delimitação geográfica é inteiramente delimitável por referência ao momento da celebração de cada um dos contratos de trabalho.
É certo que a “zona de exploração” pode ser alterada ao longo da vigência do contrato, modificando-se consequentemente os respectivos parâmetros geográficos. Estaremos então perante uma alteração do local de trabalho, sendo que ainda assim, será sempre possível determinar aqueles parâmetros por referência a essa “zona de exploração.”
Concluímos assim, tal como o fez a 1ª instância que “não existe ausência de delimitação do que possa ser o local de trabalho, e a definição de “zona de exploração” da R., contratualmente acordada com cada um dos trabalhadores é lícita e está delimitada em termos geográficos”.
3. Do tempo de deslocação
Pretende por fim o Apelante que seja incluído no horário de trabalho de cada um dos trabalhadores seus associados os tempos inerentes às deslocações entre o local do termo do serviço e do local do seu início, sempre que terminem em local distinto do local de início da prestação de trabalho.
O Acordo de Empresa não define o que deve ser entendido por tempo de trabalho.
O art. 197, nº1 do CT/2009 (que resulta da junção dos arts. 155 e 156 do CT/2003) prescreve que se considera tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.
Por seu turno, o conceito de período de descanso é-nos dado pelo art. 199 do CT/2009 (que reproduz o art. 157 do CT/2003) por exclusão, considera como tal todo aquele período que não seja tempo de trabalho.
Sobre esta questão pronunciou-se a 1ª instância nos seguintes termos:
“Mas questão diferente é considerar que onde o trabalhador começa o seu trabalho e onde termina o mesmo, não sendo locais coincidentes, a deslocação ao ponto de origem possa não estar englobado no tempo de trabalho.
Note-se que não pode ser igual e indiferente que um trabalhador comece o seu trabalho num ponto da cidade e termine num outro totalmente distinto e mais longínquo. Mas isso não basta para se incluir no tempo de trabalho.
Cremos que poderia ser feito um raciocínio semelhante ao que sucede quando a entidade patronal tem uma sede e diversos outros locais de trabalho. No acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 4/5/2016, entendeu-se que o tempo de deslocação do trabalhador desde a sede da entidade patronal até aos locais onde vai laborar e por determinação desta, e vice-versa, deve ser considerado como fazendo parte do horário de trabalho. No entanto, a tónica nesta situação residia no facto de nessas deslocações o trabalhador ainda estar em subordinação jurídica, o que não sucede quando o trabalhador da R. termina o seu trabalho e regressa ao ponto de origem.
E cremos que este aspeto é essencial para resolver a questão e negar a pretensão da A.
É que pese embora possa ser custoso compreender que o trabalhador tenha, ou possa ter, a expensas do seu tempo próprio, de fazer todo o percurso do local do fim da prestação ao local de  início no “seu” tempo, e não no tempo de trabalho, a verdade é que este já não está numa situação de subordinação jurídica, e pode gerir esse tempo com as suas actividades privadas como entender.
Embora a propósito de um tema um pouco distinto, o do “tempo de disponibilidade” dos motoristas, mas que não se coloca na ora R., é curioso atentar no acórdão do STJ de 2/11/2004, onde se pode ler que “o tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções (art. 2.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 73/98 de 10.11).
II – Se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, podendo ainda que de forma limitada, gerir os seus interesses e desenvolver actividades à margem da relação laboral, apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, esse período de tempo não pode em regra considerar-se tempo de trabalho”.
Ora, o cerne da questão é mesmo este. Após o final da prestação laboral e no percurso até ao início da mesma (se o quiser fazer, pois pode não ter de o fazer) o trabalhador já não está à disposição da entidade patronal, pode gerir total e livremente os seus interesses como os entender e nessa medida, pese embora possa importar um custo esse tempo de trajeto, é um custo que pode ser gerido livremente pelo trabalhador, e não está sujeito a subordinação jurídica. E nessa medida não pode ser tido como tempo de trabalho.
Poder-se-á ainda argumentar pugnando pela injustiça decorrente desse custo, que no limite pode ser elevado, consoante o ponto de início de trabalho e final do mesmo na cidade de Lisboa. Mas esse custo está a coberto, ou deveria estar, do contrato celebrado, pois a R. ao contratar trabalhadores oferece condições salariais compatíveis com o que pede, e pede exactamente essa disponibilidade para trabalhar em toda a Lisboa, começando num local e terminando noutro. E os trabalhadores aceitam cientes que foi isso o contratado.
E assim sendo cremos que o tempo de deslocação não pode ser tido como integrando o horário de trabalho, pelo que improcede de igual modo a pretensão da A. neste tocante.”
E concordamos inteiramente com a apreciação feita na sentença.
Com efeito, após o final da prestação laboral o trabalhador deixa de estar numa situação de subordinação jurídica ao empregador, cessando aí a obrigatoriedade de dispor do seu tempo a favor deste.
A partir daí o trabalhador pode gerir o seu tempo como o entender, não estando sequer obrigado a regressar ao local onde iniciou a sua prestação de trabalho e que pode, no limite, variar diariamente, uma vez que estão em causa trabalhadores que não têm posto de trabalho fixo.
E ainda que o trabalhador tenha interesse em regressar ao local onde iniciou a sua jornada de trabalho, uma vez cessada esta já não está à disposição da sua entidade patronal e a ela subordinado, tendo adquirido a plenitude de ser humano livrre, pelo que há que considerar que terminou o seu tempo de trabalho. Daí que se entenda que o tempo de deslocação entre o local do termo da prestação de trabalho e o local onde esta se iniciou não possa ser incluído no seu horário de trabalho.
Improcede, pois o recurso.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isento o Apelante (art. 4º, nº1, f) do RCP).

Lisboa, 12 de Junho de 2019

Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira
Decisão Texto Integral: