Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4785/09.0TCLRS-A.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CREDOR HIPOTECÁRIO
DIREITO DE RETENÇÃO
TRANSACÇÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: O credor hipotecário que queira beneficiar da prevalência do seu direito contra o de credor garantido por direito de retenção - anteriormente reconhecido por decisão homologatória de transacção, transitada em julgado -, terá de impugnar a reclamação de créditos na qual este credor alega os factos de que emerge o seu crédito.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Lisboa.

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Recorrente/credor reclamante: B, SA
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Recorridos/executados: MC, Lda., SCFM, HS, TMS, APS, MS, CS e RT
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Credora reclamante: SRS

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I.Relatório:


O B, SA veio reclamar um crédito garantido por hipotecas voluntárias constituídas a seu favor pelo executado TMS no valor global de € 436.514,06, correspondente a capital e juros.

Por seu turno também SRS veio reclamar um crédito constituído por decisão judicial transitada em julgado no valor de € 300.000,00, correspondente a capital e garantido por direito de retenção igualmente judicialmente reconhecido.

Exequente e executados foram notificados, nos termos do art. 789º, nº 1 do CPC, não tendo sido deduzida oposição.

Foi proferida decisão do seguinte teor:

Face ao exposto, julgo verificados os créditos reclamados e passo a graduá-los da forma seguinte:
A)As custas saem precípuas do produto dos bens penhorados (art. 541º do CPC);
B)Do remanescente pagar-se-ão sobre o produto da venda prédio urbano, sito na Av. …, nº …, na localidade de …, freguesia de C, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …:
1º-) Crédito reclamado por SRS, garantido por direito de retenção;
2.º)- Crédito reclamado B, garantido por hipoteca e até ao limite desta;
3º)- Crédito Exequendo.
Custas pelos executados – art.º 527.º, n.º 1 do CPC.
Fixo o valor da acção em € 736.514,06 (setecentos e trinta e seis mil quinhentos e catorze euros e seis cêntimos) – art.º 297.º, n.º 1 do CPC. Registe e notifique.

É contra esta decisão que se insurge o recorrente, formulando as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo graduou os créditos reclamados por SRS no valor de € 300.000,00 em primeiro lugar, pelo produto da venda do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … freguesia de …, concelho de … e inscrito na matriz sob o artigo …, por se encontrar alegadamente garantido por direito de retenção judicialmente reconhecido.
2. A acção executiva, da qual os presentes autos correm por apenso são Executados MC, Lda., SM, HS, TMS, AS, MTS, CS e RT.
3. Na referida acção execução foi penhorado o Prédio Urbano, sito na Av. … …, nº …, na localidade de …, freguesia de …, concelho de …a, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ….
4. Por apenso aos autos de execução, o Apelante B, SA veio reclamar um crédito garantido por hipotecas voluntárias sobre o referido imóvel penhorado e constituídas a seu favor pelo executado TMS no valor global de € 436.514,06, correspondente a capital e juros.
5. Igualmente veio a Recorrida SRS reclamar um crédito constituído por decisão judicial transitada em julgado no valor de € 300.000,00, correspondente a capital e garantido por direito de retenção, que teria alegadamente sido reconhecido judicialmente.
6. Na reclamação apresentada pela Recorrida SRS esta limita-se a alegar que, por sentença judicial de 2013-01-2014, já transitada em julgado, foi reconhecido o direito de retenção da ora reclamante, sobre o imóvel penhorado nos autos até ao pagamento da quantia de € 300.000,00 (conforme reclamação de créditos a fls… e com a referência Citius 13738860).
7. Junta a Recorrida à sua reclamação de créditos uma certidão judicial emitida pela Comarca …. Secção – Juiz 2 no âmbito do processo n.º … (cf. documento 1 junto com a reclamação de créditos) em 05.03.2013.
8. Foram partes na referida acção de processo ordinário da Recorrida e o Executado TMS.
9. Da aludida certidão é parte integrante cópia de sentença transitada em julgado onde se determina o seguinte: “Nos presentes autos de acção declarativa de condenação sob a forma ordinária que SRS moveu contra TMS, vieram as partes a folhas 56 a 58, juntar “transacção realizada entre as partes e proceder à extinção da instância”, nos termos da qual consideram rescindido por mútuo acordo o contrato promessa entre anos celebrado, que a escritura publica não foi celebrada por factos imputáveis ao Réu, que não conseguiu reunir os meios financeiros necessários para proceder ao distrate da hipoteca que recai sobre a fracção, obrigando-se o Réu a proceder ao pagamento à Autora da quantia de € 300.000,00 a título de sinal em dobro, e, para garantia do cumprimento integral da tal obrigação, reconhecendo o Réu o direito de retenção sobre a fracção a favor da ora Autora.
Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, disponível em www.dgsi.pt “o direito de retenção do promitente-comprador tradiciário não pode ser constituído por negócio jurídico, dependendo a sua constituição da verificação em sentença dos pressupostos previsto no artigo 755º, n.º 1, al f) do Código Civil”, sendo a “sentença homologatória do contrato de transacção por via do qual figurem reconhecidos os referidos pressupostos idónea à constituição do mencionado direito de retenção”, sendo que se for proferida “em acção a que não foi chamado o titular do direito de hipoteca sobre mesma fracção não produz efeito de caso julgado em relação a ele”.
10. Na reclamação de créditos apresentada pela Apelada é alegado que o Executado TMS é devedor da quantia de € 300.000,00 a título de restituição de sinal em dobro por conta do incumprimento de contrato promessa de compra e venda do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ,,, sob o nº … da freguesia de …, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
11. Acrescenta ainda que tal direito, bem como o direito de retenção, lhe foi reconhecido por sentença transitada em julgado, juntando para o efeito cópia da referida sentença (e cujo o conteúdo aqui se transcreveu).
12. Não obstante a Apelada, não junta aos autos o contrato de promessa celebrado entre si e o Executado, que teria como objecto o imóvel penhorado nos autos. Desconhecendo-se a data da sua celebração qual o seu objecto, nomeadamente qual o imóvel objecto da promessa de venda.
13. A Apelada não alega, nem faz prova que o contrato promessa teria eficácia real.
14. A Apelada não alega, nem faz prova que tenha ocorrido tradição da coisa.
15. A Apelada não alega, nem faz prova que exercia sobre a coisa poderes de facto correspondentes ao direito real de propriedade, nomeadamente que habitasse o imóvel, que procedesse ao pagamento de água ou luz ou que pelo menos seria possuidora das suas chaves.
16. A Apelada, não faz prova do real incumprimento do aludido contrato promessa de compra e venda por parte do Executado, nem tão pouco do incumprimento dos termos da transacção com este celebrado, os quais desconhecido para os autos, os mesmos não foram alegados pela Apelada.
17. A sentença de homologação de transacção junta pela Apelada à sua reclamação de créditos, e na qual fundamenta o seu crédito, é inequívoca a considerar que a existência do direito de retenção não pode ser constituído através de qualquer negócio jurídico ainda que homologado por sentença judicial.
18. Nunca poderia haver a constituição de tal direito, sem que o beneficiário da hipoteca registada sobre o imóvel tivesse sido chamado à acção.
19. O Banco ora Apelante nunca foi parte, ou interveniente da referida acção de condenação. Pelo que a sentença de homologação não pode produzir efeitos de caso julgado sobre o Apelante, facto que é salvaguardado pela própria sentença junta aos autos pela Apelada.
20. Sendo, que da leitura da sentença proferida no processo n.º … resulta efectivamente o contrário – não houve pronúncia quanto à existência do direito de retenção, uma vez que este não pode ser reconhecido por negócio jurídico. Para fundamentar tal decisão é feito expressa menção ao disposto no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006.
21. Ora, conforme resulta da própria decisão proferida no processo n.º …. efeitos entre as aí Autora e Réu, SRS e TMS, respectivamente. 19/27 pg. 18
22. Não podendo produzir efeitos perante o Apelante B, S.A. ou dentro de outro processo onde este tenha exercido o seu direito de créditos garantido por hipoteca registada sobre o imóvel penhorado nos autos (e alegadamente objecto do contrato-promessa de compra e venda incumprido pelo Réu TMS uma vez que não interveio na acção onde Apelada e Executado transaccionaram.
23. Como bem refere o Professor Doutor Lebre de Freitas: a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca (…) não é inerente à natureza desse direito.
24. O direito de retenção invocado não se encontra verificado em qualquer decisão judicial transitada em julgado que produza efeito no âmbito dos presentes autos. Ainda que a sentença proferida no processo n.º ... tenha homologado transacção em que o Executado TMS se confessa devedor da quantia de € 300.000,00, tal decisão não consubstancia, nem o poderia fazer, a existência de qualquer direito de retenção da Apelada sobre o imóvel penhorado nos autos. Veja-se nesse sentido o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, in www.dgsi.pt.
25. A própria sentença homologatória em causa não procede à apreciação dos factos necessários à verificação dos pressupostos de que depende a existência do direito de retenção e muito menos reconhece a Apelada como detentora desse direito, limitando-se a homologar um negócio jurídico celebrado entre esta e o Executado, clarificando que o mesmo apenas é vinculativo para estes.
26. A transacção é um contrato especial pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que podem envolver, além do mais, a constituição de direitos diversos do controvertido (artigo 1248º do Código Civil). As partes não podem transigir sobre direitos sobre os quais não lhes é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos (artigo 1249º do Código Civil). Por outro lado, não é permitido celebrar transacções que importem a constituição da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis.
27. Não poderão as parte transaccionar quanto ao direito de retenção, não sendo essa a forma de ser reconhecido este direito.
28. Dada a estrutura do referido direito de retenção, certo é que, ao invés do que ocorre com o direito de penhor ou de hipoteca, não pode ser constituído por contrato ou negócio jurídico unilateral. Como se trata de um direito de garantia real de origem legal, só pode ser constituído verificados que estejam em sentença os pressupostos de facto legalmente previstos acima referidos.
29. Em momento algum é alegado ter ocorrido a tradição da coisa, nomeadamente que a Apelada tenha posse efectiva do imóvel. Sendo que, nos termos do disposto na línea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, o direito de retenção é um direito real de garantia cujos pressupostos são: (i) a existência de um contrato-promessa, do qual o Credor seja seu beneficiário (ii) a convenção de tradição do objecto mediato do contrato-prometido e (iii) o incumprimento definitivo daquele contrato por culpa do promitente vendedor e o titular do direito de retenção tem de estar na posse da coisa detida à data em que pretende executar/reclamar o seu direito.
30. A Apelada apenas alega a existência de um contrato promessa de compra e venda que terá sido incumprido e de uma sentença de homologação de transacção no âmbito de uma acção declarativa de condenação.
31. A Apelada não junta aos autos qualquer contrato-promessa de compra e venda que tenha por objecto a transmissão do imóvel penhorado nos autos, não fazendo igualmente prova da sua existência e do pagamento do sinal nele alegadamente previsto.
32. A Apelada não alega, nem demonstra nos autos que, com a celebração do referido contrato, tenha sido acordado a tradição do imóvel, nomeadamente que as chaves do imóvel lhe tenham sido entregues, que esta fizesse uso efectivo do imóvel (nomeadamente, através do pagamento das contas associadas ao imóvel estivessem a seu cargo), nem tão pouco que permanecia na posse do imóvel à data em que reclamou os seus créditos.
33. Por seu turno, apenas junta aos autos uma sentença de homologação de transacção efectuada no âmbito de uma acção declarativa de condenação.
34. Tendo em conta que a referida acção encerrou com uma transacção entre as parte, não foi feita prova, nem foram verificados os pressupostos para existência de um direito de 21/27 pg. 20 crédito na sequência do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda, muito menos é feita prova ou verificada a existência de um direito de retenção de que a Apelada seja titular. Conforme bem se depreende do texto da aludida sentença de homologação de acordo.
35. A sentença não foi proferida após a discussão facto-jurídica da causa, tão-somente confirma a legalidade de um acordo celebrado entre as partes intervenientes numa acção.
36. Sendo que a função de uma sentença de homologação de acordo não é decidir a controvérsia jurídica da causa, mas apenas fiscalizar a validade do acordo.
37. Pelo que, será de concluir que a sentença homologatória junta aos autos pela Apelada apenas formaliza e fiscaliza a legalidade de um acordo celebrado entre as partes do processo, vinculando apenas estas duas. Pelo mesmo motivo não é oponível a terceiros ao processo – como o ora Apelante – nem pode ter por objecto direitos indisponíveis, que eventualmente tenham de ser reconhecidos por sentença que aprecie efectivamente os circunstancialismos facto-jurídicos da causa.
38. Tal raciocínio decorre expressamente da sentença proferida no processo n.º …, ao estatuir que apenas reconhece a transacção celebrada entre as partes e abstendo-se de reconhecer qualquer direito de retenção. Mais declara que tal sentença não terá força de caso julgado perante o credor hipotecário aqui Apelante.
39. O Tribunal a quo considerou a existência de direito de retenção da titularidade da Apelada tendo por base a sentença proferida no âmbito do processo …. Considerando que esta sentença faz caso julgado material, não podendo ser reapreciada a causa noutras acções.
40. Contudo, com o devido respeito não assiste razão ao Tribunal a quo, porquanto a sentença aludida não reconhece qualquer direito de retenção, não sendo oponível ao credor hipotecário. A sentença homologatória apenas fiscaliza a legalidade de um acordo entre duas partes, não sendo meio próprio para constituir qualquer direito de retenção.
41. Em última análise a sentença homologatória serviria apenas como título para a existência de um crédito no valor de € 300.000,00, não servindo para qualificar a existência de uma 22/27 pg. 21 garantia do referido crédito, muito menos a existência de um direito de retenção, com preferência sobre a hipoteca.
42. Não deveria ter a sentença proferida pelo Tribunal a quo concluído pela existência de um direito de retenção resultante do incumprimento de um contrato-promessa de compra venda fundamentando tal decisão em sentença homologatória de transacção, uma vez que nos autos não é feita prova pela Apelada da existência de um contrato-promessa de compra e venda, do seu incumprimento por parte do Executado e que tenha havido tradição do imóvel, ou seja que estejam verificados os requisitos para a existência de direito de retenção estatuídos na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil.
43. A Apelada apenas fundamenta o seu crédito, carreando para o processo uma sentença de homologação de acordo, que expressamente se abstém de pronunciar quanto à existência de um alegado direito de retenção. Pelo que, não poderia a sentença ora em crise ter julgado procedente a existência de um direito de retenção adveniente do incumprimento de um contrato promessa de compra e venda, sem ter procedido à análise dos factos que estão na base da constituição do direito, nomeadamente sem que tivesse sido feita prova dos factos que determinam a existência de um direito de retenção e sobre os mesmos se tivesse pronunciado expressamente.
44. O Tribunal a quo graduou o crédito da Apelada com prioridade sobre o crédito da Apelante, por respeito ao princípio da segurança jurídica, uma vez que, no seu entendimento, já existia uma decisão judicial que tinha reconhecido àquela Credora “o direito de retenção sobre o prédio penhorado”.
45. A leitura e análise atenta da referida decisão judicial aponta no sentido exactamente oposto, por não reconhecer qualquer direito de retenção, limitando-se a pôr termo ao processo através da homologação da transacção apresentada pelas partes, ou seja, a sentença em causa recai unicamente sobre a relação processual tendo, por isso, força obrigatória apenas dentro do processo em que é proferida, nos termos do disposto no Art. 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
46. Não deveria a douta sentença ora em crise ter julgado verificada a existência dos créditos no valor de € 300.000,00 da titularidade da Apelada SRS, a reconhecê- lo, não os poderia ter graduado com preferência sobre as hipotecas constituídas a favor da Apelante em data, aliás, anterior à homologação da transacção em causa.
47. Nesta sede, não é demais salientar o disposto no Art. 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil: “ O Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação das regras de direito.”
48. Pelo que, deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que gradue os créditos do Apelante B, S.A. no valor de € 436.514,06 em primeiro lugar pelo produto da venda do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de …a sob o nº … da freguesia de …s, concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
49. Por força da violação dos mencionados normativos legais e dada a manifesta incongruência entre a decisão do Tribunal a quo e a realidade fáctica, a sentença que graduou dos créditos reclamados por  no valor de € 300.000,00 em primeiro lugar, pelo produto da venda do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ,,, sob o nº …freguesia de ,,,, concelho de ,,, e inscrito na matriz sob o artigo …, por se encontrarem alegadamente garantido por direito de retenção, ser revogada e substituída por decisão que gradue os créditos reclamados pelos Apelante B, S.A., no valor de € 436.514,06, em primeiro lugar pelo produto da venda do referido imóvel, por se encontrarem garantidos por hipotecas. Nestes termos e nos demais de Direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se nos termos acima peticionados, como é de JUSTIÇA! Nestes termos e nos mais de Direito, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa dar provimento ao presente recurso

Em contra-alegações, diz a recorrida em conclusão:

1. O Tribunal a quo graduou os créditos reclamados pela Apelada no valor de €300.000,00 (trezentos mil euros, em primeiro lugar, pelo produto da venda do prédio do prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de ,,, sob o n.º … freguesia de ,,,, Concelho de ,,, e inscrito na matriz sob o artigo …, por se encontrar alegadamente garantido por direito de retenção judicialmente reconhecido.
2. Contudo, o Tribunal a quo, antes de proceder à graduação reconheceu a existência do crédito da Apelada no valor de €300.000,00 (trezentos mil euros) e o direito de retenção respectivo no caso;
3. O reconhecimento do crédito da Apelada é indiscutível por se encontrar devidamente titulado em sentença judicial, que constitui caso julgado material, o qual tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo uma nova e diversa apreciação, no mesmo ou em novo processo, da relação ou situação jurídica concretamente apreciada e dirimida;
4. O mesmo se considera em relação ao direito de retenção reconhecido à Apelada, pela mesma sentença e pela sentença ora em crise;
5. O Banco Apelante, quando chamado a pronunciar-se sobre a reclamação de créditos apresentada pela Apelada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 789.º, n.º1 do Código do Processo Civil, no âmbito dos presentes autos executivos, não deduziu oposição;
6. Pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 567.º do Código do Processo Civil, aceitou os factos articulados pela Apelada;
7. Não sendo o presente momento oportuno para vir colocar em questão a validade da sentença proferida no âmbito do processo declarativo que correu termos com o n.º … e que reconheceu o crédito da Apelada;
8. Muito menos, para questionar a existência de um contrato-promessa de compra e venda e da efetiva tradição do imóvel, na data da assinatura do mesmo;
9. Ao contrário do alegado pelo credor Apelante no seu recurso, a sentença proferida no processo …;
10. Andou bem, o Tribunal a quo, ao reconhecer e graduar o crédito da Apelada, no valor de €300.000,00 (trezentos mil euros), em primeiro lugar no âmbito dos presentes autos;
11. Devendo pelo exposto manter-se a sentença proferida no âmbito dos presentes autos. Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, Deve o recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se a sentença proferida na qual reconheceu e graduou em primeiro lugar o crédito reclamado pela ora Apelada, no valor de €300.000,00 (trezentos mil euros), assegurado até seu pagamento por direito de retenção.

II.FUNDAMENTAÇÃO.

II.2.1. Os autos permitem ponderar o seguinte circunstancialismo processual:
1. Na acção executiva, à qual os presentes autos correm por apenso, e em que TMS, figura entre os executados, foi penhorado o Prédio Urbano, sito na Av. … …, nº …, na localidade de …, freguesia de … concelho de ,,,, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ,,, sob o nº ... ao mesmo pertencente (fls.).
2. Em 18.03.2010, o B, SA veio reclamar um crédito garantido por hipotecas voluntárias sobre o referido imóvel penhorado e constituídas a seu favor pelo mesmo executado, no valor global de € 436.514,06, correspondente a capital e juros (fls. 45 e seguintes).
3. Em 18.06.2013, igualmente veio a recorrida SRS reclamar um crédito no valor de € 300.000,00, correspondente a capital e garantido por direito de retenção, com base em decisão judicial transitada em julgado (fls. 201 e seguintes).

4. Na reclamação apresentada pela recorrida esta alega que:
-  Por sentença judicial de 2013-01-14, já transitada em julgado […], foi reconhecido o direito de retenção da ora reclamante, sobre o imóvel […penhorado nos autos] até ao pagamento da quantia de € 300.000,00 (fls. 202);
- A obrigação do executado [TMS] pagar à reclamante a quantia de € 300.000,00 […] decorre da celebração de um contrato promessa de compra e venda e respectivo incumprimento definitivo do mesmo;
- deste modo o executado ficou judicialmente obrigado a proceder à entrega da quantia do sinal pago na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda, em dobro, o que ascende a €300.000,00 […].

5. A recorrida juntou à sua reclamação de créditos a certidão da decisão proferida no âmbito do processo n.º ..., em 14.01.2013, já transitada em julgado (fls. 205 a 208).

6. Da aludida decisão consta nomeadamente que:Nos presentes autos de acção declarativa de condenação sob a forma ordinária que SRS moveu contra TMS, vieram as partes a folhas 56 a 58, juntar “transacção realizada entre as partes e proceder à extinção da instância”, nos termos da qual consideram rescindido por mútuo acordo o contrato promessa entre anos celebrado, que a escritura publica não foi celebrada por factos imputáveis ao Réu, que não conseguiu reunir os meios financeiros necessários para proceder ao distrate da hipoteca que recai sobre a fracção, obrigando-se o Réu a proceder ao pagamento à Autora da quantia de € 300.000,00 a título de sinal em dobro e, para garantia do cumprimento integral da tal obrigação, reconhecendo o Réu o direito de retenção sobre a fracção a favor da ora Autora.
Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, disponível em www.dgsi.pt “o direito de retenção do promitente-comprador tradiciário não pode ser constituído por negócio jurídico, dependendo a sua constituição da verificação em sentença dos pressupostos previsto no artigo 755º, n.º 1, al f) do Código Civil”, sendo a “sentença homologatória do contrato de transacção por via do qual figurem reconhecidos os referidos pressupostos idónea à constituição do mencionado direito de retenção”, sendo que se for proferida “em acção a que não foi chamado o titular do direito de hipoteca sobre mesma fracção não produz efeito de caso julgado em relação a ele”.

7. Em 08.03.2012 fora junta aos autos cópia de documentos integrados nomeadamente pela petição inicial apresentada na acção declarativa que a recorrida SRS moveu contra TMS, no âmbito da qual e referindo-se ao prédio identificado, sito na Av. ..., na localidade de …, freguesia de ,,,, concelho de ,,,, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ,,, sob o nº ... ao mesmo pertencente, em que a mesma pede:
1.- Se digne considerar resolvido o contrato promessa celebrado, por facto exclusivamente imputável ao R., devendo o mesmo ser condenado à aqui A. a quantia de trezentos mil euros, quantia correspondente ao dobro do preço entregue- artigo 442º nº 2 do Código Civil.
2.- Mais se requer que, a fim de se acautelar o direito ao ressarcimento peticionado no ponto anterior seja o R. condenado a reconhecer o direito legal de retenção sobre a fracção objecto dos presentes autos, nos termos do artº 755, al.f) do Código Civil, tudo até integral pagamento da quantia peticionada e dos juros legais que vierem a vencer-se após a citação do R.
3.- Para o caso de assim não se entender – o que só por mera cautela de patrocínio se admite – requer-se a Vª Exª se digne proferir decisão judicial que – substituindo-se à declaração de vontade do contraente faltoso, ora R. – decrete a transferência da titularidade do imóvel melhor identificado no artigo 1º do presente articulado, a favor da A., livre de quaisquer ónus ou encargos (fls. 149 e seguintes).  
 
8. Entre esses documentos consta também o contrato promessa para que a mesma remete (fls. 156 e seguintes).

9. Da cláusula quinta deste contrato consta que:
Com a celebração do presente contrato a segunda contraente fica autorizada a cuidar da conservação e manutenção do imóvel prometido comprar e responsabiliza-se pelo pagamento de tais encargos, bem como pelos encargos com contribuições autárquicas ou outras que legitimamente forem devidas. 

10. O recorrente, notificado da apresentação da reclamação de SRS (fls. 263), não apresentou impugnação da mesma.
11. O Tribunal a quo, ao graduar em primeiro lugar o créditos reclamado por SRS, teve em conta o direito de retenção reconhecido por sentença transitada em julgado.

II.2.Apreciando:

O recorrente entende que a sentença de homologação a que alude o ponto 6 dos factos, não pode contra ele produzir efeitos, visto que nunca foi parte, ou interveniente na referida acção de condenação. Além disso, o direito de retenção – tal como se reconhece na decisão homologatória, não pode ser constituído por negócio jurídico, ainda que homologado por decisão judicial. Acrescenta, ainda, o recorrente, que a apelada não alega, nem faz prova que o contrato promessa teria eficácia real; a apelada não alega, nem faz prova que tenha ocorrido tradição da coisa; a apelada não alega, nem faz prova que exercia sobre a coisa poderes de facto correspondentes ao direito real de propriedade, nomeadamente que habitasse o imóvel, que procedesse ao pagamento de água ou luz ou que pelo menos seria possuidora das suas chaves.; a apelada, não faz prova do real incumprimento do aludido contrato promessa de compra e venda por parte do executado, nem tão pouco do incumprimento dos termos da transacção com este celebrado, os quais desconhecido para os autos, os mesmos não foram alegados pela apelada […]; a apelada apenas alega a existência de um contrato promessa de compra e venda que terá sido incumprido e de uma sentença de homologação de transacção no âmbito de uma acção declarativa de condenação; a apelada não junta aos autos qualquer contrato-promessa de compra e venda que tenha por objecto a transmissão do imóvel penhorado nos autos, não fazendo igualmente prova da sua existência e do pagamento do sinal nele alegadamente previsto; a apelada não alega, nem demonstra nos autos que, com a celebração do referido contrato, tenha sido acordado a tradição do imóvel, nomeadamente que as chaves do imóvel lhe tenham sido entregues, que esta fizesse uso efectivo do imóvel (nomeadamente, através do pagamento das contas associadas ao imóvel estivessem a seu cargo), nem tão pouco que permanecia na posse do imóvel à data em que reclamou os seus créditos; não foi feita prova, nem foram verificados os pressupostos para existência de um direito de crédito na sequência do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda, muito menos é feita prova ou verificada a existência de um direito de retenção de que a apelada seja titular.

Vemos, assim, que a crítica da decisão recorrida assenta não apenas em aspectos relacionados com a questão de saber se o caso julgado da decisão homologatória é extensivo ao recorrente, mas também num conjunto de factos e de contra-factos que, do ponto de vista do recorrente, justificarão a procedência do recurso.

Todavia, não pode acolher-se esta pretensão sendo, antes, de sufragar a tese da reclamante.

Com efeito,

Muito embora se pudesse aceitar que a circunstância de se ter reconhecido o direito de retenção por decisão homologatória transitada em julgado não vincularia o credor hipotecário, a verdade é que o recorrente alega determinados factos que não questionou no momento que dispunha para o fazer.

Como se referiu no ponto 4 do circunstancialismo provado, a recorrida alega na reclamação que:
- Por sentença judicial de 2013-01-14, já transitada em julgado […], foi reconhecido o direito de retenção da ora reclamante, sobre o imóvel […penhorado nos autos] até ao pagamento da quantia de € 300.000,00 (fls. 202);
- A obrigação do executado [TMS] pagar à reclamante  a quantia de € 300.000,00 […] decorre da celebração de um contrato promessa de compra e venda e respectivo incumprimento definitivo do mesmo;
- deste modo o executado ficou judicialmente obrigado a proceder à entrega da quantia do sinal pago na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda, em dobro, o que ascende a €300.000,00 […].

Portanto, é a própria reclamante que na reclamação de créditos convoca o contrato promessa (junto aos autos). Esta matéria tem conteúdo factual que independe das considerações jurídicas – ainda que acertadas – tecidas na decisão homologatória.

Ora, ao não ser impugnada tal matéria, apesar da notificação para tanto efectuada (artigo 789, nº 1 do CPC, correspondente ao artigo 866º do CPC revogado), e encontrando-nos perante direitos disponíveis, naturalmente que não resta senão concluir que os mesmos factos se terão de ter por admitidos (artigo 574º/2 CPC).    
Quanto aos factos que o recorrente agora esgrime, entende-se que os mesmos se traduzem em matéria nova que só no pertinente articulado de impugnação poderia ser alegada, estando, pois, precludida a possibilidade da sua invocação.

Diga-se, aliás, que tal matéria, de natureza factual, precisamente por ser nova, estaria, até, subtraída ao conhecimento deste tribunal.

De resto, não se dera, à contraparte, oportunidade de a discutir e, sendo o caso, completar a instrução dos autos, no contexto do exercício do contraditório.

Assim, não pode, como se disse, acolher-se a pretensão recursória, não restando senão confirmar a decisão recorrida.

III.DECISÃO.

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, nega-se a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.



Lisboa, 17 de Abril de 2018

 
                                   
Maria Amélia Ribeiro
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo