Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28190/21.1T8LSB-I.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESSUPOSTOS
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Em processos com vários apensos em que o/a juiz/a é confrontado com argumentações semelhantes é natural (e até conveniente, para evitar esquizofrenias processuais), que decida as questões da mesma forma, o que nunca pode ser confundido com qualquer falta de imparcialidade.
II – Não corresponde a qualquer excesso de pronúncia e muito menos a uma decisão-surpresa, a decisão do Tribunal quanto à suspensão da execução proferida no âmbito do artigo 733.º. n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, na medida em que esta não decide os embargos.
III - O artigo 20.º da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, reflectidos no artigo 3.º do Código de Processo Civil, obrigam ao cumprimento - ao longo de todo o processo - do princípio do contraditório ou da audiência contraditória, não podendo o tribunal decidir questões de facto ou de direito (mesmo que de conhecimento oficioso), sem conceder às partes – previamente – a possibilidade de apresentarem o seu «ponto de vista», assim obviando à existência de «decisões surpresa»
IV – Inexiste qualquer decisão-surpresa no caso duma decisão sobre a não suspensão da execução em que a decisão do Tribunal é sobre a questão que estava suscitada e tinha de ser decidida, é dada depois de ambas as partes sobre ela se terem pronunciado e é-o com base na argumentação por elas desenvolvida.
V – A suspensão da execução por força da dedução de embargos é uma situação excepcional e nunca ocorre por mero efeito do recebimento da petição de oposição à execução.
VI – Essa excepcionalidade não corresponde a um capricho do legislador e decorre da necessidade de garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens de quem está a ser executado, donde a suspensão da execução ocorrer, fundamentalmente, mediante a prestação de caução (que acautela o risco de dissipação do património do executado durante esse período e assegura o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo/a exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda, e garante o pagamento do crédito exequendo).
VII – Por força dessa excepcionalidade, o artigo 733.º. n.º 1, alínea c), exige particulares cuidados na sua aplicação, não podendo deixar de ter presente esse enquadramento.
VIII – O decretamento pelo Tribunal da suspensão da instância executiva sem prestação de caução implica que :
- o/a embargante tenha impugnado a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e tenha alegado uma versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano, em função do que se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da referida prestação de caução;
- confrontada a configuração factual dada pelo/a embargante com os elementos de apreciação documental juntos, se revele manifesta a sua razão e se anteveja como difícil superá-la em sede de audiência de julgamento (só isso justificando que se dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras dilapidatórias por parte dos executados).
IX - O critério da justificação é normativo e relaciona-se com a interacção entre as finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão sobre o executado das diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo.
X – O juízo feito nos termos da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 733.º é um juízo forçosamente perfunctório, sumário e não definitivo (prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final) sobre a consistência da argumentação, no sentido de os elementos existentes nos autos imporem a conclusão de estar fortemente abalada a exigibilidade ou a liquidez da obrigação exequenda.
XI – A decisão sobre a suspensão da execução não é o julgamento do mérito dos seus embargos.
XII - A repercussão patrimonial, comercial, bancária, mediática e reputacional que a pendência e prossecução de uma instância processual tenha para o bom nome, imagem e direito ao crédito de quem é executado (por estarem em causa mais de sete milhões de euros, “um dos maiores bancos nacionais” e “uma das principais figuras públicas contemporâneas do futebol português, relacionado com questões que têm vindo a merecer uma intensa e impiedosa atenção por parte dos media”), nunca poderia servir como uma espécie de imunidade contra a regra de que as execuções não se suspendem sem caução: são questões que podem servir como enquadramento, mas não seriam nunca factores essenciais para a decisão sobre a suspensão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
N., S.A. intentou acção de execução para pagamento de quantia certa contra P., S.A..
Por apenso a esses autos, veio P., S.A., deduzir oposição à execução.
O Embargante requereu a suspensão da execução, de harmonia com o disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
A Exequente-Embargada opôs-se à pretendida suspensão da execução.
Decidindo a questão, o Tribunal a quo referiu o seguinte: “Estabelece a norma legal em referência que, o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz o considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
É preciso ter redobradas cautelas na aplicação deste preceito. Em primeiro lugar, não poderemos perder de vista que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constituía uma situação excepcional e não a regra.
No que respeita à impugnação da exigibilidade, como refere José Lebre de Freitas (A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, cit., p. 82-83), a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º, nº 1, do CC, de simples interpelação do devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (art. 779º CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (art. 777º, nº 2 CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (arts. 270º CC e 715º) ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (art. 428º CC).
Por sua vez, no que concerne à impugnação da liquidação, afigura-se-nos que a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do art. 716º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético. Ou seja, deverá ter-se em consideração que a previsão da al. c) incide sobre a verificação de uma excepção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma excepção peremptória.
Logo daqui resulta que não deverá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base na pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda se o fundamento não respeitar aos pressupostos processuais da acção executiva, tendo antes natureza substantiva (p. exp., a alegação de que a quantia exequenda já está paga).
Pela referida razão, dado incidir sobre uma excepção dilatória, entendemos que poderá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, por exp., sendo a execução fundada em requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, caso no mesmo tenha sido referida a existência de domicílio convencionado e a notificação efectuada no âmbito do procedimento de injunção tenha sido feita pela via simples por meio de depósito de carta simples no respectivo receptáculo postal, ao invés de carta registada com aviso de recepção e o executado nos respectivos embargos invoque a inexistência dessa convenção. Neste caso, se o exequente não demonstrar logo com a apresentação da contestação, através de documentação adequada, a existência de domicílio convencionado, o pedido de suspensão deverá ser deferido.
Sobre o caso que nos debruçamos, pronunciou-se o Ac. da RC de 05/05/2015, proc. 505/13.3 TBMMV-B.C1, in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que “Deixando o art. 733.º, n.º 1, al. c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução, não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, máxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva”.
Também o Ac. da RP de 2/7/2015, proc. 602/14.8 TBSTS-B.P1, in www.dgsi.pt , se decidiu que “Para obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução.
No caso que nos ocupa, o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução. Ou seja, a obrigação exequenda é exigível, por ter ocorrido o seu vencimento.
O que o embargante vem alegar são fundamentos de ordem substantiva.
Ora, conforme se decidiu na providência cautelar de arresto, que quanto ao montante de juros vencidos que ora se executa foi acordado que os mesmos seriam regularizados nos termos previstos no Acordo de Reconhecimento de Dívida a celebrar entre o N… a P…, S.A. e os avalistas das operações, aqui embargantes.
Deste modo, a divida encontra-se vencida, pelo que o exequente podia preencher a livrança, como fez.
Por outro lado, o facto de existir ou não interpelação não impede o facto da divida estar vencida.
A consequência (para os que seguem tal entendimento), caso não tenha existido interpelação, é que o exequente só pode pedir os juros a partir da data da citação.
Finalmente, conforme vem sendo entendimento da Jurisprudência, o portador de livrança para acionar o subscritor e os avalistas não carece de fazer o protesto do título.
Por todo o exposto, decido indeferir o pedido de suspensão da execução.
Notifique”.
A Embargante veio recorrer da decisão e apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
 I - O presente recurso surge para impugnação do despacho de indeferimento do efeito suspensivo ao recebimento dos embargos de oposição à execução.
II - O despacho recorrido é proferida numa fase liminar do incidente em que se enquadra (no âmbito do qual ainda não houve lugar a despacho saneador), mas integra um acervo decisório que remonta à providência cautelar de arresto, que precedeu o processo executivo e na qual a Recorrente não foi parte.
III - Ocorre que, tanto aquele arresto, como esta instância, assim como o apenso de oposição à penhora, liminarmente indeferido e igualmente recorrido, estão a ser presididos e dirigidos pelo mesmo Juiz, que, inevitavelmente, traz para estes autos os ecos do que foi o seu julgamento anterior, mas que, em momentos processualmente prematuros, tece afirmações, categóricas e conclusivas, que anteveem o que virá a ser a decisão final.
IV - Compreende-se que um Juiz seja limitado pela sua condição humana e que as decisões que profere sejam, inevitavelmente, reflexo da sua experiência, da sua visão do mundo e da posição que já tomou quanto às matérias por si apreciadas, mas é-lhe exigido o esforço adicional a que consiga, nos diversos momentos e fases processuais, manter o distanciamento, a imparcialidade e o recato processual que a Lei impõe.
V - É difícil perscrutar, face ao que consta dos despachos já proferidos e recorridos, que a decisão de primeira instância não esteja já tomada.
VI - Ora, tal como tem sido entendido no âmbito da interpretação doutrinária e jurisprudencial do artigo 6.º da Convenção Europeia do Direitos do Homem, existe parcialidade subjectiva do julgador quando o mesmo, através de actos anteriores à decisão denuncia qual o sentido da mesma.
VII - Pelo que, a decisão proferida é, nessa medida, nula, ademais
VIII - A Recorrente requereu a concessão de efeito suspensivo aos embargos de oposição à execução que apresentou, nos termos e ao abrigo do disposto no Art. 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
IX - Essa pretensão foi deduzida após um extenso articulado, em que a Recorrente impugnou a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda.
X - Nesse sentido, alegou, em síntese e entre outros aspetos, o preenchimento abusivo da livrança, a aplicação do disposto no Art. 782.º do Código Civil, a violação da confiança bancária e a falta de apresentação do título a pagamento, a que aditou o facto da livrança preenchida e executada não titular a totalidade da obrigação exequenda - já de si prescrita - e a impossibilidade de ser exigido o pagamento de juros após a data de vencimento do título cambiário.
XI - A Recorrente apresentou ainda prova documental demonstrativa que a obrigação em causa estará sempre garantida por hipotecas que o Recorrido detém sobre património de terceiro.
XII - Invocou, finalmente, que a prossecução dessa instância executiva produziu e produz danos efetivos sobre o património, bom nome, imagem e direito ao crédito de todos os Executados e, em concreto, à atividade comercial desenvolvida pela Recorrente, todos estes valores constitucionalmente consagrados.
XIII - Portanto, na ponderação de interesses que o Art. 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, impõe ao Julgador tem de se aferir a afetação de direitos do Recorrente, constitucionalmente consagrados, por contraponto com o interesse do Recorrido em não ter o andamento da execução refém da reação processual daqueles.
XIV - In casu, a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda foram impugnadas no âmbito de um caso em que o ressarcimento desse valor está salvaguardado por outros momentos temporais e outras garantias.
XV - Como tal, é inequívoco que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a concessão de efeito suspensivo ao recebimento dos embargos de oposição à execução.
XVI - Contudo, assim não entendeu o Tribunal a quo, por considerar que tem de ser feita uma interpretação restritiva do referido preceito aos casos em que a oposição encerra uma defesa por exceção dilatória.
XVII - Tal conclusão não se infere da letra da lei, nem resulta inequívoca do caracter excecional da norma invocada, não podendo, por outro lado, serem desconsiderados a totalidade dos fundamentos invocados pela Recorrente, que põe em causa, de forma consistente e documentalmente sustentada, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda.
XVIII - Pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, impunha-se e impõe-se o deferimento do efeito suspensivo ao recebimento dos embargos deduzidos.
XIX -  O objeto do despacho sobre os efeitos do recebimento dos embargos de oposição à execução está delimitado pelo disposto no Art. 733.º do Código de Processo Civil.
XX - Porém, o Tribunal de Primeira Instância, no despacho recorrido, tece considerações, vertidas em afirmações finais e categóricas, acerca dos factos e do direito alegados e a apreciar em sede do julgamento e decisão sobre os embargos de oposição à execução, ainda que sobre estes não exista sequer despacho saneador, prova produzida e debate de Direito concluído.
XXI - Tal decisão consubstancia, dessa forma, uma nulidade por excesso de pronúncia (Art. 615.º, n.º 1, alínea d), in fine do Código de Processo Civil) e uma verdadeira decisão-surpresa, proibida pelo disposto no Art. 3.º, n.º 3 desse diploma legal.
XXII - O despacho, sobre os efeitos dos embargos de oposição à execução, visa conformar a adequação processual do pleito e jamais coartar o exercício do direito de defesa, que a Lei confere às partes, sob pena de violação do disposto no Art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIII - Ao ter indeferido a concessão de efeito suspensivo aos embargos deduzidos, por fazer uma interpretação restritiva do Art. 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil e por antecipar uma pronúncia que só poderá ter lugar a jusante, o Tribunal a quo violou não apenas o disposto no Art. 11.º do Código Civil, como as demais normas acima elencadas.
XXIV - Pelo que, a decisão proferida terá de ser revogada e substituída por outra que determine o deferimento da concessão de efeito suspensivo ao recebimento dos embargos de oposição à execução, com o subsequente cumprimento da demais tramitação processual.
A Exequente-Embargada veio apresentar Contra-Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
A. A Recorrente veio interpor recurso do despacho que rejeitou o pedido de atribuição de efeito suspensivo, sem prestação de caução, aos embargos de executado, numa estratégia insólita que sustenta, sobretudo, numa alegada parcialidade subjectiva do Juiz a quo, geradora de nulidade.
B. Nem sequer é verdade que o procedimento cautelar de arresto instaurado como preliminar da execução embargada tenha sido decidido pelo Juiz a quo, tendo antes sido decretado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Cível – Juiz 9, sob o número 21016/21.8T8LSB, tendo o Tribunal a quo julgado improcedente a oposição deduzida e o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a sentença proferida; não foi, portanto, um único Juiz, mas quatro, a julgar verificados os requisitos dos quais depende o arresto, entre eles, a aparência de um crédito exigível e o justo receio do Recorrido.
C. No despacho recorrido, o Tribunal a quo teve necessariamente de fazer um juízo sobre se o crédito exequendo é exigível e se a execução deve ser suspensa ponderando:
(i) o fundamento invocado pela Recorrente para o pedido de suspensão, que é a alegada inexigibilidade do crédito com base em documentos que juntou;
(ii) o disposto no artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, nos termos do qual o despacho de aceitação ou rejeição do pedido de suspensão é proferido antes da audiência de discussão e julgamento do incidente de embargos;
(iii) a obrigação de fundamentação dos despachos;
(iv) os factos que já adquiriu e que não pode ignorar;
(v) as provas carreadas para os autos; e
(vi) a posição assumida por ambas as partes.
D. O Tribunal a quo fundamentou a decisão com base em elementos probatórios juntos aos autos de embargos (i.e., título executivo e Doc. 6 da petição de embargos) dos quais não resulta uma evidência, com a força que o artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil exige, que justifique suspender os autos sem prestação de caução.
E. Em qualquer caso, seria estranho e incompatível que, sem que nada de novo tenha ocorrido nos autos após o procedimento cautelar, o Tribunal a quo entendesse agora que era
(i) muitíssimo provável que o crédito que o Recorrido se arroga afinal não existe e que
(ii) existe justificação para que o exequente, que havia demonstrado indiciariamente o justo receio de dissipação de património, ficasse desprotegido numa fase preliminar da acção executiva.
F. Para além do mais, o Tribunal a quo refutou os outros pontos de direito alegados pela Recorrente para sustentar a inexigibilidade do crédito, decidindo em conformidade com a lei e na linha da jurisprudência existente, sendo certo que nenhum destes pontos havia sido alegado e apreciado em sede de procedimento cautelar.
G. A tese da Recorrente tem como única fonte a insatisfação da própria em relação a uma decisão interlocutória que lhe é contrária, não sendo de admitir que uma parte tente condicionar o Tribunal a quo, no âmbito de um processo no qual o poder jurisdicional ainda não se esgotou, acusando-o de uma parcialidade que não existe, pelo que deve improceder a nulidade apontada pela Recorrente.
H. O artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil é uma disposição excepcionalíssima, por conduzir à situação indesejável e estranha à regular tramitação do processo executivo, de o exequente ficar desprotegido até que seja proferida sentença no âmbito do incidente de embargos de executado, sendo assim necessário ter “redobradas cautelas” na aplicação daquele preceito.
I. A Recorrente não alegou uma “versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano”, nem apresentou “meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.11.2018), o que sempre teria sido necessário para aplicar o artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, tendo na petição de embargos limitado a apresentar um conjunto de especulações jurídicas opostas, quer com os documentos que juntou, quer com o disposto na lei.
J. Aliás, a Recorrente não indicou nas suas alegações de recurso nenhum elemento probatório que sustente que a (pouca e genérica) factualidade ali alegada demonstra, com elevada probabilidade, que a dívida é inexigível e ilíquida, pelo que o despacho recorrido deve ser confirmado.
K. Em qualquer caso, por mera cautela de patrocínio, o crédito do Recorrido é exigível, conforme resulta da livrança dada à execução (cf. DOC. 1 do requerimento executivo com a referência “Citius” 30967630) e do Acordo de Reconhecimento de Dívida que lhe é subjacente (cf. Doc. 6 da petição de embargos deste apenso com a referência “Citius” 31596616), sendo que nos termos deste acordo a Recorrente aceitou e reconheceu que o valor de € 7.517.864,84 era exigível, podendo o Recorrido exercer os seus direitos, nomeadamente de cobrança daquele montante, a qualquer momento e a todo o tempo.
L. A alegada falta de interpelação, não só não constitui causa de procedência dos embargos como, em qualquer caso, nunca assumiria relevância para a apreciação do critério de exigibilidade do crédito, o que sempre seria essencial para efeitos de aplicação do artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
M. O crédito exequendo também é líquido, correspondendo à soma do crédito reconhecido pela Recorrente no Acordo de Reconhecimento de Dívida (cf. Doc. 6 da petição de embargos deste apenso com a referência “Citius” 31596616), do imposto de selo e juros, sendo, portanto, um valor que não carece de realização de qualquer cálculo aritmético ou de alegação de novos factos, estando assim já quantificado.
N. As consequências danosas da acção executiva alegadas pela Recorrente, que em qualquer caso se impugnam, por serem falsas ou descabidas, não devem ser consideradas, na medida em que se trata de uma alegação nova, que não consta da petição de embargos.
O. O despacho de (in)deferimento do pedido de suspensão da execução foi proferido ao abrigo do artigo 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, não podendo, assim, constituir uma surpresa.
P. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre nenhum ponto que não constasse do próprio requerimento de suspensão da execução sem prestação de caução, tendo sido a própria Recorrente quem, para fundamentá-lo, suscitou questões de mérito, concretamente no que respeita à alegada inexigibilidade do crédito exequendo, o que para além de afastar qualquer elemento surpresa, consubstanciou o cumprimento, pelo Tribunal a quo, dos artigos 154.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.
Questões a Decidir
São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Verificadas as Alegações e Conclusões da Executada-Embargante e as suas divergências serão as seguintes as questões a apreciar:
I – da nulidade da decisão por parcialidade subjectiva do juiz, por violação do disposto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos;
II – da correcção da inadmissibilidade da suspensão da execução sem prestação de caução;
III – da existência de um excesso de pronúncia e de uma decisão surpresa.
Cumpridos os Vistos, importa decidir.
Fundamentação de Facto
A factualidade relevante é a que consta descrita no Relatório.
Fundamentação de Direito
Começando por apreciar as duas nulidades invocadas torna-se particularmente relevante a consideração do texto que Miguel Teixeira de Sousa publicou no Blog do IPPC, a 18/04/2018, intitulado “O que é uma nulidade processual?”[2]:
“1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões.
Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).
2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
-- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
-- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação.
Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
3. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte.
O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual.
Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
-- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); mas não é certamente por acaso que esta nulidade é também a única que constitui uma excepção dilatória (cf. art. 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), e 577.º, al, b), CPC);
-- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC.
4. Em conclusão:
-- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;
-- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC”.
*
Daqui decorre que se mostra invocada uma nulidade processual (a primeira, relativa à uma putativa falta de imparcialidade por parte do juiz do processo) e uma nulidade da própria decisão (por excesso de pronúncia e constituir decisão surpresa).
Vale a pena também sublinhar que a invocação deste tipo de nulidades surge na linha do que Abrantes Geraldes constata no seu “Recursos em Processo Civil”: “É frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou (e que a racionalidade não consegue explicar), desviando-se do verdadeiro objeto do recurso que deve ser centrado nos aspetos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença ou do Acórdão da Relação acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades previstas no art. 615.º, n.º 1”[3].
Começando pela primeira situação, e sem necessidade de grandes considerandos atenta a sua simplicidade, importa dizer que:
- se anota que a Embargante-Recorrente apenas se limita, dentro da sua estratégia e estilo processual, a insinuações de parcialidade (algo despropositadas e deselegantes, mas que não ultrapassam os limites da falta de cortesia), sem que tenha usado os mecanismos processuais previstos nos artigos 119.º a 129.º do Código de Processo Civil;
- se constata que o juiz em causa vem decidindo (fundamentadamente) os processos que tem a seu cargo no âmbito do Processo n.º 28190/21.1T8LSB e as partes exercido os seus direitos processuais;
- havendo vários processos apensos e sendo o mesmo juiz a despachá-los é natural (e desejável, sob pena de alguma esquizofrenia processual) que haja coerência no que se decide em cada um deles relativamente aos outros, sendo certo que será sempre a concreta fundamentação do que em cada um se decida, que para cada um relevará e que é (será) apreciado pelo(s) Tribunal(is) superior(es);
- coerência não é parcialidade (levada ao limite, a tese da Recorrente leva à conclusão de que sempre que o juiz decide é… parcial);
- é a fundamentação da decisão, inexistindo qualquer das situações descritas nos artigos 115.º a 129.º do Código de Processo Civil, que releva para apreciação das decisões do juiz do processo;
- o juiz do processo não decretou o arresto apenso (com outros intervenientes), mas decidiu a oposição ao arresto (já confirmada aliás, por Acórdão desta Relação de 07/04/2022, transitado em julgado);
- na decisão sob recurso e estando em causa o mesmo tipo de questão e, logo, de argumentação, o Tribunal a quo limita-se a, a propósito do vencimento da prestação, proferir uma decisão assinalando que esta é “conforme se decidiu na providência cautelar de arresto”. A referência é não só natural, como conveniente para a economia e coerência do processo, sendo certo que não se trata de uma remessa para o que aí se decidiu e fundamentou, mas simplesmente a referenciação a que a questão também aí foi decidida da mesma maneira;
- para além da matéria abordada no arresto, a decisão sob recurso aborda ainda outras questões de direito referenciadas pela Recorrente-Embargante (falta de interpelação e de protesto), matérias que naquele procedimento cautelar não tinham sido apreciadas;
- é manifestamente despropositada e infundada a invocação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a propósito da putativa falta de imparcialidade do juiz, como o é a confusão que faz entre processos de natureza criminal e cível (uma decisão de arresto não tem a mesma natureza do decretamento duma prisão preventiva[4]), esquecendo que as providências cautelares não constituem um fim em si mesmas, sendo apenas um meio para se acautelar um determinado efeito jurídico (daí a sua instrumentalidade traduzida na inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, por se destinarem a ser absorvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena[5]);
- tudo o que o Tribunal a quo decidiu nesta fase do processo, no que à suspensão da execução respeita, é tudo o que tinha que decidir nesta fase do processo e com este âmbito delimitado (fazendo o “juízo sumário” a que há lugar nesta fase do processo, para usar a expressão da própria Recorrente-Embargante nas suas alegações). E fê-lo de forma fundamentada, assertiva e clara (independentemente de se concordar ou não). Mas não decidiu, nem podia decidir, nem quis decidir a acção (os embargos), nem sequer disse o que a final decidiria (desde logo porque o processo ainda está no seu início);
- a Recorrente-Embargante confunde discordância das suas pretensões com parcialidade;
- nenhuma garantia de imparcialidade por parte do Tribunal se mostra afectada com as decisões até agora tomadas, e muito menos com aquela que deu origem ao presente recurso;
- subjectiva e objectivamente nada faz duvidar da imparcialidade do juiz do Tribunal a quo que proferiu a decisão sob recurso, e muito menos em termos de daí poder retirar-se uma qualquer nulidade processual que, assim, se julga inexistente.
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Quanto à segunda nulidade invocada, respeita ela a uma das previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil, que correspondem a deficiências da Sentença (e que não podem confundir-se com erro de julgamento, o qual corresponde a uma desconformidade entre a decisão e o direito, substantivo ou adjectivo, aplicável: haverá erro de julgamento - e não deficiência formal da decisão - se o Tribunal decidiu num certo sentido, mesmo que, eventualmente, mal à luz do Direito).
Assim, prevê o n.º 1 do referido artigo 615.º que será nula a Sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Entende a Recorrente que “todas as considerações tecidas a partir do segundo parágrafo da terceira página da decisão proferida extrapolam o objeto do despacho em causa[6], por configurarem pronúncias conclusivas (não fundamentadas e prematuras) quanto a questões sobre as quais estava o Tribunal, neste despacho, impossibilitado de conhecer da forma categórica e afirmativa como o fez, o que consubstancia uma nulidade por excesso de pronúncia enquadrável nos termos do Art. 615.º, n.º 1, alínea d), in fine do Código de Processo Civil”.
Não assiste qualquer razão à Recorrente-Embargante assinalando-se apenas alguma criatividade na sua argumentação.
De facto, o despacho sob recurso incide apenas e só sobre a eficácia suspensiva ou não dos embargos relativamente à execução.
E quanto a isto, tal despacho limita-se a decidir o que tinha de decidir nesta fase do processo, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
A Recorrente-Embargante pediu a suspensão da execução sem prestação de caução e o Tribunal a quo decidiu essa matéria e apenas essa, pelo que não pode – sob qualquer pretexto – dizer-se que há uma decisão surpresa ou que o Tribunal tenha decidido o que quer que seja mais do que isso.
O Tribunal não decidiu mais do que isso, nem se pronunciou sobre qualquer outra questão, tendo-se limitado a abordar a argumentação usada pela Recorrente-Embargante, no seu requerimento: como bem assinala a Recorrida-Embargada, o que respeita à alegada inexigibilidade do crédito exequendo era uma das questões de mérito por aquela suscitadas para fundamentar a sua pretensão de suspensão (a Recorrente defende que o crédito não é exigível, por – de acordo com a sua narrativa (que será oportunamente verificada, por estar impugnada) – não estar vencido.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2005 (Processo n.º 05S2137-Sousa Peixoto), o “excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso”.
Nada disso ocorreu in casu, de forma alguma se podendo dizer que o Tribunal se tenha pronunciado “sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedidos”[7].
Por outro lado, sempre haverá que assinalar que é inevitável que alguns dos fundamentos invocados como causa da suspensão coincidam com os dos embargos[8], mas isso não faz com que estes fiquem decididos, porque a apreciação feita – assumidamente (e com a assertividade que se exige numa decisão judicial) – respeita apenas à decisão sobre a suspensão.
Com pertinência também para a situação dos presentes autos, assinala o Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Moreira Lança) que é “consabido que os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões” - não integram matéria que deva ser objecto de pronúncia judicial.
Na verdade, o tribunal recorrido conheceu a questão decidenda suscitada nos embargos de executado deduzidos pelos apelantes – a suspensão da tramitação do curso da execução ao abrigo da previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 733.º do CPC -, sendo certo que o facto de, para tanto, ter invocado argumentos que, na óptica dos apelantes, extravasam o âmbito dessa norma e se relacionam com o mérito não integra a nulidade a que vimos aludindo”.
Por outro lado, e no que respeita à putativa decisão-surpresa, a sua invocação carece de sentido.
O artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil dispõe que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade[9], decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Trata-se de uma norma que consagra, em termos de processo civil[10], a norma constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República), da qual decorre, no âmbito do direito a um processo equitativo, o princípio do contraditório.
Uma vez que, por força dos artigos 8.º, n.º 2 e 16.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, vigora directamente na nossa ordem jurídica e num plano superior ao das leis ordinárias internas, tem aqui aplicação ainda, o artigo 6.º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[11]
O princípio da audiência contraditória ou, simplesmente, do contraditório, sublinham Jorge Miranda e Rui Medeiros, traduz-se em que “cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (Acórdãos nºs 1185/96 e 1193/96)”[12].
Ora, como bem assinala Marco Carvalho Gonçalves no Comentário à Convenção dos Direitos Humanos, à “luz do princípio da audiência contraditória, o tribunal não pode decidir questões de facto ou de direito – ainda que sejam de conhecimento oficioso – sem antes conceder às partes a possibilidade de apresentarem o seu «ponto de vista». Deste modo, o princípio da audiência contraditória veda ao julgador a possibilidade de proferir «decisões surpresa» ou decisões solitárias, isto é, decisões sobre questões em relação às quais as partes não tiveram a possibilidade ou a oportunidade de se pronunciar, sob pena de nulidade da decisão, por violação do princípio da audiência contraditória”[13].
A dúvida a colocar sempre é a de saber se, tratando-se de questão de conhecimento oficioso, as partes podiam ou deviam ter antevisto que a causa poderia ser decidida de determinada forma, com o recurso a um determinado instituto jurídico.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2018, o Conselheiro Hélder Roque - com particular clarividência – escreveu que a “decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspectivavam, de decisões que já eram esperadas”[14].
A decisão surpresa, conclui, não se confunde “com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento”.
Mas mais: só estaremos “perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela”, como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 31/10/2018 (Processo n.º 1101/15.6T8PVZ-C.G1-Jorge Teixeira).
No caso dos autos, a decisão do Tribunal é sobre a questão que estava suscitada e tinha de ser decidida, é dada depois de ambas as partes sobre ela se terem pronunciado e com base na argumentação por elas desenvolvida.
Bem vistas as coisas e na prática, a Recorrente-Embargante, que começa – e bem – por dizer que é “irrefutável que a apreciação e decisão sobre o efeito a atribuir aos embargos de oposição à execução é uma matéria prévia ao conhecimento do mérito dos embargos em si, não fazendo parte do objeto dos mesmos, nem determinando a sua procedência ou improcedência” acaba, depois, por vir esgrimir contra moinhos de vento imaginários, impondo-se a conclusão pela ausência de qualquer nulidade por excesso de pronúncia, associada a uma inexistente decisão- surpresa.
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Ultrapassadas estas questões vejamos agora o ponto essencial deste recurso: o da correcção ou não da não suspensão da execução sem prestação de caução.
A norma que importa ter presente é a do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil, a qual, sob a epígrafe “Efeito do recebimento dos embargos”, diz o seguinte:
“1. O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, apresentando o documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
O que começa por resultar deste normativo é que o simples recebimento de uns embargos à execução, não suspende o processo executivo, só ocorrendo tal suspensão nas situações expressamente referidas.
Ou seja, a suspensão da execução por força da dedução de embargos é uma situação excepcional[15], nunca sendo “de mais salientar que em nenhuma circunstância, a instância executiva se suspende, por mero efeito do recebimento da petição de oposição à execução”[16].
E essa excepcionalidade não corresponde a um mero capricho do legislador, pois que decorre da necessidade de garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens de quem está a ser executado[17], donde a suspensão da execução ocorrer, fundamentalmente, mediante a prestação de caução[18], de forma a “acautelar o risco de dissipação do património do executado durante o período de suspensão da execução; cautela essa que abrangerá, consoante as circunstâncias do caso, não só o assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa mas também garantir o pagamento do crédito exequendo”[19].
Ainda antes do novo Código de Processo Civil, mas mantendo a pertinência, Gonçalves Sampaio escrevia que ao “exigir a prestação de caução por parte do executado o legislador visou evitar o protelamento da execução através de oposições infundadas pois, se se exige ao credor, para a promoção da acção executiva, a apresentação do título executivo que consubstancia o direito que se arroga, parece evidente que, enquanto a sua eficácia não for destruída ou modificada, subsiste a presunção de que o exequente é portador do direito que se arroga”[20].  
É neste contexto e enquadramento que o citado artigo 733.º surge. E é com ele que Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, na análise aprofundada que dele fazem, escrevem com particular acuidade o seguinte:
“Mas é preciso ter redobradas cautelas na aplicação deste preceito. Em primeiro lugar, não poderemos perder de vista que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constitua uma situação excecional e não a regra.
Daí ter de haver também uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução por via da norma em análise. Ademais, tem o juiz de considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução. No que respeita à impugnação da exigibilidade, como refere José Lebre de Freitas, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777-1 CC, de simples interpelação ao devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (artigo 779.º, CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (artigo 777.º, n.º 2, CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou (artigos 270.º CC e 715.º), ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a prestação (artigo 428.º CC). Por sua vez, no que concerne à impugnação da liquidação, afigura-se-nos que a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do artigo 716.º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético. Ou seja, deverá ter-se em consideração que a previsão da alínea c) incide sobre a verificação de uma exceção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma exceção perentória. Logo, daqui resulta que não deverá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base na pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda se o fundamento não respeitar aos pressupostos processuais da ação executiva, tendo antes natureza substantiva (p. ex., a alegação de que a quantia exequenda já está paga). Pela referida razão, dado incidir sobre uma exceção dilatória, entendemos que poderá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, por ex., sendo a execução fundada em requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, caso no mesmo tenha sido referida a existência de domicílio convencionado e a notificação efetuada no âmbito do procedimento de injunção tenha sido feita pela via simples por meio de depósito de carta simples no respetivo recetáculo postal, ao invés de carta registada com aviso de receção e o executado nos respetivos embargos invoque a inexistência dessa convenção. Neste caso, se o exequente não demonstrar logo com a apresentação da contestação, através de documentação adequada, a existência de domicílio convencionado, o pedido de suspensão deverá ser deferido”[21].
A jurisprudência tem vindo a dar algum auxílio também, na interpretação da norma:
- Acórdão da Relação de Coimbra de 05/05/2015 (Processo n.º 505/13.3TBMMV-B.C1-Manuel Capelo):
“Deixando o art. 733º, nº1, al.c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva”;
- Acórdão da Relação de Porto de 02/07/2015 (Processo n.º 602/14.8TBSTS-B.P1-Aristides Almeida):
“I - A suspensão da execução em virtude da dedução de embargos apenas ocorre em três situações: - independentemente do título executivo: (1) ter sido prestada caução ou (2) ter sido impugnada nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução; sendo o título executivo um documento particular: (3) ter o executado impugnado a genuinidade da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução.
II - Para obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução.
III - O critério da justificação é normativo e relaciona-se com a interacção entre as finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão sobre o executado das diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo”;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 13/11/2018 (Processo n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1-Fonte Ramos): porque “A situação da alínea c) do n.º 1 do art.º 733º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda (art.ºs 713º e 729º, alínea e) do CPC), justificativa da suspensão da execução sem prestação de caução e, ainda, que o juiz entenda que se justifica tal suspensão”, quando “o executado/embargante impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos do art.º 733º, n.º 1, alínea c) do CPC, a conclusão de que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento, sob pena de não se poder afastar a regra de que para obter a suspensão da execução se deverá prestar caução (art.º 733º, n.º 1, alínea a), do CPC)”;
- Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Lança):
I. A previsão da al. c) do n.º do art.º 733.º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
II. O primeiro dos dois pressupostos é puramente factual e depende apenas da configuração que os executados deram à sua oposição à execução. Já quanto ao segundo pressuposto é de exigir que dos termos da impugnação da exigibilidade e/ou da liquidação da obrigação exequenda, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras dilapidatórias por parte dos executados.
III. O critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
IV. A conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
V. Cuidando-se de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, sendo que para emitir este juízo, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 21/11/2019 (Processo n.º 10839/14.4 T2SNT-C.L1-8-Teresa Sandiães):
“A suspensão da execução com fundamento na alínea c) do nº 1 do artº 733º do CPC, assente na impugnação da inexigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda, apenas invocável por via de oposição à execução por embargos, deve ser deduzida na petição de embargos, atentos os princípios da concentração da defesa e da preclusão”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 21/05/2020 (Processo n.º 1773/19.2T8GMR-D.G1-Ramos Lopes):
“I- Porque o âmbito de aplicação da alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC não abrange excepções peremptórias, apenas estarão em causa, no que concerne à impugnação da liquidação e da exigibilidade da obrigação como fundamento de suspensão da execução sem prestação de caução, razões atinentes aos pressupostos processuais da acção executiva, não já motivos de natureza substantiva.
II- Não questionando a embargante a liquidez da obrigação, tão só a justeza do montante reclamado (que sustenta exceder o que poderá ser devido), é manifesto que não impugna a iliquidez da obrigação nos termos pressupostos pela alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC.
III- Alegando a embargante que, no âmbito da relação subjacente à relação cartular (relações mediatas), a embargada não procedeu à sua interpelação, não questionando, porém, a exigibilidade que os títulos dados à execução (livranças) demonstram à evidência, tem de concluir-se não se enquadrar a situação na previsão normativa da alínea c) do nº 1 do art. 713º do CPC”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 14/10/2021 (Processo n.º 6423/19.4T8VNF-B.G1-José Cravo):
“I – A situação da alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda [arts. 713º e 729º, e) do CPC], justificativa da suspensão da execução sem prestação de caução e, ainda, que o juiz entenda que se justifica tal suspensão.
II – Quando o executado/embargante impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos do art. 733º/1, c) do CPC, a conclusão de que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento, sob pena de não se poder afastar a regra de que para obter a suspensão da execução se deverá prestar caução [art. 733º/1, a) do CPC]”.
- Acórdão da Relação de Porto de 18/11/2021 (Processo n.º 4698/19.8T8OAZ-B.P1-Isoleta Almeida Costa);
“I – É em face do título executivo apresentado e sua interpretação que se deve apreciar se a obrigação obedece às exigências do art.º 713 do Código de Processo Civil, ou seja, se ela é certa, líquida e exigível, sendo por referência a esses títulos que a impugnação da certeza, liquidez e exigibilidade deve ser dirigida.
II - Daí que, se nos embargos, o executado tiver alegado factos destinados a demonstrar que a obrigação exequenda não é exigível, e tiver requerido a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artigo 733º, nº 1, alínea c) do mesmo código, não pode a suspensão ser recusada com o fundamento de que essa matéria é controvertida”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/02/2022 (Processo n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1-Maria dos Anjos Nogueira): “Justificar-se-á, pois, suspender a execução (trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes), ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do art. 733.º do CPC, quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir (num juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final), pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda”;
- Acórdão da Relação de Porto de 10/03/2022 (Processo n.º 8778/21.1T8PRT-B.P1-Judite Pires):
“I - O recebimento de embargos deduzidos pelo executado só suspende a execução quando ocorra alguma das circunstâncias tipificadas no n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil.
II - A acção executiva pode ser suspensa na sequência do recebimento dos embargos quando “tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
III - Do executado que nos embargos impugne a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, exige-se, para que se justifique a suspensão da execução sem prestação de caução, que suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
IV - O poder do juiz, nestas circunstâncias, de considerar ou não justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução é um verdadeiro poder-dever, o que implica que sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a execução sem a prestação de caução o juiz não apenas pode como deve mesmo fazê-lo.
V - Nestas circunstâncias a realização de diligências com vista à penhora de bens de executado deve aguardar que previamente se profira decisão sobre a suspensão da execução na sequência do recebimento de embargos de executado quando ocorra a circunstância prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil”;
 Esta a base legal, doutrinal e jurisprudencial de que partimos.
E que vai, linearmente, no sentido da posição assumida perante os factos, pelo Tribunal a quo.
Repare-se que a Recorrente ignora - de forma ostensiva - que a regra no processo civil português é a de que os embargos não suspendem a execução, sendo que, das três excepções avançadas pelo artigo 733.º, n.º 1, apenas a da sua alínea c), poderia estar em causa.
Por outro lado, atento o momento em que a decisão sobre a suspensão da execução ocorre e o juízo perfunctório que implica, o legislador tem o cuidado de exigir que quando se ponha em causa nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da quantia exequenda, o Tribunal, perante a factualidade alegada e a prova já apresentada, desde logo possa apontar (justificadamente) para a procedência dessa impugnação. Ou seja, só perante uma situação clara em termos factuais e jurídicos é que o Tribunal pode - logo perante o articulado inicial dos embargos e do requerimento de suspensão da execução[22] e da posição sobre a matéria assumida pela Exequente-Embargada - considerar e entender que está justificada a suspensão da execução sem prestação de caução[23]: tem que se revelar “algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva” (para usar a expressão feliz do Acórdão da Relação de Coimbra de 05/05/2015, Processo n.º 505/13.3TBMMV-B.C1-Manuel Capelo), “trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes […], quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir[…] pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda”[24].
Importa ter presente (e é evidente que a Recorrente-Embargante não o tem) que a decisão sobre a suspensão da execução não é o julgamento do mérito dos seus embargos, mas apenas - como se sublinhou neste último Acórdão - “exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução. Sendo que para emitir este juízo, perfunctório, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução”[25].
Complementando, o Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Lança) remata afirmando mesmo que “não se trata de determinar se a obrigação exequenda é ou não inexigível ou ilíquida, mas antes de considerar se, perante os termos em que foram questionados aqueles pressupostos, se justifica que se suspenda o decurso da execução”.
Trata-se, como se disse, de um juízo perfunctório, ou, se se preferir, de “um juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final”[26], sobre a consistência da argumentação, no sentido de os elementos existentes nos autos imporem a conclusão de estar fortemente abalada a exigibilidade ou a liquidez da obrigação exequenda.
Ora, verificando a situação dos autos, o que desde logo podemos constatar é que a clareza manifesta exigida no sentido de a narrativa processual defendida pela Embargante ser a correcta, pura e simplesmente não existe.
De facto, alegando o preenchimento abusivo da livrança, a aplicação do disposto no artigo 782.º do Código Civil (a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia), a violação da confiança bancária e a falta de apresentação do título a pagamento, a que aditou o facto da livrança preenchida e executada não titular a totalidade da obrigação exequenda - já de si prescrita - e a impossibilidade de ser exigido o pagamento de juros após a data de vencimento do título cambiário.
Perante estas questões, o Tribunal a quo seguiu este processo de raciocínio:
I - por opção legislativa, a suspensão da execução em consequência do recebimento dos embargos de executado é uma situação excepcional e não a regra;
II - quanto à impugnação da exigibilidade
- a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende (de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil), de simples interpelação do devedor;
- a prestação não é exigível quando, “não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (art. 779º CC ), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal ( art. 777º, nº 2 CC ), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou ( arts. 270º CC e 715º ) ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação ( art. 428º CC )”;
III - quanto à impugnação da liquidação, a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do artigo 716.º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético. Ou seja, deverá ter-se em consideração que a previsão da al. c) incide sobre a verificação de uma excepção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma excepção peremptória.
IV - daqui se conclui que deve ser indeferido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base numa pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda, quando o fundamento dessa inexigibilidade não respeite aos pressupostos processuais da acção executiva, tendo antes natureza substantiva (p. exp., a alegação de que a quantia exequenda já está paga).
V - não basta a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, máxime o título executivo, no momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva;
VI - é necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução;
VII - o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução, sendo a obrigação exequenda é exigível, por ter ocorrido o seu vencimento;
VIII - a Embargante alega fundamentos de ordem substantiva;
IX - quanto ao montante de juros vencidos que ora se executa foi acordado que os mesmos seriam regularizados nos termos previstos no Acordo de Reconhecimento de Dívida a celebrar entre o N… a P…, S.A. e os avalistas das operações, aqui embargantes;
X - a dívida encontra-se vencida, pelo que o exequente podia preencher a livrança, como fez;
XI - o facto de existir ou não interpelação não impede o facto da dívida estar vencida;
XII - o portador de livrança para accionar o subscritor e os avalistas não carece de fazer o protesto do título.
O raciocínio é linear, compreensível e solidamente ancorado em termos jurídicos, sendo de sublinhar que – objectivamente – a Embargante-Recorrente, nas suas alegações de recurso, (como - com sentido de oportunidade - assinala a Embargada-Recorrida), “não suporta aquilo que alega numa única prova, designadamente documental, limitando-se a defender que, no seu pedido de suspensão da execução, impugnou a exigibilidade e a liquidação da obrigação, mas sem evidenciar em que medida é que tal impugnação justifica a suspensão da execução.
Na verdade, pelo menos no que respeita à impugnação da exigibilidade da obrigação, não está em causa que tal impugnação tenha ou não existido. Nem o Tribunal a quo fundamentou o seu despacho na ausência de impugnação.
O que está em causa é se a inexigibilidade (e a iliquidez) do crédito é de tal forma manifesta que revele a elevadíssima probabilidade de os próprios embargos de executado virem a proceder com base em tal fundamento, o que a Recorrente, nem em sede do requerimento de suspensão da execução, nem tão-pouco agora em sede de recurso, mostrou existir.
Ou seja, a Recorrente não ofereceu com as suas alegações de recurso nenhum elemento que permita ao Tribunal ad quem alterar a decisão proferida, nomeadamente indicação da prova que sustenta que a (pouca) factualidade alegada demonstra, quase sem margem para dúvida, que a dívida é inexigível e ilíquida”.
E, de facto, remeter para o que “exaustivamente” tenha escrito nos “embargos de oposição à execução apresentados”, e considerá-los reiterados e reproduzidos na íntegra, nas Alegações, acrescentando que “encontram conformação na prova documental” junta aos embargos, não é forma de dar corpo à pretensão recursiva.
Perante o que dos autos consta (o requerimento, a decisão, as alegações e as contra-alegações) e compulsada a livrança dada à execução (e o Acordo de Reconhecimento de Dívida subjacente) podemos concluir que a simples alegação da Recorrente-Embargante no sentido de que a quantia exequenda lhe não é exigível (com referência a matérias de direito substantivo que não constituem excepções dilatórias), não é susceptível de determinar por si só a pretendida suspensão da execução, pois tal documentação não aponta, prima facie, no sentido e na interpretação por si apresentada.
Por outro lado e como se viu, a decisão não só se mostra bem fundamentada, como está na linha do que jurisprudencialmente tem sido decidido quanto à matéria, circunstância que, sendo embora vista com desdém por parte da Recorrente, não pode funcionar como argumento a seu favor: o facto de o decidido ser jurisprudência maioritária (ou unânime, pois não é conhecida nem a recorrente a indica) tem a vantagem da segurança jurídica e da solidez da argumentação que lhe subjaz, mas não obsta a que possa ser alterada, assim o argumentário o permita (o que manifestamente não ocorre in casu).
Por outro lado, não pode deixar de se fazer o reparo a que a repercussão patrimonial, comercial, bancária, mediática e reputacional que a pendência e prossecução da presente instância tenha para o bom nome, imagem e direito ao crédito de todos os Executados (por estarem em causa mais de sete milhões de euros, “um dos maiores bancos nacionais” e “uma das principais figuras públicas contemporâneas do futebol português, relacionado com questões que têm vindo a merecer uma intensa e impiedosa atenção por parte dos media”), nunca poderia servir como uma espécie de imunidade contra a regra de que as execuções não se suspendem sem caução[27]: são questões que podem servir como enquadramento, mas não seriam nunca factores essenciais para a decisão sobre a suspensão[28].
Usando a terminologia já aqui referenciada, o critério normativo que faz interagir os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada nos embargos pelo executado, tem de permitir concluir que estamos diante de uma situação “que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo”.
O que não sucede, in casu, pelo que cabe à Embargante, ora Recorrente, se assim o entender, prestar caução, de forma a que o Exequente se mantenha “a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras dilapidatórias por parte dos executados” (como constitui a regra no nosso processo civil).
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Em suma e face a tudo o exposto, a decisão do Tribunal a quo não suspender a execução sem a prestação de caução, foi a adequada, mostrando-se bem estruturada e fundamentada, impondo-se a sua confirmação, sem hesitações.

DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente-Embargante.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
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Lisboa, 13 de Setembro de 2022
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2018-04-19T07:00:00%2B01:00&max-results=12&start=163&by-date=false [consultado a 01/08/2022].
[3] António Abrantes Geraldes, Recursos…, página 213. O que é também corroborado colectivamente por António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição 2020, página 763.
[4] Sendo certo que in casu, nem sequer a questão relevaria por as partes no arresto serem distintas.
[5] Assim, expressamente, o Acórdão da Relação de Guimarães de 15/04/2021 (Processo n.º 173/10.4TBTMC-D.G1-Figueiredo de Almeida), onde se acrescenta que o “julgamento expresso na providência cautelar não tem a natureza de um julgamento condicional sendo, antes, um julgamento a termo, um julgamento que nasce já com duração necessariamente limitada no tempo, pela sua própria índole e função, o ato ou a providência cautelar forma-se para durar unicamente enquanto não existir a decisão final”.
[6] “No caso que nos ocupa, o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução. Ou seja, a obrigação exequenda é exigível, por ter ocorrido o seu vencimento.
O que o embargante vem alegar são fundamentos de ordem substantiva.
Ora, conforme se decidiu na providência cautelar de arresto, que quanto ao montante de juros vencidos que ora se executa foi acordado que os mesmos seriam regularizados nos termos previstos no Acordo de Reconhecimento de Dívida a celebrar entre o N… a P…, S.A. e os avalistas das operações, aqui embargantes.
Deste modo, a divida encontra-se vencida, pelo que o exequente podia preencher a livrança, como fez.
Por outro lado, o facto de existir ou não interpelação não impede o facto da divida estar vencida.
A consequência (para os que seguem tal entendimento), caso não tenha existido interpelação, é que o exequente só pode pedir os juros a partir da data da citação.
Finalmente, conforme vem sendo entendimento da Jurisprudência, o portador de livrança para acionar o subscritor e os avalistas não carece de fazer o protesto do título.
Por todo o exposto, decido indeferir o pedido de suspensão da execução”.
[7] Acórdão da Relação do Porto de 24/10/2006 (Processo n.º 0623633 -Anabela Dias da Silva).
[8] “Não existe nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, se o tribunal, embora divergindo do autor no tocante à qualificação jurídica dos factos, se socorre dos que foram alegados na petição para decidir” (Relação de Coimbra 15/02/2022 – Processo n.º 2752/19.5T8LRA.C1-João Moreira do Carmo).
[9] “O que deve entender-se por manifesta desnecessidade constitui-se como o nódulo ou punctum crucis da questão e só a praxis pode ajudar a desbravar e obtemperar” – STJ 27/09/2011 (Gabriel Catarino, disponível in www.dgsi.pt).
[10] E que adopta na sua formulação “conceitos indeterminados ou cláusulas gerais cuja maleabilidade permite assegurar a instrumentalidade do processo face ao direito substantivo sem, no entanto, dispensar critérios rigorosos e convincentes relativamente à sua delimitação partir da análise ou solução de casos concretos”, cabendo “ao juiz um papel fundamental na compatibilização dos diversos interesses que no processo se interligam” (Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-L.F.Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 22).
[11] “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça”.
[12] Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, página 194.
[13] Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais (organizado por Paulo Pinto de Albuquerque), Volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2019, página 946.
[14] Disponível in www.dgs.pt.
[15] Assim, vd. Nuno Lemos Jorge, A Reforma da Acção Executiva de 2012: um olhar sobre o (primeiro) Projecto, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/07/04-DEBATER-A-reforma-da-ac%C3%A7%C3%A3o-executiva-de-2012.pdf [consultado a 03/08/2022].
De facto, como se assinala no Acórdão da Relação de Guimarães de 21/05/2020 (Processo n.º 1773/19.2T8GMR-D.G1-João Ramos Lopes), com o novo Código de Processo Civil, “foi afastado o ‘regime decorrente do anterior artigo 818º, nº 2, que previa o efeito suspensivo automático da execução nos casos em que a citação do executado era efectuada apenas depois da realização da penhora’, opção legal ‘justificada pela existência excessiva de situações em que, mesmo com base em título executivo de reduzida (ou nenhuma) segurança, se permitia a agressão do património do executado para cobrança de valores significativos’, pois no actual regime, ‘iniciando-se a execução com a penhora imediata apenas nos casos em que o título oferece maiores garantias de fiabilidade ou de valor mais reduzido’, não se justifica a atribuição de efeito suspensivo automático ao recebimento dos embargos”.
[16] Rui Pinto, A Ação Executiva, Reimpressão, AAFDL, 2020, página 413.
[17] Garantia essa que o legislador toma como dada, suspendendo a acção executiva, quando é prestada caução, a qual visa proteger o exequente dos riscos da demora do processo: a “particular função da caução prevista na al. a) do n.º 1 do artº 733º do CPC é de garantir o cumprimento da obrigação exequenda acautelando ou prevenindo os riscos que possam resultar da suspensão do processo executivo apresentando-se como requisitos essenciais, a sua prestação por meio adequado e que seja suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos (v. Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 04B211” (acórdão da Relação de Coimbra de 05/11/2019, Processo n.º 3141/18.4T8PBL-B.C1-Pires Robalo).
Na mesma linha, o Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Lança), citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/06/2002, proferido no proc. n.º 1767/02.
[18] “A caução consiste nas garantias que, por lei, decisão judicial ou negócio jurídico, são impostas ou autorizadas para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada, destinando-se, em regra, a prevenir o cumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerça uma certa função ou esteja adstrito à entrega de bens ou valores alheios.
Um dos casos em que está prevista a prestação de caução é para a obtenção da suspensão da execução no caso de interposição de oposição à execução ou à penhora (artigos 733º, nº 1, al. a) e 785º, nº 3, do CPC).
Nessa espécie, que é a que está em causa nos autos, a prestação de caução processa-se segundo as regras estabelecidas para o processo especial de prestação de caução (art.º 906º e seguintes do CPC), assumindo, no entanto, o carácter de incidente processado por apenso (art.º 915º do CPC)” – Acórdão da Relação de Lisboa de 11/09/2018 (Processo n.º 2485/17.7T8OER-A.L1-1-Rijo Ferreira).
[19] Acórdão da Relação de Lisboa de 11/09/2018 (Processo n.º 2485/17.7T8OER-A.L1-1-Rijo Ferreira).
Na mesma linha, o Acórdão da Relação de Coimbra de 05/11/2019 (Processo n.º 3141/18.4T8PBL-B.C1-Pires Robalo) refere que “à prestação de caução como condição para a suspensão da execução, como efeito dos embargos de executado à mesma deduzida, a jurisprudência tem-lhe atribuído finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que dilapidem o património durante o tempo da suspensão”.
[20] José Maria Gonçalves Sampaio, A acção executiva e a problemática das execuções injustas, Edições Cosmos, 1992, páginas 330-331.
[21] Virgínio da Costa Ribeiro-Sérgio Rebelo, A Ação Executiva anotada e comentada, 2.ª Edição, Almedina, 2016, páginas 254 e seguintes.
Anota-se que a decisão recorrida transcreve na totalidade este texto, sem que, certamente que por lapso, tenha feito a referência original.
[22] Com a tal “versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento”, de que falam os já citados Acórdãos da Relação de Coimbra de 13/11/2018 (Processo n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1-Fonte Ramos), da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Lança), da Relação de Guimarães de 14/10/2021 (Processo n.º 6423/19.4T8VNF-B.G1-José Cravo) e da Relação do Porto de 10/03/2022 (Processo n.º 8778/21.1T8PRT-B.P1-Judite Pires).
[23] Se assim não fosse, aliás, estaria a subverter-se a regra geral e a tornar inútil ou residual a própria prestação de caução.
[24] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/02/2022 (Processo n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1-Maria dos Anjos Nogueira).
[25] Situação idêntica à suscitada nos também já citados Acórdãos da Relação de Guimarães de 24/02/2022 e da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Lança).
[26] Assim, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/02/2022 (Processo n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1-Maria dos Anjos Nogueira). O sublinhado é nosso.
[27] Sendo certo, por outro lado, que a executada P…e o executado L… (que não é parte nos embargos onde foi apresentado o presente Recurso) são pessoas jurídicas distintas e com notoriedades díspares, pelo que o argumentário sempre teria de ser distinto.
[28] No que à repercussão patrimonial respeita, convém não esquecer que esse é precisamente o objectivo e o pressuposto da acção executiva, onde se pretende – através de diligências coercivas incidentes sobre o património de quem está a ser executado – proporcionar o ressarcimento do credor exequente (sempre, evidentemente, respeitando os limites e proporções entre valores executados e o património existente).