Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6098/13.4TBSXL-B.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: ACÇÃO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA ALTERNADA
RESIDÊNCIA DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Na regulação do exercício das responsabilidades parentais deve o Tribunal decidir de harmonia com o interesse do menor, o que a própria terminologia evidencia, caracterizando o alcance e a forma desse exercício: com responsabilidade perante a criança sujeito de direitos e perante o Estado, a família e a sociedade.
II) Na ponderação que importa fazer deve atender-se às circunstâncias que envolvem a vivência da criança, ao meio em que está inserida, à forma como se relaciona, em concreto, com cada um dos progenitores, para decidir qual deles está em melhores condições de lhe proporcionar a tranquilidade indispensável ao desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade.
III) A este propósito a jurisprudência acolhe como factor relevante a regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve, em princípio, ser confiada, nos primeiros anos de vida, à sua mãe, pessoa com quem a criança de tenra idade mantém um vínculo afectivo e emocional mais profundo.
IV) Essa escolha baseia-se na concreta situação da criança e não pode nunca ser entendida como afastamento do outro progenitor, com quem deve promover-se uma relação de proximidade que permita estreitar laços, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento harmonioso do menor do ponto de vista psicológico.
V) Em caso de menor com dezoito meses de idade, sendo a mãe quem efectivamente se encarregava dos cuidados com a criança, e verificada uma situação de conflito entre os progenitores, é adequada uma solução provisória de residência do menor com a mãe e de afastamento de guarda alternada.(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – P….

Apelou da decisão interlocutória que no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais em que também é parte

C… 

O Tribunal “a quo” decidiu regular provisoriamente as responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos, o menor S….

Depois do requerimento apresentada pela mãe do menor e que consta de fls. 10, foi designada com urgência uma conferência de pais, a qual veio a realizar-se nos termos que constam de fls. 23 e segts.

Nessa conferência foram ouvidos ambos os progenitores, após o que foi proferida decisão provisória, que consta de fls. 26 e 27, e que essencialmente se traduz no facto de o menor ficar a residir com a mãe, sem prejuízo das visitas diárias do pai, mediante prévio aviso, visitas essas que poderão ir até duas horas, sendo na Quarta-feira desde o almoço até às 22 horas. As visitas ocorrerão ainda em fins-de-semana alternados, desde Sexta-Feira até Segunda-Feira.

Tal decisão foi baseada no facto de a mãe do menor ter sido impedida do normal contacto com o menor, depois de os progenitores terem acordado em que o menor ficaria entregue a ambos os pais em semanas alternadas.

No recurso de apelação o Recorrente alega que a decisão teve em conta apenas a versão dos factos apresentada pela mãe do menor e argumenta ainda que a decisão contende com o interesse do menor, uma vez que depois da licença de maternidade da mãe, o menor estava entregue aos cuidados da avó paterna.

Além disso, a decisão coloca em crise a criação de laços próprios da filiação relativamente ao Recorrente que vive em casa de sua mãe, assim como os laços que o uniam à avó paterna, discriminando a figura do pai relativamente à da mãe.

Entende o Recorrente que a fixação de guarda partilhada entre ambos os progenitores, em semanas alternadas, é a medida que mais se ajusta às circunstâncias.

Houve contra-alegações tanto da progenitora como do Ministério Público, defendendo o Digno MP a manutenção da medida provisória.

II – Decidindo:

1. O enquadramento jurídico da regulação do exercício do poder paternal, actualmente denominada de responsabilidade parental pela Lei nº 61/2008, de 30 de Outubro, rege-se pelos arts. 1905º e 1906º, ambos do CC, e na redacção introduzida pelo citado diploma legal, faz-se igual apelo a que o Tribunal decida de harmonia com o interesse do menor e sempre atendendo aos interesses deste – cf. parte final do art. 1905º e nº 7 do art. 1906º.

Esta alteração de suporte e significância jurídica que a lei repercutiu no exercício do poder paternal, indo ao ponto de modificar a expressão para "responsabilidades parentais", não foi por acaso.

Antes visou caracterizar o alcance desse exercício e a forma como deve ser, de facto, exercido: com responsabilidade a que ninguém se pode eximir, quer perante a criança enquanto sujeito de direitos, que devem ser assegurados, garantidos e preservados, quer perante o Estado, a família e a sociedade, enquanto cidadãos com compromissos e deveres e, na qualidade de pais, igualmente responsáveis pela promoção e desenvolvimento físico, intelectual e moral dos seus filhos.

Segundo Armando Leandro, a nova lei pretendeu acentuar que estamos perante “não um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral” . [1]

2. Igual referência ao superior interesse da criança e aos interesses do menor encontra-se plasmada nos arts. 177º, nºs 1 e 4 e 180º da OTM, que regulam o exercício do poder paternal, hoje denominadas de responsabilidades parentais.

E conforme é reconhecido por todos os intervenientes, e o próprio Tribunal “a quo” igualmente sopesou, nenhuma decisão a proferir no âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal (ou na fixação da responsabilidade parental) pode abstrair-se do critério orientador e que constitui o verdadeiro farol que deve nortear o Julgador: o do superior interesse do menor.

Aferi-lo em concreto, sopesando devidamente todos os factores que um conceito desta natureza indeterminado envolve, é o grande desafio que se coloca a qualquer Tribunal.

Nessa ponderação não podem ser alheias as circunstâncias que envolvem a própria vivência da criança, o meio em que está inserida e que tem sido o seu sustentáculo de crescimento e desenvolvimento, a forma como esta se relaciona, em concreto, com cada um dos respectivos progenitores, e ponderar, desapaixonadamente, qual deles está em melhores condições para lhe proporcionar a tranquilidade indispensável ao desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade, e com quem o menor possui ou deve estabelecer, nesta fase de vivência tão imberbe, uma maior ligação afectiva e emocional.

3. A este propósito e sem qualquer cunho discriminatório ou pendor feminista, encontramos acolhida, a nível da jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, [2] como factor relevante para aferição e determinação, em concreto, desse superior interesse da criança, a regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve, em princípio, ser confiada, nos primeiros anos de vida, à sua mãe, pessoa com quem a criança de tenra idade mantém um vínculo afectivo e emocional mais profundo.

E as razões para tal, sendo de percepção e compreensão natural relativamente a um facto da vida, são-nos dadas não só pela jurisprudência, mas também pela mera experiência e o bom senso comum que apontam para a figura primária de referência.

Destarte, a regra da figura primária de referência tem servido de critério objectivo e orientador permitindo, em situações de conflitualidade permanente, decidir pela progenitora quando a criança é de tenra idade uma vez que é com aquela que a criança mantém maior proximidade e ligação, com aprofundamento das respectivas relações afectivas e emocionais.

Essa escolha não pode nunca ser entendida, nesta fase, como se traduzindo no afastamento do outro progenitor, porquanto este não pode ser arredado, sem mais, do processo de formação e educação da criança que gerou e para quem tem responsabilidades – que devem ser assumidas – e que não se circunscrevem às suas obrigações e aos seus deveres, mas que abarcam direitos que devem igualmente ser salvaguardados, como é, por exemplo, o caso do direito de visitas e de contacto regular com a criança.

Um direito que deve ser assegurado ao progenitor a quem não for confiada a entrega do menor, de modo a que aquele possa manter uma relação de proximidade com este, estreitando laços e dessa forma contribuindo para o crescimento e desenvolvimento harmonioso do menor do ponto de vista psicológico.

Tanto mais que essa relação de proximidade com o progenitor, a quem o menor não for confiado, constitui hoje inquestionavelmente um imperativo legal, por força da nova redacção introduzida ao art. 1905º do CC, pela Lei nº 61/2008, de 30 de Outubro.

Com efeito, o objectivo central deste processo é regular o exercício do poder paternal - responsabilidade parental - aferido pelos interesses superiores da criança.

Deve, pois, o Julgador ser norteado por tais interesses, com a adopção de uma medida que resolva em concreto o problema, mas sempre a pensar na criança, enquanto tal. Enquanto ser indefeso, frágil, vulnerável, que merece e precisa de protecção e respeito.

Importa realçar que o presente processo não visa “punir” nenhum dos progenitores, nem coarctar a possibilidade de aproximação entre o menor e o pai, ou frustrar o regime de visitas deste, mas sim decidir o problema da criança, enquanto ser indefeso e menor, de tenra idade. E proporcionar a este, com toda a segurança, a estabilidade afectiva e emocional de que carece para a sua vivência diária, crescimento e desenvolvimento, em plena segurança, paz e harmonia, pautando-se pela satisfação das suas necessidades básicas e afectivas numa idade de que carece muito dos cuidados da mãe.

4. Pese embora, no caso sub judice, a complexidade da relação trilateral que envolve ambos os progenitores e o menor de tenra idade, nascido em 8-8-2012 (com cerca actualmente de 18 meses de idade), a solução do caso apresenta-se líquida, no sentido da determinação da manutenção da decisão provisória.

São escusadas desenvolvidas e acrescidas considerações, para além das que antecedem, sobre a natureza e a prevalência dos interesse que devem ser prosseguidos quando, na falta de acordo, existe a necessidade de regular, ainda que provisoriamente, as responsabilidades parentais.

É clara a prevalência dos interesses do menor, prevalência essa que, repete-se, mais se manifesta em casos como o presente, em que se trata de um menor de tenra idade, e que à data em que se despoletou o litígio tinha apenas um ano de idade.

Não está em causa nestes autos a relação de afecto que existe entre o Recorrente e o seu filho, relação essa que envolve a própria avó paterna a quem o menor estava confiado durante o horário de trabalho da sua mãe. Relações essas que poderiam ter perdurado, nos termos em que tal vinha acontecendo, apesar da separação dos progenitores.

Acontece, porém, que, como decorre dos autos, a certa altura ocorreram divergências quanto à guarda do filho que se traduziram no incumprimento do que entre os progenitores fora acordado.

O Recorrente admite, ele mesmo, que em determinada ocasião não respeitou esse acordo, o que gerou uma situação de incerteza quanto ao exercício das responsabilidades por parte da progenitora.

É verdade que também alega que foi a progenitora que em determinada altura não respeitou esse acordo.

Porém, esta divergência de versões é relativamente insignificante para o objecto do presente recurso em que se pretende tão só sindicar uma medida de carácter meramente provisório que foi adoptada e determinada pelo MMº Juiz “a quo” logo que foi confrontado com a situação em que o menor – obviamente sem qualquer responsabilidade – foi envolvido.

Louva-se, aliás, o empenho manifestado pelo MMº Juiz “a quo” que, logo que teve conhecimento do diferendo existente e dos efeitos negativos que isso determinava na pessoa do menor, designou uma conferência de pais para tomada de decisões, privilegiando, como não poderia deixar de ser, o interesse do menor e evitando a sua instrumentalização num conflito em que são partes os seus progenitores.

Em situações de urgência como a que foi relatada por ambos os progenitores não se justificariam outras diligências complementares, parecendo bastantes os elementos que foram recolhidos e que efectivamente demonstraram a necessidade de adopção de um regime provisório vinculativo para ambos os progenitores.

5. Diz o Recorrente que assim se deu prevalência à versão trazida pela progenitora.

Não subscrevemos tal entendimento, se atentarmos mais uma vez no facto de que o que está verdadeiramente em causa é a protecção urgente do menor, que não pode ser mantido numa situação de incerteza ou de conflito relativamente ao modo de exercício das responsabilidades parentais.

Também não é verdade que a decisão provisória envolva uma discriminação negativa do Recorrente, não podendo ignorar-se que, por um lado, se trata de um menor de muito tenra idade e que, por outro lado, sem questionar o afecto do Recorrente, quem efectivamente se encarregava dos cuidados com a criança era a respectiva mãe.

Acresce que a situação de conflito que se gerou e a tenra idade do menor não favorece uma solução provisória que passe pela guarda alternada, sem embargo de oportuna apreciação desta possibilidade na decisão que vier a ser proferida a título principal.

Deste modo, sem questionar de igual modo o afecto da avó paterna, a verdade é que aquela situação de conflito deveria ser resolvida. E tendo sido atribuída a responsabilidade parental provisória à mãe do menor, trata-se de uma opção que encontra nos autos, na jurisprudência, e na experiência da vida, suficiente justificação para se determinar a sua confirmação nos precisos termos em que foi decidida.

Acerto esse que mais se evidencia quando se verifica que, mediante os cuidados adequados, é assegurado ao Recorrente o contacto diário com o menor e bem assim a guarda em fins-de-semana alternados, de Sexta-Feira a Segunda-Feira.

Medidas que, evidenciando a tutela do interesse do menor, encontram guarida no que se dispõe no art. 1906º do CC e bem assim nos poderes decisórios atribuídos ao Juiz em situações de urgência como aquela que emerge dos autos.

III – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.

- Custas da apelação a cargo do apelante.


                                        Lisboa, 30 de Janeiro de 2014.


                                        Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)


                                        António Manuel Valente


                                        Ilídio Sacarrão Martins

[1] Neste sentido cf. Armando Leandro, in “Poder Paternal: Natureza, Conteúdo, Exercício e Limitações. Algumas reflexões da prática judiciária”, pág. 119.

[2] Cf. Acórdão da Relação de Lisboa, da 8ª Secção, subscrito pela presente Relatora, bem como, nos termos aqui propostos, o Acórdão do STJ, datado de 4/2/2010, e proferido no âmbito do Proc. nº 1110/05.3TBSCD.C2.S1, in www.dgsi.pt.