Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14027/17.0T8LSB.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
DEPÓSITO DE SIMPLES CUSTÓDIA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Na pendência da execução de um contrato de depósito e registo de instrumentos financeiros, de «depósito de simples custódia», o intermediário financeiro não está obrigado a comunicar ao cliente, ora autor, qualquer alteração na cotação, seja de valorização, desvalorização, ou eventos que a pudessem determinar, dos títulos de que era depositário, quando apenas traduzem a materialização de um risco próprio do produto financeiro subscrito, por força do disposto no artigo 312º C, nº 1 do C.V.M.

II– Se o processo fornece elementos suficientes para a decisão do litígio, sem necessidade de produzir prova quanto a factos essenciais, além dos factos já adquiridos processualmente, é possível o julgamento de mérito no despacho saneador, conforme resulta da formulação legal do artigo 595º nº 1 al. b) do C.P.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa.



RELATÓRIO:


A [ Pedro ….]  intentou a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra B [ ….Banco, S.A.] , formulando os seguintes pedidos:
A)– ser o negócio celebrado entre o A. e R. anulado por erro na base do negócio e condenado o R. à devolução de 100.000,00 EUR acrescido de juros vencidos, desde 04 04 2014, à taxa legal em vigor e juros vincendos até integral pagamento;
Se assim não se entender, deve a Ré ser condenada a:
B)– pagar ao A. uma indemnização no valor de 100.000,00 EUR, subtraído do valor que lhe foi reembolsado com o acionamento do swap, de 9.000 euros, acrescido de juros vencidos, desde 04 04.2014, à taxa legal em vigor, e juros vincendos até integral pagamento, recorrendo ao princípio geral que preside à obrigação de indemnizar que é o da reconstituição do lesado na situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado o ato lesivo por incumprimento dos deveres a que estava obrigado, conforme os arts. 304.°, 304.°-A, 311.°, 312.°, 312.°-B, 312-C a 312.°-G, 314.°, ss, todos do CVM;
Ou caso assim não se entenda,
ser o negócio celebrado entre o A. e R. resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o R. à devolução de 100.000,00 EUR, subtraído do valor que lhe foi reembolsado com o acionamento do swap, de 9.000 euros, acrescido de juros vencidos, desde 04 04 2014, à taxa legal em vigor e juros vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:
– Por documento em que se encontra aposta a data de 04.04.2014 bem como a assinatura do ora A, é dada ordem de subscrição do valor mobiliário com a designação comercial “EUR 5Y CLN PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE BV”, com o ISIN XS1050461620, no valor nominal de 100.00 euros.
– Este valor mobiliário é qualificado como um produto financeiro complexo (PFC), nos termos do DL 211-A/2008, de 3 de novembro, denominado Credit Linked Notes (CLN);
– Este PFC tem como emitente o Espírito Santo Investment plc (ESI), com sede em Spencer House, 4th, 71 - 73, Talbot Street, Dublin, Ireland.
– De acordo com o documento ficha técnica, o colateral ou garantia deste PFC são obrigações de dívida sénior emitidas pela PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV (PTIF), com o ISIN XS0215828913, com cupão 4,375%, com vencimento em 2017, e foi objeto de oferta pública em Portugal.
– O A é titular de uma CONTA DE DEPÓSITO À ORDEM sedeada no Banco R., com o n.° 021143550007; sendo cliente do R há, pelo menos, 30 anos.
– Ao longo do relacionamento mantido com o Réu teve vários gestores de conta, com quem falava quando queria esclarecimentos ou aconselhamento sobre como aplicar o seu dinheiro de forma segura e sem risco.
– O A confiava nos gestores de conta e nas informações que lhe prestavam, além do mais, era cliente private, o que pressuponha que os seus interlocutores fossem dotados de particulares conhecimentos e expertise, o que gerava no A um acréscimo de confiança.
– A segurança e a inexistência de risco de perda eram essenciais para efetuar aplicações, uma vez que o A sempre transmitiu a necessidade de garantir o capital que ia aplicando nos diversos investimentos.
– Os gestores de conta tinham conhecimento dessa sua vontade.
– As decisões de investimento que tomou foram sempre com base na informação e conselhos que os gestores de conta lhe facultavam, informavam ou apresentavam um novo produto.
– O A é qualificado como investidor não qualificado ou não profissional; e tinha e tem um perfil conservador, isto é, avesso ao risco, o que sempre transmitiu aos seus gestores de conta.
– O R não solicitou ao A informação sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimentos; nem previamente à subscrição do PFC o R. solicitou ao A. informação sobre a sua situação financeira e sobre os seus objetivos de investimento.
– Foi o gestor de conta que sugeriu, por telefone, a subscrição do produto financeiro; e dirigiu-se ao local de trabalho do A e de novo o aconselhou a subscrever este PFC.
– O gestor de conta informou o A da taxa de juro do produto e a data da sua maturidade; relacionou sempre a aplicação com a Portugal Telecom, referindo que era uma ‘empresa segura' ou afirmação com significado idêntico.
– O R nada disse sobre quem era o emitente.
– O gestor de conta disse ao A que não havia qualquer risco de não receber o capital que investia no termo do prazo, que o investimento era seguro.
– O gestor de conta limitou-se a pedir que o A assinasse o documento de subscrição, sem qualquer explicação adicional.
– O R não facultou previamente ao A cópia do documento informativo do produto (o IFI ou Informações Fundamentais ao Investidor) e/ou ficha técnica nem o explicou; o R não informou dos riscos especiais envolvidos na operação proposta, nomeadamente, do risco de perda da totalidade do investimento.
– As informações prestadas formaram a convicção do A. que o grau de risco de perda era inexistente; e que o produto financeiro que agora lhe apresentavam reunia os requisitos ao seu perfil de conservador.
– O A. declarou expressamente uma vontade que estava, à partida, viciada, errada; erro esse provocado pela representação inexata do objeto do negócio.
– Se o A. estivesse informado ao ponto de esclarecido quanto ao produto que estava a contratar não o teria subscrito.
– A emitente, PTIF, anunciou ao mercado, a 03 de junho de 2015, que "qualquer titular de uma Note é elegível para exercer o direito de solicitar o reembolso das suas Notes no trigésimo dia útil após a data da conclusão da venda, que corresponde a 14 de julho de 2015" desde que o titular dê, até às 12h do dia 30 de junho de 2015, instruções nesse sentido à entidade com a guarda dos títulos.
O R nunca informou o A da alteração do emitente das notes 400 000 000 6,25 bem como da antecipação da maturidade deste produto, de 27 de julho de 2016 para 30 de junho de 2015, bem como do impacto que era para o cash flow da Oi a venda da PT PORTUGAL, do rating de lixo e da degradação geral económico-financeira da Oi e suas subsidiarias, inclusive, da PTIF, por forma a que esta exercesse o direito à venda no mercado das CLN's de que era titular.
– Ao omitir esta informação o R impediu que o A, esclarecida e livremente, tomasse as decisões que entendesse e a que tinha direito. O A. passou a ter uma entidade de referência garantida por uma entidade que não conhecia (a Oi), um garante que fazia parte do mesmo grupo que a entidade de referência, e que também não conhecia, e tudo isto sem que o R. lhe tivesse dado conhecimento de qualquer facto supra descrito.
– Tem, pelos factos descritos, o A. a possibilidade de lançar mão do normativo do n.° 1 do art. 437.° do CCiv.,
– O R. que não informou o A., como estava obrigado, que o negócio inicial tinha sido alterado por circunstâncias anómalas e, omitindo-lhe a hipótese do reembolso antecipado, tem de responder pelos danos causados ao A. em consequência da reiterada violação dos deveres de organização e exercício da sua atividade, impostos por lei ou por regulamento emanado da autoridade pública (art. 304-A, 1, CVM).
– A 01 de julho de 2016 a ISDA CREDIT DERIVATIVES DETERMINATIONS COMMITTEE determinou que tinha ocorrido um evento de crédito de insolvência (bankruptcy credit event) relativo à entidade de referência PTIF, BV.
– Tal determinação foi depois comunicada pelo R, semanas depois, aos seus clientes, e foi dado início ao processo de reembolso antecipado do PFC comprado pelo A.
O A recebeu cerca de 9.000,00 EUR como reembolso do produto que investiu.
Na contestação, o réu B alegou em súmula:
– Não só o B nem sequer existia no momento em que ocorreram a maior parte dos factos alegados na petição inicial - não tendo tal responsabilidade sido para ele transferida no momento da resolução do Banco Espírito Santo - como também a tese do Autor parte do errado pressuposto de que o intermediário financeiro, independentemente do tipo de relação contratual existente, tem o dever de prestar ao cliente informações sobre a performance do investimento e, no limite, de o aconselhar a vender os investimentos subscritos.
Com efeito,
– Não está em causa nos autos uma relação contratual mantida entre o Autor e o B que permitisse àquele reclamar o tipo de acompanhamento da performance de investimento que vem reclamar, como seria o caso se estivéssemos perante uma consultoria de investimento ou um contrato de gestão de carteira;
– O que existe em relação ao investimento a que alude a petição inicial é, apenas e tão-somente, um contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros que prevê obrigações do intermediário financeiro no sentido de assegurar a perfeição da subscrição das obrigações (num momento inicial) e manter tais obrigações devidamente registadas na conta do cliente aberta para esse efeito.
– O Autor recebeu e rubricou um documento que detalhava as características do produto financeiro que estava a comprar, contendo toda a informação necessária e adequada para formação da sua decisão de investimento.
Depois disso, ao longo dos tempos, o Autor recebeu mensalmente extratos de conta que lhe permitiram acompanhar a valorização do produto subscrito, bem como informações da sua gestora de conta sobre a cotação daquele produto, que foram enviados na sequência de um pedido do Autor.
Acresce que
– Não pode aceitar-se que se impute ao B a responsabilidade por quaisquer atos ilícitos que possam porventura ter sido cometidos pelo Banco Espírito Santo no âmbito da relação comercial que manteve com o Autor, num momento em que o B não estava sequer constituído.
– Quaisquer eventuais responsabilidades constituídas na esfera do Banco Espírito Santo nesse contexto não foram transferidas para o B, nos termos da deliberação de resolução do Banco Espírito Santo.
– A Medida de Resolução não operou a transferência - antes a afastou expressamente - de quaisquer responsabilidades ou contingências relacionadas com a violação de disposições regulatórias, qualquer que fosse a sua natureza, e, em particular, das responsabilidades ou contingências emergentes da comercialização de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades, como é o caso do produto financeiro adquirido pelo Autor em causa nos autos.
– E ainda que assim não fosse, quaisquer direitos de que o Autor fosse porventura titular decorrentes do processo de subscrição das Notes devem considerar- se prescritos, por decurso do prazo previsto no n°2 do art.° 324° do CVM.
– Prossegue ainda impugnando especificadamente a matéria alegada na petição, e fornecendo a sua versão da realidade.
– Na resposta às exceções invocadas pelo Réu, o autor pugna pela sua improcedência e alega, sumariamente, que
– Se os títulos em causa nestes autos se encontram registados e/ou custodiados na conta de depósitos à ordem de que o A. é titular, e que transitou do BES para o B, então os direitos que o A. pretende fazer valer nesta ação se encontram na esfera do R.; dado que, no fundo, são ativos que estão depositados na conta à ordem do A.
– Verificado apenas após a Medida de Resolução uma concreta situação geradora de responsabilidade (i.e., a alegada omissão do dever de informação do direito de reembolso antecipado, ocorrido em 2015; e conhecimento das características essenciais do produto, como fundamento da anulabilidade, o que ocorreu em 2016), não se encontra abrangida pelas Deliberações anteriormente tomadas pelo Banco de Portugal, que não deliberam para o futuro, mas apenas sobre as situações já verificadas.
– Conclui ainda que as deliberações do Banco de Portugal violam direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, como seja o direito de propriedade privada, (artº 62º CRP); o direito de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva, o direito à igualdade e o direito à fundamentação dos atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos.
– Defende ainda o A. que o prazo prescricional não se esgotou, visto que apenas em 2016 o A. se apercebeu e tomou conhecimento dos termos do negócio.
Foi designada Audiência Prévia, com vista a proporcionar às partes a efetiva discussão de facto e de direito nos termos do disposto no art.° 591.°, n.° 1, al. b) do C.P.C. e, posteriormente, foi elaborado o saneador-sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu de todos os pedidos.
Não se conformando com esta decisão, o autor dela interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão recorrida e, em consequência, ordenar-se o prosseguimento dos autos para julgamento.

Formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:
«A.– A douta sentença enferma de um lapso que irá afetar toda a sua sustentação, na medida em que o A. demanda o R. por factos praticados em dois distintos períodos temporais:
c)- A partir de 04/08/2014 (Responsabilidade originária da R.): Praticados pelo intermediário financeiro B;
d)- Até 03/08/2014 (Responsabilidade derivada):
Praticados pelo intermediário financeiro BANCO ESPÍRITO SANTO.
B.– Portanto, se ainda se pode compreender – em termos meramente teoréticos - a decisão proferida quanto aos factos praticados pelo BES, não se consegue compreender por que motivo os presentes autos não prosseguem para produção da prova quanto aos factos praticados a partir a 04/08/2014.
C.– Como é jurisprudência unânime, em sede de despacho saneador, o tribunal deverá ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito.
D.– Aliás, em ação judicial com identidade de objeto e R., a 7ª Secção deste Venerando Tribunal proferiu acórdão – cujo código de acesso à certidão consta da motivação – no qual adotou o seguinte entendimento:
I. Na pendência da execução de um contrato de depósito e registo de instrumentos financeiros, o intermediário financeiro e custodiante não pode alhear-se das vicissitudes atinentes à entidade emissora das obrigações bem como à alteração da maturidade dos produtos, fatores suscetíveis de se repercutirem negativamente nos resultados e solidez do produto adquirido, cabendo-lhe informar o investidor de modo a habilitá-lo a poder adotar, tempestivamente, condutas que minimizem ou previnam riscos não despiciendos e conhecidos, que ameacem a normal conservação e frutificação dos instrumentos financeiros.
II. Nesta medida, e atentas as soluções plausíveis da questão de direito substantiva, justifica-se que os autos prossigam na 1ª instância com a realização de audiência prévia tendo em vista a seleção dos temas da prova atinentes à conduta imputada pelos Autores ao Réu B, posteriormente à Medida de Resolução do Banco de Portugal.
E.– Nos artigos 186º, 190º, 200º, 205º, 206º, 207º, 208º, 212º, 213º, 215º, 224º e 225º da PI, o A. alega factos que, sendo dados por provados, constituem prática de factos ilícitos pela R. B e não pelo BES.
F.– Isto porque o R. passou a desempenhar, a partir de 03/08/2014, as funções de intermediário financeiro dos AA, atenta a transferência da conta de intermediação financeira do BES para a R., conforme afirmado pelo A. na PI e aceite na douta contestação, tratando-se, por isso, de um facto assente por acordo.
G.– A admissão de um facto por acordo, nos articulados, permite situá-lo no elenco de matéria assente por via de um mecanismo de prova plena, e a sua realidade apenas pode ser contrariada por uma prova sólida e concludente do seu contrário (artigos 490º, nº 2, início, e 646º, nº 4, final,
do CPC, e artigo 347º do CC), nas palavras da 7ª Secção do VenerandoTribunal da Relação de Lisboa.
H.– Como poderá o A. fazer prova de factos (praticados diretamente pela R., e não pelo BES) que sustentam responsabilidade civil se o processo terminou em sede de saneador, não seguindo, por isso, para julgamento?
I.– Pelo que, e ressalvado – como sempre - o devido respeito, entendemos não ter andado bem a Meritíssima Juiz a quo¸ ao impedir que o A. pudesse vir a fazer uso das modalidades da prova testemunhal e prova por confissão quanto aos factos por si alegados e que constituem a causa de pedir.
J.– Ao agir da forma descrita, e ressalvado o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu uma decisão que conhece do mérito da causa, que se encontra ferida de nulidade por violação do disposto no art. 615º, 1, c) CPC, nulidade esta que se deixa desde já invocada, com as legais consequências.
K.– Sendo que o Meritíssimo Juiz a quo, ao decidir da forma que fez, efetuou uma interpretação materialmente inconstitucional do art. 595º, 1, b) CPC, por violação do disposto nos arts. VIII e X da DUDH, 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cuja dignidade constitucional é conferida pelo art. 8º da CRP76, o que se deixa invocado, com as legais consequências, por coartar o direito de o A. ter a sua causa – factos praticados pelo B e não pelo BES - julgada por um tribunal.
L.– Sendo que, e caso assim não seja doutamente entendido, deverá considerar-se que o juiz a quo, ao decidir da forma que fez, efetuou uma interpretação materialmente inconstitucional do art. 595º, 1, b) CPC, por violação do disposto no art. 20º CRP76, o que também se deixa invocado, com as legais consequências, por coartar o direito do A. de ter a sua causa – factos praticados pelo B e não pelo BES - julgada por um tribunal.
M.– Para conhecimento do(s) pedido(s) e da causa de pedir, seria necessário tomar posição, pelo menos, quanto à seguinte factualidade:
a)-A existência e caracterização de um contrato de intermediação financeira entre o A. e o R.;
b)-A data em que se verificou o início da relação contratual entre A. e R.;
c)- Se o contrato existente entre o A. e o R. decorre da Resolução do Banco de Portugal relativamente ao BES;
d)-Se houve a prática de quaisquer atos de confirmação do contrato, por parte do R., nomeadamente envio de correspondência, contactos telefónicos, envio de documentação para o A.;
e)-Se o R. praticou quaisquer atos de intermediação financeira, nomeadamente depósito, registo ou custódia dos valores patrimoniais a que os presentes autos se referem;
N.–Claramente que, para além de existir uma manifesta contradição entre
a matéria factual e o teor da decisão (nada se diz sobre o facto provado “contrato de intermediação financeira” e profere-se decisão alegando que o contrato invocado pelo autor não foi celebrado com a ré, mas com o BES), estamos perante um caso de insuficiência da matéria de facto.
O.–Deixa-se, por isso, desde já e ad cautelam, arguida a irregularidade da decisão reclamada, por violação do disposto nos arts. 615º nº 1 c) e d), 607º nº 4, 616º b), 662º nº 2 c) e 195º nº1 do CPC, irregularidade esta que influi na decisão da causa, sendo por isso geradora de nulidade, nos termos do referido art. 195º nº1 do CPC in fine.
P.–Subsidiariamente, ad cautelam, deixa-se arguida a irregularidade da decisão reclamada, por violação do disposto nos arts. 615º nº 1 c) e d), 607º nº 4, 616º b), 662º nº 2 c) e 195º nº1 do CPC, irregularidade esta que influi na decisão da causa, sendo por isso geradora de nulidade, nos termos do referido art. 195º nº1 do CPC in fine.
Q.– Já no que toca a questões de direito substantivo, discorda o A. do douto entendimento vertido na sentença recorrida relativo a:
a.- existência de um contrato de intermediação financeira entre A. e R.;
b.- violação de deveres do intermediário financeiro Novo Banco, por factos praticados após a resolução do Banco de Portugal de 03/08/2014;
c.- Da (in)transmissibilidade da responsabilidade civil, contratual e extracontratual do BES para o R.;
d.- Da violação de normas imperativas do Código das Sociedades Comerciais.
R.– Existem determinadas informações (alterações significativas, nas palavras da lei, bem como das vicissitudes que causem riscos que ameacem a normal conservação e frutificação dos instrumentos financeiros) supervenientes que são matéria de dever de informação constante do art. 312º-B, nº4 e 312º-E CVM.
S.– Constata-se ainda que:
a.-Existe um contrato de intermediação financeira entre A. e R. desde Agosto de 2014;
b.-Ocorreram factos relevantes que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido comunicados pelo R. – enquanto intermediário financeiro contratado - ao A. ao abrigo do disposto no art. 312º-B, nº4 CPC;
c.-Caso venha a ser dada por provada a ilicitude referida na alínea b), presume-se a culpa do R., nos termos do disposto no art. 314º nº2 CVM;
d.-Demonstrando-se, a final, a existência de ilicitude, culpa, causalidade e dano, a R. deverá/será condenada a indemnizar o A.
T. Pelo que, salvo melhor opinião, existe legitimidade substantiva do R. decorrente de atos ilícitos enquanto intermediário financeiro.
U.– Por outro lado, a deliberação de 03/08/2014 englobava o dolo, sendo que a deliberação de 11/08/2014 passou a excluir o dolo. Assim, em termos práticos, uma responsabilidade decorrente de dolo constituía, na deliberação de 03/08, passivo excluído, sendo que na deliberação de 11/08, não constaria do passivo excluído, passando, por isso, a constituir passivo incluído na transferência para o R.;
V.– A resolução do Banco de Portugal mais não é que uma cisão societária, e isto sem prejuízo dos especiais contornos da resolução bancária, quer por não ser da autoria da sociedade cindida, quer pelos especiais contornos a nível de acionistas, tendo, no entanto, de obedecer ao regime aplicável por força do CSC.
W.– A disposição do art. 122º CSC é uma norma imperativa pelo que entendemos que a decisão de resolução, e caso seja entendido que afasta a transmissão das dívidas do BES para o R., por violar uma norma imperativa do CSC, não poderá sobrepor-se a esta, com as legais consequências.
X.– A decisão recorrida viola, por isso, o disposto nos arts. VIII e X da DUDH, 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 8º e 20º CRP76, arts. 5º nº3, 195º nº1, 572º b), 607º nº4, 608º nº2, 615º nº 1 c) e d), 4, 616º b) e 662º nº 2 c) CPC; 7º nº1, 249º, 304º nº2, 304º-A nºs 1 e 2, 311º, 312º nº1, 312º-B nº4, 312º-E 314º nº2, 314º-D nº2, 323º e 328º CVM; 19º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF); 74º do Decreto-Lei 298/92; 405º, 437º e 799º do Código Civil.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SERÃO SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE, ADERINDO AOS ARGUMENTOS
EXPENDIDOS, SUBSTITUA A DECISÃO POR OUTRA QUE ORDENE O NORMAL PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS PARA JULGAMENTO, FAZENDO V. EXAS. INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»
*

Foram oferecidas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, com as seguintes conclusões:
«A.– O contrato de intermediação financeira celebrado entre o Recorrente e o Banco Espírito Santo (que depois passou para a esfera do B) em que assenta a causa de pedir relacionada com os deveres de informação do intermediário financeiro no período posterior à subscrição das Notes foi expressamente contemplado no facto provado n.º 14 da Decisão Recorrida, que não padece de qualquer insuficiência ao nível da matéria de facto.
B.– A argumentação do Recorrente a respeito dos factos alegadamente ignorados pelo Tribunal a quo na Decisão Recorrida – que o Recorrente nem sequer identifica convenientemente – é um sofisma tendente a fazer que há factos que foram desconsiderados pelo Tribunal a quo e que esses factos, se provados, poderiam conduzir à responsabilização do B e nenhuma destas premissas é verdadeira.
C.– Da leitura da Decisão Recorrida resulta de forma evidente que o Tribunal a quo considerou toda a factualidade alegada na petição inicial relativamente ao momento posterior à constituição do B e entendeu (e bem) que esses factos eram irrelevantes para efeitos da obrigação de informar do B no quadro normativo aplicável às relações contratuais mantidas com o Recorrente.
D.– Há uma questão de Direito que antecede logicamente a análise e produção de prova sobre os factos posteriores à constituição do B (a delimitação do escopo dos deveres informativos do intermediário financeiro naquele contexto) e essa questão é identificada e decidida pelo Tribunal a quo no sentido de o B não se encontrar obrigado a comunicar os eventos referidos na petição inicial relativamente aos quais o Recorrente reclamava a falta de informação. E, assim sendo, para efeitos da decisão da presente ação é irrelevante saber se ocorreram ou não e se o B os comunicou.
E.– A existência de uma questão prévia de Direito, que permite circunscrever o dever de informação do intermediário financeiro, dispensa o Tribunal a quo de elencar, de entre todos os factos alegados pelas partes, aqueles que considera provados e quais devem considerar-se não provados, apenas lhe sendo exigível que selecione os factos provados que considerou relevantes para a decisão da causa, e foi exatamente isso que sucedeu nos presentes autos.
F.– A decisão adotada no acórdão de 8 de janeiro de 2019 do Tribunal da Relação de Lisboa não é transponível para o caso dos autos, seja por se tratar de uma decisão meramente processual tendente à sanação de uma omissão de pronúncia (que, na presente ação, manifestamente não existir), seja por se tratar de uma decisão proferida no âmbito de um processo em que se discutia a subscrição de um produto financeiro diferente do que está em causa nos presentes autos, que sofreu alterações á entidade emitente e à data de maturidade que não se verificaram com as Notes subscritas pelo Recorrente, razão pela qual não são sequer equacionáveis nesta ação as construções jurídicas de direito plausíveis que ali foram consideradas pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
G.– Contrariamente ao que sucedia no caso analisado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 8 de janeiro de 2019, os factos alegados pelo Recorrente, ainda que provados, não eram suscetíveis de sedimentar uma construção jurídica que pudesse resultar na condenação do B, não havendo qualquer razão para que o presente processo prosseguisse para a produção de prova.
H.– A Decisão Recorrida não padece de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão suscetível de integrar a nulidade sancionada pelo artigo 615.º, alínea c), do CPC.
I.– A alegação do Recorrente a respeito da inconstitucionalidade da Decisão Recorrida é manifestamente insuficiente, limitando-se a remeter para um coartar de direitos de defesa sem justificar ou apresentar uma interpretação alternativa, sendo evidente que a Decisão Recorrida não interpreta de forma contrária à Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou à Constituição da República Portuguesa o artigo 595.º, n.º 1, do CPC.
J.–Não houve, na relação com o Recorrente, violação de quaisquer deveres que impendessem sobre o B na qualidade de intermediário financeiro responsável pela custódia das Notes e nada há a apontar à Decisão Recorrida a este respeito.
K.– A Medida de Resolução não operou a transferência – antes a afastou expressamente – de quaisquer responsabilidades ou contingências relacionadas com a violação de disposições regulatórias, qualquer que fosse a sua natureza, e, em particular, das responsabilidades ou contingências emergentes da comercialização de instrumentos de dívida emitidos por quaisquer entidades, como é o caso das Notes.
L.– A resolução bancária é uma figura específica do Direito Bancário, à qual não pode ser aplicado o regime de responsabilidade previsto no Código das Sociedades Comerciais cuja aplicação – além de ser incompatível com o perímetro das responsabilidades transmitidas para o banco de transição, que foi expressamente delimitado pelo Banco de Portugal – desvirtuaria por completo os objectivos que nortearam a constituição do B.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmada a Decisão Recorrida.»
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Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Questões a decidir:

O objecto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de que se possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
A limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (conforme Artigo 5º nº 3 do C.P. Civil.) Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).

Importa, assim, apreciar as seguintes questões:
a).- Se a decisão recorrida padece dos vícios invocados pelo apelante, por violação do disposto nos arts. 615º nº 1 c) e d), 607º nº 4, 616º b), 662º nº 2 c) e 195º nº1 do CPC, irregularidade esta que influi na decisão da causa, sendo por isso geradora de nulidade, nos termos do referido art. 195º nº1 do CPC in fine?
b).- Se a decisão recorrida viola o disposto nos arts. VIII e X da DUDH, 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 8º e 20º CRP76, arts. 5º nº3, 195º nº1, 572º b), 607º nº4, 608º nº2, 615º nº 1 c) e d), 4, 616º b) e 662º nº 2 c) CPC; 7º nº1, 249º, 304º nº2, 304º-A nºs 1 e 2, 311º, 312º nº1, 312º-B nº4, 312º-E 314º nº2, 314º-D nº2, 323º e 328º CVM; 19º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF); 74º do Decreto-Lei 298/92; 405º, 437º e 799º do Código Civil?
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida considerou a seguinte factualidade (com fundamento na matéria aceite pelas partes, e no teor dos documentos juntos aos autos):
1.– O A é titular de uma CONTA DE DEPÓSITO À ORDEM sedeada no Banco R., com o n.° 021143550007; sendo cliente do R há, pelo menos, 30 anos.
2.– Por documento (junto de fls. 39 a fls. 46 e cujo teor se dá por reproduzido) em que se encontra aposta a data de 04.04.2014 bem como a assinatura do ora A, é dada ordem de subscrição do valor mobiliário com a designação comercial “EUR 5Y CLN PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE BV”, com o ISIN XS1050461620, no valor nominal de 100.000 euros.
3.– Este valor mobiliário é qualificado como um produto financeiro complexo (PFC), nos termos do DL 211-A/2008, de 3 de novembro, denominado Credit Linked Notes (CLN);
4.– Este PFC tem como emitente o Espírito Santo Investment plc (ESI), com sede em Spencer House, 4th, 71 - 73, Talbot Street, Dublin, Ireland.
5.– A Ficha de Produto da aplicação financeira referida em 2., menciona como “Nota Prévia” que “O Capital investido não está garantido na maturidade e o investidor pode no limite perder 100% do capital investido.
7.– A Ficha de Produto da aplicação financeira referida em 2. menciona, como “Principais Características”, “investimento a 5 anos, sujeito a Evento de Crédito da Entidade de Referência”; “Entidade de Referência (Dívida Sénior) Portugal Telecom International Finance BV (Dívida Sénior); “Cupão Fixo de 4,5% TANB nos dois primeiros anos, e cupão variável de (Euribor3M + 3,30% p.a. para os restantes anos, pago trimestralmente e sujeito a não ocorrência de Evento de Crédito”; “risco de perda total ou parcial do capital investido em caso de Evento de Crédito da Entidade de Referência”.
A Ficha de Produto da aplicação financeira referida em 2. menciona, como “Principais Riscos”, “O principal risco de investimento num produto Credit Linked Note é o da entidade de referência sofrer um evento de crédito. O que é que significa um evento de crédito? Para a presente nota entende-se como evento de crédito as situações contempladas pelo ISDA (International Swaps and Derivatives Association, Inc): Insolvência (Bankruptcy), Falha no Pagamento (Failure to pay) e Restruturação dos termos originais contratualizados de obrigações, créditos ou empréstimos, (Restructuring).”
8.– A Ficha de Produto disponibiliza igualmente informação, através de gráficos, sobre “evolução histórica dos spreads de crédito” concedido às Entidades de Referência, e ainda os ratings de classificação da dívida de cada uma dessas entidades, por 3 Agências de Rating.
11.– Da Ficha de Produto consta a assinatura do A. após os dizeres “Declaro que entendo e aceito os riscos descritos na presente ficha de produto (...). Foram-me entregues os documentos relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente a Ficha de Produto (...)”.
12.– No documento designado como “Informações Fundamentais ao Investidor Produto Financeiro complexo”, junto de fls. 43 verso a fls. 46, o autor apôs a sua assinatura e os seguintes dizeres: “Tomei conhecimento das advertências” e “Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição”.
13.– Em 6 de julho de 2016, foi comunicado pelo Haitong Investment Ireland, plc.16, a verificação de um evento de crédito da insolvência da entidade de referência Portugal Telecom Internacional Finance BV.
14.– Entre o autor e o BES foi ainda celebrado o denominado “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, junto de fls. 586 a fls. 587, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

). Se a decisão recorrida padece dos vícios invocados pelo apelante, por violação do disposto nos arts. 615º nº 1 c) e d), 607º nº 4, 616º b), 662º nº 2 c) e 195º nº1 do CPC, irregularidade esta que influi na decisão da causa, sendo por isso geradora de nulidade, nos termos do referido art. 195º nº1 do CPC in fine?
As nulidades suscitadas traduzem-se em vícios formais que respeitam à estrutura (alíneas b) e c) e aos limites da sentença (alíneas d) e e), cuja verificação afecta a sua validade.
Nas alegações, o apelante imputa à sentença impugnada os seguintes vícios de direito processual:
a. Insuficiência da seleção da matéria de facto para conhecer dos pedidos formulados;
Assim, «O A. demanda o R. atenta a responsabilidade desta por factos praticados em dois distintos períodos temporais:
a)- De 04/08/2014 até à presente data:
Factos praticados pelo intermediário financeiro B;
b)- Até 03/08/2014:
(…)
Ora, e assumindo, por mera hipótese de raciocínio académico, que assiste razão ao juiz a quo na douta sentença proferida, com o que não se concorda, a verdade é que são alegados factos que, caso venham a ser dados por provados, serão causa de responsabilidade civil contratual do R., por haverem sido por esta praticados na qualidade de intermediário financeiro custo diante das Notes em questão nos presentes autos.
(…)
Portanto, e por referência aos artigos 186º, 190º, 200º, 205º, 206º, 207º, 208º, 212º, 213º, 215º, 224º e 225º da PI … o A. entende que deveria haver sido informado das seguintes vicissitudes relativas à entidade de referência, nomeadamente:
E isto porque o risco associado às Notes subscritas é o risco da entidade de referência, a par de, entre outros, o risco da entidade emitente.»
Antes de mais, e tal como é realçado nas contra-alegações de recurso, os artigos da petição inicial transcritos pelo apelante não dizem respeito ao presente processo, tratando-se claramente de um lapso.
Constitui entendimento pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC (correspondente ao artº. 668º, nº. 1, al. c) anterior à reforma introduzida pela Lei nº. 41/2013 de 26/6) só se verifica quando os fundamentos invocados na sentença devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente (cfr. Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. nº. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. nº. 1458/08.5TBSTB e de 19/12/2013, proc. nº. 538/09.4TBELV, Ac. do T.R.E. de 25/06/2015, Proc. nº 855/15.4T8PTM.E1 todos acessíveis no sítio do IGFEJ), sendo sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cfr. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, 2000, pg. 298.
É expressamente consignado na decisão recorrida que se considerou «estar em condições de conhecer do mérito da presente ação, sendo que a solução a dar à causa sempre se imporia, ainda que se produzisse prova quanto à matéria de facto não assente. Com efeito, tal solução sempre se imporia, mesmo atendendo às várias soluções de direito propostas e expostas na petição, e que no entender do Autor conduziriam à condenação do Réu a indemnizar / restituir o montante do capital investido - seja a anulabilidade por erro, a responsabilidade civil do intermediário financeiro, a alteração anormal de circunstâncias, ou a violação de deveres de informação posteriores à Medida de Resolução».
Nesta medida, e de acordo com a solução jurídica preconizada pelo tribunal recorrido, os factos alegados ainda que fossem provados, seriam insusceptíveis de alicerçar a responsabilidade do réu, ora apelado.
Não existe, consequentemente, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, ou alguma obscuridade que a torne ininteligível. No seguimento da solução jurídica preconizada para a apreciação do mérito de todos os pedidos formulados, o tribunal recorrido concluiu pela improcedência da acção e absolvição de todos os pedidos.
b.-Nulidade da sentença por omissão de pronúncia na parte em que não conheceu da responsabilidade do B por factos praticados na qualidade de intermediário financeiro custodiante desde 04/08/2014;
A omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença reporta-se «à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada» (entre outros, Acórdão do S.T.J. de 04.06.2019, disponível no sítio do IGFEJ, citando Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª ed., pág. 91). Assim, a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando não abordou uma questão que devia ser conhecida e que não foi prejudicada pela solução dada a outras. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E por «questões», deve entender-se «…as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos pelas partes no esgrimir das teses em presença» (conforme Acórdãos do S.T.J. de 30.10.2003 e de 01.03.2012, disponíveis no sítio da internet citado).
Recorrendo à súmula feita nas contra-alegações, o tribunal recorrido

«(i)-Pronunciou-se quanto à existência de um contrato de intermediação financeira entre o Recorrente e o B, dado como provado no facto provado n. 14 (cfr. p. 11 da Decisão Recorrida);
(ii)-Pronunciou-se quanto à data em que se verificou o início da relação contratual entre o Recorrente e o B (que resulta da referência à transmissão desse contrato por força da Medida de Resolução adotada em 4 de agosto de 2014);
(iii)-Quanto aos atos de confirmação deste contrato, trata-se de matéria que não está controvertida e resulta da prova documental validamente adquirida nos autos;
(iv)-Pronunciou-se, confirmando, a prática de atos de intermediação financeira pelo B após a sua constituição (o depósito dos títulos do Recorrente, cfr. p. 16 da Decisão Recorrida); e
(v)- Pronunciou-se quanto aos eventos alegados na petição inicial posteriores à subscrição das Notes pelo Recorrente, concluindo que não recaía sobre o Novo Banco o dever de os comunicar ao Recorrente (cfr. pp. 23 e 24 e 51 a 52 da Decisão Recorrida), e ainda que não se perceba exatamente a que factos se refere o Recorrente, esta conclusão é verdadeira para todos eles.»
Consequentemente, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, mas quando muito um erro de julgamento. Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, pág. 170 “A contradição entre os fundamentos e a conclusão e, mais ainda, a invocação de alegadas ambiguidades e obscuridades da sentença, não pode servir para justificar a discordância quanto ao decidido.”, situação que se verifica no caso em apreço.
c. Impossibilidade de proferir decisão final em sede de saneador, atenta a matéria controvertida que, sendo dada por provada, e de acordo com uma solução plausível da questão de direito (formulada na PI), poderá levar à condenação da R.;
Sustenta o apelante, nesta parte, que «o processo não dispõe de todos os elementos para que se possa concluir – ou não – pela (ir)responsabilidade do R.:
Desde logo, a confissão ínsita na douta contestação: que o A. é cliente do R. e que os contratos de depósito à ordem e de títulos foram transferidos por efeito da medida de resolução.
E, por força do disposto no art. 312º-E, aplicável ex vi do art. 312º-B, ambos do CVM, há deveres que recaem sobre o intermediário financeiro, independentemente do tipo de contrato de intermediação financeira existente (…)
o A. alega factos que, sendo dados por provados, constituem prática de factos ilícitos pela R. B e não pelo BES.
Sendo, por isso, IRRELEVANTE a transmissão ou não de responsabilidades do BES para o R.!!!».
Conforme já se assinalou, os artigos de petição inicial invocados nas alegações de recurso não são os que se mostram transcritos. Mas de qualquer modo, o tribunal recorrido ponderou o seguinte, a este propósito:

«Suscita o autor a questão de violação de deveres de informação posteriores a tal ato e que, no seu entender, na vigência do Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros.
No que respeita à prestação de informação posterior à decisão de investimento, há então que analisar o previsto nos art.°s 312°C a 312°G do CVM, na redação em vigor à data de subscrição do produto financeiro.
Conforme frisa Paulo Câmara6, "o momento primordial da prestação da informação é o momento anterior à tomada de decisão de investimento", conforme era consagrado no art.° 312°B n°1. Mas impunha ainda o n°4 do mesmo artigo que "[o] intermediário financeiro notifica o cliente, independentemente da natureza deste, com antecedência suficiente, de qualquer alteração significativa na informação prestada ao abrigo dos artigos 312.°-C a 312.°-G, através do mesmo suporte com que foi prestada inicialmente."
É então necessário saber quais as alterações significativas que importam, para o intermediário financeiro, o referido dever de informação. Note-se que as alterações significativas relevantes são sempre em relação à informação prestada ao abrigo do disposto nos aludidos artigos 312°C a 312°G, quando os mesmos sejam aplicáveis.
No que respeita ao previsto no artigo 312°C, é imposto no n°1 qual a informação a prestar pelo intermediário a investidor não qualificado, ou seja:
"a)- A denominação, a natureza e o endereço do intermediário financeiro e os elementos de contacto necessários para que o cliente possa comunicar efetivamente com este;
b)- Os idiomas em que o cliente pode comunicar com o intermediário financeiro e receber deste documentos e outra informação;
c)- Os canais de comunicação a utilizar entre o intermediário financeiro e o cliente, incluindo, se for caso disso, para efeitos de envio e receção de ordens; [1]
b)- Declaração que ateste que o intermediário financeiro está autorizado para a prestação da atividade de intermediação financeira, indicação da data da autorização, com referência à autoridade de supervisão que a concedeu e respetivo endereço de contacto;
c)- Sempre que o intermediário financeiro atue através de um agente vinculado, uma declaração nesse sentido, especificando o Estado membro da União Europeia em que o agente consta de listagem pública;
d)- A natureza, a frequência e a periodicidade dos relatórios sobre o desempenho do serviço a prestar pelo intermediário financeiro ao cliente;
e)- Caso o intermediário financeiro detenha instrumentos financeiros ou dinheiro dos clientes, uma descrição sumária das medidas tomadas para assegurar a sua proteção, nomeadamente informação sintética sobre os sistemas de indemnização aos investidores e de garantia dos depósitos aplicáveis ao intermediário financeiro por força das suas atividades num Estado membro da União Europeia;
f)- Uma descrição, ainda que apresentada sinteticamente, da política em matéria de conflitos de interesses seguida pelo intermediário financeiro, de acordo com o artigo 309.°-A e, se o cliente o solicitar, informação adicional sobre essa política;
g)- A existência e o modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber e a analisar as reclamações dos investidores, bem como indicação da possibilidade de reclamação junto da autoridade de supervisão;
h)- A natureza, os riscos gerais e específicos, designadamente de liquidez, de crédito ou de mercado, e as implicações subjacentes ao serviço que visa prestar, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão do investidor, tendo em conta a natureza do serviço a prestar, o conhecimento e a experiência manifestadas, entregando- lhe um documento que reflita essas informações."

Portanto, e verificando-se, durante a relação de clientela, qualquer alteração significativa relativa aos itens discriminados nas alíneas do art.º 312o C nº1, é o intermediário financeiro obrigado a comunicá-las.
Não é prevista, especificamente, a obrigatoriedade de prestação de informação quanto à performance do instrumento financeiro. Com efeito, os deveres de informação previstos nas alíneas f), g) ou j) terá de ser enquadrado na relação de clientela estabelecida entre banco e cliente, ou seja, no âmbito dos deveres e obrigações acordados entre ambos. Como se viu já supra, entre autor e BES foi apenas acordado o registo e depósito dos títulos, e a eventual prestação de serviços de receção de execução de ordens, mas não já de gestão da carteira de títulos de que o BES e agora Novo Banco são depositários.
Já quanto ao art.° 312°D, vem prever um dever de informação acrescido, e que implica a comunicação do desempenho da carteira de títulos; mas estes deveres acrescidos são apenas exigíveis quando se estabelece, entre o banco e o cliente, um contrato de gestão de carteira, o que não se verifica no caso em análise.
Do exposto resulta que a informação relevante a prestar ao cliente é aquela relativa ao serviço que o intermediário acordou prestar, e em relação a eventos novos que assumam um caráter significativo, isto é, capaz de modificar a “informação anterior e cuja ocorrência possa ter uma repercussão sobre o intermediário financeiro ou o instrumento financeiro, ou sobre os serviços prestados. Assim, a mera valorização ou desvalorização do instrumento financeiro por virtude dos indicadores gerais de mercado não constitui o intermediário financeiro no dever autónomo de informação.”[2].
Conclui-se portanto que, em virtude da relação de clientela e de contrato de depósito de títulos em vigor entre as partes, não se encontrava o ora réu obrigado a comunicar ao cliente e ora autor qualquer alteração na cotação, seja de valorização ou desvalorização, ou eventos que a pudessem determinar, dos títulos de que era depositário.»
O julgamento de mérito ou de fundo no despacho saneador só pode ocorrer quando o processo fornece já os elementos suficientes para que o litígio em causa possa ser decidido com segurança, ou seja, quando não existe prova a produzir quanto a factos essenciais para a apreciação do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
A solução jurídica preconizada pelo tribunal recorrido afasta claramente a necessidade de produzir prova sobre os invocados factos da petição inicial, por ter concluído que estes não integram o elenco dos deveres de informação a que o réu estaria obrigado/adstrito a prestar, no quadro da relação contratual estabelecida, de contrato de depósito de títulos em vigor entre as partes.
Nesta medida, e nas palavras de Abrantes Geraldes (citado pelo apelado), o tribunal não tem a obrigação de seleccionar todos os factos alegados pelas partes, devendo isso sim seleccionar os factos provados que «perante o quadro jurídico em que se fundamenta a acção ou a defesa se apresentam com natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva do direito» (Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 1ª ed. Alm. Coimbra, pág. 64).
Conclui-se, portanto, que a decisão recorrida não padece dos vícios apontados nas conclusões recursórias.

b). Se a decisão recorrida viola o disposto nos arts. VIII e X da DUDH, 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 8º e 20º CRP76, arts. 5º nº 3, 195º nº1, 572º b), 607º nº4, 608º nº2, 615º nº 1 c) e d), 4, 616º b) e 662º nº 2 c) CPC; 7º nº1, 249º, 304º nº2, 304º-A nºs 1 e 2, 311º, 312º nº1, 312º-B nº4, 312º-E 314º nº2, 314º-D nº2, 323º e 328º CVM; 19º da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF); 74º do Decreto-Lei 298/92; 405º, 437º e 799º do Código Civil?
Na situação dos autos, o tipo contratual estabelecido entre o ora apelante e o BES, e posteriormente transmitido ao ora apelado, denominado «Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros» é regulado pelos artigos 291º al. a) e 343º do C.V.M. O Banco Espírito Santo assumiu o papel de entidade comercializadora no âmbito do processo de aquisição do produto financeiro pelo ora apelante, um valor mobiliário com a designação comercial «5Y CLN PT», e referido nos articulados como «NOTES». Os fundos investidos seriam reembolsados pela entidade emitente – a Espírito Santo Investment, plc, nos termos e condições fixados, abrangendo o capital investido e a remuneração acordada (juro). A Portugal Telecom International Finance BV figura como a entidade de referência, que iria determinar se e em que moldes se venceriam as obrigações de pagamento pela entidade emitente, e relativamente à qual ocorreu um «evento de crédito» por insolvência, que foi comunicado em 6.07.2016 pelo Haitong Investment Ireland, ocasionando o reembolso antecipado do produto, com o consequente reembolso de 9.000 EUR ao autor, que tinha investido o valor nominal global de 100.000 euros.
1.– O apelante começa por discordar do enquadramento jurídico quanto à apreciação dos factos praticados após a resolução do BES pelo Banco de Portugal e a constituição do B, de 03.08.2014, que são suscetíveis de responsabilizar o ora apelado por violação dos deveres de informação.
Estão em causa os deveres de informação «pós-contratual», ou sucessiva, na designação utilizada por Gonçalo Castilho dos Santos: «Encontramos um conjunto de informações que devem ser disponibilizadas pelo intermediário financeiro no âmbito da execução contratual – portanto, informação sucessiva. Trata-se se deveres acessórios de informação que, pela sua natureza, visam permitir a satisfação do interesse do credor (cliente) e assegurar a inexistência de dano. Especificamente, reconduz-se a informação de índole operacional, no sentido que traduzem vicissitudes decorrentes do funcionamento dos sistemas e mercados. A esse propósito, atente-se nos exemplos do intermediário financeiro registador de valores mobiliários escriturais que deve prestar as informações que lhe sejam solicitadas pelos titulares dos valores mobiliários, bem como, independentemente dessa solicitação, extratos das contas e elementos necessários para o atempado cumprimento das obrigações fiscais; ou do intermediário financeiro que deve informar o cliente com quem tenha celebra um contrato de intermediação financeira acerca da execução dos resultados das operações que efetue por conta deste.» (A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, pág. 140).
Similarmente, José Engrácia Antunes aborda estes deveres informativos mínimos relativos aos serviços de intermediação efectivamente prestados, durante a fase da execução do contrato, e que são aplicáveis aos vários tipos de contratos, não sendo de excluir «que alguns desses deveres informativos pós-contratuais possam corresponder a autónomos deveres secundários de prestação cuja violação seja igualmente fonte autónoma de responsabilidade civil para o intermediário (sobretudo, aqueles que visam informar o cliente das vicissitudes e dos resultados das suas operações de investimento, por forma a permitir-lhe tomar atempadamente eventuais decisões de desinvestimento» («Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, - Alguns Aspetos», in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, 2017, p.39).
No caso do contrato estabelecido nos autos, afigura-se que o então BES não foi incumbido das obrigações inerentes ao denominado «depósito de administração», em que, para além do depósito, o intermediário pode subscrever e adquirir novos instrumentos financeiros, gerir a tesouraria e garantias, entre outros, à semelhança do enquadramento feito no recente Acórdão desta Relação, de 08.01.2019 (disponível no sítio da internet do IGFEJ). Na verdade, «podemos encontrar duas modalidades distintas: depósito de simples custódia e depósito de administração. O primeiro consiste na simples guarda dos instrumentos financeiros depositados e na cobrança dos respectivos rendimentos – art.405 C. Com. e art. 1187º, al. c) do C.C. Existe assim uma obrigatoriedade do intermediário em manter o registo e depósito dos instrumentos e valores por conta do titular até este último exigir a sua restituição» (acórdão citado).
Os deveres associados a este tipo contratual estão elencados nas obrigações de carácter geral bem como nas obrigações de carácter especial presentes no artigo 306º-A, nº 1 do C.V.M. Relativamente ao núcleo de deveres de informação pós-contratual, ou deveres autónomos acessórios de informação durante a execução do contrato, no caso imputáveis ao réu e ora apelado, encontram-se contemplados nos artigos 312º-C e seguintes, que são citados na decisão recorrida.
Tendo presente as características do contrato estabelecido, acompanha-se a solução jurídica preconizada pelo tribunal recorrido, e pelos mesmos fundamentos. Com efeito, os eventos alegados na petição inicial posteriores à subscrição das Notes pelo Recorrente – artigos 192º e seguintes – dizem respeito à (i) alteração do garante das emissões PTIF para a Oi, (ii) alteração do risco após a PTIF ter passado a ser detida pela Oi e (iii) alteração dos fundamentos que justificaram a decisão de investimento após a PTIF ter passado a ser detida pela Oi. Estão em causa vicissitudes atinentes a eventuais factores de desvalorização, que não constituem alteração determinante nas características, factos ou pressupostos do produto subscrito, e, por esse motivo, não se mostram abrangidas pela obrigatoriedade de comunicação, durante a execução do contrato, nos termos estabelecidos no artigo 312º C do C.V.M.
2.– De seguida, o apelante defende que a decisão recorrida fez uma análise errada quanto à transmissão das responsabilidades decorrentes da subscrição das «Notes».

Os argumentos são os seguintes:
«O conselho de administração do Banco de Portugal deliberou a 29 de dezembro de 2015 “clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES.
Assim, e analisando-se tal esclarecimento, entendemos ser relevante chamar à atenção para a seguinte passagem:
“fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais)”
Salvo o devido respeito por diferente opinião, entendemos que a frase entre parêntesis visa esclarecer e aprofundar os passivos ou elementos extrapatrimoniais que estão excluídos da não transferência do BES para o Novo Banco.
E tal frase abarca duas situações:
a)-Responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente, o que não se aplica ao presente processo, pois a ação foi interposta após a resolução do BES;
b)- Responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, o que, em nossa opinião, assume alguma importância nos presentes autos.
Isto porque existiu uma alteração na construção frásica da hipótese prevista na anterior alínea b), quando comparadas a Resolução de 03/08/2014 e a clarificação de 29/12/2015.
Assim, enquanto na Deliberação de 03/08/2014, a expressão contida na subalínea (v) da alínea b) do anexo 2 era:
Na Deliberação de 11/08/2014, tal expressão passou a ter a seguinte redação:
Portanto, verifica-se que enquanto a deliberação de 03/08/2014 englobava o dolo, a deliberação de 11/08/2014 passou a excluir o dolo.
Assim, em termos práticos, uma responsabilidade decorrente de dolo constituía, na deliberação de 03/08, passivo excluído, sendo que na deliberação de 11/08, não constaria do passivo excluído.
Não constando do passivo excluído, constituiria passivo incluído na transferência de passivo para o B.»
A este propósito, é adequado transcrever a súmula feita nas contra-alegações de recurso:
«36.– Logo na deliberação de 3 de agosto de 2014, no seu anexo 2, o Banco de Portugal definiu o perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos transferidos para o banco de transição (o Novo Banco) constituído nesse mesmo dia e aqueles que se mantinham no Banco Espírito Santo, prevendo-se, no que ao caso importa, o seguinte:
(b)-As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
(...)
(v)- Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais; (…)
(…)
A subalínea (v) da referida deliberação é clara quanto à exclusão do perímetro de responsabilidades transferidas das responsabilidades associadas à violação das disposições regulatórias, nomeadamente das normas referentes à atividade de intermediação financeira desenvolvida pelo Banco Espírito Santo.
(…)
37.- Mais tarde, em 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal viria a emitir três novas deliberações referentes à resolução do Banco Espírito Santo, entre as quais as denominadas deliberações "Contingências" e “Perímetro”,
A deliberação “Contingências” visava, entre outros, clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do Banco Espírito Santo e nessa deliberação esclareceu o Banco de Portugal que “considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo B e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES(cfr. considerando 7,)
(…)
Em especial, deliberou o Banco de Portugal “[c]larificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES”).
(…)
A centralidade deste aspeto no regime de resolução é tal que o Banco de Portugal realça na deliberação “Contingências” que, se a seleção dos ativos e passivos transferidos para o Novo Banco que foi efetuada pelo Banco de Portugal não for adequadamente reconhecida (mormente pelos Tribunais portugueses), “pode ficar comprometida a execução e eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.”
(…)
Foi neste contexto que o Banco de Portugal esclareceu também que as responsabilidades objeto de 337 processos judiciais pendentes à data nos tribunais portugueses se encontravam excluídas do perímetro de passivos transmitidos para o B, incluindo processos iniciados após 3 de agosto de 2014, relativos a factos anteriores à adoção da Medida de Resolução
(…)
38.– Por outro lado, na deliberação “Perímetro”, da mesma data, o Banco de Portugal, no que para o caso dos autos interessa, clarificou a subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Medida de Resolução, na redação que lhe havia sido dada pela deliberação de 11 de agosto a que se aludiu, para passar a prever o seguinte:
As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
(...)
(vii)- "Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais), anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente comprovadas nos arquivos do BES em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas."
(…)
Com esta deliberação pretendeu o Banco de Portugal clarificar, uma vez mais, o perímetro dos ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo para o B, alterando a Medida de Resolução de 3 de agosto para passar a refletir essas clarificações, tendo também em consideração a deliberação “Contingências”, e alargou o escopo das responsabilidades e contingências referentes à atividade de comercialização de instrumentos de dívida expressamente consagradas na lista dos passivos excluídos – que até então diziam respeito apenas aos instrumentos de dívida emitidos pelo Grupo Espírito Santo – para passar a abranger as responsabilidades emergentes da comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos dívida emitidos por quaisquer entidades, dissipando, assim, quaisquer dúvidas que pudessem subsistir quanto à exclusão destas responsabilidades do perímetro de passivos transferidos nos termos da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto.»
Consequentemente, a interpretação defendida nas alegações de recurso é inteiramente afastada quer pelo sentido e objetivo da Medida de Resolução, como pelas deliberações posteriores, denominadas deliberação «Contingências» e deliberação «Perímetro», mediante as quais o Banco de Portugal quis clarificar a não transferência para o B de passivos e outras responsabilidades associadas ao incumprimento de normas regulatórias relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida e a atividade de intermediação financeira. A jurisprudência tem sido praticamente uniforme a este respeito, como se alcança pelo Acórdão citado pelo apelado, do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.2017 (proferido no âmbito do processo Nº 3499/16.0T8VIS.S1), e ainda, entre outros, os Acórdãos de 26.09.2017, de 13.3.2018 e de 25.10.2018 (disponíveis no sítio do IGFEJ).
As questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo apelante têm sido igualmente objecto de tratamento na jurisprudência recente da Relação de Lisboa (disponível no sítio citado), a que se adere na íntegra.
No Acórdão de 07.03.2017, é assinalado que «uma coisa é a promoção do acesso de todas as pessoas à propriedade, outra o acesso de todos a todos os bens ou a qualquer extensão de bens, assim como uma coisa é o acesso à propriedade e o direito de transmissão de bens em vida ou por morte, outra a não dependência dessa transmissão de quaisquer regras ou de quaisquer condições ou a não consideração na formulação das regras de outros interesses e valores. Quando o artigo 62º garante o direito à propriedade privada “nos termos da Constituição” quer sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limitese nos termosprevistos e definidos noutros lugares do texto constitucional.»
Tal como se refere no Acórdão desta Relação de 08.06.2017: “Não nos situamos, rigorosamente, atenta a natureza dos investimentos realizados, perante situação diretamente subsumível ao disposto no art. 101.º da Constituição da República Portuguesa que dispõe, sob a epígrafe «Sistema financeiro»: «O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social». (…) Não nos encontramos diante de uma situação de remoção de propriedade privada sem contrapartidas e em função de um interesse público, associável às pretendidas expropriação ou confisco sem compensação. O que temos é, antes, consequências do exercício de funções de regulação através da assunção de opções que sempre podem ser atacadas perante a jurisdição administrativa e que visaram (com adequação ou sem ela, nos termos a ponderar perante essa jurisdição) repor equilíbrios, evitar o contágio da negatividade financeira e das imparidades, blindar o restante tecido social face à desagregação interna de uma das instituições de crédito nacionais e não impor ao conjunto dos cidadãos o desbaratar e a alienação de recursos preciosos e escassos para custear os riscos de atividades e decisões alheias, sempre sem prejuízo dos princípios da solidariedade e da coesão social. (…) Não estamos, à míngua de outros elementos, perante vera questão de constitucionalidade não se encontrando em causa, de forma direta, o direito à propriedade privada garantido pelo artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa».
No mesmo sentido, se realça no Acórdão de 06.07.2017, igualmente da Relação de Lisboa: «Ora, face aos elementos invocados na deliberação de 03.8.2014, cuja ocorrência não foi seriamente questionada no processo, à data da intervenção do Banco de Portugal o BES encontrava-se em situação de falência iminente, apresentando prejuízos exorbitantes e estando à beira de falhar mesmo a satisfação dos seus compromissos imediatos. Tal situação, se fosse deixada ao livre curso das regras de mercado, e atendendo ao peso do BES no mercado de financiamento nacional, desencadearia um efeito em cadeia que agravaria drasticamente os prejuízos da economia do país, sem qualquer ganho relevante para os credores do BES.
Acresce, de todo o modo, e como se mencionou supra, que ficou prevista uma cláusula de salvaguarda, qual seja a de que os credores não deverão receber menos do que o que receberiam se o
BES tivesse entrado em liquidação “normal”, à data da aplicação da medida de resolução (n.º 3 do art.º 145.º-B, na redação introduzida pelo Dec. Lei n.º 114-A/2014, de 01.8; art.º 145.º-D, n.º 1, alínea c), na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015).
Entrada em liquidação essa que seria, como se disse, a alternativa à medida tomada, sendo certo que a medida que se tomou foi, tão só, um meio de se proceder à dissolução e liquidação do
BES de forma ordenada, com menores efeitos sistémicos e consequentes prejuízos para a comunidade (…).
O que, dada a aludida salvaguarda prevista para os credores (não havendo razão para, contrariamente ao aventado pelo A. na apelação (…) crer que o Fundo de Resolução não estará em condições de honrar esse encargo, se e quando for chamado a cumpri-lo), garante, cremos, a conformidade das aludidas normas legais e da forma como estas foram interpretadas pelas ditas deliberações do Banco de Portugal e pela sentença recorrida, com as invocadas exigências constitucionais e da Carta dos Direitos Fundamentais, por nelas se vazar uma necessária, adequada e proporcional ponderação dos interesses em presença, quais são os interesses individuais dos credores, como o A., à luz do art.º 62.º da CRP, e os da comunidade em geral, em particular, como realça a 2.ª R., os da estabilidade do sistema financeiro, cuja relevância é evidenciada no art.º 101.º da C.R.P.»

3.– Finalmente, no último segmento das alegações, o apelante pugna pela aplicação do regime previsto no artigo 122º do C.S.C. à medida de resolução.
É pertinente citar a apreciação feita no recente Acórdão desta Relação de Lisboa, de 8.01.2019 (já citado), e a que se adere na íntegra:
«A cisão de sociedade “constitui um instrumento jurídico de reorganização e reestruturação societária que opera uma divisão da sociedade em duas ou mais sociedades, sendo nesse medida uma forma de desconcentração da empresa social originária. (…) Constituem elementos definidores do conceito (amplo) de cisão a divisão e transmissão de parte (cisão parcial) ou da totalidade (cisão total) do património de uma sociedade (cindida) a uma ou várias sociedades beneficiárias, incorporantes ou constituídas em resultado da própria operação, e a integração dos sócios da sociedade cindida nas sociedades beneficiárias, mediante a atribuição de participações sociais correspondentes à transmissão patrimonial efetuada.» - AA.VV., Código das Sociedades Comerciais em Comentário, II Vol., Almedina, 2011, p. 406.
Pelo contrário, a medida de resolução bancária consiste na reestruturação de uma instituição de modo a garantir a continuidade das suas funções essenciais, preservar a estabilidade financeira e repor a viabilidade da totalidade ou de parte dessa mesma instituição, podendo as medidas de resolução ser de dois tipos: alienação (total ou parcial) da atividade de uma instituição que se encontrem em dificuldades a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade transferida; constituição de um (ou mais) banco e transferência (total ou parcial) do património da instituição que se encontre em dificuldades para esse banco de transição – cf. Pedro Lobo Xavier, “Das Medidas de Resolução de Instituição de Crédito em Portugal – Análise do Regime dos Bancos de Transição”, in Revista da Concorrência e Regulação, Ano V, nº 18, abril-junho 2014, pp. 164-165.
Como se vê, a cisão societária do direito comercial e a medida de resolução não são sobreponíveis, tratando-se de realidades distintas. Sendo o capital do N… Banco detido pelo Fundo de Resolução (cf. Artigo 4º dos Estatutos do N… Banco, anexos à Deliberação de 3.8.2014), não ocorre um requisito essencial da cisão, qual seja o da integração dos anteriores acionistas na nova sociedade. Tanto basta para demonstrar que a figura bancária da resolução adotada pelo Banco de Portugal nada tem a ver com a cisão societária do Código das Sociedades Comerciais


Nesta sequência, é de entender que as conclusões recursórias não merecem qualquer acolhimento.
*

DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.


Custas da apelação a cargo do apelante, por força do decaimento, nos termos do artigo 527º nº 1 e nº 2 do C.P.C.



Lisboa, 24.10.2019



Ana Paula Albarran Carvalho
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela Fátima Marques


[1]Ob. cit. p. 713
[2]Paulo Câmara, ob, cit., p.714