Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2923/16.6T8BRR.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
RESPOSTAS AOS QUESITOS
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Sumário: I – É de anular a sentença e de se ordenar a repetição da junta médica realizada à pessoa da sinistrada, quando perante as queixas desta e o teor dos respectivos exames médicos constantes dos autos, seja de ponderar a existência de lesão ou de doença anterior ao acidente de trabalho e de se encontrar a mesma afectada com IPATH.
II – A junta médica deverá responder fundamentadamente aos quesitos formulados e assim habilitar o tribunal a proferir uma decisão justa e conscienciosa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
1. 1. Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho em que figuram como autora, AAA e como ré a BBB, ambas com os sinais dos autos, veio aquela reclamar das respostas aos quesitos apresentadas pelos peritos que intervieram na junta médica, nos seguintes termos:
 A) RESPOSTA AOS QUESITOS FORMULADOS PELA SINISTRADA:
1. Efectuou a sinistrada exames complementares de diagnóstico mormente ressonância magnética ao ombro por forma a aferir da real patologia e o estado nomeadamente dos tendões e coifa dos rotadores em consequência do sinistro?
2. Em caso negativo em que meio complementar de diagnóstico se baseou a Sra. Perita para atribuir a incapacidade de 2%?
3. Qual o exame que permite concluir com certeza as lesões e consequente incapacidade de que a autora padece?
4.Não existindo meios complementares de diagnóstico como se pode aferir o grau de incapacidade?
5.Tem ou não a sinistrada dores fortes no ombro que lhe dificultam a mobilidade do braço e mão?
6.Tem dores no joelho que a impedem de estar muitas horas de pé?
7.Tais perturbações são sequelas provocadas pelo acidente sofrido?
8.O exercício pela autora da sua profissão como auxiliar de limpeza e consequente manuseamento de materiais pesados é susceptível de agravar a incapacidade de que sofre?
9.Pode a autora continuar a desenvolver as funções atinentes à sua profissão de empregada de limpeza?
10.Perante a resposta afirmativa ao quesito anterior qual o grau de incapacidade para o trabalho?
B) Seja dada resposta clara aos quesitos em termos objectivos e materiais, a fim de se verificar se existe uma IPATH.
Face ao exposto requer-se a V.ª Ex.ª que ordene:
- Pedido de esclarecimentos aos senhores peritos.
-  Realização de exames complementares para averiguação sobre se a sinistrada sofre de IPATH.
- Resposta aos quesitos formulados pela sinistrada.
Por despacho de fls. 141 a 142 verso, foi indeferido o requerido.
1.2. Inconformada com tal decisão dela recorre a autora, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
I - A sinistrada sofreu um acidente de trabalho em 28.06.2016.
II - Foi submetida a exame médico foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente de 2%.
III - Não se conformando com o resultado veio a sinistrada requerer exame por Junta Médica, e elaborou quesitos.
IV - Realizada a perícia foi-lhe de novo atribuída uma IPP de 2% .
V - Os senhores peritos não responderam aos quesitos por si formulados.
VI - Os senhores peritos não fundamentaram a resposta aos quesitos formulados pelo Tribunal.
VII – Respondendo simplesmente : Resposta aos Quesitos de folhas 122 do processo. 1 – Raquialgia residual 2 – Ver quadro anexo 3- IPP de 2% sem IPATH.” VIII – Razão pela qual, a sinistrada apresentou reclamação do laudo/relatório pericial pedindo esclarecimentos e requerendo exames complementares.
IX - O Mm Juiz. proferiu despacho a indeferir a reclamação apresentada ao laudo dizendo que os Senhores peritos não tinham que responder aos quesitos apresentados pela Recorrente.
X- Entendeu ainda, o MM juiz, que não deviam ser realizados exames complementes para averiguação sobre se a sinistrada sofre de IPTAH.
XI - Fundamentou a sua decisão, com os seguintes argumentos:
“ Poderá não estar capaz de realizar as tarefas que realizava, mas tal facto não resulta das sequelas do acidente, mas da sua condição física que, uma vez mais, reiteramos, não sofreu agravamento com o acidente” .
XII - “A sinistrada é obesa e apresenta uma distrofia lipomatosa (tem grandes bolsas de gordura dispersas) dos membros inferiores. Tudo isto influencia a sua mobilidade e o excesso de peso sobre o corpo não deixa de ser, ele mesmo, um factor causador de dor”.
XIII - “Importa, assim, de uma vez por todas que a sinistrada tome consciência deste facto, ao invés de adoptar uma postura que não tem reflexo na realidade: e que é a de encontrar no acidente a causa de todos os seus males.”
XIV - Não pode a sinistrada concordar com esta conclusão e decisão.
XV - A sinistrada não tinha problemas de saúde antes do acidente.
XVI - O IEFP pronunciou-se no sentido de existir no caso concreto IPTAH.
XVII - É certo, que aprova é livremente apreciada pelo Juiz, tendo este a ultima palavra e decidindo de acordo com a sua convicção face à prova.
XVIII - Porém, entendemos, que no caso concreto este deveria para poder decidir em conformidade ter aceite a reclamação e ordenado a fundamentação do relatório medico.
XIX – Entendemos que a MM Juiz deveria ter deferido o pedido de realização de exames complementares para melhor esclarecimento e justa decisão.
XX - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, não fundamentou convenientemente a razão de ser da sua opção, uma vez que se estribou num relatório médico obscuro e não fundamentado.
XXI - As respostas dos Senhores Peritos intervenientes na junta médica, que fixaram a incapacidade da sinistrada em 2%, apresentam-se insuficientes, e obscuras.
XXII - E, por consequência, a fundamentação do Tribunal recorrido na sentença também se mostra insuficiente e obscura ao remeter para as conclusões da junta médica.
XXIII – A prova pericial e documental deveria ter sido promovida oficiosamente pelo Tribunal e /ou deferida no âmbito do requerimento feito pela sinistrada, sempre seria indiciadora de sentido diverso daquele que foi plasmado na sentença
XXIV - Face aos que supra expomos, o referido despacho que indefere o requerido pela sinistrada é nulo por violação do artigo 485.°, n.° 2 e 3 e 195.°, n.°1 do CPC, ex vi art.° 1.°, n.° 2 a), do CPT, porquanto omite a prática de um ato processual prescrito na lei (art.° 485.°, n.° 2 e 3 do CPC)
XXV - Entendemos, que o despacho é nulo porque assenta em matéria obscura e não esclarecida por parte dos Senhores Peritos nas respostas no relatório pericial, tendo em conta que desconsideraram documentação relevante e os quesitos formulados pela sinistrada que não responderam.
XXVI - A prestação dos esclarecimentos pelos Sr. Peritos nos termos requeridos pela sinistrada é uma diligência susceptível de influir no exame ou decisão da causa (art.° 195.°, n.° 1 do CPC), nulidade que expressamente se argui nos termos do art.° 77.° do CPT.
XXVII - Entende a Sinistrada Recorrente que os senhores peritos deverão responder aos quesitos formulados clarificando o auto de junta médica nos termos requeridos.
XXVIII - Em síntese e não se apresentando o laudo pericial, emitido pela junta médica fundamentado de modo coerente e concretizado, no que respeita à questão da determinação e fixação da incapacidade, que se mostra afectada a sinistrada, ora recorrente, pelas razões expostas também a sentença se apresenta, nessa parte, deficiente, o que se requer seja declarado.
XXVIX - Assim, devem todas as nulidades do despacho recorrido acima arguidas, nos termos e pelos fundamentos alegados, devem ser conhecidas e declaradas, e o mesmo ser dado sem efeito, anulando-se todo o processado posterior, com as legais consequências. Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação emitiu douto parecer no sentido de se determinar que os senhores peritos fundamentem devidamente as suas respostas, devendo proceder o recurso.
1.5. Não foi apresentada resposta ao dito parecer.
1.6. O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e das não apreciadas pela solução dadas a outras, ainda não decididas com trânsito em julgado - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil. Assim, as questões a apreciar no âmbito do presente recurso, consistem em saber se o despacho recorrido é nulo e se o laudo da junta médica se não encontra devidamente fundamentado.
3. Fundamentação de facto
1. A matéria de facto provada é a resultante do antecedente relatório
E a que segue:
2. Por despacho de fls. 122, a Mma. Juíza consignou o seguinte:
“1. Objecto da perícia:
2. Quais as sequelas das lesões sofridas no acidente de que a sinistrada é portadora?
3 Qual o seu enquadramento na TNI?
4. Qual a natureza e grau de desvalorização que lhes corresponde?”
2. Na junta médica os senhores peritos pronunciaram-se nos seguintes termos:
“ A junta médica por maioria, perito do sinistrado, e do Tribunal atribui IPP de 2%.
Resposta aos Quesitos de folhas 122 do processo.
1 – Raquialgia residual
2 – Ver quadro anexo
3-  IPP de 2% sem IPATH.”
3. O IEFP emitiu o relatório de fls. 124 a 128, onde fez constar, nomeadamente, o seguinte:
“ (…) Atendendo às principais exigências requeridas de forma persistente para o desempenho profissional das tarefas fundamentais do posto de trabalho de auxiliar de limpeza na empresa (…), nomeadamente a mobilização e força dinâmica de ambos os membros inferiores (manter postura ortostática durante várias horas; puxar/empurrar pesos superiores a 30kg; transportar pesos que podem ascender a 5kg) assim como a mobilização da coluna vertebral (flexões frontais e torsões dorso-lombares) parecem ser dificilmente compatíveis com as limitações funcionais que a Sra. AAA parece apresentar actualmente.
4. Avaliamos também de muita restrita a possibilidade de enquadrar a reintegração profissional da Sra. AAA em profissões compatíveis com as suas habilitações e principais competências profissionais – auxiliar de limpeza; ajudante de cozinha e vendedora de peixe – atendendo  a que, no geral, estas se revelam exigentes no que respeita à mobilidade e força dinâmica de ambos os membros inferiores e coluna vertebral”.
4. Fundamentação de Direito
4. 1.  Da nulidade do despacho recorrido
Sustenta a recorrente que o despacho recorrido é nulo por violação do preceituado no art.º 485.º n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” do art.º 1.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho por ter omitido acto processual previsto na lei.
Adianta-se, desde já, não assistir razão à sinistrada quanto a este aspecto.
Com efeito, tendo em conta factualidade provada, verifica-se que a sinistrada reclamou das respostas aos quesitos apresentados pelos peritos que intervieram na junta médica, arguindo a sua deficiência e obscuridade.
Sucede que sobre tal reclamação se pronunciou a Mma. Juíza no despacho recorrido, no sentido do seu indeferimento, nos termos que acima se deixaram assinalados.
Assim, e em resumo, a sinistrada foi notificada do relatório pericial em causa, apresentou a sua reclamação quanto ao mesmo; reclamação esta que foi desatendida. Perante este quadro, é de concluir ter sido observado o preceituado na lei (“A apresentação do relatório pericial é notificada às partes. Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações. Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado” - art.º 485.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPC), não se mostrando preterida qualquer formalidade susceptível de invalidar o dito despacho (art.º 195.º do CPC). Improcedendo, por conseguinte, a presente questão.
4.2. Da insuficiente fundamentação do laudo pericial
Sustenta ainda a recorrente que o laudo da junta médica se não mostra fundamentado de modo coerente e concretizado no que respeita à questão da determinação e fixação da incapacidade da sinistrada.
Na junta médica (fls. 132 a 133), os Senhores Peritos concluíram estar a sinistrada afectada com uma IPP de 2%, correspondente ao Cap. I 1.1.1B) da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI).
Como é sabido, a junta médica, enquanto exame médico, está sujeita ao “princípio da livre apreciação” pelo tribunal (art.º 389.º do Código Civil e 489.º do CPC), podendo dela o julgador divergir, fazendo-o com prudência, segundo a sua experiência, e o seu bom senso, em liberdade, e sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais (a livre apreciação não se confunde com arbitrariedade) (Ac. do STJ de 30-12-1997, in BMJ 271, pág. 185).
Efectivamente, o “exame por junta médica previsto no art.º 139.º do CPT, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no CPC disciplinam este meio de prova.
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º  388.º do Código Civil  “a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem" ou quando os factos "relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem" Alberto dos Reis, “Código do Processo Civil Anotado” Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pág. 171.
Pese embora o perito disponha e conhecimentos especiais que o julgador não possui, a sua função é a de "auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos", não impedindo tal que seja "um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova". Antunes Varela, J Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 578.
Pelo que, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal (art.º 389.º do CC e 655.º do CPC).
Como defendem aqueles autores "apesar da resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente arbítrio dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso de frequente divergência entre os peritos"
A aplicação do princípio da livre apreciação da prova à prova pericial, foi igualmente objecto de exaustiva apreciação por parte do Professor Alberto dos Reis, para concluir  (...) "Certo é que, em qualquer caso, é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade” (Ac. do TRL de  05.06.2013, proc. 60112.1TTBRR.Ll). Itálicos e sublinhados nossos.
Em linha com o aludido princípio da livre apreciação, pode o julgador  se o considerar necessário, “determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos” (art.º 139.º n.º 7 do CPT), bem como, solicitar parecer prévio de peritos especializados, quando estiver em causa uma situação de eventual IPATH (Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico Anotado", 2.a Edição, Almedina, Fevereiro de 2000, pág. 96 e o Ac.  do TRE de 21-09-2004, CJ, Tomo IV, pág. 267).
“ (…) quer adira ou quer se desvie, precisamente por caber ao Juiz decidir na sua livre convicção, é-lhe sempre exigido que deixe expressa a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz, ainda que com diferentes níveis de exigência, dependentes, desde logo, quer da natureza da questão de facto  objecto da perícia quer da clareza e suficiência da fundamentação do relatório pericial”  (Ac. do TRP de 7-10-2019, proc. 11684/17.0T8PRT.P1, www.dgsi.pt).
Posto isto, retornemos ao caso em apreço.
Está em causa apurar o grau de incapacidade de que sofre a sinistrada decorrente do acidente de trabalho de que foi vítima em 28-06-2016. Entendeu a junta médica, por maioria, e como já dito, que desse acidente resultou “raquialgia residual”, tendo-lhe sido fixada a IPP de 2% (à semelhança do que fora considerado no exame singular (fls. 34), sem IPATH.
A perita médica da seguradora, por seu turno, manteve ACSD, “pois do acidente sofrido resultou apenas sintomatologia álgica transitória, não havendo documentada nos exames complementares realizados qualquer lesão traumática que possa ter resultado do acidente e deixar sequelas, ou passível de agravar estado prévio”.
A sinistrada relatou, contudo, aos peritos que intervieram na junta médica que começou a queixar-se da coluna vertebral dois ou três dias após o acidente, mas que nunca foram tidas em conta. Referiu ainda “não mais ter voltado a retomar a sua actividade profissional”, “usa colar cervical e que “para as dores usa Voltaren”.
Mais consta do relatório da junta médica que:
“Actualmente refere dores no joelho direito, com irradiação à coxa e anca, o joelho direito “incha” e tem menos força no membro inferior direito.
Refere dores na coluna cervical e lombar.
Apresenta dor à palpação da coluna lombar, do coccige e do joelho direito.
Apresenta mobilidade da coluna cervical, dorso lombar e dos membros superiores e inferiores simétricos dentro dos limites normais para a idade e biótipo (obesa).
Sem atrofia muscular da cintura escapular esquerda.
Sem choque da rótula, sem instabilidade e testes meniscais negativos do joelho direito. Lasegue negativo. Força aparentemente mantida em todos os membros.
Edema pretibial bilateral. Distrofia lipomatosa nos membros inferiores.
Marcha sem claudicação, nem apoios”.
Ora, pese embora os exames médicos realizados à pessoa da sinistrada constantes do autos, no geral, não contrariem a observação feita àquela na aludida junta médica, e não obstante a obesidade da mesma, não pode, naturalmente, deixar de atentar-se nas queixas que a sinistrada apresenta e de se ter em consideração o que consta do exame ao “joelho direito” (fls. 27) onde se refere a existência de “pequena lâmina intra-articular”, e que “notamos no tecido lipomatoso anterior à extremidade distal do tendão rotuliano, pequena colecção liquida heterógenea, com 31 mm, por provável bursite pré-patelar”, devendo também ter-se em atenção o constante no exame médico radiológico ao “ombro direito” (fls. 41), onde se consignou “alteração degenerativa de acrómio-clavicular traduzida por esclerose dos contornos de diminuição da interlinha”, e ainda o escrito no relatório da ecografia do “ombro esquerdo” (fls.42), onde se refere “alteração degenerativa da acrómio-clavicular traduzida por esclerose dos contornos e edema da cápsula provocando diminuição do espaço sub-acromial com síndrome de Impingement”.
Analisando os ditos exames, constata-se, pois, que os mesmos não deixam de apontar no sentido da (possível) existência de lesão ou doença anterior ao acidente.  O que traz à colação o preceituado no art.º 11.º, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro. Com efeito, como aí se refere, “A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação, salvo quando tiver sido ocultada” (n.º 1). “Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei” (n.º2).
Como vem sendo entendido, a predisposição patológica (…) é “uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, num prazo mais ou menos longo e segundo graus de vária intensidade, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão (Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Almedina, 2.ª Edição, pág. 69). Para além disso, nos casos referidos nos nºs. 1 e 2 da Base VIII da Lei n.º. 2127 de 3 de Agosto de 1965 (referente à questão da predisposição patológica), em que subsiste a obrigação reparadora a cargo da entidade responsável apesar de estar praticamente diluído o nexo de causa-efeito entre o acidente e o resultado danoso, são aqueles em que há uma anormalidade no organismo humano que torna o indivíduo propenso para certas doenças ou agravamento de outras sob a influência de uma causa ocasional, ou em que há lesão ou doença anteriores que o acidente agravou ou que agravaram elas próprias a lesão consecutiva ao acidente (Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”,  Petrony  2.ª Edição, pág. 26). Sobre a referida temática se pronunciaram também os Acórdãos do TRC de 1-06-2006, proc. 478/06, do TRP de 19-04-2010, proc. 355/07.6TUPRT, do TRL de 19-11-2014, proc. 3512/06.9TTLSB.L1-4; do TRP de 22-10-2007, proc. 0712131, do STJ de 28-01-2004, proc. 3405/03, de 10-12-2008, proc. 1899/04-4.ª, de 2-06-2010, proc. 117/05.5TUBRG.P1.S1 e de 19-02-2013, proc. 118/10.1TTLMG.P1.S1, todos em www.dgsi.pt.
Deste modo, não estando em causa o disposto no n.º 1, nem na parte final do n.º 2  do citado art.º 11.º, importa  que a junta médica avalie a sinistrada em consonância e em conformidade com o prescrito legalmente, ou que explicite as razões de tal previsão no presente caso se não verificar. Isto é, deverá a junta médica pronunciar-se no sentido da existência (ou não) de doença anterior sofrida pela sinistrada, desencadeadora da aplicação do disposto no citado dispositivo legal. 
Acresce ainda, consoante supra referido, que o relatório do IEFP, aponta no sentido, de que as “principais exigências requeridas de forma persistente para o desempenho profissional das tarefas fundamentais do posto de trabalho de auxiliar de limpeza (…) serem “dificilmente compatíveis com as limitações funcionais” que da autora presentemente aponta e de ser muita restrita a possibilidade de reintegração  profissional da autora em profissões compatíveis atenta as suas habilitações e competências profissionais”. Relatório este a implicar se pondere a existência de IPATH (ou o seu afastamento em termos fundamentados), sendo certo que em tal situação se deverá ter em consideração a capacidade funcional residual para outra profissão ou actividade compatível, sendo de ponderar a possibilidade do exercício de outra profissão compatível com a incapacidade da sinistrada, o que dependerá, nomeadamente, das suas habilitações profissionais e escolares, idade, e do próprio mercado de emprego (Ac. do STJ de 30-11-2002, CJ STJ Tomo III, pág. 263 e Vítor Ribeiro, “Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho”, Rei dos Livros pág. 96). Impondo-se ainda eventualmente a ponderação da aplicabilidade do disposto na alínea a), do n.º 5 das Instruções da TNI, “ se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”. Matérias essas, sobre as quais a junta médica não se pronunciou devidamente, tendo-se limitado a concluir, secamente, “sem IPATH”.
Carece, pois a junta médica de, expressamente, se pronunciar sobre os apontados aspectos, solicitando, se for o caso, outros exames ou meios complementares de diagnóstico, a fim de objectiva, completa e fundamentadamente, responder aos quesitos formulados e assim habilitar o tribunal a proferir justa e conscienciosa decisão.
É, por conseguinte, de anular a decisão recorrida, ordenando-se a repetição da junta médica a fim de, conforme ordenado, a mesma fundamentar e completar o seu laudo, seguindo os autos, após, a sua normal tramitação.
5. Decisão
Em face do exposto, anula-se a decisão recorrida, devendo repetir-se a junta médica a fim da mesma fundamentar e completar o seu laudo, prosseguindo de seguida os autos, os seus trâmites normais.
Sem custas.

Lisboa, 2019-12-04
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro