Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
586/18.3PGLRS-A.L1-3
Relator: MARIA ELISA MARQUES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PRISÃO PREVENTIVA
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: É evidente o perigo de continuação da actividade criminosa, sendo de registar que, mesmo “sabendo da pendência do processo e mesmo depois de ouvido perante o magistrado titular do inquérito” o que não o dissuadiu  de “tentar a todo o custo e contra a vontade manifestada de forma inequívoca pela vítima, que a mesma voltasse para casa e para si, cerceando-a e ameaçando-a, já que a ofendida não poderá ser mulher de mais ninguém senão do arguido» o que aliado á personalidade descontrolada do arguido fazem temer de forma séria pela segurança da vítima até pelas vezes que já accionou a teleassistência, o que, por si só revela o perigo de continuação da actividade criminosa.

O que vale por dizer, pois, que a sua eventual sujeição à medida de coação menos gravosa, não acautelaria ainda satisfatoriamente, no caso concreto, o aludido perigo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I. RELATÓRIO.

1. No processo de Inquérito (Actos Jurisdicionais) com o número supra identificado, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures -Juízo de Instrução Criminal Juiz 3, na sequência da detenção, do arguido A_____________, com os sinais dos autos, e após interrogatório judicial, foi proferido despacho judicial, em 25-10-2018, que lhe impôs a medida de coacção de prisão preventiva bem como medida de Proibição de contactos com a pessoa da vítima R_____________e dos filhos -, nos termos dos artigos 31 º, nº 1, aI. d) e nº 3 da Lei 112/2009 e do artigo 200º,nº 1, al. d) do c.p.p.

2. O arguido não se conformou com o despacho proferido, dele veio recorrer, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
1. A prisão preventiva não é uma antecipação da eventual condenação em futura pena de prisão a que o recorrente possa vir a ser condenado, mas apenas uma medida cautelar, e a sua aplicação deve ser aplicada segundo os princípios da adequação e da proporcionalidade conforme dispõe o art 193.°, n.° 1;
2. Entendeu o tribunal recorrido, após promoção da Digníssima Magistrada do MP que o arguido, indiciados pela prática de um crime de violência doméstica não podia ficar sujeito a permanência na habitação com vigilância electrónica, optando antes por lhe aplicar a prisão preventiva por apresentar um elevado risco de continuação da actividade criminosa, bem como o facto de regressar à sua residência onde, pretensamente, praticava parte dos actos ilícitos pelos quais vem indiciado, implicando no seu juízo uma muito elevada probabilidade de retomar a actividade criminosa (tudo associado à forte probabilidade de condenação em futura pena de prisão pelo tribunal de julgamento);
3. Trata-se de decisão atingida na sua validade intrínseca por um erro in indicando, por conduzir à prolação de uma decisão injusta (ainda que procedimentalmente formada sem margem para censura).
4. A aplicação de medidas de coação envolve necessariamente a formulação de um juízo quanto à sua necessidade, adequação e proporcionalidade (com maior rigor no que concerne a penas de prisão privativas de liberdade pelo melindre que lhe está associado).
5. Os pressupostos específicos concernentes à aplicação da prisão preventiva (alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 202.°) implicam que a factualidade apurada permita ao julgador formular um juízo quanto ao cometimento pelo arguido indiciado de um crime doloso punível com pena de prisão superior a 5 anos, como é o caso.
6. Improcede também a falaciosa argumentação expendida para justificar a aplicação da prisão preventiva, a respaldo do perigo de fuga porquanto o arguido apenas conta como a sua única família, não dispondo dos meios financeiros e/ou emocionais para empreender qualquer plano de fuga.
7. O mesmo se diga quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, ao estribar-se na presunção de que o arguido inevitavelmente o faria, quando encerrado na sua habitação com vigilância por meios electrónicos o arguido não tem qualquer contacto com a vítima, na medida em que não coabitam na mesma casa.
8. Mas sobretudo, errou o tribunal, não na aplicação formal da lei mas na avaliação dos factos e da situação de vida do arguido para decidir aplicar-lhe, e só a este arguido, a prisão preventiva.
Nestes termos, e esperando e confiando no douto suprimento de Vossas Excelênicas, deverá ser dado provimento ao recurso, implicando ordenar a revogação da decisão sob recurso, e permitindo ao aqui arguido que aguardem os ulteriores termos do sujeitos a medida de coação menos gravosa, assim se fazendo a mais recta e sã Justiça!

3. O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada pelo arguido, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
I.O presente recurso tem por objecto o douto despacho de fls. 197 a 212 que aplica ao arguido a medida de coacção de termo de identidade e residência prestado nos termos do disposto no art. 196º, do CPP, proibição de contactos com a pessoa da vítima R_____________e dos filhos -, nos termos do disposto dos artigos 31 º, nº 1, alínea d) e nº 3, da Lei 112/2009 e do art. 200º, nº 1. alínea d) do CPP e prisão preventiva, nos termos do disposto dos artigos 191º, 192º 193º, 194º nº 4, 195º, 202 nº 1 alínea b) e 204, alíneas b) e c) todos do epp.
II. O arguido ora recorrente alega que deveria ser aplicada medida de coacção menos gravosa.
III. A aplicação da medida de coacção mais gravosa de prisão preventiva deve-se ao facto de se encontrar fortemente indiciada a factualidade relativa ao crime de violência doméstica.
IV. O próprio recorrente admitiu em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido que não se conforma com a separação e que tudo fará para voltar a ter a companhia da ofendida.
V. Após a sua reclusão o mesmo por carta explicitou ao filho que pretende fazer de tudo para voltar a estar com a ofendida.
VI. O recorrente não consegue dominar os ciúmes que sente da ofendida.
VII. A_______demonstrou ao longo do processo ser incapaz de alterar a sua postura para com a ofendida.
VIII. O recorrente vê a ofendida como sua propriedade e que caso a mesma não seja dele não será de ninguém, nem que para isso tenha que por termo à vida da mesma.
IX. O ora recorrente admitiu bater na ofendida, mas que o fazia "com razão".
X.  A conduta do arguido perdura há inúmeros anos.
XI. A ofendida teve que abandonar a casa de morada de família para acabar com os maus tratos de que era vítima.
XII. António Santos já tinha conhecimento da existência dos autos mas tal facto por si só não dissuadiu o mesmo, tendo voltado a perseguir a mesma.
XlII. A vítima teve de accionar o aparelho de protecção de teleassistência que lhe estava atribuído em virtude do arguido através da força física querer obrigar a mesma a entrar no seu veículo.
XIV. O recorrente revela uma personalidade descontrolada, a qual se encontra em sentido ascendente e que poderá reflectir-se na morte da ofendida.
XV. Existe um perigo efectivo do ora recorrente continuar a prática da actividade criminosa, podendo mesmo chegar a culminar na morte da aqui ofendida.
XVI. A medida de prisão preventiva teve de ser cumulada com a medida de proibição de contactos com a vítima e com os filhos do casal.
XVII. Mesmo encontrando-se retido na sua liberdade o aqui recorrente continua a manter a sua determinação de que a vítima terá que voltar para o mesmo para serem felizes e de que tudo irá fazer para se unir à mesma.
XVIII. Em virtude dos elementos de prova e da factualidade indiciada outra medida de coacção não pode ser aplicada visando a necessidade de protecção da vítima que não seja a prisão preventiva
XIX.     Bem andou o douto Tribunal a quo, não existindo qualquer reparo ao despacho proferido e ora objecto de recurso.

Nestes termos e nos melhores de direito, não há qualquer fundamento para revogar a decisão proferida devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente

5. Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora Geral Adjunta na oportunidade do artº 416º do CPP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, subscrevendo a resposta do MºPº na 1ª instância.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido oferecida qualquer resposta.

7. Com dispensa de Vistos legais procedeu-se a Conferência.

II – Fundamentação

1. Vejamos o teor do despacho recorrido no que releva (transcrição):
[….]
Indiciam fortemente os autos a prática pelo arguido da factualidade constante da promoção de fls. 177 a 184, que aqui se dá como integralmente reproduzida e bem assim a imputação criminal da mesma constante.
Fazemos aqui um parêntesis para reproduzir a factualidade constante da aludida promoção (transcrição em itálico):
R_____________e A_____________ partilham cama, mesa e habitação desde há vinte e nove anos, tendo fixado residência na Rua -
Na constância da união nasceram dois filhos C_____________em 15.03.1991 e R_____________em 1.05.1997.
A ofendida abandonou a casa de morada de família em -.
Em datas não concretamente apuradas mas que se situam durante a vivência conjugal, o arguido por inúmeras vezes dirigiu-se à ofendida com as expressões "filha da puta", "vaca", "que nunca lhe devia ter aparecido à frente".
Há cerca de vinte e três anos o arguido sem que nada o fizesse prever iniciou uma
discussão ao jantar e dirigindo-se à ofendida afirmou perante a mesma que lhe ia bater.
Perante o comportamento do arguido a ofendida afirmou perante o mesmo que ia telefonar ao seu irmão, que na altura morava em Lisboa, tendo de imediato o arguido com o uso das mãos empurrado o corpo de R---------- contra a parede, fazendo com que a mesma embatesse com a cabeça na parede, ficando com um golpe na cabeça devido ao embate.
A filha da ofendida e do arguido tentou socorrer a mãe nessa ocasião e o arguido utilizando uma das mãos empurrou a mesma fazendo com que ela embatesse com a boca num sofá que ali se encontrava.
A menor acabou por sangrar do lábio devido ao comportamento do arguido.
R_____________ após se refazer do embate com a cabeça na parede fugiu até ao quintal da habitação, tendo o arguido seguido no seu encalço e após alcançar a mesma arrastou-a para dentro de casa pelos cabelos.
Com a ofendida no chão, o arguido desferiu vários pontapés na zona do ventre de R_____________, tendo a mesma acabado por sangrar pela vagina.
O arguido enquanto desferia diversos pontapés na ofendida dizia "só te quero ver morta", e somente cessou o seu comportamento em virtude dos vizinhos irem em auxílio da ofendida.
Na ocasião o arguido não permitiu que a ofendida fosse receber tratamento hospitalar, tendo a mesma acabado por ser assistida por um vizinho bombeiro que ali se encontrava.
Nessa altura a ofendida abandonou a habitação tendo sido acolhida por uma patroa onde havia trabalhado como interna.
O arguido publicou um anúncio no jornal "Diário de Noticias" onde afirmava que a ofendida havia raptado a filha de ambos e R_____________ ao fim de uma semana acabou por regressar à casa de morada de família.
Quando a ofendida estava gravida de quatro meses de gestação do seu filho o arguido sem qualquer motivo aparente desferiu murros e socos em várias partes do corpo de R_____________, e quando a mesma se encontrava deitada no chão desferiu diversos pontapés na zona do abdómen.
A ofendida acabou por se deslocar a uma unidade hospitalar, mas acabou por dizer perante o médico que havia caído, pois o arguido antes da mesma sair de casa disse-lhe que caso contasse o que havia acontecido que a matava a ela e ao bebé.
Em virtude das referidas agressões a ofendida sofreu de deslocamento da placenta,
passando a ter uma gravidez de risco.
Pese embora R_____________ tivesse indicações médicas de que deveria ficar internada a mesma regressou à casa de morada de família pois sabia que tinha que trabalhar para pagar as despesas de economia doméstica, uma vez que o arguido não contribuía para as despesas.
Durante a vivência conjugal o arguido obrigou a ofendida a prestar contas de todo o dinheiro que a mesma ganhava e do que gastava, sendo mesmo obrigada a mostrar as facturas.
Durante o relacionamento o arguido sempre manteve outras relações , deixando pela casa os números de contacto das mesmas, bem como fotografias, de forma à ofendida se sentir humilhada.
Durante a vivência conjugal foram inúmeras as vezes em que o arguido com as mãos abertas desferiu bofetadas na cara da ofendida.
O arguido tinha ainda por hábito controlar onde a ofendida se encontrava telefonando
para a mesma para saber onde estava.
Em datas não concretamente apuradas, o arguido bateu nos seus filhos.
R_____________ estava proibida pelo arguido de se relacionar com os seus familiares directos. No início de Fevereiro de 2018, a ofendida deslocou-se até - para visitar o seu pai que ali se encontrava internado num lar de idosos.
A ofendida antes de ir, e como era habitual comunicou ao arguido onde ia e quando ia.
O arguido demonstrou que não concordava que a ofendida fosse a - tendo respondido à mesma que "talvez tivesse uma surpresa".
Na altura em que a ofendida se encontrava no autocarro onde seguia para - recebeu uma chamada do arguido a perguntar onde a mesma estava, tendo a mesma respondido que ele sabia que a mesma ia a ______para ver o pai, tendo o mesmo respondido "minha puta, já vais ter com os teus amantes", "pode ser que tenhas uma surpresa".
Após chegar a ______a ofendida deslocou-se até ao local onde havia combinado encontrar-se com a sua irmã e sobrinho.
Algum tempo depois recebeu uma chamada telefónica da sua irmã a informar que o arguido já havia estado em casa da mesma e que naquele momento seguia o seu carro.
A ofendida entrou em pânico achando que o arguido a ia matar e telefonou para a  sua filha, a qual acabou por acionar a PSP de -.
O arguido após ser abordado pelos elementos da PSP e ter sido elucidado de que a ofendida não pretendia acompanhar o mesmo a Lisboa, ainda se deslocou ao lar onde o pai de R_____________ se encontrava a procurar a mesma, não tendo conseguido os seus intentos porque a ofendida somente mais tarde é que se deslocou a esse local.
No dia 20 de Julho de 2018, após a ofendida regressar de mais uma viagem a ______para ver o seu pai, que se encontrava bastante doente, a ofendida receou ir para casa pois o arguido havia-lhe dito que "quando chegasse tinha os dias contados", mas entrou na casa de morada de família tendo dado a saudação, ao que o arguido de imediato e de forma brusca respondeu" mas afinal quem é que manda aqui", "estás satisfeita?", "já foste ver o filho da puta do teu pai", "o velho já morreu?", "e as putas das tuas irmãs também as vistes?", tendo somente a ofendida respondido que estava satisfeita por ver o seu pai mesmo que fosse a última vez.
Após, o arguido com uma das mãos desferiu duas chapadas na cara da ofendida, uma em cada face, tendo de seguida chegado a porta de casa de maneira a impedir que a ofendida saísse.
R_____________ ligou à sua filha mas pediu à mesma para não chamar a PSP.
Como consequência da actuação do arguido a ofendida sofreu um edema na região malar esquerda, que determinou um período de doença de 8 dias todos sem incapacidade para o trabalho.
No dia seguinte a ofendida saiu de casa como se fosse trabalhar, nunca mais tendo regressado à habitação.
Quando o arguido se apercebeu de que a ofendida não ia regressar a casa efetuou inúmeras chamadas de voz e deixou mensagens onde pede à mesma que volte para casa e que a ama.
O arguido passou ainda a ligar diariamente para os filhos para que os mesmos convençam a mãe a voltar para casa.
A ofendida até ao momento vive em casa de pessoas amigas que a colheram receando que a qualquer momento o arguido apareça.
No dia 13 de Setembro de 2018, pelas 10:45 horas, a ofendida saiu de casa dos patrões para passear a cadela dos mesmos, tendo-se apercebido que o arguido se encontrava na ______, local onde sabe que R_____________ trabalha, no interior do veículo com a matrícula ______
Após a ofendida se recolher na casa onde trabalha deparou-se com o arguido a olhar para a mesma através da janela da cozinha, tendo de seguida tocado de forma insistente à campainha.
A ofendida não abriu porta, tendo em pânico accionado o aparelho de teleassistência que se encontrava com a mesma.
No período após o almoço, altura em que a ofendida não se encontrava em ______, na casa dos seus patrões recebeu uma chamada da sua patroa ______Avô a dizer o que arguido havia passado novamente duas vezes à porta e tocado à campainha.
Num dos telefonemas que o arguido fez à ofendida após a mesma abandonar a casa de morada de família e após R_____________ dizer que não regressava o arguido disse "ISSO NUNCA, SE NÃO FORES MINHA NÃO SERÁS DE MAIS NINGUÉM, EU MATO-TE".
Sempre que a ofendida ao longo da vivência conjugal afirmava que ia abandonar o arguido o mesmo afirmava "NEM TE ATREVAS A DIZER UMA COISA DESSAS, SE ME ABANDONARES VOU ATÉ AO FIM DO MUNDO, MAS MATO-TE".
No dia 20 de Setembro de 2018, o arguido pediu a ______que lhe fosse levantar uma carta registada e que quando se dirigiu a ______para receber a carta disse "OH ______, NEM SEI PORQUE LHE BATI DESTA VEZ, MAS QUANDO OS MIUDOS ERAM PEQUENOS, LEVAVA PORRADA E NÃO SEI PORQUE SE FOI EMBORA AGORA" e após ______dizer "tem calma mulheres há muitas", o arguido afirmou, "NÃO ME CONFORMO! SE NÃO É PARA MIM, NÃO É PARA MAIS NINGUÉM, METO-LHE UMA FACA NA CONA E VAI ATÉ LÁ ACIMA".
Em datas não concretamente apuradas, durante a vivência conjugal o arguido disse à ofendida que a matava, tendo nessas ocasiões uma arma encostada à cabeça.
No dia 17 de Outubro de 2018, quando a ofendida passeava o cão da sua patroa na via pública na zona de ______, foi abordada pelo arguido, tendo o mesmo agarrado R_____________ por um braço, e exercendo força para que a mesma o acompanhasse.
O arguido enquanto agarrava a ofendida colocou a outra mão no bolso sendo visível que o mesmo ali teria um objecto.
A ofendida gritou por ajuda e acionou o aparelho de teleassistência e por motivos alheios à vontade do mesmo R_____________ conseguiu libertar-se e fugir tendo o arguido de forma brusca afirmado ""Eu vou-te matar! Os meus sobrinhos vêm aqui e matam-te".
Pese embora as diligências realizadas pelos agentes da PSP que se deslocaram ao local não foi possível proceder à localização do arguido.
O arguido sempre consumiu bebidas alcoólicas em excesso, durante a vivência conjugal.
No dia 13 de Outubro de 2018, pelas 13:39 horas o arguido deixou uma mensagem de voz à ofendida dizendo "TU NÃO VAIA AGUENTAR À PRESSÃO", "HÁ MAIS PESSOAS QUE TE QUEREM FAZER MAL NA MINHA FAMíLIA, VOLTA PARA MIM SE QUISERES VIVER MUITOS ANOS", "A MINHA FAMíLIA NÃO TE VAI PERDOAR", "SE NÃO VIERES PARA CASA VAIS SOFRER MUITO COM ELES".
Nesse mesmo dia pelas 18:57 horas o arguido deixou uma mensagem de voz à ofendida dizendo "NÃO LEVES A TUA AVANTE QUE TU NÃO VAIS RESISTIR", "TU VAIS TER AZAR NA VIDA E EU NÃO ME QUERO SENTIR COM REMORSOS SE TU MORRERES", "VOLTA PARA CASA PARA NÕ EU TE FAZER MAL E COISAS PIORES".
Já no dia 18 de Outubro pelas 21 :05 horas, após ter abordado a ofendida o arguido deixou a mensagem de voz dizendo "Se eu te quisesse fazer mal, tinha na mão no bolso, se quisesse tinha feito".
No dia 23 de Outubro de 2018, o arguido voltou a dirigir-se à zona de ______ local onde a ofendida trabalha e escondeu-se de forma a conseguir agarrar a ofendida quando a mesma saísse da residência dos seus patrões.
A ofendida não saiu de casa dos patrões desde o dia 17 de Outubro de 2018, somente o tendo efectuado no dia 24 de Outubro de 2018 para se deslocar ao Tribunal.
R_____________ encontra-se limitada a ficar em casa receando que a qualquer momento o arguido cumpra as ameaças e a mate.
Com as condutas descritas o arguido molestou física e psicologicamente a vítima, atentando contra a sua saúde e dignidade e causando-lhe, vexame, vergonha, medo e inquietação, o que fez de forma livre, deliberada e consciente, com o único intuito de diminuir a dignidade da mesma e causar sofrimento a esta.
O arguido aproveitou-se da fragilidade e vulnerabilidade da vítima que nutre sentimentos pelo mesmo para prosseguiu os seus intentos.
O arguido sabia que as suas condutas são proibidas por lei.
Efectivamente, resulta dos elementos já carreados para os autos, designadamente do auto de denúncia de fls. 3, documentação hospitalar de fls. 17 e 124, auto de inquirição de R_____________ Maria de fls. 21, auto de cópia de gravação de mensagem de fls. 71, cd de fls. 73, relatório detalhado de alerta SOS de fls. 83, aditamento nº 6 de fls. 92, auto de inquirição complementar da ofendida de fls. 96, aditamento nº 7 de fls. 98, aditamento nº 8 de fls. 99, requerimento de fls. 104, auto de interrogatório de arguido de fls. 110, auto de perícia médica de fls. 128, aditamento nº 9, de fls. 150, auto complementar de inquirição da ofendida de fls. 159, documento de fls. 163 e seguintes, requerimentos de fls. 169, 170 e 171, e do processo iniciado sob o nuipc 18/18.7PAPTL, auto de denúncia de fls. 3, assentos de nascimento de fls. 55 e 57, inquirição de ______de fls. 93. »

Tal factualidade alicerça-se nos meios probatórios indicados pelo Ministério Público que não contam apenas com as declarações da ofendida R_____________ Maria mas que são corroborados quer demais elementos e pelo teor das mensagens gravadas remetidas pelo arguido para o telemóvel da ofendida, que o mesmo também admitiu.
O teor destas mensagens é de tal forma intimidatório e ameaçador que revela bem os intuitos do arguido e o que tem sido a vida da ofendida sobretudo desde que decidiu abandonar o domicílio comum.
O arguido aliás não se conforma com a separação, conforme admitiu, tem vindo a cercear os movimentos da ofendida procurando-a onde sabe que a mesma se encontra a residir e a trabalhar, pressionando-a para voltar para casa.
A sua personalidade aliás revela que o arguido não domina o que diz serem saudades da ofendida, assim como não dominava em tempos os ciúmes que tinha e suspeitas que sobre a mesma lançava ao mínimo pensamento de que a mesma tivesse um outro relacionamento, dispondo-se, como fez, a efectuar uma viagem até ______para trazer a companheira para casa porque afinal não lhe tinha permitido visitar o pai.
Esta mentalidade de possessão e de senhor que controla as próprias vontades da mulher e tudo comanda é algo que o arguido mantém, culpabilizando todos menos o próprio da separação do casal, achando-se ainda "com razões" para ter nalgumas ocasiões anteriores agredido fisicamente a mulher até que esta aprendesse a gerir as despesas de casa, como o mesmo a ensinou.
E mesmo no presente, cremos ser evidente pelas missivas que a ofendida
tem dirigido ao processo a pedir a intervenção e protecção judicial que o arguido é capaz de numa atitude mais desesperada, cumprir o mal que já anunciou e o pior vir mesmo a acontecer, apesar do arguido negar ser capaz de atentar contra a vida da ex-companheira, o que é facto é que já deu provas no passado manter uma conduta maltratante com a mulher, apesar de dizer que são saudades ou amor.
Sabendo da pendência do processo e mesmo depois de ouvido perante o magistrado titular do inquérito tal não foi factor demovedor de o arguido tentar a todo o custo e contra a vontade manifestada de forma inequívoca pela vítima, que a mesma voltasse para casa e para si, cerceando-a e ameaçando-a, já que a ofendida não poderá ser mulher de mais ninguém senão do arguido.
Este sentimento evidente de frustração aliado à mentalidade demonstrada e à personalidade descontrolada do arguido fazem-nos temer de forma séria pela segurança da vítima até pelas vezes que já accionou a teleassistência.
Existe por isso quanto a nós um forte risco de o arguido continuar pelo menos as perseguições e a efectuar os telefonemas de ameaças a que se tem vindo a dedicar que colocam em causa a saúde da vítima e o seu bem-estar e liberdade de movimentos.
E perante a recusa da vítima em satisfazer os intuitos do arguido consideramos que a vida da mesma ou pelo menos a sua integridade física estão também colocadas em risco.
Cremos por isso que nesta fase dos autos colocá-lo em liberdade não iria acautelar minimamente a protecção da vítima pois que estamos em crer que o arguido iria continuar com a mesma conduta que até aqui tem desenvolvido e que se poderia até agravar com consequências que se visam evitar de modo a proteger a saúde e vida da ofendida.
Existe por isso perigo efectivo de o arguido continuar a prática da actividade criminosa indiciada.
Consideramos também que existe o perigo de o arguido em contacto com a
vítima e também com os filhos, tentar a todo o custo demovê-Ia de colaborar na investigação como a conseguiu demover de cessar a relação durante algum tempo por recurso a ameaças contra a sua vida e integridade física.
A ofendida teme e fundadamente pela sua vida e não consegue ter uma vida normal e sem viver assustada.
II- Das medidas de coacção aplicáveis face às finalidades cautelares e ao caso:
As medidas de coacção, enquanto meios processuais de limitação da liberdade, actividade, e direitos pessoais, têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias.
As medidas de coacção a aplicar em concreto devem ser necessárias, adequadas e proporcionais às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
A regra fundamental, constitucionalmente consagrada, é a da liberdade e a do pleno exercício de actividade e de direitos, sendo as, respectivas, limitações, ou restrições, excepções, que têm de ser devidamente justificadas - cf., "v.g." artigos 27.º e 28.º, da CRP.
Por outro lado, nenhuma medida de coacção, à excepção do TIR, pode ser aplicada se em concreto, não se verificar nenhuma das situações previstas no art. 2ü4.º do CPP:
a)Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova.
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Não existem, pois, quaisquer dúvidas quanto à gravidade dos factos indiciados nos presentes autos atento o comprometimento do arguido com o crime de violência doméstica do artigo 152º, nºs 1, aI. b) e 2 do C.P.
Também já se aludiu que in casu o tribunal considera que se verificam os perigos das alíneas b) e c) do artigo 204º do CPP
O crime em preço é punível com pena abstracta de 2 a 5 anos de prisão e faz parte da designada criminalidade violenta definida no artigo 1 º, aI. j) do c.p.p., pelo que a medida de coacção proposta pelo ministério público tem aplicação de acordo com o previsto no artigo 202º, nº 1, aI. b) do c.p.p.
Na situação dos autos tenho em conta a personalidade evidenciada pelo arguido e a que dos autos resulta considera o tribunal que somente a prisão preventiva acautela a necessidade sobretudo de protecção da vítima e que nem mesma a obrigação de permanência na habitação se revela como suficiente.
Por isso, concorda-se inteiramente com os fundamentos do Ministério Público veiculados na promoção que se antecede não se compadecendo os autos em monitorizar o arguido à distância, sendo que em casa e mesmo proibido de contactar a vítima sempre seria tentado a telefonar-lhe ou a arriscar e voltar a procurá-Ia como tem efectuado, escondendo-se e surgindo-lhe sem que o acordo da mesma tivesse.
Esta medida privativa da liberdade carece ainda de ser cumulada com a de proibição de contactar a vítima e bem assim os filhos do casal, em consonância com o previsto na aI. d) do artigo 31 º, nº 1 e nº 3 da Lei 112/2009 e no artigo 200, nº 1, al. d) do c.p.p., uma vez que sobre os mesmos o arguido tem vindo a exercer pressão para convencerem a ofendida a reatar a relação.

2.  Do recurso interposto pelo arguido, e das respectivas conclusões que delimitam e fixam o respectivo objecto, resulta como questão a apreciar se se verificam os requisitos necessários à imposição da prisão preventiva e da adequação de tal medida de coacção.

2.1. Como sabemos, a imposição da prisão preventiva deve assentar, entre outras, nas seguintes regras:

a) da adequação e proporcionalidade, vindo a prisão preventiva a ser definida como excepcional e subsidiária relativamente a outro tipo de medidas de coacção possíveis ( art° 193°, n°s 1. 2 e 3 do C.P.P. e art° 28°, n° 2, da C.R.P.),
b) de, pelo menos, um dos seguintes requisitos gerais : fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.
c) do requisito específico da existência de "fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos de prisão ( art° 202°do C.P.P.) (nº 1 al. a), ou três anos, nos casos previstos na alínea al. b), do citado preceito legal.

2.2. O arguido está indiciado pela prática de de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal, o que não vem posto em casa pelo recorrente.

A prisão preventiva foi imposta com fundamento no perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação do decurso do inquérito (als. b) e c) do Cod. Proc. Penal).

2.3. Da verificação dos referidos requisitos gerais de aplicação da prisão preventiva e da proporcionalidade e adequação de tal medida, discorda o arguido, que defende que «não existe perigo de fuga”, nem perigo de continuação criminosa, pugnando pela revogação de tal medida de coacção e pela sua substituição por outra «medida de coação menos gravosa».- conclª 6 e 7.
Só por manifesto lapso é que se compreende que o recorrente aluda ao perigo de fuga, porque como decorre claramente do despacho recorrido não foi fundamento para aplicação da medida de coação.
Quanto ao perigo de continuação criminosa, diga-se que pouco mais nos resta acrescentar à fundamentação aduzida no despacho recorrido, que integralmente subscrevemos bem a resposta do MP em 1ª instância
Donde, e a título meramente complementar, apenas se nos oferece tão só enfatizar ainda o seguinte:
É evidente o perigo de continuação da actividade criminosa, sendo de registar que, mesmo “sabendo da pendência do processo e mesmo depois de ouvido perante o magistrado titular do inquérito” o que não o dissuadiu  de “tentar a todo o custo e contra a vontade manifestada de forma inequívoca pela vítima, que a mesma voltasse para casa e para si, cerceando-a e ameaçando-a, já que a ofendida não poderá ser mulher de mais ninguém senão do arguido» o que aliado á personalidade descontrolada do arguido fazem temer de forma séria pela segurança da vítima até pelas vezes que já accionou a teleassistência, o que, por si só revela o perigo de continuação da actividade criminosa.
O que vale por dizer, pois, que a sua eventual sujeição à medida de coação menos gravosa, não acautelaria ainda satisfatoriamente, no caso concreto, o aludido perigo.
Ao que tudo acresce ainda a enorme gravidade e danosidade social (traduzida nos valores e bens jurídicos lesados) do crime em causa.

A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura, decidindo-se com acerto ao aplicar a medida de prisão preventiva ao recorrente, por revelar ser a única medida de coacção adequada às exigências cautelares previstas.
 
 Termos em que se decide pela improcedência do recurso.
                                            
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III-Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes, nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s .- arts. 513.º e 514.º, n.º 1

Lisboa, 16 de Janeiro de 2019
Maria Elisa Marques
Adelina Barradas de Oliveira
(Processado em computador e revisto pela Relatora, a primeiro signatária).