Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10218/18.4T8LRS.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: BANCO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – A intermediação financeira regula o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.
2 – Sobre o intermediário financeiro impende o dever de informação, sendo que esta deve ser tanto maior quanto menor o grau de conhecimento e experiência do cliente.
3 – Presume-se a culpa do intermediário financeiro em caso de violação do dever de informação.
4 – O intermediário financeiro só se liberará se lograr provar que, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

A [ Idalécio ....] e B [ Maria .....] demandaram Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação deste no pagamento aos autores o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem € 57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo pagamento.
Formularam outros pedidos em alternativa, pedidos estes que foram objecto de desistência, desistência essa homologada por sentença, em sede de audiência prévia – cfr. fls. 81 e sgs.
Alegaram, em suma, que eram clientes do Banco na agência da Lourinhã, com a conta à ordem ..., onde movimentavam parte do dinheiro, realizavam pagamentos e faziam poupanças.
Em 21/4/2006, o gerente do Banco réu da agência em questão, comunicou aos autores que tinha uma aplicação, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
O funcionário do Banco sabia que os autores não possuíam qualificação ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um a menos que lhes fosse explicado, eram pessoas de perfil conservador, não investiam em produtos de risco tendo, até à data mencionada supra, aplicado o dinheiro em depósitos a prazo.
O dinheiro dos autores, € 50,000,00 foi colocado em obrigações SLN 2006, sem que estes soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo que a SLN era uma empresa.
Nada lhe foi explicado, nem lhe foi entregue até à data de hoje a nota informativa da operação, subscrevendo as obrigações na convicção de que colocavam o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto de risco exclusivo do Banco.
Se soubessem que assim não era, nunca teriam autorizado a subscrição, sendo certo que esta apenas foi subscrita pela autora.
Assim, o negócio é nulo, ex vi art. 5 e sgs. do DL 446/85, de 15/10 (cláusulas contratuais gerais).
Na data do vencimento nenhuma quantia lhes foi devolvida – capital e/ou juros -, tendo sido informados que era melhor aguardarem pela maturidade das obrigações.
Esta situação provocou-lhes e provoca, ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras, computando os danos (não patrimoniais), em € 3.000,00.
Na contestação, o réu BIC excepcionou a prescrição com fundamento no facto do negócio subsumir-se a um acto de intermediação financeira pelo que quaisquer direitos sobre o intermediário prescrevem ao fim de 2 anos, a partir do momento em que o subscritor tomou conhecimento da situação, ex vi art. 324 do Código dos Valores Imobiliários, impugnou o alegado pelos autores concluindo pela procedência da excepção e pela absolvição do pedido – fls. fls. 14 e sgs.
Replicaram os autores, concluindo como na p.i. – fls. 42 e sgs.
Em sede de audiência prévia, a excepção peremptória da prescrição foi relegada para decisão final, foi proferido despacho saneador e elencados os temas de prova – fls. 81 e sgs.
Após julgamento, foi prolatada sentença que, julgando improcedente a excepção peremptória da prescrição, julgou a acção procedente e condenou o Banco réu no pedido – fls. 102 e sgs.
Inconformado, o Banco apelou formulando as conclusões que se transcrevem:
I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 5, 8 e 10.
II. A modificação da matéria de facto impõe-se pela análise do depoimento da testemunha Luís ...., no seu depoimento, gravado no sistema citius no ficheiro com a referência 20200923145900_5862121_2871208 nos trechos acima identificados bem como pela análise dos seguintes documentos: nota informativa da Obrigações SLN 2006 e boletim de subscrição assinado pelo cliente.
III. Tendo em conta estes elementos de prova entende o Recorrente que os factos provados 5 e 8 deverão passar a ter a seguinte redacção:
5) O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN como sendo Obrigações emitidas pela SLN, que esta empresa era a dona do Banco, com características semelhantes às de um depósito a prazo, com a possibilidade de obtenção de liquidez antecipada através da venda a um outro cliente, apresentando o BPN como garante da SLN.
8) O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto aludido em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atractiva que um depósito a prazo, e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio da transmissão da participação a terceiros.
IV. O facto provado 10 deverá ser considerado como não provado.
V. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado teria que ver com a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao subscritor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.
VI. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
VII. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
VIII. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente!
Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!
IX. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!
X. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!
XI. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco réu,  exercendo, por isso o domínio total sobre este.
XII. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.
XIII. E sendo esta totalmente dominante do Banco réu, então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
XIV. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.
XV. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!
XVI. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
XVII. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.
XVIII. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
XIX. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição!
Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
XX. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.
XXI. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
XXII. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
XXIII. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no art. 236 CC, uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
XXIV. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
XXV. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXVI. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
XXVII. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do interesse e vontade do subscritor investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
XXVIII. Apesar do subscritor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
XXIX. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
XXX. Resultou demonstrado que os funcionários sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
XXXI. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304 do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
XXXII. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o   art. 312/1 a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
XXXIII. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
XXXIV. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
XXXV. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
XXXVI. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312-E.
XXXVII. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.
XXXVIII. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
XXXIX. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.
XL. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
XLI. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
XLII.A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!
XLIII. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
XLIV.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
XLV. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312-E/1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!
XLVI. O art. 312, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações.
Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
XLVII. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao subscritor e o acto de subscrição.
XLVIII. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
XLIX. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
L. Do texto do art. 799/1 CC, não resulta qualquer presunção de causalidade.
LI. E, de resto, nos termos do disposto no art. 344 CC, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
LII. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
LIII. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.
LIV. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.
LV. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.
LVI. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
LVII. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
LVIII. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
LIX. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
LX. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
LXI. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstractos ou meras impressões do julgador!
LXII. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
LXIII. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
LXIV. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!
LXV. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!
LXVI. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
LXVII. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
LXVIII. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
LXIX. E nada disto foi feito!
LXX. A origem do dano dos Recorrentes residiria na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!
LXXI. A sentença viola e faz errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7, 290/1 a), 304-A e 312 a 314-D e 323 a 323-D e 327 do CdVM e 4, 12, 17 e 19 do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364, 483 e ss., 563, 628 e 798 e ss. do C.C.
LXXII. Assim, deve ser alterada a decisão de facto e, ainda que tal não suceda, em qualquer dos casos deve o Banco/apelante ser absolvido do pedido.
Nas contra-alegações, os autores pugnaram pela confirmação da decisão.
Factos apurados na 1ª instância:
1. Os autores eram clientes do BPN (actualmente o réu) na sua agência da Lourinhã, com a conta à ordem nº131419021000, onde movimentavam dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.
2. Em 21.4.2006, a autora assinou, na agência da Lourinhã do banco BPN, um boletim de subscrição, encabeçado pelos dizeres BPN e SLN 2006, no qual se diz que o mesmo reporta à “emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50 000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas”.
3. No mesmo boletim consta também que o valor mínimo de subscrição é de € 50 000,00 (1 obrigação); que a data de liquidação financeira é 8.5.2006; que o prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado a 9.5.2016, só sendo possível o reembolso antecipado por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5º ano e sujeito ao acordo prévio do Banco de Portugal; e que os juros serão pagos semestralmente e postecipadamente, o cupão do 1º semestre à taxa anual nominal bruta de 4,5%; os nove cupões seguintes, à taxa anual nominal bruta da Euribor a 6 meses, mais 1,15%, e os cupões dos restantes semestres à taxa anual nominal bruta da Euribor a 6 meses, mais 1,50%.
4. No mesmo boletim consta indicado como subscritor o autor; a ordem de subscrição de uma obrigação com o valor nominal de € 50.000,00, a ser creditada na respectiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN - Banco Português de Negócios, S. A. em 8.5.2006; e a ordem de débito da conta nº... da agência da Lourinhã para efeito de pagamento da operação subscrita.
5. O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN como sendo uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rendibilidade assegurada.
6. Os autores tinham, na perspectiva do referido funcionário, um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.
7. Na sequência da subscrição aludida em 2) foram aplicados     € 50 000 dos autores em obrigações subordinadas SLN 2006.
8. O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto aludido em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atractiva que um depósito a prazo e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio da transmissão da participação a terceiros.
9. Os autores actuaram convictos de que estavam a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura (sem risco de capital).
10. Se os autores tivessem percebido que o capital investido não era garantido, designadamente pelo BPN, não teriam subscrito a aquisição de obrigações subordinadas SLN 2006.
11. Nunca foi intenção dos autores investirem em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento dos funcionários do réu.
12. Os autores sempre estiveram convencidos de que o réu lhes restituiria o capital e juros quando os solicitassem.  
13. O réu assegurou aos autores que a aplicação dita em 2) tinha uma garantia de reembolso semelhante a um depósito a prazo.
14. Os juros relativos aos cupões das obrigações foram semestralmente creditados na conta dos autores até Novembro de 2015.
15. É usual os Bancos atribuírem denominações aos produtos e contas que disponibilizam.
16. Os funcionários do réu nunca explicaram aos autores o que eram obrigações, nem obrigações subordinadas SLN 2006.  
17. O boletim referido em 2) não foi lido, nem explicado aos autores pelos funcionários do réu.
18. Não foi entregue aos autores cópia de documento que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006 ou prazos de resolução unilateral pelos autores.
19. O capital investido pelos autores não foi reembolsado na data de vencimento referida em 3), nem posteriormente.
20. Na comercialização do produto referido em 2) o réu instruiu os seus funcionários a passarem a ideia aos clientes de que se tratava de um produto sem risco quanto ao reembolso do capital e juros atractivos que estavam garantidos.
21. A circunstância referida em 19) preocupou o autor.
22. O subscritor foi informado que as obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o réu, a SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.
23. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S. A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo do Banco de Portugal.
24. E bem assim de que a única forma de liquidar o produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado mediante endosso.
Não se apurou:
25. O funcionário do réu referido em 5) soubesse que os autores não possuíam qualificações ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar o risco de cada um deles a não ser que lhos explicassem devidamente.
26. Os autores, até à data de subscrição do produto referido em 2), sempre tenham aplicado o seu dinheiro em depósitos a prazo.
27. Os autores não soubessem, em concreto, o que eram as obrigações ditas em 7) e que desconhecessem que a SLN era uma empresa.
28. Tivesse sido comunicado aos autores que para levantamento do capital e juros bastaria, a qualquer altura, avisar a agência do banco com a antecedência de três dias.
29. Os autores não tivessem percebido que estavam a dar uma ordem de aquisição de obrigações SLN 2006.
30. Tenha sido o réu quem deixou e pagar os juros aos autores.
31. Os autores não soubessem da existência da SLN, nem o que ela era e que pensassem que SLN 2006 era uma mera denominação de uma conta a prazo utilizada pelo réu.
32. Os autores desconhecessem e não pudessem saber que tinham subscrito uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.
33. Os autores não tenham sido informados sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006 que subscreveram.
34. A quantia referida em 7) devesse ter sido aplicada pelo réu num depósito a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.
35. Não tivesse sido entregue aos autores qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN 2006.
36. Tenha sido contratada uma taxa anual ilíquida de 4,5%.
37. Na documentação interna distribuída pelo réu aos seus funcionários o réu fosse indicado como o garante da aplicação SLN 2006.
38. Com a sua actuação o réu tenha colocado os autores em permanente estado de preocupação e ansiedade, com receio de não reaverem o seu dinheiro, causando-lhes assim tristeza, dificuldades financeiras para gerir a sua vida, um permanente estado de stress, doença e perda de alegria de viver por terem sido desapossados das economias de uma vida e colocados sem perspectivas de futuro.
39. No mês seguinte à operação, o subscritor do boletim referido em 2) tenha recebido por correio o aviso de débito correspondente à subscrição feita e posteriormente, a cada seis meses, os avisos de crédito relativos aos juros.
40. Desde a data de subscrição os vários extractos periódicos incluíssem as obrigações como integrando a carteira de títulos de forma separada aos depósitos a prazo.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se há ou não lugar à alteração da decisão de facto e à condenação ou não do Banco.
Vejamos, então.
a) Modificabilidade da decisão de facto
O Tribunal da Relação pode alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 640, a decisão com base neles proferida – art. 662 CPC.
Importa, desde já, referir que a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607 CPC.
No entanto, esta liberdade de julgamento não se traduz num poder arbitrário do juiz, encontra-se vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Por isso, os acrescidos poderes do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo apenas sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o, se for caso disso.
Sobre o recorrente impende o ónus de, nas alegações, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art. 639 CPC.
Na verdade, as conclusões da alegação de recurso são a única peça processual onde, por obrigação legal, o recorrente deve expor de forma concisa mas rigorosa e suficiente, todas as questões que quer submeter à apreciação do tribunal superior. 
Versando o recurso sob a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640 CPC.
Defende a apelante a alteração da redacção dos factos provados sob os nºs 5 e 8 e o facto sob o nº 10, deve ser dado como não provado, com fundamento nos documentos juntos e no depoimento da testemunha Luís ….
Apurado ficou:
5. O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN como sendo uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rendibilidade assegurada.
Pretende o apelante a seguinte redacção:
- O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN como sendo Obrigações emitidas pela SLN, que Esta empresa era a dona do Banco, com características semelhantes às de um depósito a prazo, com a possibilidade de obtenção de liquidez antecipada através da venda a um outro cliente, apresentando o BPN como garante da SLN.
8. O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto aludido em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido pelo BPN, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atractiva que um depósito a prazo, e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio da transmissão da participação a terceiros.
Pretende o apelante a seguinte redacção:
- O que motivou a decisão dos autores subscreverem o produto mencionado em 2) foi o facto de lhes ter sido dito e assegurado pelo funcionário do réu que o capital era garantido, tinha juros semestrais a uma taxa de juro mais atractiva que um depósito a prazo, e que o capital e juros podiam ser resgatados a qualquer altura por meio de transmissão da participação a terceiros.
10. Se os autores tivessem percebido que o capital investido não era garantido, designadamente pelo BPN, não teriam subscrito a aquisição de obrigações subordinadas SLN 2006.
Pretende o apelante que esta facto seja dado como não provado.
Luís ......, bancário, exerce funções na agência da Lourinhã, funcionário do Banco BPN, desde 2002 tendo, desde 2012 (aquisição do BPN pelo Banco BIC) a ser funcionário do Banco BIC Português, conhece os autores, são clientes do Banco e têm um familiar que também é funcionário do Banco, era com ele que os autores contactavam, era ele quem geria a carteira do autor, falava e atendia o autor, foi ele quem vendeu as obrigações ao autor, referiu que:
O autor era um aforrador tradicional/conservador/aplicações de baixo risco - essencialmente depósitos a prazo e tinha alguns fundos imobiliários.
Na altura, o autor tinha um depósito a prazo que se venceu e eles (Banco) tinham este produto para vender.
Falaram com o autor e venderam-lhe o produto.
Quando vendeu as obrigações ao autor, disse-lhe que as obrigações eram da SLN (dona do Banco), obrigações eram garantidas, recebia juros semestralmente, como se fora uma aplicação de um depósito a prazo normal, vendia em qualquer altura, tinha um juro determinado que era garantido nos primeiros 5 anos, taxa contratada indexada à Euribor sendo que, após os 5 anos os juros seriam de valor mais elevado, caso ainda tivessem as obrigações, que não havia problemas nenhuns e que quando precisasse do dinheiro era possível vender a terceiros.
No fundo era uma aplicação em que eles/Banco deram/davam sempre a garantia do dinheiro.
Estavam a vender obrigações da SLN que era a dona do Banco – o Banco era o garante e foi com essa convicção que o autor ficou.
A sua convicção é a de que o autor não teria feito a liquidação do depósito a prazo e efectuado a compra da aplicação se lhe fosse dito que era outra entidade, sem ser a entidade do Banco, e que era garantida por este.
Houve instruções dadas pelo Banco de que as obrigações funcionavam como depósito a prazo e, como tal, eles vendiam-nas dessa forma - as pessoas tinham a possibilidade do reembolso do capital em qualquer altura; bastando uma indicação dada ao Banco, para que eles, na rede do próprio Banco, efectuassem a venda a outros clientes que estivessem à espera deste tipo de produto.
Na sua experiência enquanto bancário verificou que este tipo de produto não tinha a garantia que supunham existir para os clientes.
Não havia antecedentes que pudessem pôr em causa o pagamento das obrigações, papel comercial – tudo coisas que vendiam como se fora o mais seguro para os clientes.
Aliás, só vendiam este produto aos melhores clientes – clientes com maior capacidade financeira, a familiares, a amigos, tendo em atenção que a taxa de juro era maior e era garantida.
Quando efectuaram a venda, nunca lhes passou pela cabeça que não seria garantido.
Houve instruções do Banco no sentido de enviarem uma carta aos clientes para eles reclamarem o dinheiro.
O Banco Bic ao adquirir o BPN sabia que herdou este problema – obrigações que não poderiam ser liquidadas na altura devida.
A SLN estava com dificuldades após a nacionalização do Banco.
As obrigações perpétuas foram liquidadas, em 2018; o papel comercial da SLN foi regularizado; estas (obrigações) não foram porque não pertenciam ao Banco.
O autor, pessoa calma e educada, falou com ele, mas após a nacionalização do Banco, ficou preocupado e inteirou-se do que é que tinha.
O autor era um cliente empresarial (Torres Vedras), tendo aberto uma conta na Lourinhã (agência), logo que o Banco aí se instalou (tinha lá um sobrinho).
Com empresário, não lidava com o autor.
O familiar não participou na venda, mas é normal que o autor tenha falado como sobrinho.
Isto era um tipo de produto (obrigações) de valor alto, se quisessem vender tinham que arranjar alguém.
No entanto, não constituía problema algum – era fácil vender, a procura era muita, e a rentabilidade era boa.
Actualmente, a informação prestada ao cliente é muito diferente da prestada há 18 anos atrás, hoje em dia tem mais conhecimento do produto.
Eles vendiam este produto, sabendo que era um produto conservador, de risco muito baixo; sabia que nunca tinha havido problemas com reembolso e aquisição deste tipo de aplicação.
Para si este produto eram depósitos a prazo sem risco, era sagrado que os clientes não teriam o mínimo problema.
Na altura da nacionalização todos ficaram muito preocupados com esta situação – tinham vendido estas aplicações, desde 2004, 2006, tinham vendido, meses antes, papel comercial da SLN, tinham vendido as obrigações perpétuas do Banco, tudo isto meses antes da nacionalização.
Com a nacionalização o Banco ficava na posse do Estado, mas a SLN não foi nacionalizada e isso acarretava problemas no futuro.
Falaram com o autor, que percebeu e aguardou a regularização e resolução desta situação.
Desconhece se o autor tinha ou não conhecimento se a aplicação era um depósito a prazo ou se eram obrigações, vendiam este produto como se fora uma aplicação a prazo.
Em 2002, havia uma confiança, os clientes acreditavam neles; os depósitos a prazo eram seguros e hoje em dia não.
O fundo imobiliário era diferente de um depósito a prazo.
O fundo imobiliário detido pelo autor, enquadra-se no seu perfil conservador; o autor foi alertado para a hipotética perda de capital.
O autor sempre pensou que a situação estava resolvida.
Em 2016, quando as obrigações não foram pagas, o autor dirigiu-se ao Banco no sentido de saber o que se passava.
A SLN não pagou e o Banco não era responsável.
O autor ficou desagradado com a situação e intentou uma acção em tribunal.
Face ao depoimento da testemunha extractado supra e os documentos juntos, altera-se a redacção do facto provado sob o nº 5 que passa a ser a seguinte:
5O produto referido em 2) foi apresentado aos autores por um funcionário do BPN, como sendo obrigações emitidas pela SLN, que esta empresa era a dona do Banco, como sendo uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, rendibilidade assegurada e com a possibilidade de obtenção de liquidez antecipada, através da venda a um terceiro/cliente.
No que concerne ao facto apurado sob os nºs 8, mantém-se a sua redacção.
O facto sob o nº 10, terá que ser não Provado, face a ausência prova bastante – convicção/opinião da testemunha.
Destarte, procede parcialmente a pretensão.
b) Responsabilidade civil do Banco
Os autores com fundamento na violação dos deveres de informação, lealdade e protecção pretendem uma indemnização no valor de € 50.000,00 acrescido dos juros de mora.
A qualificação jurídica do Banco réu subsume-se a de intermediário financeiro que, enquanto instituição de crédito, comercializou as obrigações SLN 2006, executando ordens de subscrição que lhe foram transmitidas por outrem, in casu, o autor - cfr. arts. 289/1, 290/1 b) 293/1 a) do Código dos Valores Imobiliários (CVM/DL 486/99 de 13/11).
A intermediação financeira designa o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro ente a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.
Os intermediários financeiros são agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários prestam, simultaneamente, aos emitentes e investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transacções por sua conta, ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos.
A conduta dos intermediários financeiros rege-se segundo determinados princípios, alguns deles elencados no art. 304, 314, 309 CVM – protecção dos legítimos interesses do seus clientes, boa-fé, observação de elevados padrões de diligência, lealdade, transparência, obtenção de informação, junto do cliente, em saber quais os produtos procurados, situação financeira e objectivos do investimento; efectuar a avaliação do carácter adequando da operação, bem como, em caso de conflito de interesses, agir de forma a assegurar aos clientes tratamento transparente e equitativo e dar prevalência aos interesses do seu cliente em detrimento dos seus – sob pena de obrigação de indemnizar os danos causados em consequência da violação desses deveres (responsabilidade civil).
Sobre o intermediário financeiro impende o dever de informação – cfr. art. 312 e 313 CVM – sendo que a informação devem ser tanto maior quanto menor o grau de conhecimento e experiência do cliente.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92 de 31/12) exige que as instituições de crédito, em todas as actividades que exerçam, assegurem aos seus clientes uma elevada competência técnica, qualidade e eficiência, diligência, lealdade e respeito pelos interesse que lhes são confiados informação aos clientes da remuneração que oferecem pelos sues produtos e preço dos serviços prestados – arts. 73 a 76 do RGICS.
Daqui se infere, tal como refere António Azevedo Ferreira, in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris 2005 – 652/654 – que a relação negocial estabelecida entre os Bancos e os seus clientes assenta, ente outras, na obrigação de prestar informação segundo duas vertentes complementares:
“Por um lado, o Banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente, quando da informação prestada ao cliente possa depender uma Correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, atendendo à salvaguarda do interesse dos clientes e por outro, a informação prestada deve ser verdadeira e rigorosa, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelo princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda do interesse dos clientes”.
A responsabilidade do intermediário financeiro (Banco) a que alude o art. 304-A/1 CVM é uma responsabilidade contratual cujos pressupostos estão definidos no art. 798 CC.
Incumbe ao lesado o ónus de prova da culpa do intermediário financeiro, presumindo-se sempre a culpa, em caso de violação dos deveres de informação – cfr. art. 304-A/2 CVM.
A definição do que se entende por dolo ou culpa grave no domínio da excepção ao curto prazo de prescrição previsto no art. 324/2 CVM, tem de ter em conta a ponderação dos interesses inerente à norma, ou seja, as características da relação entre o Banco e o cliente (a confiança especial depositada por este na instituição bancária) e os deveres de informação, lealdade, cuidado com os valores alheios e de boa-fé do Banco em relação ao cliente.
A graduação do grau de negligência (grave, leve, levíssima) aferir-se-á pelo padrão de culpa consagrado no art. 304/2 CVM, (boa-fé de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência), padrão este que transcende o critério fixado no art. 487/2 CC porquanto assente no sujeito diligentissimus, uma vez que são exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só são observados por pessoas muito prudentes.
Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação, responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsável só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa – cfr. Meneses Cordeiro, in Direito Bancário, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Edt., 1997, 24, Ac. STJ de 17/3/2016 e Ac. RL de 2/11/17, relator Ilídio Sacarrão Martins, in www.dgsi.pt.
Por seu turno, o art. 314 CVM regula a responsabilidade civil do intermediário financeiro, cabendo ao lesado o ónus de prova da culpa do intermediário financeiro, presumindo-se sempre a culpa, em caso de violação dos deveres de informação.
No domínio da intermediação financeira, a crescente complexidade dos serviços e produtos financeiros justifica esclarecimentos e uma lealdade acrescidos por parte do intermediário financeiro especialmente face a a investidores não qualificados – a protecção do contratante mais débil é assegurado através dos dispositivos que asseguram o dever de informar.
In casu, estamos perante investidores não qualificados o que implica que a informação prestada seja compreendida pelo destinatário médio, sem que sejam ocultados ou subestimados elementos, declarações ou avisos importantes, nomeadamente, o do risco associado à operação – cfr. art. 312-A, 312-B e 312-E CVM.
Na data da subscrição pelo autor do produto SLN 2006, não lhe foi explicado o que eram obrigações, nem obrigações subordinadas SLN, não lhe foi lido, nem explicado o boletim de subscrição, não foi entregue cópia de documento que contivesse as cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN 2006 ou prazos de resolução unilateral pelos autores, sendo que estes tinham confiança nos interlocutores do Banco.
A ficha técnica e a nota interna referem, entre outros, os riscos da operação – reembolso antecipado…só é possível por iniciativa da SLN, a partir do 5º ano, mediante aprovação prévia do Banco de Portugal/vedado à iniciativa dos obrigacionistas; em caso de reembolso parcial antecipado a amortização das obrigações será efectuada por sorteio, as receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida, sendo que os subscritores terão sempre prioridade sobre os accionistas da SLN mas estarão subordinados aos restantes credores.
A operação de emissão consistia na captação da SLN de cinquenta milhões de euro, sendo que as instruções aos funcionários (todos) do Banco foram no sentido de sedução dos clientes para a aquisição do novo produto que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo, sem risco quanto ao reembolso do capital e juros atractivos e garantidos.
Daqui se extrai, que houve uma omissão de informação do Banco quanto aos riscos da operação pelo que, tendo em atenção os arts. citados, o Banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, ou seja, pelo reembolso de capital investido na aquisição do Produto SLN 2006.
Concomitantemente também o Banco incorreu em responsabilidade extra-contratual traduzidos na violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 CVM, como sejam os ditames da boa-fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também do dever de informação (arts. 7/1 e 312/1 CVM), sendo certo que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa - art. 314 CVM.
Verificados estão os pressupostos da responsabilidade contratual e extra-contratual (ilicitude, culpa, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano).
Assim, tendo em atenção os arts. citados e ainda os arts. 562, 564, 805/1 e 806 CC, os autores/apelados têm direito a ser ressarcidos/indemnizados pelos prejuízos sofridos, ou seja, € 50.000,00 acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Destarte, falece a pretensão.

Concluindo:
1 – A intermediação financeira regula o conjunto de actividades destinadas a mediar o encontro entre a oferta e a procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento.
2 – Sobre o intermediário financeiro impende o dever de informação, sendo que esta deve ser tanto maior quanto menor o grau de conhecimento e experiência do cliente.
3 – Presume-se a culpa do intermediário financeiro em caso de violação do dever de informação.
4 – O intermediário financeiro só se liberará se lograr provar que, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.
Custas pelo Banco apelante.

Lisboa, 24/6/2021
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça