Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6036/17.5T8LSB.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
TRIBUNAL ARBITRAL
CONTRATO DE SEGURO
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
VINCULAÇÃO DO SEGURADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Os seguros por conta de outrem assumem-se como contratos a favor de terceiro, nos quais o tomador do seguro actua por conta do segurado, determinado ou indeterminado;
2. Nestes casos, o segurado não é parte no contrato, sendo antes terceiro beneficiário, sendo-lhe oponíveis os meios de defesa derivados do contrato de seguro e referentes a questões de direito substantivo;
3. Quando nesses seguros por conta de outrem esteja inserida cláusula compromissória, é esta autónoma relativamente ao contrato em que se insere, assumindo-se como negócio jurídico autónomo;
4. Por esse motivo, a convenção de arbitragem nela contida é válida apenas entres os outorgantes do contrato de seguro, não vinculando o segurado (terceiro beneficiário), salvo se este expressa ou tacitamente a ela adira ou dê anuência.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A [ Rui ………….] intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B [ Zurich …. ], C [ HCC….Company Plc – Sucursal en España ], D […. Services Ltd ] , E  [ …..Liability UK Limited ] , F [ …. International Insurance Limited ] , G [ Allianz ….. – Sucursal en España, H [ Navigators ……, Ltd  ] e I [ …….Global SE ] , alegando ter celebrado contratos de seguro, sendo que as RR. se recusam a cumprir os mesmos.
Termina pedindo que se condene a R. B a pagar ao Autor o valor de € 94 347,00, correspondente às despesas que o mesmo já suportou com a sua defesa, sendo esse valor acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor vencidos e calculados até ao dia 10 de Março de 2017 no montante de € 1 278,51 e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento; e se condene, sucessiva e subsidiariamente, as restantes RR. nos mesmos termos se o montante da cobertura devido pela Ré B já tiver sido esgotado com o pagamento de quantias devidas ao abrigo dos contratos de seguros invocados nos presentes autos ou se vier a entender que algum desses contratos de seguro já não produz efeitos, nomeadamente por se considerar válida a anulação dos mesmos, nos seguintes termos:
(i) A C, D, E, F na proporção de 35% para a primeira, 28,75% para a segunda, 28,75% para a terceira e 7,5% para a quarta até ao subsequente valor de € 10.000.000,00.
(ii) A C e a G na proporção de 75% para a primeira e de 25% para a segunda até ao subsequente valor de € 10.000.000,00.
(iii) A H, a I e E na proporção de 46,25% para a primeira, 46,25% para a segunda e 7,5% para a terceira até ao subsequente valor de € 20.000.000,00.
2. Citadas as RR., arguiram estas, além do mais, a excepção de preterição de tribunal arbitral, tendo ainda a C requerido a suspensão da instância por causa prejudicial.
3. Pronunciou-se o A. pela improcedência das excepções suscitadas e
4. Foi proferido despacho indeferindo a suspensão da instância e dispensando a audiência prévia, após o que foi proferida decisão julgando o tribunal incompetente, por preterição de tribunal arbitral e absolvendo as RR. da instância.
5. Inconformado, o A. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
Do recurso sobre a matéria de facto
A) Na enunciação que a Douta Sentença recorrida fez dos factos provados, o Tribunal “a quo” apenas incluiu as cláusulas dos contratos de seguro que entendeu serem necessárias para sustentar a decisão que proferiu sobre a incompetência do Tribunal.
B) E não teve em consideração os factos referentes às restantes cláusulas igualmente consagradas nesses mesmos contratos de seguro que são relevantes para a decisão jurídica acerca da competência do Tribunal que o Apelante preconiza, e que foram por este invocadas tanto na Petição Inicial, como no requerimento de resposta às excepções.
C) Na fixação da matéria de facto provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável – Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos da Relação de Évora de 30.06.2016 e de 26.02.2015, nos processos n.º 1715/12.6TBEVR-A.E1 e n.º 164/14.6T8FAR-A.E1 in www.dgsi.Net.).
D) O Tribunal Superior não pode apreciar devidamente o presente recurso se os termos das cláusulas que foram omitidas não forem acrescentados aos factos provados e destes apenas constarem cláusulas que servem para sustentar a posição inversa.
E) Existe prova inequívoca nos autos da existência e do teor das cláusulas omitidas que o Apelante pretende sejam adicionadas à matéria de facto.
F) A decisão sobre a matéria de facto deve, por conseguinte, ser alterada, e a ela devem aditar-se os seguintes factos como integralmente provados:
Facto provado n.º 9):
No capítulo inicial dos contratos de seguro, intitulado “elementos do risco”, consta uma cláusula na qual se estabelece que, sem prejuízo das disposições relativas à arbitragem (que prevalecem sobre esta disposição), as (re)seguradoras e o segurado convencionam:
(i) Que todos e quaisquer litígios decorrentes ou relacionados com o presente contrato ficam sujeitos à jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses (“o Foro Escolhido);
(ii) Cumprir todos os requisitos necessários para assegurar a jurisdição do foro escolhido.
(iii) Renunciar a todas as objecções baseadas na inconveniência do foro ou outros motivos; e
iv) Não intentar nem tomar providência para que seja intentado um processo judicial ao presente contrato num país diferente do país do foro escolhido; e
v) Que uma decisão do Foro Escolhido será definitiva, vinculativa e executável contra eles em qualquer outro tribunal.”
Facto provado n.º 10):
No capítulo inicial dos contratos de seguro, intitulado “elementos do risco”, consta a seguinte definição de Segurado: “Segurado - a Sociedade (3.10) ESPÍRITO SANTO FINANCIAL GROUP, S.A. incluindo todas as sociedades participadas presentes ou futuras constituídas ou adquiridas, conforme descrito mais pormenorizadamente no Texto da Apólice Original, incluindo nomeadamente o Banco Espírito Santo e as suas participadas”.
Do recurso sobre a matéria de direito
G) O Tribunal “a quo” julgou o tribunal incompetente por preterição do tribunal arbitral porque considerou que a convenção de arbitragem contida numa cláusula dos contratos de seguro juntos aos autos produz efeitos jurídicos em relação ao Apelante, abrangendo o presente litígio.
H) Está demonstrado nos autos que o Apelante não é parte na convenção de arbitragem (factos provados n.º 1 a 6) e que não existe dispositivo legal que determine que os efeitos de uma cláusula arbitral consagrada num contrato de seguro se devam produzir na esfera jurídica de quem dele não é parte.
I) Nos termos do n.º 2 do artigo 406.º do Código Civil, o contrato não produz efeitos em relação a terceiros, pelo que a decisão do Tribunal “a quo” em sentido contrário viola esta norma.
J) Essa decisão equivale, ainda, a admitir a competência do tribunal arbitral por força de convenção celebrada por terceiros, o que desrespeita o disposto nos n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º da Lei da Arbitragem Voluntária, que estabelecem que a competência do tribunal arbitral depende da celebração por escrito de convenção de arbitragem entre aqueles que são o autor e o réu na acção.
L) No nosso direito, e como determina o artigo 1.º do Código Civil, nem a doutrina, nem a jurisprudência são fontes de direito e, por conseguinte, o julgador não deve aplicar a Doutrina e a Jurisprudência em prejuízo da lei.
M) E, ao invés do que sugere o Tribunal “a quo” nem a doutrina, nem a jurisprudência têm vindo “unanimemente” a considerar existirem situações em que é admissível, sem mais, estender a eficácia da convenção de arbitragem a alguém que não a subscreveu.
N) E, muito menos, nos termos genéricos em que o Tribunal “a quo” o fez, os quais tornam a cláusula arbitral aplicável ao Apelante sem que hajam sido provados nos autos quaisquer factos que indiciem a adesão do Apelante à mesma e, pura e simplesmente, ignoram o disposto no artigo 406.º n.º 2 do Código Civil e nos n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º da Lei da Arbitragem Voluntária.
O) Pelo contrário, o Supremo Tribunal de Justiça, através dos Acórdão de 27-11-2008 e de 08-09-2011, in www.dgsi.pt, que se encontram juntos aos autos, já decidiu no sentido de que a cláusula arbitral contida num contrato de seguro não é aplicável ao terceiro beneficiário que não é parte no contrato.
P) Mais recentemente, no âmbito de outro processo judicial, interposto também por um administrador do BES, que tem as mesmas RR e onde igualmente se discutem os mesmos contratos de seguro e a mesma cláusula arbitral em causa nos presentes autos, foi proferida uma decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu que a convenção de arbitragem que está em apreço nos presente autos não era aplicável ao autor dessa acção, igualmente administrador do BES, por este não ser parte nessa convenção, tendo julgado o tribunal judicial competente para decidir a causa.
Q) Esta última decisão, que foi emitida no âmbito do processo judicial n.º 7459/16.2T8LS-A.I1, que corre os seus termos na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. confirmou a decisão da primeira instância
R) O Tribunal “a quo” teve conhecimento dessas decisões judiciais em data precedente à Douta Sentença recorrida e ao decidir em sentido contrário, sem que nos autos estejam demonstradas circunstâncias específicas que o justifiquem, violou o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que impõe que, nas decisões que proferir, o julgador tenha em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
S) Além de ser ilegal, seria de uma injustiça clamorosa que o sistema judicial português permitisse que a alguns dos administradores do BES fosse reconhecida a possibilidade de exercer o seu direito perante os tribunais judiciais portugueses, como ficou reconhecido por este último acórdão e que simultaneamente essa mesma possibilidade fosse negada ao Apelante!
T) O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que o Tribunal “a quo” cita na fundamentação da Douta Sentença recorrida, como suporte para a sua decisão, não se pronunciou no sentido que foi assumido pelo Tribunal “a quo” e, ao invés, considera que a convenção arbitral só será extensível ao terceiro não subscritor se houver uma adesão do mesmo à convenção (implied consent) e se, em concreto, se verificar um circunstancialismo de facto que permita, sem margem para dúvidas, inferir e afirmar a existência dessa adesão.
U) No caso em apreço, não estão demonstrados factos que revelem nem uma declaração expressa, nem uma declaração tácita do Apelante de adesão à convenção de arbitragem.
V) E, pelo contrário, emerge dos autos, que o Apelante intentou a presente acção no tribunal judicial e que, desde a primeira hora, através da Petição Inicial, manifestou o entendimento de que o tribunal judicial português era o competente para julgar a causa, o que seria incompatível com uma vontade de aderir à convenção de arbitragem.
X) Perante o que está demonstrado nos autos, não é admissível a presunção judicial de que o Apelante estaria consciente de que os litígios emergentes dos contratos em que o mesmo era beneficiário seriam resolvidos pelo Tribunal Arbitral, o que correspondendo a uma presunção judicial retirada de outra presunção judicial, sempre violaria o disposto no artigo 349.º do Código Civil.
Z) Nem essa presunção judicial, nem a presunção judicial de que o Apelante não podia ignorar a convenção de arbitragem, consubstanciam factos que permitam revelar com toda a probabilidade a vontade do Apelante em aderir à convenção de arbitragem.
AA) O entendimento de que o mero conhecimento, ou a impossibilidade de desconhecimento de uma convenção de arbitragem, determina uma vinculação à mesma viola o disposto no n.º 2 do artigo 406.º do Código Civil e nos n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 2.º da Lei da Arbitragem Voluntária e não é juridicamente atendível.
AB) A Decisão Recorrida que estende os efeitos jurídicos de uma convenção arbitral ao Apelante apenas porque presume que este a conhece e sem que este tenha manifestado a vontade de a ela aderir representa uma restrição, que a lei não prevê ao direito constitucional de o mesmo recorrer aos tribunais judiciais para fazer valer o seu direito e viola o disposto no artigo 20.º da Constituição.
AC) O exercício de um direito emergente de um contrato de seguro pelo terceiro beneficiário que não o subscreveu não o torna parte desse contrato.
AD) Nos termos da lei, o terceiro beneficiário do contrato de seguro adquire apenas o direito à prestação, com o conteúdo que a mesma apresentar nos termos desse contratos, não existindo fundamento jurídico para considerar que outras estipulações contratuais essenciais para as partes celebrantes dos contratos, que nada têm a ver com o conteúdo da prestação, como é uma convenção arbitral ou a obrigação de pagar o prémio, o vinculem.
AE) Não existe, assim, fundamento nem factual, nem jurídico que permita sustentar que a cláusula arbitral contida nos contratos de seguro é aplicável ao Apelante e a Decisão Recorrida que julgou o tribunal judicial incompetente por preterição do Tribunal arbitral é desconforme com a lei e deve ser revogada.
AF) Mas essa decisão é, ainda, incorrecta porque o presente litígio não está abrangido pela estipulação dessa cláusula arbitral, pelo que, mesmo que essa cláusula fosse aplicável ao Apelante, o que não se aceita, dela não emerge a competência do tribunal arbitral para julgar a presente causa.
AG) A cláusula arbitral não tem o âmbito geral que o Tribunal “a quo” lhe atribuiu de incidir sobre qualquer litígio emergente dos referidos contratos, o que se torna evidente pela mera circunstância de, nos mesmos contratos, existir uma cláusula diferente que consagra um foro diverso para a resolução de litígios emergentes desses contratos.
AH) O que determina que a cláusula arbitral deva necessariamente ter uma aplicabilidade limitada.
AI) Se atendermos à definição de Segurado, que consta dos contratos e que o Apelante pretende seja aditada aos factos provados, como impõem as regras de interpretação estabelecidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, torna-se inequívoco que a cláusula arbitral apenas abarca os litígios que oponham as seguradoras à “A Sociedade (3.10) ESPÍRITO SANTO FINANCIAL GROUP, S.A., incluindo todas as participadas presentes ou futuras constituídas ou adquiridas, conforme descrito mais pormenorizadamente no Texto da Apólice Original, incluindo nomeadamente o Banco Espírito Santo e as suas participadas”, e não abrange o presente litígio que não opõe qual dessas entidades às Seguradoras.
AJ) A interpretação que o Tribunal “a quo” faz da cláusula que prevê a competência do Tribunal Judicial Português no sentido de ela estipular que “Sem prejuízo das disposições relativas à arbitragem contidas no contrato (que prevalecem sobre estas disposições)”, determina que a cláusula que prevê a jurisdição exclusiva dos tribunais judiciais portugueses fique totalmente esvaziada de conteúdo.
AL) Tal interpretação não é juridicamente admissível porque um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não presume que as partes agiram sem lógica e nada quiseram com a estipulação da referida cláusula.
AM) Ao invés, o entendimento segundo o qual a cláusula arbitral só se aplica a determinadas situações, abrange a que determina a jurisdicção dos tribunais portugueses todas as restantes situações de litígio, funcionando como cláusula residual, permite dar um sentido útil a ambas as estipulações, devendo por essa razão prevalecer.
AN) Não estando o presente litígio abrangido pela estatuição da cláusula arbitral, a competência para julgar o presente litígio está, nos termos dos contratos de seguro, cometida ao Tribunal Judicial português e, mesmo que se entenda que o Apelante está vinculada pelas cláusulas de estipulação do foro estabelecidas nos contratos de seguro, o que não se aceita, o tribunal competente para julgar a presente causa é o Tribunal Judicial Português.
AO) A interpretação dos contratos de seguro no sentido de que o presente litígio não está abrangido pela estipulação da cláusula arbitral e que é o Tribunal Judicial Português que, segundo as regras do contrato, tem competência para julgar o caso objecto dos presentes autos é também aquela que conduz ao maior equilíbrio das prestações e que, nos termos do artigo 237.º do Código Civil, deve prevalecer.
AP) A competência dos Tribunais judiciais portugueses para julgar a presente causa deve ainda ser declarada porque o Apelante alegou factos que consubstanciam a previsão da alínea c) do artigo 62.º do CPC, e que determina que os tribunais judiciais portugueses sejam internacionalmente competentes para julgar esta acção.
AQ) O regime jurídico consagrado na alínea c) do artigo 62.º do CPC não obriga o autor a intentar acção no estrangeiro para que seja esse tribunal estrangeiro a decidir se se verificam as condições de dificuldade que, ao abrigo dessa norma, atribuem o direito a intentar a acção em Portugal, nem dessa norma resulta que a sua aplicação deva ser excluída quando a competência do Tribunal estrangeiro resulte de convenção arbitral.
AR) A decisão do Tribunal “a quo”, que privou o Apelante de beneficiar do disposto na alínea c) do artigo 62.º do CPC sem antes ele intentar a acção arbitral no estrangeiro que ele tem dificuldade apreciável em propor, constitui uma denegação de justiça, não tem suporte na letra da lei e contraria a teleologia da norma que é a da salvaguarda do direito constitucional consagrado no artigo 20.º da Constituição, de a todos ser “assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e de a justiça não poder ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
AS) Por força do disposto no artigo 18.º da Constituição, não é admissível uma interpretação restritiva da alínea c) do artigo 62.º do CPC como aquela que o Tribunal “a quo” faz quando não permite abranger na sua previsão um tribunal arbitral.
AT) No caso em apreço, não se está perante situação em que o Apelante teve a oportunidade de escolher e, através da celebração de uma convenção arbitral, decidiu optar pela solução mais onerosa, remetendo a resolução dos litígios para um tribunal arbitral e está, antes, a ser-lhe imposto um meio alternativo de resolução de litígios por vontade de terceiros, que é de tal forma oneroso, que, na prática, o impede de conseguir aceder aos tribunais para defesa desse direito.
AU) Do mesmo modo, no caso em apreço, não se está perante “a mais pequena dificuldade”, mas, antes, perante circunstancialismos específicos muito graves, excepcionais e não previsíveis da vida do Apelante no que respeita à sua situação financeira, que resultam de ter perdido o seu trabalho como administrador do BES, de contra ele terem sido intentadas mais de trinta acções e de ter vindo a suportar todos os custos necessários à sua defesa nessas acções, tendo ademais ficado privado de todos os depósitos bancários que tinha no BES, que, por ser o banco onde trabalhava, era aquele que tinha escolhido para colocar as suas poupanças.
AV) Está.se, ainda, perante circunstancialismos específicos da arbitragem em causa, que, pelo procedimento que estabelece, e que o Apelante quis, nem escolheu, que obrigam a uma tarefa hercúleae quase impossível, de conseguir agregar todas as Seguradoras, todos os tomadores dos seguros, sendo que alguns já se encontram em liquidação, e todos os titulares dos direitos emergentes do contrato para nomearem um árbitro e ser possível constituir o Tribunal Arbitral, e envolvem custos exorbitantes, que podem facilmente ultrapassar um milhão de euros e que são desproporcionais em relação o valor do direito que o Apelante pretende exercer e ultrapassam largamente o valor desse direito.
AX) Sendo patente que o Apelante não conseguirá aceder ao Tribunal Arbitral nos termos em que o Tribunal “a quo” impõe, ficando assim impossibilitado de exercer o seu direito, a decisão de que ora se recorre ao não reconhecer a competência do Tribunal Judicial português para prosseguir com os presentes autos, além de manifestamente ilegal por todas as razões que se indicaram, é, ainda, de uma injustiça clamorosa.
AZ) Em conformidade, a Douta recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decida no sentido da competência deste tribunal judicial para se prosseguir com os presentes autos, só assim se fazendo justiça”.
6. Nas suas contra-alegações, a R. HCC alegou que as alegações apresentadas não contêm fundamentos impugnatórios, nem verdadeiras conclusões, devendo o recurso ser rejeitado nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do CPC. Defendeu, ainda assim, a improcedência do mesmo.
7. Em sede de contra-alegações, as demais RR. defenderam a improcedência do recurso.
8. Apresentou o A. requerimento, defendendo a extemporaneidade das contra-alegações apresentadas por todas as RR., tendo tal questão sido apreciada em despacho proferido em 1ª instância e em despacho liminar do relator, nada mais havendo a determinar nesse sentido.
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da impugnação da matéria de facto;
- da aplicação da convenção de arbitragem ao apelante.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:
Atento o acordo das partes e o teor dos documentos juntos aos autos de fls 51 e ss, estão assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:
1- A ré B celebrou com o BES e com a Espirito Santo Financial Group, SA, (tomador de seguro) um contrato de seguro de responsabilidade civil (Condições Particulares, Gerais e Especiais), cobrindo os riscos e danos decorrentes da responsabilidade civil profissional resultantes dos actos e omissões praticados pelos segurados no exercício do seu objecto social (administradores da sociedade), contrato esse titulado pela apólice FD1310488.
2- Este contrato foi renovado para o período de 1 de Janeiro de 2104 a 31 de Dezembro de 2014 através da apólice nº FD1410488.
3 – A ré C, a D, a E e a F celebraram com o BES e com a Espirito Santo Financial Group, SA, (tomador de seguro) um contrato de seguro de responsabilidade civil (Condições Particulares, Gerais e Especiais), cobrindo os riscos e danos decorrentes da responsabilidade civil profissional resultantes de actos e omissões praticados pelos aí segurados (administradores das sociedades), no exercício do seu objecto social (apólices secundárias de excesso) – apólices B0823FD1310489.
4- A ré C e a G celebraram igualmente com a Espírito Santo Financial Group, SA e com o BES os contratos de seguro correspondentes à apólice nº B0823FD1410490.   
5- A ré H, a I e a F celebraram igualmente com o BES e com a Espírito Santo Financial Group, SA, os contratos de seguro correspondentes à apólice nº B0823FD1410491.    
6 – Consta das apólices uma cláusula compromissória (Parte II/ponto 10.13 da apólice referida em 1- e parte II/ponto 8 das apólices referidas de 3- a 5- do seguinte teor: “Processo Alternativo de Resolução de Litígios. Os Segurados e os Seguradores devem submeter os litígios decorrentes ou relacionados com a presente Apólice a um processo vinculativo de arbitragem, tal como descrito nesta Secção (doravante, o Processe ARL). O processo ARL terá lugar em Londres, no Reino Unido. Tantos os segurados como as seguradoras podem iniciar o Processo ARL mediante comunicação à outra parte por escrito. Salvo acordo em contrário entre as partes, esta arbitragem vinculativa rege-se pelas regras de arbitragem da ARIAS. Numa arbitragem desta natureza, os Segurados colectivamente e as Seguradoras devem escolher cada um deles um árbitro independente, sendo o terceiro árbitro independente escolhido por estes dois árbitros. Uma decisão tomada pela maioria destes três árbitros será final e vinculativa para os Segurados e Seguradoras. As partes no processo de Procedimento ARL partilharão igualmente os honorários e as despesas do terceiro árbitro bem como outras despesas comuns do processo de Procedimento ARL devem partilhar de forma igual os honorários e as despesas do terceiro árbitro nomeado, bem como as outras despesas comuns do Processo ARL, embora cada parte deva proceder ao pagamento dos honorários e despesas do árbitro nomeado por si”. 7 – Consta da cláusula 4.4 da apólice: “Consentimento (…) Se num prazo de trinta (30) dias depois de um segurado apresentar um pedido de indemnização à seguradora, houver um litígio exclusivamente a respeito de saber se existem fundamentos jurídicos suficientes para remeter esse litígio a um advogado (escolhido por mútuo acordo entre o segurado e a seguradora) com um mínimo de dez (10) anos de experiência jurídica. Se o segurado e a seguradora não chegarem a acordo sobre este advogado, o segurado ou a seguradora podem recorrer ao processo alternativo da resolução de litígios previsto na secção 10.13, para resolver o litígio sobre se existem fundamentos jurídicos suficientes para contestar o pedido de indemnização em causa”.
8 – Consta da apólice cláusula 4.6.: “Afectação A Seguradora é responsável apenas por perdas financeiras decorrentes exclusivamente de um pedido de indemnização coberto (…) Se seguradora, a sociedade e segurado não chegarem a acordo sobre a afectação de acordo com a secção 4.6, todas essas partes convencionam desde já submeterem-se à afectação que resultar do processo/procedimento alternativo para a resolução dos litígios previsto na presente apólice (…)””.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar, impondo-se salientar, antes de mais, que a requerida rejeição do recurso se mostra já decidida por despacho prévio do relator, nada mais havendo a decidir quanto a essa matéria.
1. Da impugnação da matéria de facto:
2. Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 283 e ss.
No caso dos autos, entende o apelante que devem ser dadas como assentes as cláusulas dos contratos de seguro em causa nos autos e que se referem à competência do tribunal.
Da leitura dos autos resulta que o A. estrutura a presente acção com base em contrato de seguro, que junta, e que as RR. não questionam, antes defendem a sua anulação e esgrimem argumentos quanto à sua não aplicação ao caso dos autos.
Daqui decorre que todo o conteúdo do contrato deve ser atendido, tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito aplicáveis ao caso, o que passa por dar como assentes as cláusulas que, para o apelante, determinam a procedência da sua argumentação.
Assim, e uma vez que resultam dos documentos juntos e do acordo das partes, entende-se que a impugnação da matéria de facto deve ser julgada procedente, devendo ser aditados aos factos provados os seguintes factos:
9- No capítulo inicial dos contratos de seguro, intitulado “elementos do risco”, consta uma cláusula na qual se estabelece que, sem prejuízo das disposições relativas à arbitragem (que prevalecem sobre esta disposição), as (re)seguradoras e o segurado convencionam:
(i) Que todos e quaisquer litígios decorrentes ou relacionados com o presente contrato ficam sujeitos à jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses (“o Foro Escolhido);
(ii) Cumprir todos os requisitos necessários para assegurar a jurisdição do foro escolhido.
(iii) Renunciar a todas as objecções baseadas na inconveniência do foro ou outros motivos; e
iv) Não intentar nem tomar providência para que seja intentado um processo judicial ao presente contrato num país diferente do país do foro escolhido; e
v) Que uma decisão do Foro Escolhido será definitiva, vinculativa e executável contra eles em qualquer outro tribunal.”;
10 - No capítulo inicial dos contratos de seguro, intitulado “elementos do risco”, consta a seguinte definição de Segurado: “Segurado - a Sociedade (3.10) ESPÍRITO SANTO FINANCIAL GROUP, S.A. incluindo todas as sociedades participadas presentes ou futuras constituídas ou adquiridas, conforme descrito mais pormenorizadamente no Texto da Apólice Original, incluindo nomeadamente o Banco Espírito Santo e as suas participadas”.
Consequentemente, julga-se procedente este segmento da apelação, passando-se a apreciar a impugnação do mérito da causa.
2. Da aplicação da convenção de arbitragem ao apelante:
Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou o tribunal incompetente, insurgindo-se o apelante com a interpretação dada aos factos provados e à convenção de arbitragem trazida a juízo.
Alega o apelante, além do mais, que “está demonstrado nos autos que o Apelante não é parte na convenção de arbitragem (factos provados n.º 1 a 6) e que não existe dispositivo legal que determine que os efeitos de uma cláusula arbitral consagrada num contrato de seguro se devam produzir na esfera jurídica de quem dele não é parte” pelo que “a douta sentença deve ser revogada e substituída por outra que decida no sentido da competência deste tribunal judicial” (v. Conclusões H e AZ).
Verifica-se, pois, que o apelante entende que a cláusula arbitral aplicada ao caso vertente pelo tribunal recorrido não lhe é aplicável, porquanto essa mesma cláusula tem o seu âmbito de aplicação limitado aos litígios entre as Seguradoras e as entidades que foram definidas nesses contratos como segurados e essa definição de segurado prevista nesses contratos não abrange o Apelante.
Para tanto, defende que a decisão recorrida viola o art. 406º, nº 2 do CC e ainda os arts. 1º, nº 1 e 2º, nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária, que estabelecem que a competência do tribunal arbitral depende da celebração por escrito de convenção de arbitragem entre aqueles que são o autor e o réu na acção.
Como já referido, a decisão recorrida julgou o tribunal incompetente, por preterição de tribunal arbitral, absolvendo as RR. da instância, tendo entendido que a convenção de arbitragem invocada pelas RR. abrange o objecto do litígio e as partes nos presentes autos.
Prende-se a questão em apreço com a sujeição do litígio entre as partes aos tribunais arbitrais ou aos tribunais judiciais.
Como é sabido, prevê o art. 209º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa a existência de tribunais arbitrais, os quais têm o seu funcionamento consagrado na Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 63/2011, de 14 de Dezembro), doravante designada por LAV.
Dispõe o art. 1º, nº 1 desta lei que “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”, mais se referindo no seu nº 3 que “A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)”.
Face ao disposto no art. 3º da LAV, está a convenção de arbitragem sujeita a determinados requisitos legais sob pena de nulidade, nomeadamente a observação da forma escrita.
Por seu turno, o art. 2º, nº 6 da LAV estatui que “O compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem”.
No caso dos autos, constata-se que estamos perante contratos de seguro de responsabilidade civil (Condições Particulares, Gerais e Especiais), cobrindo os riscos e danos decorrentes da responsabilidade civil profissional resultantes dos actos e omissões praticados pelos segurados no exercício do seu objecto social, nos quais consta uma cláusula compromissória referindo que os Segurados e os Seguradores devem submeter os litígios decorrentes ou relacionados com a Apólice a um processo vinculativo de arbitragem, a ter lugar em Londres, Reino Unido.
O contrato de seguro rege-se pelas estipulações da respectiva apólice não contrárias à lei e acordadas pelas partes, pelo regime do contrato de seguro, pela lei geral e subsidiariamente pelas disposições da lei comercial e civil, tal como resulta do art. 4º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008, de 16 de Abril, doravante aqui designada por LCS) e do art. 7º, nº 2 do CC.
Nos termos do art. 122º da LCS, o recurso aos tribunais arbitrais é admitido para os litígios emergentes de validade, interpretação, execução e incumprimento do contrato de seguro, ainda que a questão respeite a seguros obrigatórios ou à aplicação de normas imperativas do regime constante da LCS.
Por seu turno, o art. 48º da LCS dispõe que “No seguro por conta de outrem, o tomador do seguro actua por conta do segurado, determinado ou indeterminado”.
Resulta desta norma que o segurado é o titular dos direitos emergentes do contrato, e o tomador do seguro, mesmo na posse da apólice, não os pode exercer sem o consentimento daquele (nº 2), sendo oponíveis ao segurado os meios de defesa resultantes do contrato de seguro, mas não aqueles que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro (nº 5).
Mais estabelece o art. 4º da LCS que “Às questões sobre contratos de seguro não reguladas no presente regime nem em diplomas especiais aplicam-se, subsidiariamente, as correspondentes disposições da lei comercial e da lei civil, sem prejuízo do disposto no regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora”.
Da análise dos factos dados como provados extrai-se que o A., ora apelante, não é parte nos contratos de seguro em causa nos autos nem na convenção de arbitragem que neles está inserta.
Por esse motivo, defende o apelante que a sentença recorrida, ao aplicar essa convenção de arbitragem ao apelante, violou o disposto no art. 406º, nº 2 do CC, nos termos do qual o contrato só produz efeitos em relação a terceiros nos casos e termos especialmente previstos na lei.
A questão que se coloca é, pois, apurar se a cláusula arbitral contida num contrato de seguro é ou não aplicável ao terceiro beneficiário que dele não é parte.
Não se desconhece que a decisão recorrida se enquadra em decisões jurisprudenciais que entendem ser de aplicar cláusulas arbitrais a terceiro que não subscreveram os respectivos contratos de seguro.
Tem, todavia, e tal como refere o apelante nas suas alegações, também sido entendido pela jurisprudência que a cláusula arbitral contida num contrato de seguro não é aplicável ao terceiro beneficiário que não é parte nos contratos, na medida em que este tem um novo direito face ao das partes do contrato de seguro.
Importa ainda salientar que existem já decisões jurisprudenciais divergentes relativas à discussão dos mesmos contratos de seguro e da mesma cláusula arbitral em causa nos autos.
Assim, os Acs. TRL de 22-02-2018, relator Carla Mendes, proc. 22574/16.4T8LSB.L1-8, que a decisão recorrida segue de perto, e de 07-06-2018, relator Ferreira de Almeida, proc. 20854/16.8T8LSB,L1-8, entenderam que os autores das aludidas acções têm a posição de segurados, afastando-se a aplicação do art. 443º do CC, tese que não foi acolhida pelo Ac. TRL de 07-03-2019, relator Tibério Silva, proc. 7459/16.2T8LSB-A.L1-2, no qual se defendeu a competência dos tribunais judiciais para a apreciação do caso.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, parece-nos ser esta última solução mais conforme com o disposto no art. 406º e 449º do CC em contraponto com o disposto no art. 48º da LCS.
Com efeito, e tal como já referido, nos termos do art. 48º da LCS, no seguro por conta de outrem, o tomador do seguro actua por conta do segurado, determinado ou indeterminado.
Firmando aqui determinados conceitos, dir-se-á, tal como faz o Prof. Menezes Cordeiro in Direito dos Seguros, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 525 e ss., que “o contrato de seguro é celebrado entre segurador e o tomador do seguro, relativamente a um certo risco”, o qual poderá reportar-se ao tomador do seguro ou a outra pessoa.
Assim, o segurador será “a entidade que, a troco de uma remuneração (o prémio) acolhe o risco”, e o tomador de seguro, “a pessoa que celebra, com o segurador, o contrato de seguro”, podendo ser uma pessoa singular ou colectiva; já o segurado será “a pessoa em cuja esfera jurídica se situa o risco visado”.
Por outro lado, “o tomador pode segurar o seu próprio risco: será o tomador-segurador. Mas pode agir por conta de outrem, no sentido de visar uma eventualidade (risco) que se poderá produzir, primariamente, na esfera deste: o segurado (simples). Nas fórmulas de Margarida Lima Rego, nos seguros de danos, o segurado é a pessoa em cuja esfera se buscam os danos; nos de capitais, a pessoa em cuja esfera se buscam os beneficiários”, ob.cit., pág. 531.
No seguro por conta de outrem, o tomador é a parte no contrato e actua por conta do segurado, seja este determinado ou não. Quer isto dizer que no seguro por conta de outrem existirão, no mínimo, três intervenientes: o segurador, o tomador do seguro e o terceiro-segurado.
Nas palavras de Margarida Lima Rego, in O seguro por conta de outrem em Portugal, Angola e Moçambique, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, II, Almedina 2012, págs. 747-765, “por referência ao seguro por conta de outrem: segurado é aquele por conta de quem o seguro é celebrado”. Ou seja, “o segurado é o titular da cobertura. É o sujeito que se situa dentro da esfera de proteção direta, e não meramente reflexa, do seguro, de quem pode afirmar-se que está coberto pelo seguro. Os seguros por conta de outrem são normalmente, embora não necessariamente, contratos a favor de terceiro, sujeitando-se, a esse título, ao disposto nos arts. 443.º ss CC”.
Para esta autora, in Temas de Direito dos Seguros, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 259, “na grande maioria dos casos, os seguros por conta de outrem serão, simultaneamente, contratos a favor do terceiro por conta de quem foram celebrados (…) Na celebração do contrato de seguro por conta de outrem, o tomador não representa o segurado. Consequentemente, o contrato não vincula o segurado, não produzindo na sua esfera quaisquer efeitos negativos”. Mais refere que “o contrato produz os seus efeitos sem necessidade de aceitação, pelo segurado, e tão-pouco da sua ratificação”.
Define o art. 443º, nº 1 do CC o que se entende por contrato a favor de terceiro, aí se estabelecendo que “Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra, 1987, pág. 424, em anotação a este preceito, “Essencial ao contrato a favor de terceiro, como figura jurídica autónoma, é que os contraentes (promitente e promissário) ajam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro (beneficiário) ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário”.
Por outro lado, decorre do art. 449º do CC que, no âmbito de um contrato a favor de terceiro, “são oponíveis ao terceiro, por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de outra relação entre promitente e promissário”.
Explicam Pires de Lima e Antunes Varela que “São, por exemplo, meios de defesa derivados do contrato (isto é, da relação de cobertura ou de provisão) os que dizem respeito à falta ou vícios da vontade, ou à forma ou conteúdo do próprio negócio. Pode também o promitente invocar a excepção de não cumprimento, a resolução do contrato por verificação de uma condição resolutiva, etc. (vide Vaz Serra,­ est. cit., n.º 21).
O que o promitente não pode é invocar os meios de defesa baseados em qualquer outra relação existente entre ele e o promissário ou na relação (de valuta) existente entre o promissário e o terceiro. O promitente, por exemplo, não pode considerar extinta a obrigação que contraiu em face do terceiro, por compensação com um crédito adquirido através de um outro contrato (mútuo, compra e venda, etc.) sobre o promissário. Do mesmo modo, se A prometer a B entregar uma soma ou um cavalo a C, para preencher uma doação que B quer fazer ao beneficiário, o promitente poderá invocar contra C a anulabilidade do contrato, fundada no erro, no dolo, na coacção, etc.; mas não pode invocar a anulabilidade ou a ineficácia da doação”, ob. cit., pág. 431.
Ora, este art. 449º é equivalente ao art. 48º, nº 5 da LCS, o qual estipula que “Na falta de disposição legal ou contratual em contrário, são oponíveis ao segurado os meios de defesa derivados do contrato de seguro, mas não aqueles que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro”.
Por esse motivo, refere Margarida Lima Rego, que “Em conformidade com o regime geral dos contratos a favor de terceiro, na falta de disposição em contrário, são oponíveis ao segurado os meios de defesa derivados do contrato de seguro, mas não, naturalmente, aqueles que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro", ob. cit., pág. 260.
Igualmente relevantes para se entender a questão em apreço são os ensinamentos de Diogo Leite de Campos quando refere “a doutrina usa distinguir duas modalidades de seguros por conta: seguro por conta de a quem pertencer (ou de a quem respeitar), quando é seguro o interesse do contraente e (ou) de quem mostre ser titular desse interesse; seguro por conta de outrem, quando é coberto só o interesse do terceiro”, in Contrato a Favor de Terceiro, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 68.
E mais, à frente, “Se o contraente, aquele que age por conta assume o conjunto dos direitos e das obrigações contratuais, cabendo ao titular do interesse seguro tão-só o direito a indemnização no caso de lesão desse interesse, tratar-se-á de contrato a favor de terceiro. Isto, quer o terceiro-titular do interesse segurado seja identificado desde logo, quer o seja mais tarde. (…)
A figura de contrato de seguro por conta de outrem coincidirá, portanto, com a do contrato a favor de terceiro”, ob. cit., págs. 69-70.
Do que se vem de expor, tem de se concluir que os contratos em causa nos autos se assumem como contratos de seguro por conta de outrem e, nessa medida, como contratos a favor de terceiro.
Aqui chegados, importa apurar se, não obstante esta qualificação jurídica, a cláusula arbitral contida nos contratos de seguro juntos aos autos produz ou não efeitos jurídicos relativamente a quem não é parte nesses contratos, como o apelante.
Como se pode extrair da resenha doutrinária efectuada, são oponíveis ao segurado os meios de defesa derivados do contrato de seguro e referentes a questões de direito substantivo.
No que se refere à cláusula compromissória de arbitragem, ensina-nos Luís de Lima Pinheiro, in Convenção de arbitragem (aspectos internos e transnacionais - “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 64 - Vol. I / II - Nov. 2004, acedido em https://portal.oa.pt, que “a cláusula compromissória é tratada, para o efeito de fundamentar a competência do tribunal arbitral, como um negócio jurídico autónomo. Por isso, a regra da autonomia da cláusula compromissória está intimamente relacionada com a competência do tribunal arbitral para decidir sobre a sua própria competência.
Esta autonomia não resulta da própria natureza da cláusula compromissória, mas de normas que a estabelecem com vista à realização de uma determinada função. Por conseguinte, nada impede que para outros efeitos a cláusula compromissória seja entendida como um elemento acessório do contrato”.
Assim, no seguimento deste autor, a cláusula compromissória pode ser autónoma quanto em relação ao contrato em que se insere, assumindo-se como negócio jurídico autónomo.
De igual modo, António Sampaio Caramelo in A Autonomia da Cláusula Compromissória e a Competência do Tribunal Arbitral, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, I – Lisboa, Janeiro de 2008, pág. 366, defende que a cláusula compromissória apenas poderá ser válida entre as partes originárias do contrato, “deixando aberto o recurso aos tribunais estaduais para os litígios que se suscitem com quaisquer transmissários dos direitos emergentes desse contrato”.
Como se refere no Ac. TRL de 07-03-2019, relator Tibério Silva, proc. 7459/16.2T8LSB-A.L1-2, supra citado, e relativo a caso semelhante ao dos autos, “…. não estamos, no caso que nos ocupa, perante uma transmissão de direitos, tratando-se, sim, de um direito que emerge, ex novo, do contrato relativamente ao Segurado, beneficiário, que não é parte nesse contrato.
Neste sentido, vai o Ac. do STJ de 27-11-2008 (Rel. Pires da Rosa), Proc. nº 08B3522, publicado em www.dgsi.pt, no qual se exarou, entre o mais, o seguinte: «(…) com o contrato nasce de imediato no património do beneficiário, com autonomia em relação aos intervenientes ou partes no contrato, um direito – no caso, o direito ao direito se se verificarem os respectivos pressupostos – no património do beneficiário.
Escreve Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, pág.279 – e, no mesmo sentido, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Almedina, vol.I, 3ª edição, pág.301 e segs - que neste tipo de contratos «o que se exige é que o promitente e o promissário actuem com intenção de o contrato produzir os efeitos de uma atribuição imediata, e não apenas reflexa, relativamente ao terceiro».
O terceiro – di-lo no mesmo local o mesmo autor – «não |é| um simples destinatário da prestação, antes adquire um direito de crédito ou um direito real autónomo».
E acrescenta - «o beneficiário, visto que não é contraente, tem apenas o direito à prestação prometida. Todos os outros direitos e obrigações resultantes do contrato não o afectam, mas dizem unicamente respeito ao promissário e ao promitente».
Assim pensamos.
Mas pensar assim, como pensamos, é pensar também que o beneficiário tem apenas o direito à prestação prometida, mas tem necessariamente esse direito.
Claro que o tem nos termos substantivos em que foi definido pelos contraentes, o promitente e o promissário que foram, digamos em linguagem comum, os pais da criança, do direito (e por isso o art.449º do CCivil diz que o promitente pode opor ao terceiro todos os meios de defesa derivados do contrato...
Mas tem-no.
E quando alguém tem um direito esse alguém tem ao dispor do reconhecimento dele, tem constitucionalmente ao dispor do reconhecimento dele os tribunais portugueses, os tribunais da ordem judiciária portuguesa – art.202º do CCivil – que são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo.
Podem também as partes, é certo - e a tanto lhe abre a porta a Constituição da República (nº4 do art.202º e art.209º, nº2 ) - para a defesa dos seus direitos ou para o dirimir dos seus conflitos de interesses, constituir voluntariamente um tribunal arbitral.
Mas o beneficiário não é parte no contrato celebrado entre o promitente e o promissário.
E, no reverso do que se disse atrás, não podem então o promitente, ou o promissário, ou ambos, impor-lhe um tribunal arbitral como instituição onde possa ver reconhecido um direito que se radicou autonomamente no seu património.
Que os contratantes promitente e promissário possam convencionar entre si que os seus próprios diferendos através de uma arbitragem é questão que lhes diz respeito, é direito que têm e que deve ser respeitado porque é seu;
que pudessem impor uma tal convenção ao beneficiário seria permitir-lhes interferir num direito que não é seu, que é de outrem e que, mesmo sem a aceitação desse outrem, entrou imediata e autonomamente, no património desse outrem.
E só a ele, porque é seu, saberá como e em que lugar defendê-lo, competirá dizer se é nos tribunais da ordem judiciária que o quer salvaguardar e defender ou ver reconhecido, ou se quer optar por outro caminho.
Deve aliás dizer-se, sem receio, que admitir a imposição ao beneficiário de um tribunal arbitral para definir o seu direito seria, de algum modo, tirar com uma mão o que se está a dar com outra, porque seria colocar eventualmente nas mãos de um tribunal constituído ao critério de promitente e promissário a redefinição de um direito que – já se disse e repete-se – nasceu imediata e autonomamente no património do beneficiário; seria de algum modo também enfraquecer substancialmente ou irremediavelmente eliminar esse direito, sabido como é da natureza dispendiosa da criação e funcionamento dos tribunais arbitrais voluntários (…).»
E no Ac. do STJ de 08-09-2011 (Rel. João Bernardo), Proc. nº 3539/08.6TVLSB.LL.S1, publicado em www.dgsi.pt, considerou-se que: «1. A convenção de arbitragem constante da cláusula dum contrato só vale, em princípio, entre os outorgantes. 2. Sem prejuízo, no entanto, e de acordo com o regime geral dos contratos, de valer relativamente ao cessionário da posição contratual, ao cessionário de crédito ou ao aderente ao contrato.»”.
Parece-nos ser esta a solução a extrair das normas citadas, seja por aplicação do art. 48º, nº 5 da LCS, seja pelas regras relativas ao contrato a favor de terceiro, das quais decorre que a cláusula compromissória não pode ser imposta ao beneficiário que não interveio como parte no contrato.
Daqui decorre que a aludida cláusula não pode ser aplicada ao apelante, como este refere.
Na verdade, os contratos dos autos têm como partes as seguradoras (ora apeladas) e as entidades ESFG e BES, assumindo o apelante a qualidade de segurado (beneficiário).
Importa ainda averiguar se, por alguma forma, o apelante aderiu a esta cláusula de arbitragem, permitindo que a mesma lhe possa ser aplicável.
Para a sentença recorrida, “Face ao que estabelecido no referido artº 122º supra referido, não oferece dúvida a validade das cláusulas dos contratos de seguro em causa.
De igual modo, não suscita dúvida que o A., ainda que não sendo parte nos contratos, pretende-se fazer valer dos mesmos, na qualidade de pessoa segura, não se podendo ignorar que, à data da celebração dos contratos em apreço, o A. era administrador executivo do BES, ou seja, administrador a quem competia a gestão corrente da sociedade.
Não podia, pois, o A. ignorar a existência da convenção de arbitragem, estando consciente de que dessa forma seriam resolvidos os litígios emergentes dos contratos em que o mesmo era beneficiário.
Conclui-se, assim, pela existência da invocada convenção de arbitragem e que a mesma abrange o objecto do litígio e as partes nos presentes autos”.
Insurge-se o apelante com esta interpretação, porquanto não existiu adesão do beneficiário do seguro à convenção de arbitragem, nem de forma expressa, nem de forma tácita e inferida pela demonstração de factos que com toda a probabilidade a revelem, sendo que não estão reunidos os requisitos constantes do art. 349º do CC.
As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC), sendo certo que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351º do CC).
No caso vertente, entendeu o tribunal recorrido que o facto de o apelante ser administrador executivo do BES (tomador do seguro), não podendo ignorar a convenção de arbitragem ínsita nos contratos de seguro, determina que o mesmo aceitou os termos dessa mesma convenção.
Não nos parece que assim se possa concluir.
Como se referiu, entende-se que essa convenção de arbitragem não pode ser imposta ao beneficiário que não tenha tido qualquer intervenção no contrato de seguro.
Admitindo a possibilidade de esse beneficiário aderir a essa convenção, essa adesão tem de ser expressa ou derivar de factos concretos (por exemplo, intentar a acção no tribunal arbitral, aceitando essa competência) e não em meras suposições, sem dignidade factual para se assumirem como presunções.
Por outro lado, e tal como resulta do art. 217º, nº 1 do CC, a declaração tácita existe quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
Daqui resulta que, para se poder concluir pela existência de uma aceitação tácita por parte do apelante quanto aos termos da convenção de arbitragem e sujeição dos autos a um tribunal arbitral, teriam de estar assentes factos dos quais se pudesse extrair essa aceitação.
Ora, nada nos autos permite chegar a essa conclusão.
Por outro lado, e independentemente do conhecimento do apelante quanto aos termos do contrato de seguro, que para a sentença recorrida se infere da sua inserção na orgânica do tomador de seguro, não se pode extrair desse conhecimento qualquer aceitação expressa ou tácita.
Acresce que os factos que levaram à presunção dessa aceitação, no entendimento da decisão recorrida, não foram objecto de prova, não podendo, por esse motivo, servir para o efeito pretendido, sendo certo que nada nos autos permite concluir pela aceitação da convenção, podendo até dizer-se que a instauração dos presentes autos sugere ideia contrária.
Daqui resulta a impossibilidade de concordar com a sentença recorrida quando entende ter existido uma aceitação tácita da cláusula compromissória em análise, o que determina, nesta parte, a procedência da apelação.
Por outro lado, por se entender que procede o primeiro dos argumentos do apelante, ou seja a inaplicabilidade ao caso concreto da cláusula arbitral constante dos contratos trazidos a juízo, não se torna necessário apreciar as demais questões suscitadas, a saber: o âmbito da cláusula arbitral; a existência de uma cláusula de estipulação de foro atribuindo competência ao Tribunal Judicial Português; o maior equilíbrio das prestações decorrente da interpretação dos contratos e a competência internacional dos tribunais judiciais prevista na alínea c) do artigo 62º do CPC
Concluindo, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que julgue improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, mais se determinando a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que sejam seguidos os ulteriores trâmites processuais.
As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade das apeladas, cfr. art. 527º do CPC.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, mais se julgando improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral e a remessa dos autos ao tribunal a quo para prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.
Custas pelas apeladas.

Lisboa, 5 de Maio de 2020
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano