Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18960/00.0TJLSB-D.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
AUTORIZAÇÃO PARA VENDA DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. No processo de autorização de venda de bens de maior acompanhado, a falta de contestação não tem efeito cominatório.
II. A venda de bens do beneficiário depende de autorização do Tribunal, o qual, feitas as diligências que tiver por pertinentes, deve deferi-la se tal satisfizer o interesse do beneficiário, podendo no caso o Tribunal considerar regras de bom senso prático, compondo nesses termos, na justa medida, a situação em causa.
III. No interesse do beneficiário, a autorização de venda de imóvel deve ser concedida caso os rendimentos daquele não lhe permitam ter uma vida condigna e o preço da venda seja justo em função do mercado, tanto mais que in casu o maior acompanhado é comproprietário do imóvel em causa e o outro comproprietário declarou querer vendê-lo, sendo o imóvel indivisível por natureza.     
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Neste processo de jurisdição voluntária de autorização judicial, a Requerente, M…, enquanto tutora/acompanhante de F…, veio pedir que o Tribunal recorrido:
- Autorize a Requerente, em representação de F…, a vender metade indivisa da propriedade de que o Representado é titular, relativamente à fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano sito…, em Lisboa, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial com o n.º … e inscrito na correspondente matriz sob o artigo …º, venda essa a ser efetuada pelo preço total de € 472.500,00 (quatrocentos e setenta e dois mil e quinhentos euros) quanto à propriedade plena, nas condições acordadas no contrato promessa de compra e venda, cuja cópia acompanha a petição inicial, bem como a receber o valor a que o representado tem direito e a praticar os demais atos que se mostrem necessários e lhe sejam ordenados, tendo em vista a celebração do referido negócio jurídico;
- Autorize a Requerente a utilizar a conta à ordem já aberta no Banco Santander, em nome do Representado, identificada na petição inicial, a fim de poder ser depositado o quantitativo que este vai receber, no âmbito da efetivação da referida venda, com as respetivas consequências legais.
Procedeu-se às citações legais, sendo que o Ministério Público ofereceu o merecimento dos autos e o parente sucessível mais próximo de F…, disse que nada tinha a opor à pretensão formulada na ação.
O Conselho de Família reuniu e, por unanimidade, deu parecer favorável à autorização requerida.
O Tribunal recorrido proferiu sentença que julgou improcedente o pedido.
Notificado daquela sentença, a Requerente veio dela recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
« 1ª - O requerido não aufere rendimentos mensais suficientes para suportar o pagamento das despesas do seu dia a dia.
2ª - Apenas tem uma modesta pensão de reforma que lhe permite auferir um rendimento anual na ordem dos € 4.000,00.
3ª - O requerido somente é titular de metade indivisa do direito de propriedade sobre a aludida fração autónoma.
4ª - Sendo a outra metade propriedade da ora requerente sua irmã.
5ª - A Srª Juiz não pode denegar ao incapacitado, através da sua representante legal, o poder de dispor livremente do seu património em igualdade de circunstâncias com a outra comproprietária.
6ª - A requerente aceita vender conjuntamente com o seu irmão (requerido) o direito de propriedade, que possui sobre a referida fração autónoma.
7ª - O Ministério Público, o conselho de família, o herdeiro sucessível mais próximo do requerido e a tutora, ora requerente, mostraram-se favoráveis à venda do direito, que o requerido possui em relação à fração autónoma identificada na petição inicial.
8ª - A decisão recorrida, contrariamente ao afirmado pela Srª Juiz, não é a que melhor defende os interesses patrimoniais do requerido.
9ª - Para a eventualidade de assim não se entender, deve proceder-se à anulação do processado, a contar da própria sentença recorrida (inclusive), ordenando-se o prosseguimento dos autos para prolação do despacho saneador e consequente produção de prova.
10ª - Perante a factualidade referida nas conclusões retro a Srª. Juiz recorrida deveria ter julgado procedente a ação, por provada, e, em consequência, autorizar a venda nos termos e condições constantes do contrato promessa de compra e venda, que foi junto com a petição inicial.
11ª - Assim sendo, no caso presente, não foi feita a melhor interpretação e aplicação da lei, pelo que se mostram desrespeitadas, nomeadamente, as normas contidas nos artigos 1305º, 1889º e 1938, nºs 1, alíneas a) do Código Civil e a contida no artigo 1014º, nº 1 do C.P.C..
12ª - Pelo que se mostra insubsistente e carecida de base legal a douta decisão recorrida.
13ª – Daí que a mesma possa e deva ser revogada.
Nos termos expostos, deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e ordenar-se que a mesma seja substituída por outra, que julgue procedente o pedido formulado pela requerente.
Para a eventualidade de assim não se entender, o que só por mera hipótese de raciocínio jurídico se admite, deverá ordenar-se anulação do processado, a contar do momento em que foi proferida a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos para prolação do despacho saneador e consequente produção de prova da matéria de facto alegada, que não foi objeto de análise e apreciação, com as demais consequências legais, como é de direito e de inteira, JUSTIÇA»
Notificada do referido recurso, o Ministério Público propugnou pela procedência do mesmo.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar e decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do Recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, no presente recurso importa apreciar e decidir se deve ser autorizada a venda da quota parte do direito de propriedade de que F… é titular no andar supra referido e, não o sendo, se a decisão recorrida deve ser anulada, prosseguindo os autos seus termos em 1.ª instância para apreciação da demais factualidade alegada pela Requerente na sua petição inicial e omitida pelo Tribunal Recorrido na decisão recorrida.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão de facto:
«Face aos documentos juntos, resultaram provados os seguintes factos:
Da Petição
1º Por sentença judicial, proferida, em 1 de outubro de 2002, nos autos de ação especial de interdição, que correram os seus termos pelo então 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº …2000, já transitada em julgado, hoje Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 24, Processo nº …/00.0TJLSB, foi o ora Requerido declarado interdito do exercício dos seus direitos, conforme se prova pelo teor da atrás referida sentença, que se encontra entranhada nos autos do processo principal.
2º Na referida sentença foi a ora Requerente designada para exercer as funções de tutora do Requerido, conforme teor do documento.
3º Tendo sido designados M… F…, viúva, reformada, residente na Rua… Cascais, e G…, casado, engenheiro informático, residente na Rua…Lisboa, para exercerem os cargos de protutores.
4º O Requerido, conjuntamente com a sua irmã, a ora Requerente, são donos e legítimos possuidores, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fração autónoma designada pela letra “I” correspondente ao terceiro andar esquerdo do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, destinada a habitação, sito…, em Lisboa, …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob n.º …, aquisição registada a seu favor através da inscrição AP …, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo…, conforme se prova pelo teor da certidão predial, que se junta sob a designação de doc. nº 1.
5º O referido direito foi adquirido, por via sucessória, por morte de seu pai J…, ocorrida em 19/10/1999, e por morte de sua mãe M… I…, ocorrida em 09/07/2018, conforme teor dos documentos que se juntam sob a designação de Docs. nºs. 2 e 3.
6º Para além do Requerido é também titular a Requerente, que é detentora de igual quota parte do direito de propriedade sobre a referida fração autónoma.
7º Em 28 de abril de 2021, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, através do qual se prometeu vender a A…, solteira, maior, natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, residente na … Lisboa, contribuinte fiscal n.º…, cartão de cidadão n.º…, válido até 07/09/2030, a aludida fração autónoma, conforme teor do documento que se junta sob a designação de Doc. nº 4.
8º O preço convencionado no contrato promessa de compra e venda foi de € 472.500,00 (quatrocentos e setenta e dois mil e quinhentos euros), conforme teor do dito documento.
9º No ato da celebração do contrato a promitente compradora fez a entrega à promitente vendedora M… F…, Requerente, a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) que esta recebeu para si e para o seu irmão Requerido, como sinal e princípio de pagamento.
10º Com a outorga do contrato definitivo de compra e venda, a promitente compradora pagará aos promitentes vendedores a quantia referente ao remanescente do preço em falta, que será de 467.500,00€ (quatrocentos e sessenta e sete mil e quinhentos euros), tal como consta da cláusula 3ª do dito contrato promessa.
16º A Requerente contratou os serviços duma agência imobiliária para promover a venda da referida fração autónoma mediante o pagamento duma comissão de € 4% do preço convencionado no contrato, ou seja, de € 18.900,00 (dezoito mil e novecentos euros).
18º O contrato promessa foi celebrado sob condição resolutiva de autorização judicial da venda do direito real pertencente ao interdito (alínea d) da cláusula 5ª do contrato promessa).
26º O Requerido é titular duma conta à ordem no Banco Santander, com o nº …, a que corresponde o IBAN….
A) Foi decidido, por sentença, no apenso B, com data de 19/05/2016, o seguinte: Nestes termos e pelos fundamentos acima expostos, julga-se procedente por provada a presente acção e em consequência autoriza-se M… F…, divorciada, aposentada da função pública, contribuinte fiscal nº…, titular do Cartão de Cidadão nº… emitido pela República Portuguesa, válido até 07/07/2020, residente na Av…. Lisboa, na qualidade de tutora, a proceder à venda do direito de propriedade, na proporção de 1/27 avos, sobre o prédio urbano sito na Rua … nº 253, 255, 257 e 259 e Rua …, nº 94 e 96, freguesia de …, concelho de Lisboa, de que é titular o interdito F…, solteiro, maior, contribuinte fiscal nº …, consigo residente na morada atrás referida, venda essa a efectuar pelo preço de € 3.300.000,00. Fixa-se o valor da acção em € 122.222,22 - art. 301º do C. Processo Civil.
B) Ainda, no apenso A, foi requerida, no ano de 2004, a venda de bem imóvel».
*
Em conformidade com o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável in casu por força do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, por decorrerem da prova documental junta aos autos, este Tribunal da Relação considera ainda provados os seguintes factos:
1.º Facto
Na venda do bem imóvel referido em B), ocorrida em 2004, coube a F… a quantia de €7.389,60 (sete mil, trezentos e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos). 
2.º Facto
No ano de 2020 F… auferiu o rendimento anual de €4.001,84 (quatro mil e um euro e oitenta e quatro cêntimos), referente a uma pensão que recebe do Instituto da Segurança Social, conforme comprovativo de entrega da respetiva Declaração Modelo 3 do IRS, documento junto pela Requerente em 06.05.2021, que este Tribunal confirmou em 28.12.2021, com os elementos indicados no campo superior direito da página 1 desse documento, bem como da consulta do site https://... do qual decorre o que aquele Instituto tem o NIF …;
3.º Facto
Em 29.03.2021, a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano sito …, em Lisboa, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial com o n.º…e inscrito na correspondente matriz sob o artigo…, foi avaliada entre €468.000,00 (quatrocentos e sessenta e oito mil euros) e € 487.000,00 (quatrocentos e oitenta e sete mil euros), tendo um profissional do ramo imobiliário considerado que caso o andar fosse colocado à venda poderia aparecer comprador interessado como proposta de compra a rodar € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) / €470.000,00 (quatrocentos e setenta mil euros), conforme documento junto pela Requerente em 06.05.2021 que no mais se dá aqui por integralmente reproduzido;
4.º Facto
Por sentença de 23.07.2021, entretanto transitada em julgado, D… foi designado acompanhante do beneficiário F…, em substituição de M… F…, atribuindo-se ao acompanhante poderes gerais de representação, conforme referência citius 407578033 do Apenso C.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1.
Na motivação de direito da decisão recorrida consta que:
«Nos termos do disposto no artigo 1889º, nº 1, alínea a) do Código Civil, depende de autorização do tribunal a alienação ou oneração de bens do incapacitado, sendo tal dispositivo legal aplicável ao caso presente, em harmonia com o que se encontra estabelecido nos artigos 1938º, nº 1, alínea a) e 139º, nº 2 do mesmo diploma legal.
Tendo vindo a ser vendido diverso património, por valores relevantes, ao longo dos anos, e devendo a gestão deste património e/ou montantes em dinheiro ser realizado em benefício e no interesse do interdito e com alguma parcimónia e contenção.
Tendo em conta, ainda, a situação jurídica e material do imóvel, em causa, descrita supra, afigura-se que a sua venda constitui um acto de gestão de património do acompanhado, cuja necessidade o acompanhante não justifica, devidamente, não sendo essa a única solução plausível para gerir este património, que ainda pode servir de morada ao acompanhado.
Assim, julga-se improcedente o pedido formulado, não se autorizando a venda do imóvel, em causa, na defesa dos interesses patrimoniais do acompanhado».
2.
Atento o disposto nos artigos 145.º, n.ºs 3 e 4, 1938.º, n.º 1, alínea a), e 1889.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Civil, os atos de disposição de bens imóveis de que o beneficiário seja proprietário ou comproprietário carecem de autorização judicial prévia.
Tal autorização é conferida no âmbito do procedimento judicial regulado no artigo 1014.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe autorização judicial.
Nos termos do n.º 3 daquela disposição legal, «haja ou não contestação, o juiz só decide depois de produzidas as provas que admitir e de concluídas outras diligências necessárias, ouvindo o conselho de família quando o seu parecer for obrigatório».
A falta de contestação não, tem, pois, efeito cominatório, sendo que o juiz pode ordenar oficiosamente as diligências probatórias que tiver como indispensáveis à decisão.
Por outro lado, constituindo o processo de autorização judicial um processo de jurisdição voluntária, conforme artigo 987.º do Código de Processo Civil, «nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna».
Do apontado regime legal decorre, pois, que a venda de bens do beneficiário depende de autorização do Tribunal, o qual, feitas as diligências que tiver por pertinentes, deve deferi-la se tal satisfizer o interesse do beneficiário, podendo no caso o Tribunal considerar regras de bom senso prático, critérios de razoabilidade, compondo nesses termos, na justa medida, a situação em causa.
Alberto dos Reis, Processos Especiais, volume II, edição de 1982, página 490, refere que «[e]m face do que tiver sido alegado, provado e averiguado, o juiz concederá ou negará a autorização. Deve concedê-la, se adquiri a convicção de que a alienação, o aforamento, a hipoteca, a constituição do ónus visam satisfazer necessidade urgente ou são de proveito evidente para o incapaz; deve negá-la no caso contrário».
Do mesmo modo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil, volume II, edição de 2020, página 462, afirmam que «[o] parâmetro substantivo da decisão radica, em termos finais, (…) na salvaguarda do interesse do acompanhado, devendo aquilatar se o ato que é requerido emerge de uma urgente necessidade ou se da realização do mesmo decorrerá um proveito evidente para o (…) acompanhado, aumentando ou consolidando o seu património».
Em anotação ao referido artigo 987.º do CPCivil, aqueles autores, na mesma obra, volume e edição, página 437, referem que «o critério decisório não está confinado à aplicação estrita do direito tal como configurado previamente de forma abstrata. Sempre que a aplicação do direito estrito não confira uma tutela adequada aos interesses em causa o juiz deve alicerçar a sua decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, adotando as medidas mais aptas à satisfação do interesse, mesmo que estas não estejam exaustivamente tipificadas na lei. O julgador deve fazer uso das “regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (Pais do Amaral, Direito Processual Civil, p. 96), de molde a descobrir e adotar a solução mais conveniente para os interesses em causa».  
3.
Na situação vertente.
Apurou-se que o valor da pretendida venda mostra-se adequado, em função da avaliação feita ao andar em causa, considerando, pois, os valores de mercado.
Apurou-se igualmente que o beneficiário F… tem um rendimento anual da ordem dos €4.000,00 (quatro mil euros), correspondente a cerca de €333,00 (trezentos e trinta euros) mensais, valor manifestamente insuficiente para a satisfação das necessidades de um maior na sociedade atual.
Neste contexto, configura-se necessária a venda cuja autorização está em causa nos autos, pois, por um lado, o beneficiário F… Requerido não consegue no imediato realizar dinheiro para satisfazer as suas necessidades e, por outro lado, com tal venda logra evitar despesas que por certo teria com o imóvel caso o mesmo se mantivesse como comproprietário dele.
Embora tenha recebido há cerca de 17 anos perto de €7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros) e há cerca de cinco anos perto de €122.000,00 (cento e vinte e dois mil euros), o certo é que na prossecução de uma vida condigna tais quantias assumem ora seguramente uma expressão substancialmente inferior, atentos os apurados rendimentos do Requerido, sendo certo que a ora pretendida venda potenciará por uns tempos a continuação de uma vida condigna.
No contexto, mais do que ser comproprietário de um imóvel, releva, e muito, ter um montante pecuniário substancial disponível de forma a viver com dignidade, termos em que urge entender que a pretendida venda satisfaz o interesse do beneficiário F….
Nessa senda foi também o parecer unânime favorável do Conselho de Família que certamente ponderou a situação em causa na perspetiva do interesse do beneficiário F….
4.
De todo o modo, mesmo que assim não se entendesse.
O andar em causa é propriedade do beneficiário F… e da sua irmã, ora Requerente, tendo cada um deles uma quota igual.
A Requerente, enquanto comproprietária, pretende vender a sua quota.
Ora, atento o disposto nos artigos 1412.º, n.º 1, e 1413.º, n.º 1, ambos do CCivil, e 925.º e 929.º, ambos do CPCivil, sendo o andar em causa indivisível por natureza e não pretendendo a Requerente, enquanto sua comproprietária, permanecer na indivisão, nem sendo legalmente possível obrigá-la a tal, também no interesse do beneficiário, reclamam as “regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” que se autorize a pretendida alienação, assim se logrando vender o andar em causa por um preço justo, pelo seu preço de mercado, evitando-se despesas acrescidas e contingências várias, como o risco de venda por preço inferior, em razão de venda judicial nos termos do processo de divisão da coisa comum.
5.
Conforme Apenso C, por sentença de 23.07.2021, entretanto transitada em julgado, D… foi designado acompanhante do beneficiário F…, em substituição de M…F…, atribuindo-se ao acompanhante poderes gerais de representação.
Nestes termos, a pretendida autorização de venda deve conferida àquele acompanhante D…, e não à Requerente da presente ação, pois esta, entretanto, perdeu a qualidade de tutora/acompanhante de F….
6.
Com o deferimento da pretendida autorização de venda mostra-se prejudicado o pedido subsidiário deduzido pela Recorrente.

V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se, assim, a decisão recorrida e, em consequência,
- Autoriza-se D…, enquanto representante do maior acompanhado F…, a vender metade indivisa da propriedade de que o representado é titular, relativamente à fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano sito…, em Lisboa, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial com o n.º… e inscrito na correspondente matriz sob o artigo…, venda essa a ser efetuada pelo preço total de € 472.500,00 (quatrocentos e setenta e dois mil e quinhentos euros) quanto à propriedade plena, nas condições acordadas no contrato promessa de compra e venda, cuja cópia acompanha a petição inicial, bem como a receber o valor a que o representado tem direito e a praticar os demais atos que se mostrem necessários e lhe sejam ordenados, tendo em vista a celebração do referido negócio jurídico;
- Incumbe-se o acompanhante D…, enquanto representante do maior acompanhado F…, do dever de depositar na conta à ordem deste, no Banco Santander, com o IBAN …, o montante que pertencer ao acompanhado na venda ora autorizada, deduzidas as despesas devidamente comprovadas, devendo disso fazer prova nos presentes autos, no prazo de 10 dias, contados daquela venda.
Custas pelo maior acompanhado F…, por da procedência do recurso tirar proveito – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Lisboa, 13 de janeiro de 2022
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
Inês Moura