Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
807/16.7T8CSC-A.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EXCEPÇÕES
RESPOSTA
REQUERIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–Deve admitir-se o articulado ou o requerimento em que o autor exerce “sponte sua” o contraditório referente às excepções, quando, numa visão retrospectiva sobre o mesmo, o juiz deva entender que se não fora essa livre iniciativa do autor, sempre lhe teria facultado tal possibilidade, ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


 I–C ..... – Construções e Imobiliária SA, intentou, em 15/3/2016, acção declarativa com processo comum, contra D ....., Sucursal em Portugal, para efectuação da responsabilidade civil, em função de sinistro que entende coberto por contrato de seguro vigente com a R., e na qual pede a condenação desta a pagar-lhe: a) a quantia de € 155.830,05 pelo custo dos estragos provocados no armazém;  b) a quantia, a liquidar em execução de sentença, decorrente do agravamento do custo da reparação do imóvel em virtude da progressiva e continua deterioração do mesmo pelo facto de ainda não estar reparado; c) o valor mensal de € 4.000,00 a título de rendas não auferidas desde 1/5/2015 até à data em que o armazém ficar apto a ser arrendado/ocupado, perfazendo na presente data, (29/2/2016), € 40.0000,00;  d) juros sobre as quantias indicadas em a), b) e c), à taxa legal de 4%, contados desde 28/5/2015 ate integral pagamento, somando nesta data € 6,481,00.

Logo na petição inicial requereu a realização de perícia colegial, indicando os respectivos quesitos e o perito, requerendo ainda a realização de inspecção judicial.

A R. contestou, em 26/4/2016, entre o mais referindo (respectivo art 40º), «não ter qualquer cobertura legal nem contratual o pedido da A. a título de perdas de rendas reclamadas».

Em 28/6/2016 foi proferido despacho em que, invocando-se o disposto no art 593º/1 do CPC, se dispensou a realização da audiência prévia, referindo-se que a mesma «apenas se destinaria aos fins indicados nas als d), e) e f) do nº 1 do art 591º CPC», proferindo-se de seguida despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova, admitindo-se a perícia requerida e, referindo-se que se pronunciaria a respeito da inspecção judicial requerida depois de concluída a perícia, «devendo previamente a A. reiterar o seu interesse em tal diligência de prova e concretizar o seu âmbito», não se designando dia para a audiência de julgamento por se impor concluir antes a perícia.
Fixou-se à acção o valor de € 202.311,05.
 
Em 14/6/2016, a A. apresentou requerimento nos autos que inicia referindo prescindir da inspecção judicial por si requerida, e no qual, (respectivo art 3º), invocando «configurar –se tal alegação (a do art 40º da contestação da R.) matéria de excepção (peremptória), assiste à A. o direito de lhe responder nos termos do art 3º/4 do CPC, pelo que, por razões de economia e celeridade processual, vem fazê-lo agora, nos seguintes termos», terminando o requerimento  em causa referindo, «sempre aquela cláusula ( 3ª, 2.18, Capitulo II) terá de ser interpretada no sentido de considerar-se coberto pela apólice de seguro o prejuízo decorrente da perda de rendas peticionado pela A.»

Em 20/10/2016 foi proferido o seguinte despacho:
«Não será realizada prova por inspecção judicial, desse logo, face à posição assumida pelo A. a fls 80.
No mais, o articulado apresentado pelo A. a fls 80, por extemporâneo, não se admite. Não se tratando de réplica, (uma vez que o R. não deduziu reconvenção), nem sendo um caso de articulado superveniente, nos termos do disposto no art 588º CPC, o A. teria de responder no prazo de dez dias às excepções cujo contraditório alega vir a exercer.
Atendendo a que a contestação deu entrada a 26/4/2016, em 14/7/2016 (data de entrada em Juízo do referido requerimento), encontra-se largamente ultrapassado  o referido prazo, pelo que vai o mesmo indeferido.
Notifique».

II–É desse despacho que a A. apela, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
1.–A presente acção entrou em juízo em 15/03/2016 e segue a forma do processo de declaração.
2.–Nos arts. 35.º e ss da contestação, em especial no art.40.º, a Ré sustenta não estar coberto pela apólice de seguro o pedido formulado pela Autora de ser condenada a pagar-lhe € 4.000,00 mensais, desde 1/05/2015 até à data em que o armazém da Autora ficar apto a ser arrendado ou ocupado.
2.–Tal consubstancia uma defesa por excepção peremptória.
3.–Por douto despacho notificado às partes em 30/06/2016, a Senhora Juiz dispensou a realização de audiência prévia.
4.–Assiste à Autora o direito a responder à excepção deduzida pela Ré pelo menos no início da audiência final.
5.–Contudo, a douta decisão recorrida não admitiu o articulado no qual a Autora respondeu à sobredita excepção, considerando-o extemporâneo por entender que a Autora teria de responder à mesma no prazo de 10 dias subsequente à notificação da contestação. E com esse fundamento indeferiu-o.
6.–No CPC de 2013, a réplica deixou de ter lugar para resposta às excepções deduzidas na contestação, função agora desempenhada pelo art.3.º/4 do CPC.
7.–A resposta à excepção foi aduzida pela Autora no requerimento no qual, a convite formulado pelo Tribunal a quo no Despacho Saneador, veio declarar que prescindia da realização da inspecção judicial, aproveitando a ocasião para aquele efeito.
8.–Em cumprimento do princípio da economia processual, veio a Autora antecipadamente responder à excepção e com isso concorrer para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
9.–Razão por que o douto Despacho, ou indeferia a resposta à excepção apresentada, por ainda não ser o momento oportuno, o qual seria, no termos do art.3.º/4 do CPC, o início da audiência final; ou, a coberto do estabelecido nos arts.6.º/1 e 7.º/1 do CPC e do princípio da economia processual, admitia a resposta apresentada.
10.–Não o tendo feito, o Douto Despacho violou o disposto nos arts.3.º/4, 6.º/1 e
7/1.º do CPC.
Nestes termos, deve ser revogado o douto Despacho recorrido, por violação, entre outros, dos arts.3.º/4, 6.º/1, 7.º/1, 584.º/1 do CPC, e ser substituído por outro que admita a resposta à excepção apresentada ou, subsidiariamente, relegue o direito de a Autora responder à excepção para o início da audiência final.

Não foram produzidas contra alegações.

III–Não há factos provados a considerar, antes se devendo ter em conta as ocorrências processuais emergentes do acima relatado.

IV–Concatenando as conclusões das alegações com o teor do despacho recorrido, constituem questões a apreciar no presente recurso: se deve ser admitida a resposta à excepção apresentada; no entendimento contrário, se deve ser relegado para o início da audiência final o direito da A. responder à excepção.

Dispõe o art 584º do CPC a respeito da “Função da réplica”:
 «1- Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção. 2. Nas acções de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu»
Por sua vez, dispõe-se no art 3º/4:
«Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final».
 
Do que decorre que o legislador do novo CPC quis, em regra, que os articulados fossem apenas dois – petição e contestação – pretendendo a máxima restrição da fase dos articulados, aceitando para tanto os inconvenientes processuais associados a essa restrição e que acabam por conferir um novo perfil ao actual processo civil por deixar de ser possível a alteração ou a ampliação da causa de pedir e do pedido na réplica com a amplitude com que era admitida no anterior CPC - cfr respectivo art 273º/1 e 2. 

Nas palavras de Paulo Ramos Faria/Ana Luísa Loureiro em comentário ao acima transcrito art  584º [1], «a restrição do objecto da réplica prevista neste número é imposta pela coerência do sistema», pois que «o sentido da reforma foi o de restringir a articulação aos factos essenciais».
Para estes autores, «se o autor apresentar espontaneamente  um articulado de resposta fora dos casos previstos neste artigo, só deverá este ser admitido se estivermos perante uma situação que sempre justificaria uma adequação formal que o permitisse. De outro modo, ao acto praticado não deve ser atribuído qualquer efeito – podendo  ser ordenada a sua  eliminação do processo electrónico, se este procedimento tiver alguma utilidade, como evitar a excessiva massificação dos autos ou o surgimento de equívocos quanto à sua relevância».
Mais referindo, na mesma linha de entendimento: «O Juiz, pode, excepcionalmente, ao abrigo dos deveres de gestão processual (art 6º/1) e de adequação formal (art 547º) introduzir no guião processual um terceiro articulado, em casos não contemplados pelo artigo comentado, permitindo que, já nesta fase, e não apenas na audiência prévia (art 3º/4), o autor se pronuncie sobre as excepções deduzidas  pelo réu». Entendendo, porém, que «deverá fazê-lo com parcimónia, sob pena de desvirtuamento da alteração legislativa. Por regra, só se justifica nos casos em que o réu deduza uma excepção, sendo plausível a sua procedência, e quando a realização da audiência prévia importe custos elevados para a parte ou para o seu mandatário».
Está ao que parece a doutrina de acordo quanto a esta possibilidade do juiz proporcionar ao autor o exercício  do contraditório por escrito, caso em que notificará o autor para esse fim, opção que fundamentará no disposto no art 547º CPC [2], falando-se a este respeito de réplica «judicialmente admitida»[3], sendo talvez preferível falar-se de réplica “judicialmente estimulada”.
Também a doutrina parece mostrar-se consensual no que respeita à situação de,  não obstante a réplica não se destinar ao exercício do contraditório quanto a excepções, quando possa apresentar-se réplica para os fins indicados no art 584º, o autor ter então  o ónus de responder nela à matéria das excepções deduzidas na contestação.
É o que refere Paulo Pimenta, acrescentando: «É o que parece resultar das disposições conjugadas dos arts 3º/4 (a contestação não é o último articulado admissível), 572º c) e 587º/1»[4] .
No mesmo sentido, Lebre de Freitas [5], que refere, concretamente: «(…)  havendo réplica (num dos dois casos em que a lei a continua admitir) o autor dever aproveitar para antecipar esse articulado de resposta às excepções (se o quiser apresentar) com manifesta economia processual».  E em nota de pé de página, acrescenta e particulariza: «A resposta às excepções eventualmente deduzidas no último articulado admissível tem lugar na audiência prévia ou no início da audiência final (art 3º/4); mas, havendo ainda um articulado (último admissível), embora não para esse fim, é nele que a resposta deve ter lugar, em qualquer das duas modalidades possíveis: impugnação e contraexcepção. O art 3º/4 deve ser entendido como último recurso para garantia do princípio do contraditório, no pressuposto de que não há articulado da fase dos articulados que possa assegurar a resposta da parte. Havendo, porém ainda um articulado disponível, não há razão para deixar a resposta para mais tarde. Em nome da economia processual, o autor, se quiser responder às excepções  deduzidas pelo réu na contestação, terá de o fazer na réplica; se o não fizer, o direito de resposta preclude».
Paulo Ramos Faria/Ana Luísa Loureiro [6] dão a seguinte justificação para o procedimento em causa: «Se a necessidade de simplificação processual justifica que a possibilidade de dedução da réplica seja restringida, a economia processual justifica que, quando haja lugar a este terceiro articulado, o autor nele deva concentrar  a sua posição sobre toda a matéria da contestação, evitando-se a controvérsia (e a instrução) sobre os factos não impugnados». 

Em função destes ensinamentos, vejamos a situação dos autos .

Nela não havia efectivamente lugar a réplica.

Mas porque tinha sido invocada uma excepção no último articulado admissível, não deveria o Exmo Juiz a quo ter dispensado a realização da audiência prévia, visto que, ao contrário do que enunciou no despacho em que a dispensou, a mesma não se  destinaria apenas aos fins indicados nas als d), e) e f) do nº 1 do art 591º CPC - caso em que, por força do disposto no nº 1 do art 593º, é admissível que se prescinda da sua realização - mas teria também como fim permitir o exercício do contraditório ao autor relativamente à excepção arguida na contestação.

É verdade que esse fim não vem enunciado especificamente nas várias alíneas do nº 1 do art 591º, mas tal omissão não retira a necessidade da designação de audiência prévia com essa finalidade. 

Verifica-se ainda que no despacho proferido a respeito dos meios probatórios e que se seguiu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas de prova, o Exmo Juiz a quo determinou que a A. viesse «reiterar o seu interesse» na realização da inspecção judicial «e concretizar o seu âmbito».   

Esta, pretendendo prescindir da inicialmente requerida inspecção judicial, veio, então, por requerimento, expressar esse seu objectivo e aproveitou tal requerimento para proceder à resposta à excepção, anunciando fazê-lo por razões de economia e celeridade processual.

Seria esta atitude processual espontânea por parte do A. que cabia ao Exmo Juiz a quo valorar, admitindo-a ou não.

Sendo que, em última análise, se viesse a entender que a resposta à excepção não devia ter tido lugar nesse acto, nem por isso lhe poderia restringir o exercício dessa possibilidade na audiência final, já que não a potenciara, como devia ter feito, na audiência prévia.

Mas não era caso, efectivamente, para ser vedado o exercício espontâneo do contraditório pela A..

Antes o mesmo devia ter sido aproveitado como manifestação de economia processual, tanto mais que não pôs em causa a celeridade que o legislador pretendeu conferir à fase dos articulados que já se mostrava ultrapassada, fazendo todo o sentido que a A. tivesse concentrado no referido requerimento para além da sua posição no referente à inicialmente requerida inspecção judicial, também a sua posição relativamente à excepção arguida na contestação.

Entende-se, aliás, em termos gerais, que se deve admitir o articulado ou requerimento – como foi o caso dos autos - em que o autor exerce “sponte sua” o contraditório referente às excepções, quando, numa visão retrospectiva sobre o mesmo, o juiz deva entender que se não fora essa livre iniciativa do autor, sempre lhe teria facultado tal possibilidade ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal.

Por isso, não se concorda com o despacho recorrido que, aliás, e decerto por mero lapso, indeferiu a resposta à excepção por ultrapassagem do prazo passível para a A. o fazer, expressando uma visão já não consentida pelo actual processo civil.

Deste modo, há que revogar o despacho recorrido, admitindo-se a resposta pela A. à excepção no requerimento acima referido. 

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação e revogando o despacho recorrido, admite-se a apresentada resposta à excepção.

Sem custas.       

  

Lisboa, 26 de Outubro de 2017



Maria Teresa Albuquerque                          
Vaz Gomes
Jorge Leal                                              
                    
                          

[1]«Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil- os Artigos da Reforma», 2014, 2ª ed, p 501
[2]Paulo Pimenta, «Processo Civil Declarativo», 2014, p 207
[3]Paulo Ramos Faria/Ana Luísa Loureiro, obra citada , p 501
[4]–Obra acima referida, nota a p 207
[5]«A Acção Declarativa Comum à Luz do CPC de 2013», 3ª ed ,  p 137  e nota 3 B 
[6]Obra citada, p 502

Decisão Texto Integral: