Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
463/07.3TAALM-A.L1-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
APREENSÃO DE DOCUMENTO
APREENSÃO DE CORRESPONDÊNCIA
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Há que distinguir a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta. Na apreensão daquela rege o art.º 179.º do CPP, mas a apreensão da já recebida e aberta não tem mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.
II – Assim, a correspondência já aberta pelo seu destinatário passa a ter a natureza de documento e goza apenas da protecção que todos os documentos merecem.
III – A correspondência é por definição fechada – assim que é aberta deixa de o ser e passa a ter natureza documental. Enquanto fechada, a correspondência é sigilosa por natureza, e, logicamente goza da protecção constitucional que o art. 34.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa concede ao “sigilo da correspondência”.
IV – As regras atinentes à proibição de apreensão de correspondência, mesmo aberta, entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato, constantes do art. 71.º do EOA deriva da tutela do segredo profissional.
V – Tal só ocorre quando a apreensão tenha lugar no escritório de advogado ou em qualquer outro lugar onde este faça arquivo (art. 70.º nº 3 do EOA), desfrutando assim da mesma protecção que a lei processual penal já concede a todos os “documentos abrangidos pelo segredo profissional” no art. 180.º do CPP.
VI – No caso de documentação de comunicação por fax não se aplica o regime de apreensão de correspondência previsto nos n.ºs 1 e 3 do art. 179.º do CPP.
VII – Nesta conformidade a nulidade da apreensão de correspondência cominada pelo art. 179.º nº 2 do Código de Processo Penal apenas ocorre em relação a correspondência fechada, o que não é o caso dos autos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Proc. 463/07.3TAALM-A.L1
Instrução Criminal de Almada

Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO.
No decurso dos presentes autos de inquérito, após realização de busca e apreensão de documentos, tendo o arguido J… arguido diversas nulidades da busca, foi declarada nula a apreensão de vários documentos discriminados referente às buscas realizadas na Garagem sita na Rua …. Em… e na Sede da Firma J…, sita na Rua… por despacho de 25.5.2010.
Inconformado o Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª Face aos indícios recolhidos em sede de Inquérito de que o arguido J, legal representante das sociedades “D, Lda.”, a par de outras actividades lícitas, se dedica à colocação de jogos de fortuna ou azar em estabelecimentos comerciais para dessa forma retirar dividendos foram efectuadas buscas à residência dos arguidos, sedes das sociedades e armazéns utilizados para a guarda das máquinas e demais objectos úteis para a exploração de tal actividade, com vista à recolha de meios de prova;
2ª No decurso de tais buscas vieram a ser apreendidos, entre outros, os documentos que o Mmo. Juiz a quo elenca no seu despacho de fls. 838 a 847 e cuja apreensão decidiu declarar nula. Tais documentos podem agrupar-se em dois grupos:
a) faxes remetidos de um escritório de advogados que se supõe ser do mandatário do arguido J - docs, 826, 827, 828, 829 e 830 do Apenso II e fls. 23, 28, 40, 41, 42, 49 do Apenso III;
b) documentos que integram o arquivo de correspondência trocada entre a Sociedade D e o Sr. Dr. N - fls. 2, 3, 5, 6, 7, 19,24,39,53 e 55 do Apenso 111- e que foram apreendidos na Sede da Sociedade “J., Lda.”, remetida por esta e dirigida ao Sr. Advogado.
3ª Por despacho datado de 25 de Maio de 2010 e proferido a fls. 838 a 847 dos presentes autos o Mmo. Juiz de Instrução decidiu a "nulidade da apreensão de toda a correspondência trocada entre o arguido (a título pessoal e/ ou como legal representante das sociedades visadas igualmente pelas buscas) e o seu ilustre mandatário, a qual reveste uma proibição de valoração de prova, nos termos do artigo 118° do Código de Processo Penal, na medida em que não foi fundamentado que a mesma constitui objecto ou elemento do crime.";
4ª Sucede, porém, que os documentos apreendidos não se tratam de correspondência, mas sim de simples documentos, razão pela qual não se aplica no caso concreto a norma do artigo 179° do Código de Processo Penal;
5ª Com efeito, por correspondência deve entender-se as cartas, encomendas, valores, telegramas e qualquer outra forma de correio que se encontram em trânsito ou que ainda não chegaram ao conhecimento do seu destinatário, ou seja, que ainda não se encontram abertas;
6ª Por outro lado, o fax é uma forma de comunicação que integra as telecomunicações, mas que, no entanto não se encontra a coberto da norma do artigo 187° do Código de Processo Penal, uma vez que a comunicação já estava cessada;
7ª Em consequência, a apreensão dos documentos ora em crise é válida, nos termos do artigo 178°, nº 1 do Código de Processo Penal;
8ª O que nos conduz à violação dos preceitos dos artigos 178° e 179° ambos do Código de Processo Penal.
Pelas razões que se aduziram deve o presente recurso merecer provimento, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que nos termos do artigo 178°, nº 5 do Código de Processo Penal valide as apreensões efectuadas.
Mas Vossas Exas. farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA!
O arguido não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido.
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Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, porque “ao órgão de polícia criminal apenas está vedado tomar conhecimento, em primeira mão, do conteúdo da correspondência entre o arguido e o seu defensor (artigo 179°, n° 2 CPP), que for encontrada no local buscado, o que, no caso concreto, não sucedeu”, pelo que não está ferida de nulidade ou de irregularidade a apreensão em causa; e porque, tendo o despacho sob recurso subjacente a ideia da protecção do sigilo profissional do advogado importa distinguir o momento da apreensão da prova do da revelação da prova, salientando e citando a jurisprudência do Ac. desta Relação, de 18.5.06, Proc. n° 54/06-9ª, disponível em www.dgsi.pt, e a decisão de 10.7.08, proferida pela Ema Senhora Vice-Presidente deste Tribunal da Relação, em sede de "reclamação", no Processo n° 5548/08-5ª onde se diz: "A apreensão só por si não viola o segredo profissional podendo apenas potenciar uma futura difusão do mesmo mas os interesses da investigação e o objecto da mesma, tal como foram definidos pelo detentor do poder de investigar, fazem-nos crer que, numa perspectiva cautelar e genérica, não haverá, por ora, razões para levantar a apreensão relativamente aos documentos apreendidos e selados".
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Foi cumprido o disposto no art. 417º nº2 do Código de Processo Penal.
Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme jurisprudência constante e pacífica (Por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, em, CJ STJ VII-I-247)., o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal (Na interpretação do Acórdão do Plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95.).
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, a questão a decidir é a de saber se é nula a apreensão de documentos contendo a correspondência trocada entre o arguido e o seu mandatário, encontrada na busca às instalações daquele.
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É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte relevante:
Requerimentos apresentados pelo arguido J constantes de folhas 675-677, 679-685,715-717, 788-789, 806-808, 810-811, respectivamente datados de 14,4,5 e 7 de Maio de 2010:
Pelos requerimentos supra mencionados vem o arguido J arguir a nulidade da busca efectuada à sua residência.
(…)
No que concerne à apreensão de documentação de comunicação por fax pugna pela sua nulidade, por se tratar de elementos cobertos pelo sigilo profissional, atento o disposto no artigo 179.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
(…)
A folhas 696/697 o Ministério Público pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer nulidade que afecte a validade da busca e dos objectos e documentos apreendidos.
(…)
No capítulo da apreensão de correspondência trocada entre o arguido e o seu mandatário Dr. N e da ausência de representante da Ordem dos Advogados, sublinha que a busca em causa era feita à residência do arguido J e não ao escritório do seu mandatário, motivo pelo qual não era exigida nem a presença pessoal do Mmo. Juiz, nem de representante da Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 177°, nº 5 do Código de Processo Penal, a contrario sensu, sendo que quanto aos fax não se aplica o regime da apreensão de correspondência (cfr. artigo 179º do Código de Processo Penal).
Apreciando e decidindo:
Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que a busca realizada na morada na Estrada Nacional …, ocorreu na sequência do cumprimento de mandados de busca emitidos judicialmente, ordenados pelo despacho de folhas 401 a 403 e cujo respectivo mandado se encontra a folhas 518 e 518 verso.
(…)
Por fim, cumprirá apreciar a questão relacionada com a apreensão de documentação de comunicação por fax, que o arguido constituir uma nulidade, por serem elementos cobertos pelo sigilo profissional, nos termos do artigo 179.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal e não estar presente representante da Ordem dos Advogados.
Tratando-se de busca domiciliária feita à residência do arguido J e não a escritório ou habitação de advogado, não se impunha a presença de representante da Ordem dos Advogados - artigo 177.º, n.º 5, a contrario sensu, do Código de Processo Penal e 180.º do mesmo código.
Mas já assistirá razão ao arguido quanto à inadmissibilidade da apreensão de correspondência trocada com o seu mandatário, nos termos do disposto no artigo 179.º, n.º 2 e 118.º do Código de Processo Penal.
Com efeito, refere este preceito legal que: "é proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outro controlo de correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se houver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento de um crime",
Crê-se que o supra transcrito preceito legal não apresentará dúvidas quanto à sua interpretação, quer em termos gerais, quer no que respeita à expressão "correspondência", que, salvo melhor entendimento e com o devido respeito por opinião diversa, englobará as missivas, encomendas, valores, telegramas, mensagens sms, de correio electrónico, de fax e qualquer forma estereotipada de correio, desde que trocadas entre arguido e o seu defensor.
Reportando tal artigo ao caso vertente, conclui-se pela nulidade da apreensão de toda a correspondência trocada entre o arguido (a título pessoal e/ou como legal representante das sociedades visadas igualmente pelas buscas) e o seu ilustre mandatário, a qual reveste uma proibição de valoração de prova, nos termos do artigo 118.º do Código de Processo Penal, na medida em que não foi fundamentado que a mesma constitui objecto ou elemento de crime.
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Pelas considerações de facto e de direito supra expostas, ainda que indeferindo as demais nulidades suscitadas pelo arguido J, declaro nula a apreensão dos seguintes itens:
- No Apenso II - referente às buscas realizadas na Garagem sita na …: os documentos apreendidos com as cotas B26, B27, B28, B29, B30 e B48; e
- No Apenso III - referente às buscas realizadas na Sede da Firma J., sita na Rua: os documentos n.º 2, 3, 5, 6 (com excepção do recibo emitido pela F, que permanecerá no processo), 7, 19, 23, 24, 28, 39, 40, 41, 42, 49, 53 e 55;
Elementos documentais que deverão ser desentranhados dos autos, guardados em envelope selado e, após trânsito do presente despacho, devolvidos aos visados a que respectivamente foram apreendidos.
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Nas suas alegações de recurso o Digno Magistrado do Ministério Público estabelece claramente a fronteira entre o que deve e não deve ser considerado “correspondência” para efeitos do art. 179º do Código de Processo Penal, recorrendo para o efeito aos ensinamentos de Costa Andrade:
Como afirma COSTA ANDRADE (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 758, § 16) "é precisamente este facto - estar fechada - que define a fronteira da tutela penal do sigilo de correspondência e dos escritos, em geral." E uma carta está fechada quando exista "um procedimento que estabeleça um obstáculo físico à tomada de conhecimento e que só seja ultrapassável à custa de uma actividade física que pode ou não ( ... ) implicar uma ruptura material ( ... ) Não basta seguramente ( ... ) a sua arrumação num dossier ou numa gaveta aberta." E para concluir: "uma carta que foi (ainda que indevidamente) aberta, deixa de ser uma carta fechada, mesmo que persista reservada."
Pela negativa: excluídas do conceito de correspondência estão as formas de comunicação que integrem as telecomunicações, ou seja, "os procedimentos técnicos de transmissão incorpórea à distância de qualquer espécie de informação (sinais, dados, sons, cores, imagens, etc.). E isto independentemente do sistema tecnológico de tratamento e transmissão da informação: com fios, por cabo, ondas hertzianas, via satélite ( ... ). Assim, e a par das clássicas formas do telefone ( ... ), cabem aqui telecomunicações como o telex, o telefax, a telefoto, etc .. " (idem, pág. 758, § 18, sublinhado nosso).
Neste sentido se pronunciou também o supra referido acórdão de 18.5.06 deste Tribunal e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.3.06 (No proc. 607/06, disponível em www.dgsi.pt), como se infere quando afirma “tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional diferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta. Na apreensão daquela rege o art.º 179º do Código de Processo Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário”. Como se vê, a relevância dessa distinção entre correspondência fechada e aberta pode ser relevante mesmo para as comunicações electrónicas (Para além do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra referido, Pedro Verdelho, A obtenção de prova no ambiente digital, RMP 99, pg.s 117 stes e Apreensão de correio electrónico em processo penal, RMP 100pg.s 153 e stes, e também o supra referido estudo de Costa Andrade, embora o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.9.06, no proc. 06P2321, disponível em www.dgsi.pt tenha posição diferente).
Ou seja, tem de se concluir que a correspondência já aberta pelo seu destinatário passa a ter a natureza de documento e goza apenas da protecção que todos os documentos merecem. A correspondência é por definição fechada – assim que é aberta deixa de o ser e passa a ter natureza documental. Enquanto fechada, a correspondência é sigilosa por natureza, e, consequentemente goza da protecção constitucional que o art. 34º nº 1 da Constituição da República Portuguesa concede ao “sigilo da correspondência”.
Por outro lado, as regras relativas à proibição de apreensão de correspondência, mesmo aberta, entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato, constantes do art. 71º do EOA deriva da tutela do segredo profissional e só ocorre quando a apreensão tenha lugar no escritório de advogado ou em qualquer outro lugar onde este faça arquivo (art. 70º nº 3 do EOA), gozando assim da mesma protecção que a lei processual penal já confere a todos os “documentos abrangidos pelo segredo profissional” no art. 180º do Código de Processo Penal.
Consequentemente, a nulidade da apreensão de correspondência cominada pelo art. 179º nº 2 do Código de Processo Penal apenas ocorre em relação a correspondência fechada, o que não é o caso dos autos.
Pelo exposto, não se verifica a nulidade declarada no despacho recorrido pelo que, na procedência do recurso, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que valide as apreensões efectuadas.

III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, determinando a substituição do despacho recorrido por outro que valide as apreensões efectuadas, nos termos do art. 178º nº 5 do Código de Processo Penal.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Março de 2011
(texto elaborado e revisto pelo relator (Dr. Jorge Raposo) e rubricado e assinado por este e pelos
Ex.mos Presidente da Secção e Adjunto)

Declaração do Ex.mo Desembargador Presidente Dr. Moraes Rocha:
(Voto da decisão pois entendo que no caso de documentação de comunicação por fax não se aplica o regime de apreensão de correspondência previsto nos nºs 1 e 3 do art. 179.º do Código de Processo Penal).
***
Voto de vencido do Ex.mo Juiz Desembargador Adjunto Dr. Sérgio Bruno Póvoas Corvacho:

Votei vencido a decisão pelas razões a seguir expostas.
Concordo, em tese geral, com a interpretação subjacente à posição que fez vencimento, segundo a qual o regime de apreensão de correspondência previsto nos nº s 1 e 3 do art. 179º do CPP não se aplica às cartas e outros objectos equiparáveis, que tenham sido recebidos e abertos pelo seu destinatário, estando a apreensão destes sujeita às regras que regulam a apreensão de quaisquer documentos.
Contudo, entendo que a proibição estatuída pelo nº 3 do mesmo artigo de apreensão de correspondência trocada entre o arguido e o seu defensor, tal como a estabelecida pelo nº 5 do art. 187º do CPP a propósito das escutas telefónicas, visa tutelar, mais do que o sigilo da correspondência ou das telecomunicações, as próprias garantias de defesa do arguido e, em especial, o direito que a este assiste, a fim de poder defender-se eficazmente, de organizar a sua defesa em privado com o seu defensor, fora das vistas do MP, dos OPC, do assistente e, em última análise do próprio Tribunal.
Podemos ver também um afloramento deste princípio no direito que é reconhecido na parte final da al. f) do nº 1 do art. 61º do CPP ao arguido privado de liberdade de comunicar com o seu defensor em condições de privacidade.
Embora reconheça como problemática, do ponto de vista da coerência do sistema, uma interpretação que faz incluir no conceito de «correspondência» para o efeito previsto no nº 2 do art. 179º realidades excluídas das previsões dos nºs 1 e 3 do mesmo normativo, afigura-se-me que deve ser dada prevalência à necessidade de tutela experimentada pelo interesse especialmente protegido pela norma proibitiva do nº 2.
Nesta perspectiva, a apreensão de uma carta ou outro instrumento de comunicação escrita entre o arguido e o seu defensor é susceptível de lesar o direito do arguido à privacidade da sua estratégia de defesa, tanto antes como depois da sua recepção e tomada de conhecimento pelo destinatário, pelo que deve entender-se que a proibição estabelecida pelo nº 2 do art. 179º vigora para além destas.
Como tal, a apreensão invalidada pelo despacho sob recurso só poderia ter sido mantida no caso de haver razões para pensar que o conteúdo dos documentos sobre que incidiu era elemento ou objecto de um crime, o que não parece estar em causa.
Pelo exposto, e sempre salvo melhor opinião, teria confirmado a decisão recorrida.
Lxa. 2/3/11 (processado e revisto pelo signatário)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)”