Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22311/18.9T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO NOVA
SEGURO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, al. a) do CPC. Os demais requisitos enunciados no n.º 1 e 2 do artigo 640.º do CPC podem constar apenas da alegação, mas, quanto ao requisito da alínea c) do n.º 1, deve constar da alegação a concreta decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, o que implica a tomada de uma posição clara e inteligível sobre o teor do concreto facto a considerar como provado ou não provado, não bastando, para o efeito, dizer que os meios de prova imporiam uma “decisão diversa”.
II) Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas, pelo que, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso, encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
III) Ao seguro de crédito são aplicáveis as disposições gerais que regulam os termos das obrigações pré-contratuais, previstos na Lei do Contrato de Seguro (LCS), em sede de formação do contrato (cfr. artigos 16.º a 38.º), incluindo a apólice, nos termos do artigo 37.º, n.º 1, da Lei do Contrato de Seguro, “todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis”, sendo-lhe aplicáveis ao segurador de crédito os deveres de comunicação e de informação constantes da LCS e da lei das Cláusulas Contratuais Gerais (D.L. n.º 446/85, de 25 de outubro).
IV) O ónus de prova que recai sobre o predisponente das cláusulas – segurador – não prescinde da prévia invocação e do correspondente cumprimento do ónus de invocação dos factos essenciais para a procedência da respetiva pretensão – quer no articulado inicial, quer posteriormente, dentro dos limites em que o possa fazer supervenientemente – pelo aderente, pelo que, terá que alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação para se pretender prevalecer da sua inobservância, não podendo o Tribunal suprir tal alegação e conhecer da questão atinente, oficiosamente e, designadamente, em sede de recurso, se antes não foi invocada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
MÁRMORES GALRÃO – EDUARDO GALRÃO JORGE & FILHOS, S.A., identificada nos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra COSEC – COMPANHIA DE SEGURO DE CRÉDITOS, S.A., também identificada nos autos, tendo pedido a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 66.678,48, acrescidos juros de mora vencidos no valor de €4.411,74 e vincendos à taxa legal.
Alegou, em síntese, que no desenvolvimento das respectivas actividades comerciais celebrou com a Ré um contrato de seguros de crédito decorrente da fabricação e comercialização de artigos em mármore, rochas ornamentais e granito, para o mercado interno e externo, que abrangia os créditos sobre a cliente Contango trading, S.A. até ao limite de 100.000,00€ e, não tendo o cliente pago o preço de 74.087,20 correspondente ao valor do material fornecido e discriminado nas facturas emitidas, a A. comunicou à R. o sinistro, não tendo a ré pago os valores peticionados pela autora.
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Citada, a ré COSEC – COMPANHIA DE SEGURO DE CRÉDITOS, S.A. contestou alegando que a empresa cliente da A. contestou a existência do crédito reclamado, alegando estar-se perante uma situação de fraude em virtude de nunca ter encomendado nem recebido os materiais constantes das facturas emitidas pela A., pelo que, face a tal posição, a R. procedeu, nos termos do artigo 7º, ponto I, n.º 5 das Condições gerais da apólice, à suspensão da verificação do sinistro, recomendando à A. que participasse tal situação de fraude junto das autoridades competentes, o que a A. nunca fez. Não tendo a A. demonstrado o reconhecimento judicial do seu crédito sobre o cliente, a ré alegou estar legitimada a abster-se de dar seguimento ao processo de verificação e regulação do sinistro.
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Foi realizada audiência prévia, na qual foi fixado o objeto litígio e os temas da prova.
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Realizada audiência de julgamento, em 08-10-2019, foi proferida sentença decidindo julgar a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido contra ela formulado.
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Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, formulando as seguintes conclusões:
“A. Considerando o teor da Decisão Recorrida, verifica-se que a Recorrida não logrou provar o facto extintivo da sua obrigação como lhe era imposto. 
B. Os factos nos quais o Tribunal a quo funda a Decisão Recorrida foram carreados para os autos sem que fosse carreada um único elemento que suportasse quer os depoimentos indirectos produzidos, quer a concordância da Recorrente com as invocadas Condições Gerais.
C. Mais concretamente, não foi feita prova do acordo celebrado com a Recorrente onde constasse o teor da alegada Clausula 7.ª Ponto I n.º 5 das alegadas Condições Gerais da Apólice.
D. Como tal, não poderia o tribunal a quo ter dado como provado que é o documento junto pela Recorrida que deverá reproduzir a vontade das partes no momento da celebração do acordo.
E. A A. tem por objecto social a indústria e comercialização de mármores, granitos e, para prossecução do seu objecto social, a Recorrente necessitou de contratar com a Recorrida um contrato de seguro de crédito, com vista a assegurar os riscos decorrentes de uma operação a realizar com a sociedade Contango Trading SA, uma sociedade comercial francesa, que veio a ser titulado pela apólice n.º ….
F. A sociedade Contango Trading SA encomendou à Recorrente a mercadoria produzida e comercializada pela Recorrente, tendo-a recebido e não pago, razão pela qual foi comunicado o sinistro à Recorrida;
G. Não obstante o cumprimento integral de todas as formalidades acordadas entre as partes com vista ao ressarcimento da quantia em divida, a Recorrida invoca não ser responsável pelo pagamento do valor da indemnização.
H. A Recorrida invoca uma causa de exclusão de responsabilidade assente numas alegadas Condições Gerais de seguro que em momento algum foram subscritas pela Recorrente.
I. Designadamente, a Recorrida invoca que basta a impugnação da existência da dívida por parte do devedor que é-lhe conferida, de imediato, a possibilidade de se excluir da sua responsabilidade de ressarcimento dos danos ocasionados pelo sinistro.
J. Realizada a audiência de julgamento, concluiu o tribunal a quo que não se logrou provar a existência e exigibilidade do crédito da Recorrente, sendo que apenas deste modo é que seria a Recorrida responsável pelo pagamento da indemnização.
K. Ora, o presente Recurso visa precisamente reagir perante os pressupostos que serviram de base à decisão proferida pelo Tribunal.
L. Ora, no ponto de vista da Recorrente, a decisão sobre a matéria de facto assenta em erro do tribunal a quo, o que será demonstrado de forma clara e inequívoca, através da sua impugnação.
M. Inexistem elementos no processo que permitam concluir que tenham sido subscritas pelas partes as condições gerais juntas a fls 57 a 62 da contestação da Recorrida, sendo que a própria Recorrida reconhece no ponto 6 da sua contestação a ausência de assinatura e de acordo – elemento essencial para a celebração de qualquer negócio jurídico - com as referidas condições gerais da apólice.
N. Isto significa que a relação jurídica estabelecida entre as partes é regulada apenas pelas Condições Especiais da Apólice, sendo este o único documento junto aos autos em que o tribunal a quo se poderia ter baseado para proferir a sua decisão.
O. E nesse documento não consta a clausula de exclusão de responsabilidade em que se alicerça a Recorrida para se eximir ao pagamento da indemnização.
P. E nesse sentido, a sentença proferida pelo tribunal a quo terá um sentido completamente diverso, que condena a Recorrida no pedido formulado pela Recorrente o que expressamente se requer para todos os efeitos legais.
Q. Por outro lado, para fundamentar a razão pela qual o Tribunal deu como provado a factualidade supra, é referido que “a mesma resultou da análise conjugada dos depoimentos das testemunhas inquiridas, com especial relevância as testemunhas MO… e CE…, funcionárias da Ré Cosec, que esclareceram toda a tramitação do processo após a participação do sinistro pela A., depondo de forma clara e objectiva”.
R. Dos elementos constantes dos autos resulta que nem a Contango Trading SA nem a congénere da Recorrida foram chamadas aos autos para clarificar ou provar os factos extintivos do direito da Recorrida, sendo a esta que lhe competia esse ónus.
S. O artigo 342.º do Código Civil preceitua a regra segundo a qual, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo.
T. Designadamente, no que respeita a factos extintivos, a prova competia à Recorrida e não foi feita.
U. Pelo que deveria ao tribunal a quo ter decidido de forma totalmente inversa e, em consequência, condenar totalmente a Recorrida no pedido formulado.
Normas violadas
V. A Decisão Recorrida viola o disposto nos artigos 342.º n.º 2 do Código Civil e 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”.
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A ré contra-alegou tendo concluído o seguinte:
“1. O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto constante do Ponto 6: “Nos termos das condições gerais da apólice, juntas a fls. 57 a 62 dos autos (doc. 1 com a contestação) que aqui se dão por reproduzidas, juntas a fls. 10 e ss. Que aqui se dão por reproduzidas, são considerados indemnizáveis os créditos sobre os clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares até aos limites do crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados.”
2. Veio a Recorrente, em sede de alegações de recurso, invocar que inexistem elementos no processo que permitam concluir que tenham sido subscritas pelas partes as Condições Gerais da Apólice juntas a fls. 57 a 62 dos autos com a contestação da Ré, ora Recorrida,
3. Razão pela qual entende que o “tribunal a quo não se podia ter baseado no artigo 7.º, Ponto I, n.º 5 das referidas condições gerais para tomar a sua decisão” e que “deveria ter dado como não provado que as partes convencionaram as cláusulas concretas do clausulado junto aos autos pela Recorrida”,
4. Concluindo que “a inexistência de assinatura nas condições gerais comporta a sua inexistência jurídica, que é um vício mais grave que a nulidade”, pelo que “sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286 do CC), também a inexistência o deve ser.”
5. Ora, contrariamente ao pugnado pela Recorrente, não poderá deixar de se entender que a invocada excepção de inexistência jurídica que a mesma vem agora lançar mão em sede de alegações de recurso jamais poderá proceder.
6. Na verdade, o documento em causa nunca foi objecto de impugnação por parte da Autora, ora Recorrente,
7. Tendo, aliás, a própria Recorrente admitido ter tomado conhecimento das referidas Condições Gerais da Apólice e aceite o respectivo teor, fazendo inclusivamente referência às mesmas nos artigos 10º e 36º da sua douta Petição Inicial,
8. Motivo pelo qual as referidas condições se deram por reproduzidas para todos os legais efeitos e o Tribunal a quo considerou provado por acordo das partes o facto n.º 6 ora em apreço.
9. Na realidade, as referidas Condições Gerais fazem parte integrante da apólice e foram comunicadas e informadas à Autora, ora Recorrente, aquando da celebração do contrato de seguro de créditos em causa nos autos, tendo sido entregues a esta,
10. Tal resultando, aliás, de declaração expressa emitida pela mesma nesse sentido nas declarações finais das Condições Particulares da Apólice por si assinadas e que foram juntas com a sua douta Petição Inicial a fls 10 a 15 dos autos.
11. Na verdade, a tese ora defendida pela Recorrente é, salvo melhor opinião, manifestamente contrariada quer pelo que, na realidade, sucedeu quer pelos preceitos legais aplicáveis in casu, nomeadamente pelo disposto no artigo 32º do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS),
12. Afigurando-se evidente que, tal como resulta expressamente do regime estabelecido no citado artigo, a falta de assinatura do tomador de seguro não acarreta qualquer invalidade do contrato de seguro, nomeadamente a sua inexistência jurídica.
13. De todo modo, sempre será de realçar que a questão da inexistência de assinatura da apólice de seguro por parte da Recorrente nem se coloca no caso sub judice, na medida em que esta aí apôs a respectiva assinatura, conforme se pode verificar pela análise do documento junto pela própria de fls 10 a 15 dos autos, sendo certo que as Condições Gerais fazem parte integrante da apólice, não carecendo, pois, de ser assinadas de forma separada.
14. Na verdade, tal questão nunca foi aflorada na petição inicial apresentada pela Autora, em que devem ser alegados os factos essenciais da causa de pedir que sejam do seu conhecimento, nem tão pouco o foi, no prazo legal para o efeito, após a junção do documento em causa com a contestação deduzida pela Ré,
15. Pelo que, não tendo a invocada questão da inexistência jurídica das Condições Gerais da Apólice sido suscitada em primeira instância, razões de ordem formal ligadas aos efeitos preclusivos do despacho saneador impedem que se proceda agora à sua análise, sendo inoportuna a sua arguição em sede de alegações de recurso.
16. De qualquer forma, mesmo que fosse possível conhecer da invocada excepção de inexistência jurídica, por se entender ser susceptível de conhecimento oficioso, sempre se chegaria à conclusão de que a mesma não se verifica no caso em apreço atentas as razões acima expostas.
17 Assim sendo, e porque admitido por acordo das partes, o teor do clausulado das Condições Gerais da Apólice, designadamente o disposto no seu artigo 7º, Ponto I, nº 5, não podia deixar de ser tido em consideração por parte do Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão,
18. Devendo, por conseguinte, ser desatendida a pretensão da Recorrente no sentido de ver declarada a inexistência jurídica das Condições Gerais da Apólice por este douto Tribunal ad quem.
19. Defende, por outro lado, a Recorrente que a factualidade constante dos Pontos 32, 33, 36 e 37 não poderia ter sido dada como provada pelo Tribunal a quo.
20. Para tanto, invoca, em suma, que o Tribunal a quo formou a sua convicção “com base no depoimento de testemunhas que apenas têm conhecimento dos factos por intermédio da sua congénere e sobre factos em que é imposta a produção de prova documental”,
21. Entendendo, por conseguinte, que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado factos relatados pelas testemunhas que não foram percepcionados directamente por estas.
22. Na realidade, e ao invés do pretendido pela Recorrente, não corresponde a depoimento indirecto o relato feito em audiência de julgamento pelas referidas testemunhas, que se limitaram a constatar factos de que tomaram conhecimento directo através de comunicações que foram dirigidas à Recorrida pela sua congénere, que actuou em nome da mesma nos termos da apólice (cfr. artigo 6º, nº 1 das Condições Gerais da Apólice a fls. 60 dos autos).
23. Por outro lado, e contrariamente ao defendido, a ora Recorrida logrou demonstrar que, no âmbito dos contactos que a sua congénere estabeleceu junto da Contango Trading, S.A., esta contestou a existência do crédito reclamado pela Autora, ora Recorrente.
24. Resultou, igualmente, provado dos autos que a própria Autora, ora Recorrente, tomou conhecimento da invocada impugnação do crédito por parte da sua Cliente Contango Trading, S.A., nomeadamente através de e-mails datados de 08 e de 09 de Junho de 2017 que lhe foram dirigidos por esta última (cfr. Ponto 27 dos Factos Provados).
25. Assim, do processo constam todos os elementos que alicerçaram o juízo de prova na base da decisão sobre a matéria de facto constante dos Pontos 32, 33, 36 e 37 dos Factos Provados, que a Recorrente agora vem pôr em causa,
26. Sendo certo que o depoimento das testemunhas da Ré, ora Recorrida, MO… e CC…, cuja força probatória foi livremente apreciada pelo Tribunal a quo (cfr. artigo 396º do Código Civil e artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil), conjugadamente com o adequado exame crítico e valoração, de acordo com as regras de experiência comum e de lógica, de todos os outros elementos probatórios trazidos ao presente processo, não impunham decisão diversa da que foi prolatada.
27. Por fim, veio a Recorrente reagir contra a decisão do Tribunal a quo que deu como não provados os seguintes factos: “a) A autora tenha sido contactada, em 24/02/2017 pela Contango Trading, S.A., na pessoa do Sr. PV…. b) Que desde 24/02/2017 tenha havido troca de correspondência entre a A. e a Contango Trading, S.A. c) Que no dia 29/03/2017 a Contango Trading, S.A. enviou à A. os elementos referidos no facto provado n.º 15 d) Que as facturas proforma referidas no facto provado n.º 17 tenham sido enviadas para a Contango Trading, S.A.”.
28. Ora, não alcança a aqui Recorrida em que medida merece alteração a matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente,
29. Limitando-se a Recorrente a alegar que dos documentos juntos aos autos, designadamente das cartas remetidas pela testemunha FD…, resulta claro e inequívoco o envio e recepção e, por isso, a troca de comunicações entre as partes.
30. Sucede que, na realidade, com excepção das facturas que terão sido remetidas por correio para a morada da Contango Trading, S.A. (cfr. factos provados nº 18 e nº 19), que, ao receber as mesmas, veio contestar a dívida reclamada pela Autora, todas as restantes comunicações anteriormente enviadas por esta última e relacionadas com a negociação, o fornecimento e a entrega das mercadorias, que estão na origem do crédito em causa, terão sido remetidas e recepcionadas num endereço electrónico que se veio apurar não corresponder ao do representante da Contango Trading, S.A., Sr. PV…,
31. Pelo que bem esteve o Tribunal a quo ao considerar não provados os factos supra elencados, porquanto não foi produzida prova bastante e credível quanto a essa matéria.
32. Na verdade, a Autora, ora Recorrente, jamais logrou fazer prova cabal dos factos constitutivos do seu direito, designadamente demonstrar a existência e a exigibilidade do crédito comunicado ao seguro e a cobertura do mesmo pelo contrato de seguro de créditos celebrado entre as partes.
33. Com efeito, tendo o crédito da Recorrente sido contestado pela sua Cliente Contango Trading, S.A., e configurando tal posição uma situação de “litígio” entre a Segurada e a respectiva Cliente, prevê a apólice que, nestes casos, a verificação do sinistro se suspende até que o segurado comprove o respectivo crédito, designadamente por decisão judicial ou arbitral, como condição para a admissão e regulação do sinistro (cfr. artigo 7º, Ponto I, nº 5 das Condições Gerais da Apólice a fls. 60 verso dos autos).
34. Ora, no caso em apreço, jamais foi possível aferir da validade e da exigibilidade do crédito da Recorrente, uma vez que a mesma, apesar de tal lhe ter sido sugerido pela Recorrida, nunca informou esta última dos eventuais procedimentos que tivesse adoptado com vista à obtenção do reconhecimento do seu crédito sobre a respectiva Cliente, por forma a torná-lo certo e exigível e, consequentemente, susceptível de ser indemnizado,
35. Sendo certo que tal reconhecimento não poderá fazer-se em sede da presente acção, na qual a Cliente da Autora, Contango Trading, não foi demandada, em detrimento do contraditório.
36. Assim, e como decorrência do não cumprimento por parte da Recorrente do ónus de prova relativamente aos factos indispensáveis à sua pretensão, o pleito, necessariamente, teria de ser decidido, como bem o foi, de forma desfavorável à mesma.
37. Bem decidiu, por conseguinte, o douto Tribunal a quo no sentido de que, “pressuposto da responsabilidade da Ré é, como se referiu, a existência de um crédito sobre um cliente. Não estando tal crédito reconhecido, nem tendo a A. comprovado a existência do mesmo, em acção própria, não pode exigir o pagamento do mesmo por parte da Ré, soçobrando o direito que a A. pretende fazer valer com esta acção”.
38. De concluir, pois, que, ao contrário do que sustentado pela Recorrente, não houve qualquer violação do disposto nos artigos 342º, nº 2º do Código Civil e 490º, nº 2 do anterior Código Processo Civil (actual artigo 574º, nº 2 do Código de Processo Civil) por parte da Decisão Recorrida,
39. Sendo certo que não se verificou qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, que efectuou uma correcta leitura dos depoimentos prestados em sede de audiência final e de toda a prova que se mostra junta aos autos, e que reflectiu na respectiva motivação da decisão de facto, não se justificando, por conseguinte, qualquer alteração da decisão proferida sobre matéria de facto ora posta em crise”.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
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1) Da retificação do ponto 6 dos factos provados.
2) Do não conhecimento do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto, por incumprimento, pela apelante, do disposto no artigo 640.º do CPC.
3) Se é admissível a invocação da exclusão das Condições Gerais do contrato de seguro pela apelante e, em caso afirmativo, se as mesmas devem ser excluídas?
4) Da invocada violação dos normativos invocados pela recorrente.
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3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A A. tem por objecto social a industria e comercialização de mármores, granitos e afins, o que faz com carácter habitual e fim lucrativo.
2. A Ré é uma empresa que se dedica à actividade seguradora, designadamente nos ramos de crédito e caução, nomeadamente associados a contratos comerciais de exportação, o que faz com carácter habitual e fim lucrativo.
3. No desenvolvimento das respetivas actividades comerciais A. e R. celebraram um contrato de seguro de crédito nos termos do qual esta se obrigava a indemnizar aquela dos prejuízos sofridos em consequência da verificação de risco de crédito.
4. Tal contrato é titulado pela apólice n. …, datada de 13/04/2009, junta aos autos a fls. 10 a 15, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5. O objecto do mencionado contrato previa o seguro de créditos decorrentes da fabricação e comercialização no mercado interno e externo de artigos de mármores, rochas ornamentais e granitos.
6. Nos termos das condições gerias da apólice, juntas a fls. 57 a 62 dos autos (doc. 1 com a contestação) que aqui se dão por reproduzidas, juntas a fls. 10 e ss. Que aqui se dão por reproduzidas, são considerados indemnizáveis os créditos sobre os clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares até aos limites do crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados.
7. Nos termos das referidas condições particulares da apólice, A. e Ré fixaram como mercados onde vigorava o seguro, o mercado interno português e o mercado externo onde se incluía o mercado do Reino Unido e da França.
8. Considerando-se que o cliente do segurado se constitui em mora para efeitos de verificação do sinistro, após o decurso de 120 dias.
9. A percentagem garantida de créditos foi limitada pela Ré em 80% para os clientes do mercado interno e 90% para os clientes do mercado externo.
10. Nos termos do referido contrato de seguro o prazo máximo de pagamento dos créditos a conceder pela Autora aos seus clientes tinha como limite máximo os 120 dias.
11. Permitindo-se que a Autora concedesse aos seus clientes, sem autorização prévia da Ré uma prorrogação do prazo para o pagamento dos créditos de 60 dias.
12. A empresa cliente da Autora CONTANGO TRADING, S.A. tem por objecto social a realização de operações de natureza mobiliária e imobiliária, comercial e financeira, em França e noutros países.
13. Em 24/02/2017 a A. recebeu um email, cuja tradução se mostra junta a fls. 117 dos autos e se dá por reproduzida, enviado a partir do endereço VP… [mailto: dg@contango-trading.eu] com uma breve apresentação da mesma e dos seus negócios.
14. Desde essa data houve vários e-mails trocados entre a A. e o referido endereço de e-mail como decorre do doc. 4 junto com a PI e traduzido a fls. 121 a 131, que se dão por reproduzidos.
15. No dia 29/03/2017 foram enviados à A., através do referido endereço de email, os elementos fiscais, financeiros e patrimoniais da empresa, relativos aos últimos exercícios bem como a composição dos elementos de administração e Direcção da empresa.
16. A autora solicitou à Ré um plafond de crédito de €50.000,00€ que foi aprovado, no momento, tendo efectuado em 31/03/2017 pedido de reforço de plafond para 100.000,00€ que foi, também, aprovado.
17. No dia 10/04/2017 foi emitida pela Autora a factura proforma n.º 170107, no valor de €34.473,60 e a factura proforma n.º 170145 no valor de 52.505,40€ conforme doc. 6 e 7 da PI que se dão por reproduzidos, e que foram enviados para o e-mail acima referido, dirigidos à Contango Trading, S.A., e posteriormente assinadas e devolvidas à A., confirmando os preços, prazos de entrega, condições de pagamento e elementos bancários para se efectuarem as transferências.
18. A Autora emitiu a primeria factura a 28/04/2017 e logo no dia da emissão da factura esta foi remetida por correio expresso para a sede da Contango Trading, S.A., em Paris.
19. Tal procedimento foi seguido na emissão das facturas seguintes.
20. A Autora emitiu as facturas juntas como doc. 8 a 10 da PI que aqui se dão por reproduzidas, a saber:
a. N.º 171500037 emitida a 28/04/2017 no valor de €34.898,60;
b. N.º 171500045, emitida em 26/05/2017 no valor de €21.227,20;
c. N.º 171500048 emitida a 31/05/2017 no valor de €17.961,40.
21. A mercadoria fornecida pela A. foi exportada para Inglaterra conforme solicitado nos e-mails trocados e para a morada indicada. 22. Chegada a mercadoria ao local estipulado deparou-se o motorista da empesa transportadora que a mercadoria não poderia ser entregue nessa morada pelo que, por e-mail novamente assinado por PV… foi indicada nova morada em Londres para a efectivação da entrega.
23. A mercadoria foi efectivamente recebida na segunda morada indicada, no dia 06/05/2017.
24. A segunda expedição, referente à terceira factura emitida saiu dos armazéns da A. a 26/05/2017 com destino à morada indicada, o mesmo local da primeira entrega.
25. A mercadoria foi entregue na morada estipulada no dia 31/05/2017, e aí recepcionada.
26. Após a recepção da ultima encomenda foram trocados e-mails em relação ao pagamento da primeira factura, junto como doc. 16 e que se dá por reproduzido, pagamento que nunca foi recepcionado pela A.
27. No dia 08/06/2017 e no dia 09/06/2017 a Autora recebeu os e-mail de VP… [P….v…@natixis.com], - doc. 17 com a PI que aqui se dá por reproduzido- que veio questionar a existência das facturas recebidas afirmando que só se poderia tratar de uma fraude.
28. Em virtude da falta de pagamento por parte da Contango Trading, S.A. a Autora, no dia 12/06/2017 comunicou à Ré, através da mediadora de seguros VILLAS-BOAS ACP, Correctores Associados de Seguros, S.A., a ameaça de sinistro relativa ao crédito de €74.087,20, que foi recepcionada em 13/06/2017.
29. A autora mandatou também a AON Portugal – correctores de seguros, S.A. para proceder a uma análise do sinistro junto da Re.
30. Uma vez registada a comunicação de ameaça de sinistro a 
31. Ré confiou á sua congénere Euler Hermes, sedeada em França, as diligências de cobrança do valor referido pela A.
32. No âmbito de tais diligências de cobrança verificou a congénere da Ré que o cliente contestou a existência do crédito reclamado pela A., alegando nunca ter encomendado ou recebido quaisquer produtos comercializados pela A., assim como não ter qualquer representação ou interesse no Reino Unido.
33. Por carta datada de 26/09/2017 a Ré comunicou à Autora a posição da empresa Contango trading, S.A. de acordo com o relatório elaborado pela sua congénere e com os e-mails trocados por aquela empresa com esta ultima e a Autora.
34. Tendo aí solicitado à Autora que, para efeitos de análise das condições de cobertura do seguro, o envio de toda a documentação que titulava o crédito e causa e alertado a mesma para o disposto na art.º 7º, ponto I, n.º 5 das condições gerais da apólice, sugerindo a participação da invocada situação de fraude junto das autoridades competentes.
35. A Autora, em 30/10/2017, por intermédio da companhia de seguros Villas Boas ACP corretores Associados de seguros, S.A., remeteu à Ré a documentação solicitada, nos moldes do e-mail junto como doc. 6 com a contestação que aqui se dá por reproduzido.
36. Por e-mail de 13/12/2017 a Ré deu conhecimento à A., por intermédio da mediadora de seguros Villas-Boas, S.A. do e-mail da sua congénere datado de 8/12/2017, juntamente com o qual seguiu a participação de fraude apresentada em 07/12/2017 pela Contango Trading, S.A. junto das autoridades francesas
37. No dia 14/12/2017ª Ré enviou à A. por intermédio da referida mediadora de seguros o e-mail recepcionado por parte da sua congénere datado desse mesmo dia – doc. N.º 9 com a contestação que aqui se dá por reproduzido.
38. Por e-mail de 22/12/2017 a Ré chamou novamente a atenção da A., através da mediadora de seguros, para o facto de que, sem prejuízo de haverem sido solicitados novos esclarecimentos à congénere sobre o que havia sido exposto por esta por e-mail de 14/12/2017, deveria ser tido em conta a situação de fraude alegada pela Contango Trading, S.A. decorrente da utilização abusiva do nome/identidade da empresa, por terceiros.
39. E recomendou que, face à suspensão da verificação do sinistro, atento o disposto no artigo 7º, ponto I, n.º 5 das condições gerais da apólice, a Autora procedesse à participação da referida situação de fraude junto das autoridades competentes.
40. A pedido da nova mediadora de seguros, AON Portugal – corretores de seguros, S.A., a Ré remeteu a esta, por e-mail de 18/04/2018, a documentação e prestou toda a informação sobre o processo do sinistro referente à Contango Trading, S.A., nos moldes constantes do doc. n.º 11 com a contestação que se dá por reproduzido.
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
a) A autora tenha sido contactada, em 24/02/2017 pela Contango Trading, S.A., na pessoa do Sr. PV….
b) Que desde 24/02/2017 tenha havido troca de correspondência entre a A. e a Contango Trading, S.A.
c) Que no dia 29/03/2017 a Contango Trading, S.A. enviou à A. os elementos referidos no facto provado n.º 15.
d) Que as facturas proforma referidas no facto provado n.º 17 tenham sido enviadas para a Contango Trading, S.A.
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4. Enquadramento jurídico:
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1) Da retificação do ponto 6 dos factos provados.
Verifica-se que do ponto 6 dos factos provados consta escrito o seguinte: “6. Nos termos das condições gerias da apólice, juntas a fls. 57 a 62 dos autos (doc. 1 com a contestação) que aqui se dão por reproduzidas, juntas a fls. 10 e ss. Que aqui se dão por reproduzidas, são considerados indemnizáveis os créditos sobre os clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares até aos limites do crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados”.
De acordo com o disposto no artigo 249.º do CC, “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”, possibilidade que é extensiva aos actos jurídicos (cfr. artigo 295.º do CC).
Para ser corrigível, o lapso de escrita tem de ser ostensivo, evidente e patenteável: Logo que se leia o texto, perceciona-se o erro e entende-se o que o autor do lapso pretendia dizer.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-01-2013 (Processo n.º 493/09.0TCFUN.L1-1, rel. RUI VOUGA), “segundo uma orientação jurisprudencial praticamente pacífica, mercê do disposto no art. 295º do mesmo diploma, o princípio contido no art. 249º do Cód. Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais”.
No mesmo sentido, aliás, apontam grandes princípios enformadores do processo civil português, como o processo equitativo, do direito à tutela judicial efetiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma – cfr. artigo 20.º da CRP e artigos 2.º, 6.º, n.º 1, 8.º e 547.º do CPC - e, num plano mais concreto, o disposto nos arts. 613.º, n.º 2 e 614.º do CPC, em matéria de correção de inexatidões e lapsos manifestos constantes de sentenças e despachos.
Alega a recorrente (cfr. Ponto 8 da sua alegação) que “da consulta dos autos não consta ainda a junção das alegadas Condições Gerais a fls. 10 ao contrário do que vem referido na sentença proferida”.
Compulsados os autos verifica-se, efetivamente, que o documento constante de fls. 10 não corresponde às Condições Gerais do contrato de seguro mencionado nos autos, sucedendo que, as referidas condições constam, ao invés, de fls. 57 a 62 dos autos, como, aliás, também foi enunciado no mencionado ponto n.º 6 dos factos provados.
Ora, neste conspecto verifica-se que a alusão, aliás, descontextualizada a “fls. 10 e ss.” e a palavra “gerias” constantes do mencionado ponto n.º 6 dos factos provados, estão erradas e não têm, manifestamente razão de ser, tendo sido apostas por lapso patenteado no próprio contexto da escrita.
Assim sendo, de harmonia com o exposto, verifica-se que o referido ponto n.º 6 dos factos provados, deverá ser retificado - correção que, por patente, pode ser de imediato apreciada e oficiosamente conhecida - passando a ter a seguinte redação:
“6. Nos termos das condições gerais da apólice, juntas a fls. 57 a 62 dos autos (doc. 1 com a contestação) que aqui se dão por reproduzidas, são considerados indemnizáveis os créditos sobre os clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares até aos limites do crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados”.
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2) Do não conhecimento do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto, por incumprimento, pela apelante, do disposto no artigo 640.º do CPC.
Dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, «quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO);
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Vejamos os termos do recurso em apreço.
Consta da alegação da apelante, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…) 5. Em virtude da existência do erro na decisão sobre a matéria de facto e igualmente de uma errada interpretação das normas legais aplicáveis - que ficará neste recurso demonstrada -, deverá a decisão proferida pelo tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida no pedido formulado nos autos.
6. Em concreto, nos autos são objeto de impugnação os seguintes pontos concretos da decisão sobre a matéria de facto:
• Ponto 6 dos factos provados
Nos termos das condições gerais da apólice, juntas a fls. 57 a 62 dos autos (doc 1 com a contestação) que aqui se dão por integralmente reproduzidas, juntas a fls 10 e seguintes que aqui se dão por integralmente reproduzidas, são considerados indemnizáveis os créditos sobre clientes estabelecidos nos mercados previstos nas condições particulares até aos limites do crédito fixados ou aceites pela Ré para cada cliente que se constituam durante a vigência da apólice e desde que os correspondentes sinistros sejam participados.
7. Entende a Recorrente que inexistem elementos no processo que permitam concluir que tenham sido subscritas pelas partes as condições gerais juntas a fls 57 a 62 da contestação da Recorrida.
8. Da consulta dos autos não consta ainda a junção das alegadas Condições Gerais a fls. 10 ao contrário do que vem referido na sentença proferida.
9. Efectivamente, a ditas ‘’ condições gerais da apólice ’’ juntas pela Recorrida na sua contestação não foram, em momento algum, subscritas pela Recorrente, facto que foi sucessivamente dado a conhecer ao tribunal.
10. A própria Recorrida reconhece no ponto 6 da sua contestação a ausência de assinatura e de acordo –  elemento essencial para a celebração de qualquer negócio jurídico - com as referidas condições gerais da apólice.
11. É por isso assaz evidente que o tribunal a quo não se podia ter baseado no artigo 7.º ponto I n.º 5 das condições gerais para tomar a sua decisão.
12. Por sua vez, e não obstante o acima alegado, importa valorar os seguintes depoimentos que impõem uma decisão diversa.
Depoimento da testemunha MR…, constante do ficheiro de gravação correspondente ao seu testemunho: -  Testemunha: ‘’Trabalho na COSEG há 18 anos’’ – minuto 0:40 a 054 - Mandatária da Recorrente:‘’ Referiu várias vezes as condições gerais da apólice, tem uma cópia consigo, não tem ? m - Testemunha: Tenho, tenho; - Mandatária da Recorrente: ‘’Alguma vez viu essas condições assinadas pelas partes ?’’ - Testemunha: ‘’ Eu não sou da área comercial, não tenho acesso..’’ - Mandatária da Recorrente: ‘’Eu estou só a perguntar se já viu’’; - Testemunha: Eu penso que vi, sim, tenho acesso às condições assinadas, não me lembro se vi assinadas, sinceramente, não me lembro.
Minuto 10 a minuto 13:33 da gravação
13. Ora, do depoimento prestado pela testemunha e do que vem invocado pela Recorrente resulta inequivocamente uma duvida quanto à existência de um contrato firmado e assinado pelas partes.
14. Face ao invocado pela Recorrente e à existência dessa duvida, o tribunal aqui deveria ter necessariamente ter dado como não provado que as partes haviam convencionado o que se encontrava descrito nas Condições Gerais da Apólice juntas pela Recorrida.
15. A realidade é que a Recorrente nunca teve acesso nem posse das alegadas Condições Gerais, mas a verdade é que a própria Recorrida também não conseguiu juntar aos autos prova da celebração de qualquer acordo, em particular no que respeita à Clausula invocada para exclusão da sua responsabilidade
16. Neste sentido, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provado que as partes convencionaram as clausulas concretas do clausulado junto aos autos pela Recorrida, sendo certo que lhe caberia o ónus de prova dessa factualidade.
17. A inexistência de assinatura nas condições gerais comporta a sua inexistência jurídica, que é um vício mais grave que a nulidade.
18. Sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286 do CC), também a inexistência o deve ser. Acresce que,
19. Conforme ficou devidamente demonstrado, a Recorrente nunca teria acordado com uma clausula de exclusão da responsabilidade com o teor da clausula em que se baseia a Recorrida.
20. Isto significa que a relação jurídica estabelecida entre as partes é regulada apenas pelas Condições Especiais da Apólice, sendo este o único documento junto aos autos em que o tribunal a quo se poderia ter baseado para proferir a sua decisão.
21. E nesse documento não consta a clausula de exclusão de responsabilidade em que se alicerça a Recorrida para se eximir ao pagamento da indemnização.
22. Neste sentido, na decisão sobre a matéria de facto proferida, mais precisamente neste ponto concretamente impugnado, os elementos constantes dos autos impõem que inexistem quaisquer condições gerais da apólice em vigor e a regular a relação jurídica das partes.
23. Ao ser assim, a Recorrida não se pode fazer valer de uma alegada impugnação da existência da divida (sim, alegada, porque conforme se demonstrará, nenhuma testemunha relatou factos sobre os quais tivesse conhecimento directo que indiciassem a existência dessa mesma impugnação) para se eximir do cumprimento das suas obrigações contratuais.
24. É manifestamente insuficiente para provar o facto acima mencionado que a Recorrente tenha feito uma simples menção das condições gerais na sua Petição Inicial, pois o que esta faz foi tão só e apenas reproduzir o teor de uma clausula constante das condições especiais da apólice.
25. Ainda que assim o fosse (que não é), ficamos sem saber se são aquelas condições gerais em concreto que foram as condições subscritas pelas partes.
26. Não basta uma simples menção em sede de Petição Inicial para fundamentar que são as condições gerais juntas aos autos que valem como regras reguladoras das relação das partes.
27. E nesse sentido, a sentença proferida pelo tribunal a quo terá um sentido completamente diverso, que condena a Recorrida no pedido formulado pela Recorrente o que expressamente se requer para todos os efeitos legais.
• Ponto 32 da factualidade dada como provada ‘ No âmbito de tais diligencias de cobrança, verificou a congénere da Ré que o cliente contestou a existência do crédito reclamado pela A., alegando nunca ter encomendado ou recebido quaisquer produtos comercializados pela A., assim como não ter qualquer representação ou interesse no Reino Unido ‘’ e
• Ponto 33 da factualidade dada como provada ‘Por  carta  datada de 26/09/2017 a Ré comunicou à Autora a posição da empresa Contango trading, S.A. de acordo com o relatório elaborado  pela  sua congénere  e  com  os  e-mails  trocados por  aquela  empresa  com  esta  ultima  e  a Autora.
• Ponto 36 da factualidade dada como provada Por e-mail de 13/12/2017 a Ré deu conhecimento à A., por intermédio da mediadora de seguros Villas-Boas, S.A. do e-mail da sua congénere datado de 8/12/2017, juntamente com o qual seguiu a participação de fraude apresentada em 07/12/2017 pela Contango Trading, S.A. junto das autoridades francesa
• Ponto 37 da factualidade dada como provada No dia 14/12/2017ª Ré enviou à A. por intermédio da referida mediadora de seguros o e-mail recepcionado por parte da sua congénere datado desse mesmo dia –doc. N.º 9 com a contestação que aqui se dá por reproduzido
28. Para fundamentar a razão pela qual o Tribunal deu como provado a factualidade supra, é referido que ‘’ a mesma resultou da análise conjugada dos depoimentos das testemunhas inquiridas, com especial relevância as testemunhas MO… e CE…, funcionárias da Ré Cosec, que esclareceram toda a tramitação do processo após a participação do sinistro pela A., depondo de forma clara e objectiva. ‘’
29. Ora, o Tribunal a quo, salvo devido respeito, não poderia ter dado como provada tal factualidade, uma vez que deste modo encontra-se em desrespeito pelas mais basilares normas de direito probatório.
30. Desde logo, o Tribunal forma a sua convicção com base no depoimento de testemunhas que apenas têm conhecimento dos factos por intermédio da sua congénere e sobre factos em que é imposta a produção de prova documental.
31. Não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado um facto relatado pelas testemunhas que não foi percecionado diretamente por estas.
32. Em momento algum dos autos, a alegada congénere confirma ou rejeita as diligencias por si efetuadas.
33. Do resultado do seu depoimento, as testemunhas funcionaram como um intermediário daquilo que teriam percepcionado, o que culmina inexoravelmente na inadmissibilidade da fonte pessoal, pois não advinha qualquer contacto directo com os factos percepcionados através dos sentidos.
34. Daí que sobressaia o dever material da Recorrida em diligenciar pelo interrogatório da fonte originária, sob pena do seu testemunho de ouvir dizer não ser suficiente para prova, o que é o caso.
35. Não deveria o tribunal a quo ter reconhecido qualquer valor probatório autónomo ao testemunho de ouvir dizer, que estaria sempre dependente da audição da fonte
36. Sendo certo que era à Recorrida que cabia o ónus de prova da factualidade exposta, dado fazer-se valor da mesma para reclamar uma clausula de exclusão da sua responsabilidade.
37. Ora, a este respeito, a realidade é que o depoimento das testemunhas da Recorrida no que respeita às alegadas diligencias de averiguação junto da congénere francese resultam totalmente em depoimento indirecto.
38. As testemunhas em questão não tem conhecimento direto dos factos sobre os quais depõem, uma vez que referiram e repetiram que teve conhecimento dos factos através da sua congénere , pelo que o seu conhecimento é apenas indireto, para além de ter emitido opiniões pessoais sobre a situação.
39. O depoimento indirecto pode ser definido como a revelação processual de factos que não foram objecto de conhecimento directo da testemunha que os vai relatar emTribunal, tendo origem numa informação que lhe foi transmitida por um terceiro.
40. A prova que resulte de depoimento indirecto não podia por isso ser valorada pelo tribunal a quo, especialmente na parte em que a fonte da informação não seja chamada a depor, impondo-se assim uma proibição de fundamentação da decisão com base nesse meio de prova
41. Com efeito, é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto, ali, no vício, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito.
42. Conforme defende Luís Filipe Pires de Sousa, in ‘’Prova Testemunhal’’, na parte em que se refere ao depoimento indireto em processo civil, a “argumentação abrange também a relevância e a atendibilidade do depoimento indireto na precisa medida em que, nas situações insuscetíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer das declarações de parte e das testemunhas indiretas.
43. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permita ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente, sendo a valoração plasmada numa explicitação racional e percetível da convicção construída.”
44. Ora, no ponto de vista da Recorrente não basta a motivação dada pelo tribunal a quo para suportar a justificação de tal facto se encontrar provado.
45. Para que fosse dado como provado, a Recorrida teria de ter feito chegar ao processo o depoimento da pessoa que percepcionou directamente os factos, nomeadamente os factos respeitantes à alegada impugnação da existência da dívida.
46. Sendo certo que competia à Recorrida o ónus de prova dos factos sob os quais se alicerça para se excluir do pagamento da indemnização à Recorrente.
47. O artigo 342.º do Código Civil preceitua a regra segundo a qual, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. 
48. No entanto, a lei circunscreve a obrigação de prova dos factos que sejam constitutivos do direito que se alega, isto é, aqueles que servem de fundamento e que substancialmente configuram uma determinada posição jurídica.
49. O facto invocado pela Recorrida corresponde a um facto extintivo, no sentido em que corresponde a um facto susceptíveis de obstar a que um direito invocado se tenha validamente constituído.
50. Nos termos do art.º 342.º n.º 2 do Código Civil, O ónus de prova destes factos pertence à parte contra quem é invocada a existência de um determinado direito
51. Ao réu cabe provar os factos impeditivos, modificativos, ou extintivos do direito que o autor se arroga e que poderão consistir na impossibilidade de imputar ao devedor a falta de cumprimento ou na inexigibilidade da obrigação ou na execução da prestação.
52. Não tendo o réu negado, na contestação, a existência da obrigação contratual, e tendo-se limitado, antes, a contrapor um facto extintivo – uma causa de exlusão, a constituição da obrigação deve considerar-se provada, por acordo das partes, nos termos do disposto no artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
53. Por outro lado, se o réu não logrou provar o facto extintivo que alegou, a acção não poderá deixar de proceder.
54. Igualmente, no que respeita à alegada queixa crime apresentada pela empresa Contango Trading, a realidade é que a mesma apenas se prova por documento, devidamente apostilhado ou carimbado na embaixada portuguesa.
• Da factualidade não provada:
a) A autora tenha sido contactada, em 24/02/2017 pela Contango Trading, S.A., na pessoa do Sr. PV….
b) Que desde 24/02/2017 tenha havido troca de correspondência entre  a  A.  e  a Contango Trading, S.A.
c) Que no  dia  29/03/2017  a  Contango  Trading,  S.A.  enviou  à  A.  os  elementos referidos no facto provado n.º 15.
d) Que as  facturas  proforma  referidas  no  facto  provado  n.º  17  tenham  sido enviadas para a Contango Trading, S.A
55. Relativamente à factualidade supra, a realidade é que constam elementos no processo que impõem uma decisão diversa.
56. Desde logo, dos documentos juntos aos autos, designadamente das cartas remetidas pela testemunha FD…, resulta claro e inequívoco o envio e recepção e, por isso, a troca de comunicações entre as partes.
57. Tanto assim o é, que de acordo com a factualidade dada como provada pelo tribunal, designadamente no ponto 18 e 19 onde se refere que: A  Autora  emitiu  a  primeria  factura a  28/04/2017 e  logo  no  dia  da emissão  da factura esta foi remetida por correio expresso para a sede da Contango Trading, S.A., em paris. e Tal procedimento foi seguido na emissão das facturas seguintes
58. E ainda, no ponto 27 da factualidade dada como provada que No  dia  08/06/2017  e  no  dia  09/06/2017 a  Autora  recebeu  os  e-mail  de VP… [P….v…@natixis.com], -doc. 17 com a PI que aqui  se  dá  por reproduzidoque  veio  questionar  a  existência  das  facturas recebidas afirmando que só se poderia tratar de uma fraude.
59. Subsiste por isso uma contradição insanável entre os factos provados e não provados.
60. E ainda que com esta contrariedade, o tribunal a quo decidiu dar mais credibilidade à versão trazida aos autos pela Recorrida, o que não tem qualquer base ou fundamento.
61. Pelo que deveria ao tribunal a quo ter decidido de forma totalmente inversa e, em consequência, condenar totalmente a Recorrida no pedido formulado (…)”.
Nas conclusões da alegação da apelante, contudo, como decorre da sua transcrição supra efetuada, verifica-se que nelas não se enuncia qualquer ponto da matéria de facto provada ou não provada cuja alteração se pretende, por via da impugnação deduzida, não sendo especificados, de algum modo, os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Na realidade, se no decurso da alegação, a apelante se insurge contra a sentença recorrida e contra a convicção formada pelo Tribunal – assente nas testemunhas inquiridas e que foram arroladas pela ré - , quer relativamente a factos dados como provados, quer quanto a factos considerados como não provados, quer sobre provas documentais ou testemunhais, alegando que o Tribunal a quo não atendeu às provas que demonstrariam o que invoca (v.g. artigos 12.º a 16.º, 22.º, 28.º a 38.º e 54.º da alegação), certo é que, depois, em sede conclusiva, não especifica os pontos a que se dirige a sua impugnação, tal como não enuncia – para além do que consta do ponto 56 da alegação - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, finalmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, limitando-se a convocar que os meios de prova imporiam uma “decisão diversa” (cfr. ponto 55 da alegação).
Assim, conclui-se que, nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, al. a) do CPC, podendo, os demais requisitos enunciados no n.º 1 e 2 do artigo 640.º do CPC constar apenas do corpo da alegação, mas, quanto ao requisito da alínea c) do n.º 1, deve constar da alegação a concreta decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, o que implica a tomada de uma posição clara e inteligível sobre o teor do concreto facto a considerar como provado ou não provado, não bastando dizer que os meios de prova imporiam uma “decisão diversa”.
A situação verificada conduzirá, pois, ao não conhecimento da impugnação de facto deduzida.
Em conformidade com o exposto, não se conhece do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto.
*
3) Da admissibilidade de invocação da exclusão das Condições Gerais do contrato de seguro pela apelante e, em caso afirmativo, se as mesmas devem ser excluídas?
Nos seguintes pontos da alegação, a apelante enunciou o seguinte:
“13. Ora, do depoimento prestado pela testemunha e do que vem invocado pela Recorrente resulta inequivocamente uma duvida quanto à existência de um contrato firmado e assinado pelas partes.
14. Face ao invocado pela Recorrente e à existência dessa duvida, o tribunal aqui deveria ter necessariamente ter dado como não provado que as partes haviam convencionado o que se encontrava descrito nas Condições Gerais da Apólice juntas pela Recorrida.
15. A realidade é que a Recorrente nunca teve acesso nem posse das alegadas Condições Gerais, mas a verdade é que a própria Recorrida também não conseguiu juntar aos autos prova da celebração de qualquer acordo, em particular no que respeita à Clausula invocada para exclusão da sua responsabilidade
16. Neste sentido, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provado que as partes convencionaram as clausulas concretas do clausulado junto aos autos pela Recorrida, sendo certo que lhe caberia o ónus de prova dessa factualidade.
17. A inexistência de assinatura nas condições gerais comporta a sua inexistência jurídica, que é um vício mais grave que a nulidade.
18. Sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286 do CC), também a inexistência o deve ser. Acresce que,
19. Conforme ficou devidamente demonstrado, a Recorrente nunca teria acordado com uma clausula de exclusão da responsabilidade com o teor da clausula em que se baseia a Recorrida.
20. Isto significa que a relação jurídica estabelecida entre as partes é regulada apenas pelas Condições Especiais da Apólice, sendo este o único documento junto aos autos em que o tribunal a quo se poderia ter baseado para proferir a sua decisão.
21. E nesse documento não consta a clausula de exclusão de responsabilidade em que se alicerça a Recorrida para se eximir ao pagamento da indemnização.
22. Neste sentido, na decisão sobre a matéria de facto proferida, mais precisamente neste ponto concretamente impugnado, os elementos constantes dos autos impõem que inexistem quaisquer condições gerais da apólice em vigor e a regular a relação jurídica das partes.
23. Ao ser assim, a Recorrida não se pode fazer valer de uma alegada impugnação da existência da divida (sim, alegada, porque conforme se demonstrará, nenhuma testemunha relatou factos sobre os quais tivesse conhecimento directo que indiciassem a existência dessa mesma impugnação) para se eximir do cumprimento das suas obrigações contratuais.
24. É manifestamente insuficiente para provar o facto acima mencionado que a Recorrente tenha feito uma simples menção das condições gerais na sua Petição Inicial, pois o que esta faz foi tão só e apenas reproduzir o teor de uma clausula constante das condições especiais da apólice.
25. Ainda que assim o fosse (que não é), ficamos sem saber se são aquelas condições gerais em concreto que foram as condições subscritas pelas partes.
26. Não basta uma simples menção em sede de Petição Inicial para fundamentar que são as condições gerais juntas aos autos que valem como regras reguladoras das relação das partes.
27. E nesse sentido, a sentença proferida pelo tribunal a quo terá um sentido completamente diverso, que condena a Recorrida no pedido formulado pela Recorrente o que expressamente se requer para todos os efeitos legais”.
E, a final, concluiu que deverão ter-se por excluídas – por falta de demonstração da sua subscrição/aceitação – as mencionadas Condições Gerais, designadamente a cláusula 7.ª, ponto I, n.º 5.
A recorrida considera, por seu turno, que o invocado pela apelante não pode proceder, não só, porque o documento em questão nunca foi impugnado, como também, porque tal questão nunca foi aflorada na petição inicial, nem o foi no prazo legal para o efeito, após a junção do documento em causa com a contestação da ré, pelo que, é inoportuna a sua arguição em sede de recurso (cfr. conclusões 5.ª a 15.ª da contra-alegação).
Ora, preliminarmente à questão de saber se houve ou não aceitação/subscrição das Condições Gerais em causa, pela apelante, e se as mesmas deverão ou não ser excluídas, importa apreciar, antes de mais, se é admissível a invocação de tal questão pela recorrente, nesta sede de recurso.
É que, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, com o previsto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, no presente recurso, este Tribunal conhece de todas as questões suscitadas, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Por outro lado, atenta a sua função no âmbito do conhecimento dos recursos e sob pena de conhecer, em primeira linha, de questões antes não suscitadas no Tribunal de 1.ª instância, ao Tribunal de recurso apenas cumpre conhecer das questões suscitadas e daquelas que, não o tendo sido, sejam de conhecimento oficioso.
O tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98).
Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
“A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES).
Dito de outro modo, conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo 1724/15.3T8VRL.G1, relator JOSÉ AMARAL): “O recurso não é meio próprio para requerer novas provas que deviam ter sido apresentadas ou produzidas no momento processualmente oportuno (muito menos para repetir as que, em 1ª instância, tenham sido indeferidas), ainda que, ao motivar a decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido assinale a sua falta”.
É que, de facto, “os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-04-2019, Processo 10776/15.5T8PRT.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES).
No caso dos autos, como se viu, a recorrente visa a alteração da matéria de facto constante do ponto 6 dos factos provados, com a alegação acima exposta, concluindo que, da mesma decorre a exclusão relativamente ao seguro dos autos, das Condições Gerais invocadas pela ré.
Sucede que, compulsados todos os termos do processo, analisados os articulados das partes, verifica-se que a autora não alegou tal questão – relacionada com a exclusão das Condições Gerais, ou como lhe denomina a recorrida de “inexistência jurídica das Condições Gerais” - antes da presente alegação de recurso, configurando-se a invocação da mesma, no momento em que ocorreu, como a dedução de uma “questão nova”.
De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018 (Processo 212/16.5T8PTL.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”.
Assim, não tendo constituído o objecto da presente lide, a respectiva factualidade que pressuporia a apreciação de tal questão, teria que ter sido, tempestivamente, objeto de oportuna alegação, o que não sucedeu.
E, por outro lado, a mesma questão não é passível de ser conhecida oficiosamente por este Tribunal de recurso.
Neste ponto, importa considerar que o seguro em questão nos autos é um seguro de crédito.
Conforme se lê no preâmbulo da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo D.L. n.º 72/2008, de 16 de abril, alterada pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro), o seguro de crédito e o seguro-caução são modalidades do denominado seguro financeiro e os mesmos estão referenciados nos artigos 161.º e 162.º da Lei do Contrato de Seguro.
Conforme resulta do artigo 161.º, n.º 1, da Lei do Contrato de Seguro, “por efeito do seguro de crédito, o segurador obriga-se a indemnizar o segurado, nas condições e com os limites constantes da lei e do contrato de seguro, em caso de perdas causadas nomeadamente por:
a) Falta ou atraso no pagamento de obrigações pecuniárias;
b) Riscos políticos, naturais ou contratuais, que obstem ao cumprimento de tais obrigações;
c) Não amortização de despesas suportadas com vista à constituição desses créditos;
d) Variações de taxa de câmbio de moedas de referência no pagamento;
e) Alteração anormal e imprevisível dos custos de produção;
f) Suspensão ou revogação da encomenda ou resolução arbitrária do contrato pelo devedor na fase anterior à constituição do crédito”.
O seguro de crédito pode cobrir riscos de crédito inerentes a contratos destinados a produzir os seus efeitos em Portugal ou no estrangeiro, podendo abranger a fase de fabrico e a fase de crédito e, nos termos indicados na lei ou no contrato, a fase anterior à tomada firme.
Por seu turno, conforme resulta do artigo 162.º da Lei do Contrato de Seguro, “por efeito do seguro-caução, o segurador obriga-se a indemnizar o segurado pelos danos patrimoniais sofridos, em caso de falta de cumprimento ou de mora do tomador do seguro, em obrigações cujo cumprimento possa ser assegurado por garantia pessoal”.
O quadro legal do contrato de seguro de crédito – e do seguro-caução - encontra-se estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de maio (diploma, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 127/91, de 22 de março, pelo Decreto-Lei n.º 214/99, de 15 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 51/2006, de 14 de março, pelo Decreto-Lei n.º 31/2007, de 14 de fevereiro e pelo Decreto-Lei n.º 94/2018, de 14 de novembro).
Conforme decorre do artigo 1.º, n.º 1, do D.L. n.º 183/88, de 24 de maio, “os seguros dos ramos «Crédito» e «Caução» regem-se pelas disposições do presente diploma e, subsidiariamente, pelas normas sobre seguros em geral que não sejam incompatíveis com a natureza destes ramos”.
Em termos gerais, conforme resulta dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 9.º do D.L. n.º 183/88, o seguro de créditos é celebrado com o credor da obrigação segura, enquanto o seguro-caução é celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o contragarante a favor do respectivo credor.
Tendo em conta a sua natureza e a falta de especificação legal diversa, ao seguro de crédito são aplicáveis as disposições gerais que regulam os termos das obrigações pré-contratuais, previstos na Lei do Contrato de Seguro, em sede de formação do contrato (cfr. artigos 16.º a 38.º).
Nos termos do artigo 37.º, n.º 1, da Lei do Contrato de Seguro, “a apólice inclui todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis”.
Como refere Sérgio Coimbra Henriques (“O seguro de crédito à luz do regime jurídico do contrato de seguro”, in Julgar on line, 2014, pp. 18-19, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/07/Julgar-O-seguro-de-cr%C3%A9dito-%C3%A0-luz-do-regime-jur%C3%ADdico-do-contrato-de-seguro-2.pdf): “De entre as cláusulas que compõem o contrato de seguro, é usual distinguir as condições gerais, especiais e particulares.
(…) as condições gerais correspondem ao conjunto de cláusulas assim designadas que o segurador elabora sem prévia negociação individual, e que se destinam a integrar os diversos contratos de seguro de um determinado ramo ou modalidade que o segurador venha a celebrar.
Enquanto base para a negociação (quando tal aconteça) e celebração do contrato de seguro, para elas são previstos deveres de comunicação e de informação, por via de aplicação do art. 5.º e 6.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, aos quais acrescem os deveres especiais que resultam da própria LCS”.
De facto, a exigência de uma actuação conforme à boa fé, para além de decorrer do comando do art. 227º, 1, do Código Civil, o qual estabelece que “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé”, torna-se essencial pelo facto de a «equidade» e o «equilíbrio contratual» dependerem da absoluta lealdade do segurado, quanto às declarações que presta, para avaliação do risco, uma vez que normalmente a seguradora tem que confiar na veracidade delas, sem poder verificá-las, aquando da celebração do contrato e, igualmente, a exigência de boa fé é condição indispensável à protecção do segurado que, ao contratar num sistema de adesão, tem que confiar em que as cláusulas inegociáveis que lhe são impostas contêm efectiva tutela dos seus interesses.
O seguro é um contrato de adesão, porque uma das partes (o segurado) se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não sendo ajustados, caso a caso, todos os pontos do programa contratual.
Neste tipo de contratos o clausulado costuma ser negociado apenas entre o tomador do seguro e a seguradora, limitando-se os segurados a subscrevê-lo ou aceitá-lo, através de simples declaração individual de adesão (cfr. o Ac. do STJ, de 11-03-2010, Proc. 1860/07.0TVLSB.S1, relator SANTOS BERNARDINO).
Contratos de adesão são aqueles cujas cláusulas contratuais gerais foram elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar.
A importância deste tipo de contratos e o reconhecimento de que a «padronização negocial», embora favorecendo o dinamismo económico, pode implicar restrições ou encargos irrazoáveis para o contraente mais fraco e menos prevenido, levou o legislador, na esteira de precedentes estrangeiros, e de recomendações do Conselho da Europa e de directivas comunitárias, a adoptar um regime específico relativamente às cláusulas contratuais gerais, o qual consta D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro.
Como decorre do artigo 1º, n.º 1 deste D.L. nº 446/85, o regime nele consagrado aplica-se às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar e, em conformidade como o seu nº 2, também se aplica às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar.
Por seu turno, de acordo com o artigo 1.º, n.º 3 do D.L. n.º 446/85, o ónus da prova de que determinada cláusula contratual resultou de negociação prévia (o que a excluiria do indicado regime) recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
Em conformidade com o art. 5º, 1, do aludido regime, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. Estatuindo o seu nº 2 que a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
Considerando o nº 3 do mesmo artigo, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
Por força do art. 8º do mesmo regime, consideram-se excluídas dos contratos singulares, entre outras:---
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de modo que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
Contudo, o ónus de prova que recai sobre o predisponente das cláusulas – segurador – não prescinde da prévia invocação, e do correspondente cumprimento do ónus de invocação dos factos essenciais para a procedência da respetiva pretensão – quer no articulado inicial, quer posteriormente, dentro dos limites em que o possa fazer supervenientemente – pelo aderente, pelo que, terá que alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação para se pretender prevalecer da sua inobservância, não podendo o Tribunal suprir tal alegação e conhecer da questão atinente, oficiosamente e, designadamente, em sede de recurso, se antes não foi invocada.
Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017 (Processo 580/13.0TNLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “No âmbito dos contratos de adesão, para efeitos de observância do ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação de cláusulas gerais neles inseridas, que incumbe ao proponente nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, importa distinguir esse ónus do ónus, por parte do aderente, de alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer. Assim, o ónus de prova que recai sobre o proponente pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele”.
Tal alegação, no caso, como se viu, não teve lugar previamente à alegação ocorrida em sede da presente apelação, o que conduz, pelos motivos expostos, à inadmissibilidade do conhecimento da questão.
Assim, conclui-se não ser admissível a invocação da exclusão das Condições Gerais do contrato de seguro pela apelante, porque tal determinaria o indevido conhecimento de questão nova, antes não suscitada e de que o Tribunal não pode oficiosamente conhecer.
*
4) Da invocada violação dos normativos invocados pela recorrente.
Finalmente, a recorrente considera que a decisão recorrida violou as normas legais que identifica.
Considerando a alegação da recorrente parece claro que se visam mencionar os artigos 342.º do CC e o artigo 576º, n.º 2, do CPC em vigor (aprovado pela Lei n.º 41/2016, de 26 de junho, correspondente ao precedente artigo 490.º, n.º 2, do CPC anteriormente vigente), pois, o artigo 490.º, n.º 2, do actual Código reporta-se ao meio de prova de inspeção judicial que, no caso, não teve sequer atuação.
Sinaliza a recorrente que o artigo 342.º do CC preceitua a regra de que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo, designadamente, no que respeita a factos extintivos, considerando que, “dos elementos constantes dos autos resulta que nem a Contango Trading SA nem a congénere da Recorrida foram chamadas aos autos para clarificar ou provar os factos extintivos do direito da Recorrida, sendo a esta que lhe competia esse ónus” e que “a prova competia à Recorrida e não foi feita”.
Ora, resultando inalterável a matéria de facto apurada, verifica-se que, de acordo com os factos apurados, a alegação efectuada pela autora, nos presentes autos, não conduz à procedência da sua pretensão, resultado que foi alcançado pelo Tribunal recorrido.
Desta circunstância não decorre, assim como de qualquer elemento constante da referida decisão, que tenham sido violados os normativos supra mencionados.
Conforme, elucidativamente se desenvolve na referida decisão, aplicando o Direito aos factos, sem merecer qualquer censura: “No caso dos autos, acordaram as partes que a seguradora, ora R., se obrigava a pagar 90% do valor do crédito dado que se trata de cliente da A. no mercado externo, tendo a Ré garantido o valor do crédito até 100.000,00€. (factos provados n.º 9 e 16).
Perante o e-mail recebido por parte da Contango Trading, S.A. em que afirmava que nada tinha contratado e que consequentemente não pagaria as facturas, a A., em 12/06/2017 comunicou à Ré a ameaça de sinistro (factos n.º 27 e 28).
Resultou, ainda, provado que logo após tal comunicação a Ré iniciou, através da sua congénere em França, diligências tendentes à cobrança do crédito, tendo apurado que o cliente da Autora não reconhecia o crédito, considerando que nunca efetuou qualquer encomenda à A., não recebeu quaisquer produtos e não tem qualquer representação ou interesse no Reino Unido, vindo, mesmo, a apresentar queixa por fraude junto das autoridades francesas.
Mais resultou provado que a Ré, face ao não reconhecimento do crédito por parte do cliente da A., suspendeu a verificação do crédito, sugerindo à A. a participação da fraude junto das autoridades portuguesas.
Assim, sendo certo que a A. comunicou à R. o não pagamento do crédito pela sua cliente, é necessário apurar se o crédito invocado pela A. e titulado pelas facturas emitidas, existe e é exigível. Só nesse caso pode a A. exigir da Ré tal pagamento, a coberto do contrato de seguro celebrado, ficando a Ré sub-rogada nos direitos da A. sobre a cliente.
Ora, dispõe o artigo 7º, ponto I, n.º 5 das condições gerias da apólice que “No caso de impugnação dos CRÉDITOS pelo CLIENTE ou suscitando-se dúvidas sobre a sua existência, exigibilidade ou titularidade, a verificação do sinistro suspende-se até que o segurado comprove, designadamente por decisão judicial ou arbitral o seu direito”
Com base nesta cláusula, a Ré, suspendeu a verificação do sinistro recomendando à A. a participação da situação junto das autoridades competentes, o que a A. não demonstrou ter feito.
Ora, atentas as especificidades do contrato de seguro de crédito, bem se compreende que a existência e exigibilidade do crédito sobre o cliente seja facto constitutivo do direito da A. sobre a Ré, pois, só assim, a Ré pode ficar sub-rogada nos direitos daquela.
Sendo o crédito da A. sobre a sua cliente litigioso, porquanto não aceite por aquela, não pode considerar-se tal crédito incluído no âmbito de contrato de seguro celebrado com a Ré.
Na verdade, cabe à A. a instauração de eventual acção (judicial/arbitral) contra sua cliente por forma a ver reconhecido o crédito que invoca, sendo certo que tal reconhecimento não pode fazer-se nesta acção na qual não está demandada a cliente, não havendo contraditório. 
Efectivamente, a cliente da A.- Contango Trading, S.A., é alheia a estes autos, não podendo discutir-se aqui – por inoponibilidade de qualquer decisão- a relação jurídica estabelecida entre a A. e a sua cliente e consequentemente, a existência ou não do crédito.
Pressuposto da responsabilidade da Ré é, como se referiu, a existência de um crédito sobre um cliente. Não estando tal crédito reconhecido, nem tendo a A. comprovado a existência do mesmo, em acção própria, não pode exigir o pagamento do mesmo por parte da Ré, soçobrando o direito que a A. pretende fazer valer com esta acção”.
A apelação deduzida deverá, pois, ser julgada improcedente.
*
A responsabilidade tributária incidirá sobre a apelante, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
a) Retificar o ponto 6) dos factos provados, atentos os manifestos lapsos de escrita, constantes do mesmo, de harmonia com o supra exposto;
b) Não conhecer do objecto do recurso quanto à impugnação da matéria de facto e quanto à questão da exclusão das Condições Gerais da Apólice do seguro dos autos; e
c) No mais, manter a decisão recorrida, julgando improcedente a apelação.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 20 de fevereiro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes