Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
521/18.9T8MTJ.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO RODOVIÁRIA
SANÇÃO ACESSÓRIA
DISPENSA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – Conforme se extrai do aludido 132º do C.E. o regime geral das contra-ordenações só se aplica subsidiariamente às contra-ordenações estradais, às quais, por sua vez, se empregam subsidiariamente as disposições penais, de acordo com o consagrado no artigo 32º, do RGCO.

– Na redacção da Lei nº 2/98, de 03/01, o Código da Estrada admitia a possibilidade, no seu artigo 141º, nº 1, de a sanção de inibição de conduzir não ser aplicada (ainda assim, apenas para as contra-ordenações graves, não para as muito graves), o que se manteve na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28/09, admissibilidade que veio a ser eliminada com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23/02 e cuja não consagração continua na redacção dada pela Lei nº 72/2013, de 03/09.

– Considerando a sucessão destas alterações, manifesto se torna que inexiste lacuna alguma e que o legislador de 2013 pretendeu claramente manter arredada a possibilidade de dispensa da sanção acessória.

– O Código da Estrada regula cabalmente as situações em que pode ter lugar a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir e o artigo 141º afasta-a no que tange às contra-ordenações muito graves.

– O perigo de lesão de direitos de terceiros e do interesse público na diminuição da sinistralidade rodoviária é manifestamente mais relevante do que o constrangimento causado ao exercício pela recorrente do seu direito ao trabalho resultante da circunstância de ficar impedida de conduzir veículos com motor pelo período de trinta dias, pelo que não existe violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e também não do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho ou do direito ao trabalho, com consagração nos artigos 18º, nº 2, 47º, nº 1 e 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.– Nos autos de recurso de contra-ordenação que, com o nº 521/18.9T8MTJ, correm seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal do Montijo, foi proferida sentença, aos 18/09/2018, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida A. da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que lhe aplicou sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 30 dias, pela prática de uma contra-ordenação prevista e sancionada pelos artigos 60º, nº 1 e 65º, alínea a), do Regulamento de Sinalização do Trânsito (aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10) e artigos 138º e 146º, alínea o), do Código da Estrada.

2.– A arguida não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1)–Decorre do artº 188º do Código da Estrada que o procedimento por contra-ordenação rodoviária prescreve em dois anos.
2)–Para além do regime de suspensão e interrupção da prescrição prevista no RGCO, a interrupção da prescrição ocorre também pela “notificação ao arguido da decisão condenatória – artº 118º, nº 2 C.E.
3)–O facto em apreço ocorreu em 21 de Abril de 2016 (Factos Provados 1, 5 e 6)
4)–A decisão condenatória proferida pela Autoridade Administrativa foi notificada à arguida em 02 Agosto de 2016 (Facto Provado – 7)
5)–Nesta data interrompeu-se a prescrição, começando a correr novo prazo prescricional a 03 Agosto 2016.
6)–Não ocorreu qualquer outro caso de suspensão ou interrupção da prescrição.
7)–Ao contrário do que diz e pretende a sentença recorrida, a notificação à arguida do despacho de recebimento do recurso (21 de Maio de 2018) não determina a suspensão da prescrição nos termos do artº 27º-A, nº 1 – al. c) do Dec.- Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.
8)–A causa da suspensão de prescrição aí prevista é a da notificação do despacho que procede ao exame preliminar...
9)–Do “Exame Preliminar”, ocupa-se o artº 417º do Cód. Proc. Penal definido, com rigor, o seu conteúdo.
10)–É para nós evidente que o dito despacho que recebe o recurso, não constitui, nem se confunde com o “despacho do exame preliminar”... não constituindo, pois, a pretensa causa de suspensão da prescrição.
11)–Verifica-se, assim, que o procedimento pela contra-ordenação dos autos prescreveu a 03 Agosto de 2018
12)– Pelo que, à data do julgamento – 11 de Setembro de 2018 – devia ter sido conhecida a expressamente invocada excepção de prescrição.
13)–Ao assim não decidir a sentença recorrida violou as mencionadas disposições legais, designadamente – artºs 188º C.E., 119º e 121º, nº 2 Cód. Penal, 417º Cód. Proc. Penal, 28º, nº 1 – al. d) e 27º-A, nº 1 – al. c) do Dec.- Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.
14)–O Código da Estrada não dispõe de um preceito específico sobre o instituto da isenção da pena.
15)–Devem, assim, aplicar-se subsidiariamente as disposições do RGCO (Dec.- Lei 433/82) e do Cód. Penal que regulam tal matéria – artºs 74º Código Penal, 32º do RGCO e 132º do Código da Estrada.
16)–Tendo presente a matéria de facto provada – pontos 3, 6, 9 e 10, impõe-se concluir serem diminutas a culpa da arguida e ilicitude do acto (agiu negligentemente por momentânea distracção), a confissão associada ao arrependimento, a inexistência de “dano” – não originou qualquer acidente ou tão pouco situação de perigo para outros veículos ou pessoas – a que acresce nada constar no seu registo estradal, sendo condutora prudente e conscienciosa, deve “deitar-se mão" do regime previsto no artº 74º do Cód. Penal da Dispensa de Pena.
17)–Ao, assim, não decidir a sentença em apreço violou as mencionadas disposições legais, nomeadamente, artºs 132º do Código da Estrada, 32º do RGCO, e 74º do Cód. Penal.
18)–Por último, sem prescindir e para a hipótese de assim se não entender, sempre se dirá que se deveria suspender a execução da sanção acessória da inibição de conduzir.
19)–Por todos os factos já expostos e ainda os que decorrem dos pontos 13, 14, 15 e 16 da matéria provada, há que concluir que a condução de veículos automóveis é um facto incontornável e indispensável, quer na gestão da sua vida pessoal e familiar, quer, sobretudo, no exercício da sua actividade profissional.
20)–Aplicar à arguida a sanção acessória de inibição de conduzir é colocar em risco a manutenção do seu posto de trabalho e, consequentemente, da estabilidade económica do seu agregado familiar.
21)–Tem a seu exclusivo cargo dois filhos menores.
22)–Em todo o elencado contexto, impõe-se concluir que a simples censura do facto e a ameaça de inibição de conduzir realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da pena.
23)–Aliás, as restrições dos direitos devem limitar-se ao estritamente necessário, devendo a restrição ser apta para o efeito – artº 18 C.R.P.
24)–No caso, a aplicação da sanção de inibição de conduzir viola os direitos da arguida, constitucionalmente previstos nos artºs 18º, 47º e 58º da C.R.P.
25)–Pelo que a interpretação do artº 141º, nº 1 do Código da Estrada, no sentido de não ser possível a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir no caso de contra-ordenação muito grave é inconstitucional por violação dos mesmos artºs 18º, 47º e 58º C.R.P.
26)–Sendo inconstitucional a norma contida no artº 141 do Código da Estrada, deve operar-se a repristinação da norma revogada – artº 282º, nº 1 C.R.P.
27)–Assim não decidindo a decisão ora em apreço violou estas mencionadas disposições legais.
Nestes termos e pelo que doutamente será suprido por V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos “ut supra” expostos.

3.– O magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância respondeu à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.

4.– Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “Visto”.

5.– Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.–Âmbito do Recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Ed. Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Ed. Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No que tange aos recursos de decisões relativas a processos por contra-ordenações e conforme resulta do estabelecido nos artigos 66º e 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a 2ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o poder de cognição deste tribunal limitado à matéria de direito, intervindo o Tribunal da Relação como tribunal de revista ampliada, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, do CPP, por força do consignado nos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4, do RGCO, posto que as normas reguladoras do processo criminal constituem direito subsidiário do contra-ordenacional.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Verificação dos pressupostos da dispensa da sanção de inibição de conduzir.

Verificação dos pressupostos da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir.

2.–A Decisão Recorrida

2.1– É o seguinte o teor da decisão revidenda, na parte relevante (transcrição):

I–Relatório
Veio A. , portadora do C.C. …, divorciada, interpor recurso de impugnação da decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que condenou a ora recorrente pela prática da contra-ordenação prevista e punida pela conjugação do disposto nos artigos 60.º n.º 1 e 65.º a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 138.º e 146.º o) do Código da Estrada (doravante CE), na sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 30 dias, tendo a recorrente já efectuado o pagamento voluntário da coima.
Sintetizando, alega a recorrente que a presunção enunciada no art.º 170.º n.º 3 do CE faz recair sobre o arguido uma espécie de presunção de culpa, que permite ao julgador presumir que o visado praticou os factos descritos no auto de noticia, entendendo tal situação configurar a violação do principio da presunção da inocência enunciado no art.º 32 n.º 2 da Constituição República Portuguesa (CRP).
Mais entende a recorrente padecer a decisão administrativa de deficiente descrição factual, subsunção jurídica e fundamentação, não permitindo assim o efectivo exercício à recorrente do seu direito de defesa, vicio gerador de nulidade.
Argui também a recorrente que, apesar do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO) não prever a possibilidade de dispensa ou suspensão da execução das coimas e sanções acessórias, tal possibilidade resulta indirectamente da aplicação subsidiária das disposições do Código Penal, pelo que, sem prejuízo do anteriormente mencionado, requer que se proceda à atenuação especial da sanção acessória de inibição de conduzir ou, alternativamente, a execução de tal sanção seja suspensa.

O Ministério Público, em obediência ao disposto no n.º 1 do art.º. 62.º do RGCO, ordenou a apresentação dos autos, acto com valor de acusação.
Foi produzido despacho que recebeu o recurso de contra-ordenação, em resposta ao qual veio a recorrente não só manifestar o seu intento da realização da audiência de julgamento, bem como o entendimento de estar transcorrido o prazo de prescrição previsto no art.º 188.º do CE.
Realizou-se o Julgamento com observância do formalismo legal.
Cumpre decidir.
Saneamento do Processo
Mantêm-se os pressupostos de competência, legitimidade e tempestividade.

Questão prévia:

Da fundamentação da decisão administrativa
Entende a recorrente padecer a decisão administrativa de deficiente descrição factual, subsunção jurídica e fundamentação, não permitindo assim o efectivo exercício do direito de defesa, não cumprindo com o preceituado no artigo 58.º do RGCO, nomeadamente não descrevendo com suficiente rigor e clareza as circunstâncias de facto que justificam a condenação, pelo que deverá ser nula.
Desde já haverá que considerar que o RGCO, não indica expressamente as situações que podem configurar nulidade. No entanto, subsidiariamente, estabelece no seu art.º 41º que sempre que o contrário não resultar daquele diploma, são aplicáveis ou devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
Assim há que ter presente, no que aos autos importa, as normas constantes dos artigos 118º a 123º, do Código de Processo Penal, que regulam, em geral, as consequências da inobservância dos procedimentos legais aquando da prática de actos processuais e ainda o estatuído no 379.º do mesmo código, no que às nulidades da sentença respeita.
O artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal, dispõe que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. Isto é, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato é irregular.
Assim, para que algum acto processual, relativamente ao qual tenha havido violação ou inobservância das disposições legais do processo penal, padeça do vício de nulidade é necessário que a lei o diga expressamente, pois caso contrário, o acto em causa sofrerá do “vício menor” de irregularidade, submetido ao regime do artigo 123º, mas não será nulo.
As nulidades insanáveis estão taxativamente enumeradas no artigo 119° do Código Processo penal, acrescendo-lhes as que assim são cominadas em outras disposições legais.
Desde que não cominadas como insanáveis, as nulidades consagradas na lei serão sanáveis, segundo o regime dos artigos 120º a 121º, do mesmo diploma legal.
As irregularidades, por sua vez, encontram-se previstas no artigo 123º ainda do mesmo código.

Ora no que respeita aos requisitos da decisão administrativa, dispõe o artigo 58º nº 1, do RGCO que:
A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a)- A identificação dos arguidos;
b)- A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c)- A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d)- A coima e as sanções acessórias.

Por sua vez, e no que se refere às decisões administrativas em matéria rodoviária, dispõe o artigo 181º do Código da Estrada que:
1–A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter:
a)- A identificação do infractor;
b)-A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;
c)- A indicação das normas violadas;
d)- A coima e a sanção acessória;
e)- A condenação em custas.

2– Da decisão deve ainda constar que:
a)-A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima;
b)-Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

3–A decisão deve conter ainda:
a)-A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis após a decisão se tornar definitiva;
b)-A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183.º

4–Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia.
Ora, uma vez que os requisitos da decisão da autoridade administrativa se encontram definidos neste aludido artigo, não se encontra razão válida para que se aplique o regime do artigo 374º do Código de Processo Penal, que estabelece os requisitos da sentença.
E se foi previsto um regime próprio, daqui se conclui que na fundamentação da decisão administrativa que aplica uma coima ou/e sanções acessórias não se impõem as mesmas exigências que se impõem numa sentença de natureza penal.
Tal decisão insere-se numa fase administrativa do processo de contra-ordenação, razão pela qual lhe são aplicáveis os princípios fundamentais de direito e do processo administrativo. O que aqui se exige é o respeito por três princípios essenciais, que são: a suficiência, a clareza e a congruência.
Aquela fundamentação, tal como é estabelecida no art.º 58º do RGCO será suficiente desde que se justifiquem as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios de normalidade de entendimento, das razões pelas quais é condenado e, consequentemente, possa de modo eficaz exercer, querendo, o seu direito de defesa.
Necessário é “apenas” que a fundamentação de facto e de direito, que pode (ou até deve) ser sucinta ou por remissão para todos os factos do processo contra ordenacional, transcreva a respectiva factualidade, indique as normas jurídicas violadas e a coima e/ou sanção acessória aplicada, possibilitando, assim, um conhecimento integral e claro dos factos e normas imputadas.
Analisados os presentes autos, em concreto a decisão administrativa, constata-se que a mesma se encontra devidamente fundamentada, descrevendo com correcção, rigor e clareza as circunstâncias de facto que justificam a condenação em causa, bem com as normas legais aplicáveis.
Da mesma consta, nomeadamente, o local, o dia e a hora da prática da contra-ordenação, o automóvel utilizado, o elemento probatório valorado, isto é o auto de contra-ordenação, que foi levantado em conformidade com o disposto no artigo 170º do Código da Estrada, as disposições violadas e a consequência aplicada.
Contém pois, e em suma, todos os elementos que permitem a recorrente compreender os factos que lhe foram imputados, permitindo assim um efectivo exercício do direito de defesa, pelo que não padece a decisão impugnada das invocadas nulidades, não procedendo o alegado pela recorrente.

Não há nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

II–Fundamentação:

Factos Provados:
1.- No dia 21 de Abril de 2016, pelas 09h30, na estrada Nacional 4 – Pegões, junto às bombas de combustível da BP, a recorrente A. , conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com matricula ...04.
2.- Naquele local a recorrente, com o referido veículo, transpôs a linha longitudinal contínua (marca M1) separadora dos sentidos do trânsito, existente e visível no local.
3.- A recorrente agiu com desatenção e irreflectida inobservância das regras rodoviárias, actuando com falta de cuidado e prudência que no momento se lhe impunham.
4.- Agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta era proibida e legalmente punida.
5.- A recorrente foi notificada do auto de contra-ordenação no dia 21 de Abril de 2016.
6.- No mesmo dia a recorrente efectuou o pagamento voluntário da coima.
7.- A recorrente foi notificada da decisão condenatória, proferida pela Autoridade Administrativa, em 02 de Agosto de 2016.
8.- A recorrente impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Administrativa, tendo sido notificada do despacho de recebimento do recurso de contra-ordenação, no dia 21 de Maio de 2018.
9.- Nada consta no registo individual de condutor, da recorrente.
10.- A recorrente confessou os factos.
11.-Transpôs a linha longitudinal contínua separadora dos sentidos do trânsito, para abastecer o seu veículo, de combustível.
12.- A bomba de combustível existente na faixa de rodagem em que a recorrente seguia antes da transposição da linha longitudinal continua, encontrava-se fechada.
13.- A recorrente tem o 12.º ano de escolaridade e exerce funções de mediadora de seguros na “M.” – Montijo.
14.- Dali auferindo um vencimento mínimo mensal de 600,00 Euros.
15.- É divorciada, vivendo com 02 filhos de 10 e 17 anos de idade, exclusivamente a seu cargo.
16.- Desloca-se diariamente com a viatura, face às obrigações pessoais e profissionais, necessitando de se deslocar diariamente ao Montijo.

Factos Não Provados:
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto:
Valorou-se o auto de contra-ordenação, junto a fls. 1 e 1v, bem como o teor das declarações prestadas pela recorrente, em Audiência, que confessando os factos, corroborou o teor daquele, assumindo a sua condução no local e hora supramencionadas, mais reconhecendo a existência da linha contínua e a sua transposição, a consciência da ilicitude da conduta, mais especificando que tal manobra foi efectuada a fim de abastecer a sua viatura de combustível, visto que a bomba existente na faixa em que seguia se encontrar encerrada.
Nas mesmas declarações especificou ter recebido as notificações que na factualidade se alude, tudo certificando os elementos postais existentes nos autos a fls. 3 e 55.
Pela análise do registo de condutor referente à recorrente (fls. 49 a 50v), constatou o Tribunal a ausência, por parte desta, de contra-ordenações anteriores.
No que respeita às condições pessoais da recorrente, tomou o Tribunal em consideração as informações pela mesma prestadas aquando da Audiência.

Da presunção enunciada no art.º 170.º n.º 3 do CE
Veio a recorrente sustentar que o disposto no art.º 170°, n.º 3 do CE é inconstitucional, por violação do princípio de presunção de inocência, previsto no art.º 32º, 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Atente-se desde logo como ponto de partida, no pensamento exibido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-12-2006, proferido no processo 06P366: O art.º. 170.º n.º 3 do CE, ao declarar que o auto de contra-ordenação faz fé em juízo, quando levantado e assinado pela autoridade ou agente da autoridade, sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário, não acarreta qualquer presunção de culpabilidade nem envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo, quando devidamente interpretado e aplicado, isto é, no sentido de que a fé em juízo consiste na atribuição de um reforçado valor probatório concedido a certas comprovações para factos presenciados pela autoridade ou agente da autoridade, sem que tal valor afecte o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa (com destaque para o exercício do contraditório), tal qual se mostra consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP.
Desde logo cabe recordar que, nos presentes autos, em sede de audiência e nas declarações que prestou, a recorrente confessou os factos que lhe eram imputados, o que no imediato inviabiliza de modo praticamente inabalável a pretensão da mesma. Ainda assim sempre se dirá que, foi precisamente devida a essa confissão que se deu como provada a factualidade que acima se expôs. Isto é, a factualidade espelhada, teve em conta não (ou melhor, não apenas) o auto de contra-ordenação, mas sim precisamente o “testemunho” da própria recorrente, que o atestou, e porque o fez de modo livre e espontâneo, a salvo de qualquer coacção, a lei dispensou a produção de outra prova.
Questão similar ou muito aproximada fora já apreciada pelo Tribunal Constitucional no acórdão de 17.09.1988, não julgando contrária à Constituição a força probatória especial atribuída aos elementos colhidos pelas autoridades rodoviárias, nos termos seguintes:
(...)

I- Não julga inconstitucional a norma constante da segunda parte do n.º 5 do artigo 64º do Código da Estrada, que atribui aos elementos colhidos através de aparelhos de fiscalização de trânsito, aprovados pela Direcção-Geral de Viação, o valor de que gozam os autos de notícia nos termos do artigo 169º do Código de Processo Penal de 1929.
II- O valor probatório do auto de notícia fundado na determinação, por aparelho de medição adequado, da velocidade de um veículo, não incide sobre a culpa ou a responsabilidade do transgressor, mas apenas sobre o facto concreto da medição da velocidade, não impedindo que o réu continue a presumir-se inocente.
III- Tal valor probatório não obriga a dispensar a produção, em julgamento, de qualquer outra prova que se repute necessária, designadamente para questionar o próprio auto de notícia.
IV- Acresce que a audiência de julgamento se há-de subordinar ao princípio do contraditório e realizar-se com observância das regras da oralidade e imediação.
V- E se ficar a pairar no espírito do julgador dúvida sobre a velocidade a que seguia o infractor, sempre essa dúvida se há-de resolver a favor deste, por força do princípio "in dubio pro reo".
(...)

Daqui se retira que, a audiência não visa a simples reprodução do auto de notícia, mas sim à produção de provas que se considerem necessárias, as quais podem ser destinadas precisamente a questionar o próprio auto, pondo em causa a sua veracidade ou exactidão. E foi isso, conforme se expôs na factualidade provada e respectiva motivação, que foi feito em sede de audiência, na qual a própria recorrente, “mergulhada” nos princípios da oralidade, imediação e contraditório confessou a prática dos factos e assim afastou qualquer dúvida sobre a existência e a autoria dos mesmos.

Desta forma, não aplicou o Tribunal qualquer norma que frustre os direitos de defesa da recorrente, nomeadamente o básico direito à presunção da inocência, pelo que terá aqui tal alegação que improceder.

Enquadramento Jurídico:
Vem a recorrente acusada pelo cometimento da contra-ordenação prevista e punida pela conjugação do disposto nos artigos 60.º n.º 1 e 65.º a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 138.º e 146.º o) do CE, na sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 30 dias, tendo a recorrente já efectuado o pagamento voluntário da coima.

Invoca a recorrente a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Vejamos:
Os factos que originaram a contra-ordenação em apreço tiveram lugar no dia 21 de Abril de 2016.
Enuncia o art.º 188º do CE que o prazo de prescrição do procedimento contra ordenacional é de dois anos, isto, sem prejuízo de qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição que possa eventualmente ocorrer. Assim, na ausência tais causas a prescrição in casu ocorreria no dia 22 de Abril de 2018.
Mas, desde logo atente-se no que dispõe o artigo 132º também do CE:
As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.

A assim enuncia o art.º 28.º daquele regime:

1–A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a)-Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b)-Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c)-Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d)-Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
(...)

3–A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

Dispõe por sua vez o artigo 27.º- A que:
1– A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
(...)

c)-Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2– Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Voltando ao caso, a prescrição interrompeu-se a 02 de Agosto de 2016, com a notificação da decisão da autoridade administrativa à recorrente, iniciando-se portanto um novo prazo, que se veria esgotado dali a 02 anos, isto é no mês de Agosto de 2018.
No entanto, a recorrente foi, ainda em 21 de Maio de 2018, notificada do despacho de recebimento do recurso de contra-ordenação, e aqui dá-se a suspensão da prescrição, nos termos do aludido art.º 27.º-A n.º 1 c).
Aqui acompanhamos o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que indica que o que releva são os efeitos da introdução do processo Contra-ordenacional em juízo para apreciação do recurso e notificação ao arguido. A suspensão ocorre com estes actos, “tout court”.
Daqui se conclui que não decorreu ainda o prazo de prescrição invocado pela recorrente.
Resta no entanto, aferir se terá decorrido o “prazo máximo” estabelecido pelo art.º 28.º n.º 3 do RGCO.
Ora pela leitura de tal artigo se afere que o aludido prazo vê-se esgotado passados que estejam 03 anos e 06 meses da prática da contra-ordenação, isto é, o prazo normal de 02 anos, ao que se acresce metade, ou seja, 01 ano, ao que se soma o prazo máximo de suspensão, de seis meses, totalizando pois, 03 anos e 06 meses.
Tendo nos autos, a contra-ordenação tido lugar no dia 21 de Abril de 2016, facilmente se constata que tal prazo não está também ainda esgotado, pelo que, igualmente por aqui, não se verifica a invocada excepção de prescrição.

Da atenuação especial e da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de condução
Entende a recorrente que estabelecendo o RGCO o Código Penal como direito subsidiário, é possível a aplicação ao caso em apreço, daqueles mencionados institutos.

Cumpre apreciar.

O art.º 147.º n.ºs 1 e 2 do CE manda punir com a sanção acessória de inibição de conduzir, designadamente, os condutores que pratiquem infracções muito graves.
No caso dos presentes autos, a infracção imputada à recorrente, é classificada como, nos termos do art.º 146.º o) do CE, muito grave.
Isto é, é punível com sanção acessória.
Nos termos do disposto no artigo 141.º, pode ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir aplicável a contra-ordenações graves. Porém, não se prevê a suspensão da execução da sanção acessória no caso da prática de infracções muito graves.
Naturalmente que não se prevendo no regime geral, é direccionado para o regime contra-ordenacional competente a possibilidade de suspensão da execução das sanções acessórias, por razoes de especificidades atinentes ao assunto em causa. E é o caso dos presentes autos, tanto mais que, como se disse, permite o CE a suspensão da execução, contudo, apenas quanto às infracções graves.
Ora assim sendo, contendo o diploma específico – aqui o CE -, um regime próprio, não há pois que recorrer à aplicação do direito subsidiário.
Acompanhamos assim o entendimento jurisprudencial dominante, designadamente espelhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19.01.2016, que sumaria o seguinte:
(...)
Não cabe avocação do direito subsidiário (no caso, do artigo 50.º, do Código Penal), quando o Código da Estrada contém um regime próprio, cabal e extremado, no que pertine à suspensão da execução das sanções acessórias que prevê.
E por maioria de razão os motivos acima expendidos servem para frustrar o recurso ao direito subsidiário no respeitante à atenuação especial da sanção acessória, tanto mais que, tal instituto vem também previsto no CE, tendo sido inclusivamente “alvo” de aplicação na decisão administrativa em apreciação, conforme adiante se aflorará.
Desse modo, não há pois que aplicar os institutos da atenuação especial e da suspensão da execução previstos no Código Penal.

Ora regressando em concreto à factualidade do presente caso, e tendo-se observado o circunstancialismo ali descrito, isto é:
A transposição da linha longitudinal contínua (marca M1) separadora dos sentidos do trânsito, existente e visível
Na estrada Nacional 4 – Pegões, junto às bombas de combustível da BP
No dia 21 de Abril de 2016, pelas 09h30
Pela recorrente A. , que conduzia o veículo com matrícula ...04
Agindo com desatenção e irreflectida inobservância das regras rodoviárias, actuando com falta de cuidado e prudência que no momento se lhe impunham, e de
Forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta era proibida e legalmente punida.
Mais tendo sido assegurados à recorrente todos os direitos de defesa em contra-ordenação constitucionalmente assegurados no art.º 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, deverá a mesma ser punida pela contra-ordenação cometida.
Ora recorda-se que a infracção em causa vem prevista e punida pela conjugação do disposto nos artigos 60.º n.º 1 e 65.º a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 138.º e 146.º o) do CE, sendo classificada como muito grave, pelo que é punível com sanção acessória.
Nos termos do 147.º n.ºs 1 e 2 do CE, a sanção a aplicar seria a inibição de condução, num mínimo, porque se trata de contra-ordenação muito grave, num período de 02 meses, podendo, nos termos do art.º 140.º do CE ser aquele limite reduzido a metade, caso estejam preenchidos os requisitos ali expendidos, como o estão in casu.
De modo que, tendo a autoridade competente aplicado a sanção acessória de inibição de conduzir, por um período de 30 dias, não merece tal decisão qualquer reparo, sendo a mesma de se manter na íntegra.

III–Decisão Final:
Pelos expostos fundamentos fáctico-jurídicos, decide-se manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Condeno o recorrente no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 2 UCs (duas unidades de conta), cfr. artigos 93.º, n.º 3 e 94.º, n.º 3 do DL n.º 433/82, de 27/10 e 8.º n.º 7 do RCP.

Apreciemos.

Prescrição do procedimento contra-ordenacional

A recorrente vem invocar a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Conforme resulta da decisão revidenda, a conduta infractora em razão da qual à arguida/recorrente foi aplicada pela autoridade administrativa a sanção de inibição de conduzir – prevista no artigo 146º, nº 1, alínea o), do Código da Estrada - ocorreu aos 21 de Abril de 2016.

Assim, o regime do Código da Estrada que lhe é aplicável é o que resulta da redacção dada pela Lei nº 72/2013, de 03/09, que entrou em vigor em 01/01/2014.


Nos termos do artigo 188º, do Código da Estrada (na aludida versão):

“1.– O procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito de prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos.

2.– Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória.”

Ora, estabelece-se no artigo 27º-A, do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10 (doravante RGCO):

“1– A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a)- Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b)- Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40º;
c)- Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2– Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”

Por seu turno, consagra-se no artigo 28º, do mesmo Regime:

“1– A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a)- Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b)- Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c)- Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d)- Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
(…)

3– A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.”


Cumpre ainda que se atenda a que, de acordo com o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 4/2011, DR nº 30, I Série, de 11/02/2011, a suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 27º-A do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo nº 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Na suspensão, o tempo decorrido antes da verificação da sua causa conta para a prescrição, juntando-se com o tempo decorrido após a mesma (essa causa) ter desaparecido.

Diversamente, na interrupção, o tempo decorrido antes da verificação da sua causa fica sem efeito, começando a correr novo prazo de prescrição depois de cada interrupção.

Compulsados os autos consta-se o seguinte:

A decisão que aplicou à recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias foi proferida aos 21/07/2016, tendo a mesma dela sido notificada em 02/08/2016, com o que ocorreu a interrupção do prazo de prescrição nesta data, por força da norma constante do nº 2, do artigo 188º, do Código da Estrada, que se apresenta como especial face ao consagrado na alínea d), do nº 1, do artigo 28º, do RGCO.

Apresentou a arguida impugnação judicial da decisão administrativa em 31/08/2016 – docs. fls. 4/14.

O recurso foi admitido por despacho judicial de 14/05/2018, tendo a sua notificação à recorrente e bem assim para se pronunciar sobre a eventual oposição à decisão por simples despacho – artigo 64º, do RGCO – ocorrido em 21/05/2018, notificação essa com eficácia interruptiva do decurso do prazo prescricional por força da alínea a), do nº 1, do artigo 28º, do RGCO.

A notificação do despacho de 14/05/2018, em que se procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa também suspendeu o prazo prescricional – artigo 27º-A, nº 1, alínea c), retro transcrito.

Sustenta a recorrente que o despacho em que se procedeu ao “exame preliminar” mencionado na norma seria o previsto no artigo 417º, do CPP, mas sem razão, porquanto a mesma é perfeitamente clara ao mencionar que se trata “do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima”.

Assim, considerando a data da infracção (21/04/2016), o prazo normal de prescrição de 2 anos +1 ano (metade do prazo de prescrição – artigo 28º, nº 3) + 6 meses (limite máximo da suspensão do prazo), resulta que se não mostrava à data da prolação da sentença na 1ª instância, como se não apresenta na presente data, ainda atingido o limite máximo do prazo prescricional.

Termos em que, carece de razão a recorrente.

Verificação dos pressupostos da dispensa da sanção de inibição de conduzir

Entende a recorrente que deveria ter ocorrido a dispensa da sanção acessória de inibição de conduzir, por aplicação do estabelecido no artigo 74º, do Código Penal ex vi artigo 32º, do RGCO e artigo 132º, do Código da Estrada.

Conforme se extrai do aludido artigo 132º, o regime geral das contra-ordenações só se aplica subsidiariamente às contra-ordenações estradais, às quais, por sua vez, se empregam subsidiariamente as disposições penais, de acordo com o consagrado no artigo 32º, do RGCO.

Sabido é, também, que um regime subsidiário só tem aplicação quando exista uma lacuna e do regime directamente aplicável não resulte o afastamento do subsidiário.

Pois bem, na redacção da Lei nº 2/98, de 03/01, o Código da Estrada admitia a possibilidade, no seu artigo 141º, nº 1, de a sanção de inibição de conduzir não ser aplicada (ainda assim, apenas para as contra-ordenações graves, não para as muito graves), o que se manteve na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28/09,

Mas, essa admissibilidade veio a ser eliminada com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23/02.

Não consagração que continua na redacção dada pela Lei nº 72/2013, de 03/09.

Assim, considerando a sucessão destas alterações, manifesto se torna que inexiste lacuna alguma e que o legislador de 2013 pretendeu claramente manter arredada a possibilidade de dispensa da sanção acessória.

De onde, improcede o recurso neste segmento.

Verificação dos pressupostos da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir

Inconformada se mostra também a recorrente por a sanção acessória não ter sido suspensa na sua execução.

A factualidade que provada se encontra integra a previsão do artigo 60º, nº 1, a que corresponde coima nos termos do artigo 65º, alínea a), ambos do Regulamento de Sinalização do Trânsito (aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10) e bem assim sanção acessória, conforme estabelecido nos artigos 138º e 146º, alínea o), do Código da Estrada, sendo a sanção acessória aplicável a de inibição de conduzir – cfr. artigo 147º, nº 1, do mesmo.

Assim, resulta da lei que a essa infracção corresponde obrigatória e simultaneamente as sanções de coima e de inibição de conduzir.

O tribunal recorrido afastou esta pretensão com os seguintes fundamentos:

O art.º 147.º n.ºs 1 e 2 do CE manda punir com a sanção acessória de inibição de conduzir, designadamente, os condutores que pratiquem infracções muito graves.

No caso dos presentes autos, a infracção imputada à recorrente, é classificada como, nos termos do art.º 146.º o) do CE, muito grave.

Isto é, é punível com sanção acessória.

Nos termos do disposto no artigo 141.º, pode ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir aplicável a contra-ordenações graves. Porém, não se prevê a suspensão da execução da sanção acessória no caso da prática de infracções muito graves.

Naturalmente que não se prevendo no regime geral, é direccionado para o regime contra-ordenacional competente a possibilidade de suspensão da execução das sanções acessórias, por razoes de especificidades atinentes ao assunto em causa. E é o caso dos presentes autos, tanto mais que, como se disse, permite o CE a suspensão da execução, contudo, apenas quanto às infracções graves.

Ora assim sendo, contendo o diploma específico – aqui o CE -, um regime próprio, não há pois que recorrer à aplicação do direito subsidiário.

Acompanhamos assim o entendimento jurisprudencial dominante, designadamente espelhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19.01.2016, que sumaria o seguinte:
(...)

Não cabe avocação do direito subsidiário (no caso, do artigo 50.º, do Código Penal), quando o Código da Estrada contém um regime próprio, cabal e extremado, no que pertine à suspensão da execução das sanções acessórias que prevê.

E por maioria de razão os motivos acima expendidos servem para frustrar o recurso ao direito subsidiário no respeitante à atenuação especial da sanção acessória, tanto mais que, tal instituto vem também previsto no CE, tendo sido inclusivamente “alvo” de aplicação na decisão administrativa em apreciação, conforme adiante se aflorará.

Desse modo, não há pois que aplicar os institutos da atenuação especial e da suspensão da execução previstos no Código Penal.

A dita sanção acessória, aplicável que é apenas à prática de contra-ordenações graves ou muito graves (natureza que reveste a ora em causa) traduz o reconhecimento de uma mais profunda violação normativa que o comportamento infractor comporta e que justifica precisamente a sua necessidade e adequação.

E, tendo em atenção, precisamente, essa acrescida gravidade da infracção, não se mostra legalmente admissível a pretendida suspensão da execução da pena acessória, pelas razões que correctamente apontadas foram pelo tribunal a quo.

Na verdade, como já deixámos assente, de acordo com o disposto no artigo 132º, do Código da Estrada, na versão em vigor, “as contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”.

E, ainda que sendo aplicável às contra-ordenações o estabelecido no Código Penal, por força do artigo 32º, do RGCO, certo é que tal só se verifica a título subsidiário. Ou seja, a aplicação das normas contidas no Código Penal só tem lugar quando se está perante uma omissão, uma lacuna na lei.

Não é o caso, pois o Código da Estrada regula cabalmente as situações em que pode ter lugar a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir e o artigo 141º afasta-a no que tange às contra-ordenações muito graves.

Argumenta a recorrente que a sanção acessória coloca em risco a manutenção do seu posto de trabalho e, consequentemente, a estabilidade económica do seu agregado familiar.

Claro que a mesma é susceptível de ser prejudicial para a recorrente e, por extensão, para o seu agregado familiar, mas essas desvantagens são inerentes à natureza das sanções, e daí não resulta a sua desproporcionalidade em confronto com a prevenção dos perigos da sinistralidade rodoviária (para a segurança de pessoas e bens) inerentes às condutas infractoras que a aplicação da sanção acessória tem por escopo prevenir.

O perigo de lesão de direitos de terceiros e do interesse público na diminuição da sinistralidade rodoviária é manifestamente mais relevante do que o constrangimento causado ao exercício pela recorrente do seu direito ao trabalho resultante da circunstância de ficar impedida de conduzir veículos com motor pelo período de trinta dias.

Assim, não existe violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e também não do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho ou do direito ao trabalho, com consagração nos artigos 18º, nº 2, 47º, nº 1 e 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Aduz ainda a mesma que a interpretação do artigo 141º, do Código da Estrada, no sentido de não ser possível a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir no caso de contra-ordenação muito grave é inconstitucional por violação do consagrado nos artigos 18º, 47º e 58º, da CRP.

Sobre essa problemática debruçou-se já o nosso Tribunal Constitucional, podendo ler-se no Acórdão nº 440/2002, disponível no sítio respectivo:

(…) O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

(…) ainda que fosse demonstrada (…) que o recorrente inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão (…) adianta-se desde já que a objectiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.

Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido (…) a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool (…) o conteúdo essencial do direito ao trabalho (…) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens – que fundamentam a sua limitação (…) - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.

E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção (…) são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.

Daí que a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições (…) não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.”

Estes fundamentos são claramente válidos e ajustáveis à situação em apreço, pelo que podemos concluir, com segurança, que não se verifica interpretação obliteradora dos aludidos preceitos constitucionais na sujeição da recorrente à sanção acessória de inibição de conduzir.

Pelo exposto, também não merece acolhimento a pretensão da recorrente nesta parte e, por conseguinte, improcede o recurso na totalidade.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pela arguida A. e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.



Lisboa, 27 de Novembro de 2018


(Artur Vargues) (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                      
(Jorge Gonçalves)