Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
763/17.4T8SNT.L1.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE EM SERVIÇO
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
DIREITO DE REGRESSO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O direito de regresso conferido à CGA depende da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, dos factos que integrem a qualificação como acidente de serviço e do pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais, no âmbito da Administração Pública.

II. Da análise do n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, o único pressuposto para que o direito de reembolso da CGA possa ser exercido é ter sido proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da responsabilidade da mesma, não impondo tal norma que tenham sido pagas integralmente as prestações ao subscritor da CGA.

III. Daí que se entenda que a alusão, nessa norma, a “direito de regresso” não é rigorosa, porquanto inconsistente com o pressuposto em que se alicerça e visa, não o reembolso dos concretos montantes pagos a título de pensão, mas a obtenção da respectiva capitalização.

IV. O Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública é imperativo, nomeadamente no que concerne à responsabilidade da CGA no pagamento das pensões devidas por incapacidade parcial permanente.

V. A transacção celebrada entre o sinistrado e a Ré, para além de não vincular a Autora, que nela não interveio, sempre seria nula caso se verifique que diminuiu os direitos do sinistrado conferidos pelos Regimes de Reparação de Acidentes de Trabalho/Serviço.

VI. O referido preceito ao dispor que “Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com o terceiro responsável.”, pressupõe a indemnização prévia do terceiro responsável ao sinistrado e não, como ocorre nos autos, a fixação definitiva do valor devido pela CGA ao mesmo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
A [Caixa Geral de Aposentações, I.P], identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B [...Companhia de Seguros, S.A. ], pedindo a condenação da ré: a) na reparação dos danos decorrentes do acidente de viação causado pelo condutor seu segurado, isto é, no pagamento à A da importância global de € 45.356,15 (quarenta e cinco mil, trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos), necessária para suportar o encargo com as prestações por acidente em serviço atribuídas ao subscritor da CGA n.º 1603979, José ... .; b) no pagamento de juros de mora que se vierem a vencer entre a data em que ocorra a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que em 19.04.2010 ocorreu um acidente de viação, envolvendo dois veículos, sendo que o embate se deveu exclusivamente ao comportamento culposo do condutor do veículo com a matrícula ...-...-NR, o qual era propriedade e conduzido por João ..., que transferira a responsabilidade civil para com terceiros emergente da circulação daquele veículo para a ora Ré. Mais alegou que desse acidente resultaram diversos danos para José ..., militar da GNR e subscritor da CGA, o qual conduzia, no momento do acidente, o outro veículo interveniente, tendo o acidente sido qualificado como de trabalho. Mais referiu que se iniciou o procedimento administrativo para reparação das lesões resultantes do acidente e, nesse âmbito, a junta médica da CGA fixou a José … uma incapacidade parcial permanente de 15%, motivo pelo qual lhe foi reconhecido o direito a uma pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho, no valor de € 181,09, sendo que, em 03.07.2015, a CGA procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar o encargo com a pensão vitalícia decorrente do acidente de trabalho, que se cifrou em € 45.356,15. Por último, alegou que interpelou a Ré para proceder ao reembolso do referido montante, mas até à data tal não sucedeu.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, em suma, por excepção, alegou que a Autora deveria ter discutido a responsabilidade em causa no processo n.º 9399/13.8T2SNT, acção intentada por José... contra a ora Ré e na qual a Autora foi citada para deduzir pedido de reembolso, o que veio a fazer, mas foi considerado extemporâneo, motivo pelo qual, conclui, deve a Ré ser absolvida da instância. Requereu ainda a apensação dos presentes autos àqueles outros e, caso assim não se entenda, a suspensão da presente instância até decisão daqueles.
Para além disso, reconheceu a celebração do contrato de seguro e que a responsabilidade pelo sinistro em causa recaiu sobre o condutor do veículo com a matrícula 00-00-NR, mas impugnou parte da alegada dinâmica do acidente, os alegados danos, bem como o nexo causal entre esses alegados danos e o acidente, em virtude dos problemas físicos que o subscritor da Autora alega ter presentemente serem resultado já de um outro acidente ocorrido em 2003.
Alegou ainda que a verba peticionada corresponde a um cálculo actuarial, ou seja, a uma mera expectativa de pagamento futuro e que a Ré não pode ser condenada a reembolsar prestações que ainda não foram pagas. Por fim, alegou que mesmo que fosse condenada a pagar qualquer montante à Autora, deveria a mesma ser deduzida de eventual indemnização a pagar ao subscritor da mesma.
Por despacho julgou-se improcedente a excepção dilatória inominada invocada pela Ré, declarou-se o presente Tribunal incompetente para decretar a apensação dos processos e determinou-se a suspensão da instância até ser proferida sentença transitada em julgado no processo n.º 9399/13.8T2SNT.
Realizou-se audiência prévia, foi proferido despacho saneador, procedeu-se à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que condenou a ré B a pagar à Autora Caixa Geral de Aposentações, I.P., a quantia global de € 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos) de capital, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, sobre aquela verba de capital, vencidos desde a data da citação da Ré até à presente data e vincendos, até integral e efectivo pagamento.
Inconformado com tal decisão dela recorre a ré, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” proferiu, em 21 de Fevereiro de 2019, Sentença, a qual foi notificada às partes, em 22 de Fevereiro de 2019, através da plataforma informática “Citius”.
2. Através de tal Sentença, o Tribunal “a quo” julgou, totalmente, procedente, por provada, a presente Acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, e, em consequência: “(…) - condena a Ré B a pagar à Autora Caixa Geral de Aposentações, I.P., a quantia global de € 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos) de capital, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, sobre aquela verba de capital, vencidos desde a data da citação da Ré até à presente data e vincendos, até integral e efectivo pagamento. Condena ainda a Ré seguradora no pagamento das custas do processo, atento o integral decaimento. (…)”
3. Ou seja, o Tribunal “a quo” condenou a Ré, ora Recorrente, na totalidade do pedido formulado pela Autora, ora Recorrida, nos presentes autos.
4. Ao proferir tal decisão, o Tribunal “a quo” ERROU TOTALMENTE, pelo que a mesma deve ser alvo de censura.
5. Assim, não se conformando, de forma alguma, com a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, a Ré, ora Recorrente, vem da mesma recorrer, pugnando pela sua, imediata, revogação e, consequente, modificação e/ou alteração em conformidade.
6. O presente Recurso de Apelação incide, assim, sobre aquela condenação da Ré, ora Recorrente, na Sentença recorrida, ao pagamento à Autora, ora Recorrida, da quantia de €: 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, a título de reembolso do encargo que a mesma terá com as prestações por acidente em serviço (acidente de trabalho) atribuídas ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., em virtude de acidente viação causado pelo condutor e proprietário do veículo automóvel por si seguro, com a matrícula 00-00-NR, João ...
7. O seu âmbito será o de saber, será o de analisar, se há fundamento factual e jurídico, nos presentes autos, para ser deferida a pretensão da Autora, ora Recorrida, em ser reembolsada (direito ao reembolso) pela Ré, ora Recorrente, na qualidade de seguradora, do capital necessário, na sua óptica, para suportar o encargo com a pensão vitalícia decorrente do acidente de trabalho e de viação sofrido pelo seu subscritor n.º 1603979, José ..., no dia 19 de Abril de 2010.
8. Ou seja, o seu objecto incidirá sobre a questão da admissibilidade ou não do Tribunal “a quo” condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de 1 (uma) quantia – €: 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos) – que foi achada, que foi encontrada, através de cálculo actuarial, mas que não foi, efectivamente, paga ao subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ... .
9. E a resposta da Ré, ora Recorrente, a essa questão é NEGATIVA, não é admissível!
10. Com efeito, a Ré, ora Recorrente, é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício de actividade de seguro e resseguro do ramo “não vida”, com a amplitude consentida pela lei.
11. No exercício da sua actividade comercial, a Ré, ora Recorrente, celebrou com João ... 1 (um) contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, nos termos do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que teve como objecto o veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, com a matrícula 00-00-NR, ao qual foi atribuído a Apólice n.º 90.00201135.
12. No dia 19 de Abril de 2010, pelas 21h15m, no IC19 (sentido Lisboa/Sintra), ocorreu 1 (um) sinistro automóvel, no qual foram intervenientes o veículo automóvel, com a matrícula 00-00-NR, conduzido pelo segurado da Ré, ora Recorrente, João ..., e o veículo automóvel, com a matrícula GNR J 2705, conduzido pelo subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ...
13. Tendo o mencionado sinistro sido comunicado à Ré, ora Recorrente, esta iniciou os habituais procedimentos de averiguação, por forma a aquilatar da responsabilidade do condutor e proprietário do veículo automóvel por si seguro, com a matrícula ...-00-NR, João ..., no mesmo.
14. Após a conclusão dos referidos procedimentos de averiguação, a Ré, ora Recorrente, veio a concluir que a responsabilidade pelo sinistro em causa recaiu, totalmente, sobre o condutor e proprietário do veículo automóvel seguro pela mesma, com a matrícula ...-00-NR, João ..., tendo, consequentemente, aceite a transferência de responsabilidade, nos termos e com os limites constantes da mencionada Apólice, e, bem assim, nos termos e com os limites da legislação em vigor.
15. Decorrente da assunção da sua responsabilidade, a Ré, ora Recorrente, procedeu ao pagamento da reparação do referido veículo automóvel, com a matrícula GNR J 2705, àquela entidade – Guarda Nacional Republicana (G.N.R.) – , após a mesma ter sido orçamentada, a qual teve um custo de €: 1.489,66 (mil quatrocentos e oitenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos).
16. Resultante de tal sinistro automóvel, veio, ainda, a Autora, ora Recorrida, intentar a presente Acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra a Ré, ora Recorrente, peticionando-lhe o pagamento da quantia de €: 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vissem a vencer desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de reparação de danos decorrentes do já referido acidente de viação causado por aquele condutor e proprietário do veículo automóvel por si segurado, com a matrícula ...-00-NR, João ....
17. Na óptica da Autora, ora Recorrida, tal quantia seria a necessária para suportar o encargo com as prestações por acidente em serviço (acidente de viação), atribuídas pela mesma, ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., uma vez que aquela procedeu à reparação do acidente em questão, nos termos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
18. E, através da Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” confirmou todo o petitório formulado pela Autora, ora Recorrida, nos presentes autos, condenando a Ré, ora Recorrente, nos exactos termos e nos precisos modos peticionados pela mesma, na sua Petição Inicial.
19. Confirmou mal!
20. Jamais o Tribunal “a quo” poderia ter tomado tal decisão no âmbito dos presentes autos.
21. Na verdade, tal valor, tal quantia de €: 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos) não corresponde ao dano patrimonial, efectivamente, sofrido pela Autora, ora Recorrida, como é alegado, nos presentes autos, pela mesma e como é defendido, agora, pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida.
22. Aquele valor (€: 45.356,15) peticionado pela Autora, ora Recorrida, não constitui por si um pagamento.
23. Tal verba (€: 45.356,15) corresponde, antes, a 1 (um) cálculo actuarial.
24. A referida quantia (€: 45.356,15) corresponde a um mero cálculo, a uma suposição, a uma mera operação matemática, a uma conta, a uma conjectura, e não a um efectivo dano patrimonial!
25. Traduz-se, assim, numa mera expectativa de pagamento futuro e nada mais do que isso.
26. A Autora, ora Recorrida, só tem direito ao reembolso, por parte da Ré, ora Recorrente, das quantias que, efectivamente, pagou ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., a título de prestações mensais decorrente de acidente de trabalho, em virtude daquele ter sido interveniente em acidente de viação causado pelo condutor e proprietário do veículo automóvel por si seguro, com a matrícula 00-00-NR, João .... .
27. Só tinha e tem direito a receber da Ré, ora Recorrente, as quantias que, efectivamente, for gastando, mensalmente, a este propósito.
28. Na medida em que aquelas prestações mensais a pagar ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., se forem efectivando, que forem sendo pagas ao mesmo pela Autora, ora Recorrida.
29. A Autora, ora Recorrida, só tem, pois, direito a receber da Ré, ora Recorrente, as quantias que já pagou e as que vier a pagar ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., e nada mais do que isso!
30. Nunca a quantia (€: 45.356,15) peticionada pela Autora, ora Recorrida – e corroborada pela Sentença, agora, proferida pelo Tribunal “a quo” –, nos presentes autos!
31. Essa (€: 45.356,15), como já se referiu até à exaustão, foi “achada”, foi “encontrada” através de cálculo actuarial.
32. Até ao mês de Novembro de 2018, a Autora, ora Recorrida, já tinha pago ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., a quantia de €: 13.256,36 (treze mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), por conta da referida pensão mensal – Ponto 28 dos Factos Provados da Sentença recorrida (página 6 da mesma).
33. É, pois, esta quantia (€: 13.256,36) – calculada à data da realização da Audiência de Discussão e Julgamento –que deveria constar da Sentença recorrida e nenhuma outra.
34. Todas as outras prestações que foram pagas desde aquela data (Novembro de 2018) até à presente data e as que se pagarão no futuro devem ser reembolsadas pela Ré, ora Recorrente, à Autora, ora Recorrida, à medida do seu respectivo pagamento, ou seja, deverão ser reembolsadas em execução de Sentença.
35. À medida que se efectivem, à medida que vão sendo pagas, mensalmente, pela Autora, ora Recorrida, ao seu subscritor n.º 1603979, José ...
36. Pelo que deveria ter sido essa a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e não a que tomou na Sentença recorrida.
37. Ou seja, o Tribunal “a quo” deveria ter condenado a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora, ora Recorrida, a quantia de €: 13.256,36 (treze mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), a título de reembolso de prestações mensais que já pagou, até ao mês de Outubro de 2018, ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., em virtude do já mencionado acidente de viação, que foi qualificado como acidente de serviço, e as quantias a liquidar em execução de Sentença, relativas à prestações mensais que irá pagar, mensalmente, ao mesmo a partir daquela data.
38. Tal como acontece, por exemplo, com as companhias de seguros em sede de reembolsos por acidentes de trabalho, não devendo, assim, haver procedimento diverso quando se trata de uma qualquer entidade pública, como é o caso da Autora, ora Recorrida, nos presentes autos.
39. O pagamento daquelas prestações mensais ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., não estão garantidas, só por si, vitaliciamente, não há certeza absoluta do seu pagamento até ao fim da vida do mesmo.
40. Poderão existir circunstâncias próprias da vida (por exemplo, o falecimento) que fazem cessar, de imediato, o pagamento de tais prestações.
41. Nesse caso – perdoe-se, aqui, o exemplo! –, a Autora, ora Recorrida, deixaria de pagar as referidas prestações mensais ao seu subscritor n.º 1603979, José ... .
42. É uma circunstância – tal como outras – que podem, efectivamente, suceder.
43. Não faz, portanto, qualquer sentido que, através da Sentença recorrida, a Ré, ora Recorrente, seja obrigada a reembolsar a Autora, ora Recorrida, de quantias que não se sabe se serão ou não pagas pela mesma ao seu subscritor n.º 1603979, José ... .
44. O que a Sentença recorrida diz, com a decisão nela plasmada, é que a Ré, ora Recorrente, dever pagar determinada quantia (€: 45.356,15) à Autora, ora Recorrida, sem a mesma comprovar o efectivo e integral pagamento de tal valor ao seu subscritor n.º 1603979, José ...
45. Aquela quantia de €: 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros) a que foi condenada a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora, ora Requerida, na Sentença recorrida, é, quase toda ela, constituída por prestações futuras e incertas.
46. Não se sabendo como é que a Autora, ora Requerida, chega àquele valor peticionado e corroborado pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida.
47. O que significa, tão só e apenas, que a Autora, ora Recorrida, está a enriquecer sem causa, está a enriquecer ilicitamente à custa da Ré, ora Recorrente.
48. A posição expandida pela Ré, ora Recorrente, está consagrada no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
49. Ao contrário do que a Autora, ora Recorrida, e o Tribunal “a quo”, através da Sentença recorrida, afirmam e defendem, o n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, refere-se, expressa e inequivocamente, ao DIREITO DE REGRESSO.
50. Direito de regresso este que pressupõe o pagamento integral e efectivo das referidas prestações mensais por parte da Autora, ora Recorrida.
51. Este mesmo entendimento – o da Ré, ora Recorrente – a vem sido sufragado pela doutrina e pela jurisprudência, de uma forma unânime.
52. A Sentença recorrida deve, assim, ser, de imediato, revogada e substituída por outra nos termos ora peticionados no presente Recurso de Apelação.
53. Como se verifica, também, pela análise e pela leitura dos Ponto 17 e 29 dos Factos Provados da Sentença recorrida (páginas 5 e 6 da mesma), no âmbito do Processo n.º 9399/13.8T2SNT, que correu termos no Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, entre a Ré, ora Recorrente, e o subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ..., foi celebrado 1 (um) Acordo, 1 (uma) Transacção, homologada judicialmente, naqueles autos.
54. Em virtude da celebração de tal Acordo, resulta totalmente claro que o subscritor da Autora, ora Recorrida, foi integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais passados, presentes e futuros, decorrentes do acidente de viação que se discutia naqueles autos do Processo e se discute, ainda, nos presentes autos.
55. O que significa que a Autora, ora Recorrida, deixará de continuar a pagar as referidas prestações mensais ao seu subscritor n.º 1603979, José ... .
56. Tal Acordo será motivo de cessação do pagamento de prestações mensais ao mesmo por parte da Autora, ora Recorrida.
57. O que vem dar, ainda, mais razão à Ré, ora Recorrente, no que expôs no presente Recurso de Apelação, uma vez que esta jamais poderia ser condenada a pagar à Autora, ora Recorrida, 1 (um) montante, 1 (um) valor, que a mesma jamais virá a pagar ao seu subscritor n.º 1603979, José ... .
58. O Tribunal “a quo”, tendo conhecimento da existência daquele Acordo, não poderia ter tomado a decisão que tomou, que proferiu, nos presentes autos.
59. Na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” deveria, pois, ter deduzida aquela indemnização paga (no que concerne aos danos patrimoniais – dano biológico), naquele Acordo, aos montantes ora decididos nos presentes autos.
60. Não discriminando tal Acordo a verba correspondente ao dano biológico (danos patrimoniais) deverá a mesma cifrar-se na quantia de €: 30.000,00 (trinta mil euros), pois esta verba é metade do montante global ali fixado (€: 60.000,00) a título de todos os danos, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.
61. Nesse contexto, deve considerar-se igual montante (€: 30.000,00) para cada 1 (um) dos tipos de danos – danos patrimoniais e danos não patrimoniais –, num total global de €: 60.000,00 (sessenta mil euros).
62. Ficando, desse modo, o subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ..., com a obrigação de reembolsar a mesma pelo pagamento de prestações que não lhe eram, efectivamente, devidas.
63. Uma vez que, tratando-se de um simultâneo acidente de trabalho e/ou uma mesma indemnização em consequência do mesmo acidente, não poderá haver cumulação de pagamentos, pois, caso contrário, haverá enriquecimento sem causa por parte do seu beneficiário (aqui, do subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ... .).
64. Tal como defende, de forma unânime, a doutrina e a jurisprudência.
65. Neste caso em concreto, do subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ... .
66. Pelo que, também, a este propósito, a Sentença recorrida deve ser revogada e, em consequência, ser alterada e modificada em conformidade.
67. A Ré, ora Recorrente, pronuncia-se, também, no presente Recurso de Apelação, acerca de outro erro interpretativo cometido pelo Tribunal “a quo”, plasmado na Sentença recorrida, a este propósito, e, concretamente, na sua página 14 (catorze).
68. É que, a contrario do que é, aí, afirmado, o n.º 2 daquele Acordo celebrado entre as partes – entre a aqui Ré, ora Recorrente, e o subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ... . – naquele outro Processo n.º 9399/13.8T2SNT, que correu os seus trâmites no Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, não significa, de forma alguma, que o mesmo não abrange os danos suportados pela Autora, ora Recorrida, ao seu subscritor n.º 1603979, José ... .
69. Antes pelo contrário!
70. Com aquele preceito (n.º 2 do referido Acordo), o que as partes pretenderam, tão só e apenas, foi que a aqui Ré, ora Recorrente, ficasse responsável pelo pagamento à Autora, ora Recorrida, dos montantes pagos por esta, a título das referidas prestações mensais, ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., até à data da celebração de tal Acordo, ou seja até ao dia 18 de Abril de 2018, e nada mais!
71. Porquanto, como sempre se disse, a celebração do mesmo é causa de cessação do pagamento por Autora, ora Recorrida, de tais prestações ao seu subscritor n.º 1603979, José ... .
72. Foi esse, pois, o intuito das partes – a aqui Ré, ora Recorrente, e o subscritor da Autora, ora Recorrida, com o n.º 1603979, José ... . – em colocar, no referido Acordo, tal cláusula (n.º 2).
73. Pelo que, uma vez mais, se refira que o Tribunal “a quo” não tem qualquer razão para interpretar o referido Acordo, e designadamente o seu n.º 2, da forma como o fez na página 14 (catorze) da Sentença recorrida.
74. Resulta, pois, de tudo o quanto se expos, no presente Recurso de Apelação, que a Sentença recorrida deve ser, de imediato, revogada, por V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, e por esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, e, assim, ser alterada e modificada em conformidade.
75. Devendo, desde logo, o Ponto 26 dos Factos Provados da Sentença recorrida (página 6 daquela) ser considerado como não provado e, assim, constar dos Factos não Provados da mesma.
76. Em consequência, deve ser alterado o dispositivo da Sentença recorrida e substituído por outro que condene a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora, ora Recorrida, a quantia de €: 13.256,36 (treze mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) – e respectivos juros de mora vencidos e vincendos até integral e completo pagamento –, a título de reembolso de prestações mensais que já pagou, até ao mês de Outubro de 2018, ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., em virtude do já mencionado acidente de viação, que foi qualificado como acidente de serviço, e as quantias a liquidar em execução de Sentença, relativas à prestações mensais que irá pagar, mensalmente, ao mesmo a partir daquela data.
77. Se, no entanto, V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, assim não o entenderem, e sem conceder, deve ser alterado o dispositivo da Sentença recorrida e substituído por outro que decida que à quantia global de €: 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos) a que foi condenada a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora, ora Recorrida, em virtude do pagamento de prestações mensais decorrentes do já mencionado acidente de viação (qualificado como de serviço), seja descontada a quantia de €: 30.000,00 (trinta mil euros), já paga ao subscritor da mesma, com o n.º 1603979, José ..., a título de dano biológico (danos patrimoniais), no âmbito do Acordo celebrado no âmbito do Processo n.º 9399/13.8T2SNT, que correu os seus trâmites no Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o que daria, assim, o valor de €: 15.356,15 (quinze mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos), à qual acresceria o montante dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.
78. Deve, assim, ser julgado, totalmente, procedente o presente Recurso de Apelação e, em consequência, ser a Sentença recorrida revogada, nos termos invocados e peticionados pela Ré, ora Recorrente, no presente Recurso de Apelação.»
A A. contra alegou pugnando pela improcedência do recurso e concluindo:
«1.ª A Sentença recorrida – quer relativamente à matéria de facto, quer à matéria de direito - encontra-se devidamente fundamentada, deixando perceber qual o iter cognoscitivo que presidiu à decisão do julgador.
5.ª Como resulta da matéria de facto assente, estão verificados os pressupostos de que depende o direito de regresso previsto no n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, determinado “…por cálculo actuarial.”
6.ª O cálculo actuarial a que alude o n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99 é o que se encontra identificado em 26) dos Factos Assentes, que apurou um capital de remição de €45.356,15, sendo que – e como também resulta da decisão judicial sob recurso –, ao explicitar no n.º 3 do art.º 46.º que se recorre ao cálculo actuarial, a lei pensa num capital que, num dado momento, corresponde a encargos futuros, aceitando a álea sempre presente em cálculos de indemnizações por danos futuros, o que permite à CGA o direito a ser reembolsada dos montantes que suportou, e que irá suportar, com o pagamento da pensão fixada ao sinistrado em consequência do acidente.(cfr., a este propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006-09-12, proferido no processo n.º 06A2213, e de 2011-05-19, proferido no processo n.º 1029/06.0TBTNV.C1.S1, ambos disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt).
7.ª Acresce que a Recorrente Companhia de Seguros não tem fundamento para peticionar que à quantia em que foi condenada a pagar à CGA “…seja descontada a quantia de €: 30.000,00 (trinta mil euros)…” que, segundo afirma, pagou ao sinistrado no âmbito do Acordo celebrado no Processo n.º 9399/13.8T2SNT (cfr. 77.ª Conclusão do recurso da Recorrente Seguradora)
8.ª De facto, o que resulta na Matéria de Facto Assente é algo bem diferente, uma vez que de acordo com o ponto 29 da Matéria de Facto Assente, a Companhia de Seguros e o sinistrado acordaram no pagamento de uma quantia global de € 60.000,00, “…a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presente e futuros…” mas acordaram também que “Tais danos não incluem os suportados pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor;”
9.ª Ora, se a Recorrente Companhia de Seguros acordou com o sinistrado atribuir-lhe uma quantia global de € 60.000,00, estabelecendo que tais danos não incluem os suportados pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor, como pode agora «destacar» € 30.000,00 daquela quantia?
10.ª Em todo o caso, tal Acordo nunca poderia servir para afastar o regime imperativo constante no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/09, sendo este, de resto, o entendimento que tem vindo a ser acolhido pela jurisprudência (veja-se o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, através do Acórdão proferido em 2015-11-07, no âmbito do Proc.º n.º 295/14.2TJCBR.C1, cuja súmula se transcreveu supra em Alegações).
11.ª Termos em que, encontrando-se bem fundamentada, não tendo incorrido em qualquer erro de julgamento, ofendido qualquer norma ou princípio legal, deverá manter-se a decisão proferida em primeira instância. » (manteve-se a numeração tal como consta das contra-alegações).
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
                                      *
Questões a decidir:
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão que importa apreciar é a seguinte:
A. Saber se é de alterar o ponto 26. dos factos provados;
B. Saber se no âmbito do direito de regresso que assiste à CGA, além do valor pago a título de pensões, pode ser feito o cálculo actuarial das pensões a suportar no futuro;
C. Saber se, face à transacção efectuada, o beneficiário da CGA já se encontra ressarcido dos seus danos, pelo que mesmo perante o cálculo actuarial deverá ser deduzido ao valor encontrado o valor da indemnização acordada e relativa ao dano biológico.
                                                        *
II. Fundamentação:
 Com relevo para a boa decisão da causa, foram dados como provados os seguintes factos:
1. No exercício da sua actividade comercial, a Ré celebrou com João ... um contrato de seguro do ramo automóvel, destinado a garantir a responsabilidade civil emergente da condução do veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, com a matrícula 00-00-NR, ao qual foi atribuído a apólice n.º 90.00201135, com vigência anual e início em 28 de Julho de 2009.
2. No dia 19 de Abril de 2010, pelas vinte e uma horas e quinze minutos, no IC 19, no sentido Lisboa Sintra, concelho de Sintra, ocorreu um acidente de viação.
3. No acidente aludido em 2. foram intervenientes:
a) O veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, com a matrícula 00-00-NR, conduzido por João ... e propriedade deste;
b) O veículo ligeiro com a matrícula GNR J 2705, da Guarda Nacional Republicana (GNR) e conduzido por José ... .
4. Na ocasião aludida em 3., o veículo de matrícula GNR J 2705, conduzido por José ... . seguia na faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha,
5. À frente do veículo automóvel de matrícula GNR J 2705 e no mesmo sentido de marcha circulavam outros veículos automóveis.
6. Perante a travagem dos veículos que seguiam à sua frente, o condutor do veículo de matrícula GNR J 2705 teve de abrandar a sua velocidade, para não embater na viatura que seguia à sua frente e no mesmo sentido de marcha.
7. O condutor do veículo de matrícula GNR J 2705 actuou com toda a prudência e cuidados que a situação exigia, dado o circunstancialismo acima descrito.
8. O veículo de matrícula GNR J 2705 foi embatido na sua traseira pelo veículo automóvel com a matrícula 00-00-NR, que circulava no mesmo sentido, imediatamente atrás daquele.
9. O veículo automóvel com a matrícula 00-00-NR circulava muito próximo da traseira do veículo de matrícula GNR J 2705, a uma velocidade não concretamente apurada.
10. Como consequência directa do acidente mencionado em 2., o veículo automóvel com a matrícula 00-00-NR sofreu danos materiais.
11. Como consequência directa do acidente mencionado em 2., José ... . sofreu traumatismo da coluna lombar.
12. À data do acidente, José ... . era (e ainda é), militar da GNR e subscritor da Autora, com o número 1603979.
13. À data do acidente, José ... . regressava ao quartel sede da Unidade de Intervenção, após ter transportado um superior hierárquico para a sua residência.
14. Tendo o acidente mencionado em 2. sido comunicado à Ré, esta iniciou os habituais procedimentos de averiguação.
15. Após a conclusão dos procedimentos internos de averiguação, a Ré veio a concluir que a responsabilidade pelo sinistro em causa recaiu sobre o condutor do veículo com a matrícula 00-00-NR, tendo, consequentemente, aceite a transferência da responsabilidade, nos termos e com os limites constantes da apólice mencionada em 1. e da legislação em vigor.
16. Por carta datada de 30 de Abril de 2010, a Ré comunicou à GNR, além do mais, o seguinte:
“(…) concluída que está a instrução do nosso processo, e por ter ficado provada a responsabilidade do condutor da viatura que garantimos, na produção do evento, informamos V. Exa. que vamos dar instruções à oficina, no sentido de proceder à reparação do vosso veículo, de harmonia com o orçamento elaborado, entre aquela entidade e os nossos serviços técnicos. (…)”.
17. Em 14 de Janeiro de 2013, José ... . intentou acção declarativa de condenação contra a ora Ré (então denominada Macif Portugal – Companhia de Seguros, S. A.) e João ..., peticionando a condenação desta ao pagamento de determinadas quantias, a título de danos patrimoniais, não patrimoniais e de em incapacidades, em virtude de ter sido interveniente no acidente mencionado em 2.
18. A acção aludida em 17. correu seus termos sob o n.º 9399/13.8T2SNT, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 3.
19. Na sequência do acidente mencionado em 2., foi instaurado o processo de acidente em serviço n.º 0281/10UI, no âmbito do qual a entidade pública empregadora de José ... . concluiu que o acidente em causa ocorreu em serviço.
20. Na sequência da qualificação pela entidade empregadora, a Autora iniciou o procedimento administrativo para reparação das lesões resultantes do acidente mencionado em 2.
21. Em 29 de Julho de 2014, José ... . foi presente à junta médica da Autora, a qual considerou que aquele apresentava, como lesões decorrentes do acidente, traumatismo da coluna lombar pós-cirurgia com neuropatia regular.
22. Como consequência do acidente mencionado em 2., José ... . ficou com uma incapacidade parcial permanente de 15% (quinze por cento).
23. Previamente à fixação da reparação do acidente mencionado em 2., a Autora oficiou a GNR, José... e a Ré para que, designadamente, informassem se houve responsabilidade de terceiro na produção do acidente, se havia processo judicial em curso e se estaria a ser paga ao interessado indeminização decorrente do acidente.
24. A Ré informou então a Autora que estava em curso a acção mencionada em 17.
25. Por despacho da direcção da Autora de 4 de Junho de 2015, foi reconhecido a José ..., para reparação das lesões emergentes do acidente mencionado em 2., o direito a uma pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho no valor inicial de € 180,37 (cento e oitenta e trinta e sete euros), actualizado em 01.01.2015 para € 181,09 (cento e oitenta e um euros e nove cêntimos), sendo actualmente de € 186,01 (cento e oitenta e seis euros e um cêntimo).
26. Em 3 de Julho de 2015, a Autora procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar o encargo com a pensão vitalícia mencionada em 25., que se cifra em € 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos).
27. Em 7 de Julho de 2015, a Autora interpelou a Ré para proceder ao reembolso do referido montante.
28. Até Novembro de 2018, inclusive, a Autora já tinha pago a José ... . a quantia global de € 13.256,36 (treze mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), por conta da referida pensão mental vitalícia.
29. Na acção aludida em 17., em 18 de Abril de 2018, o aí Autor José ... . e a ora Ré colocaram termo ao litígio mediante a seguinte transacção, a qual foi homologada por sentença proferida na mesma data, transitada em julgado:
1. O Autor reduz o pedido formulado contra a Ré, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros, para a quantia global de € 60.000,00 (sessenta mil euros);
2. Tais danos não incluem os suportados pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor;
3. A Ré aceita e obriga-se a efetuar o pagamento da mencionada quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros) no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória em conformidade, através de cheque emitido em nome do Autor, José ..., o qual será enviado para o escritório da Ilustre Mandatária do Autor, Sr.ª Dr.ª ..., sito na Rua Américo Durão, n.º 16, 2.º C, 1900-069 Lisboa;
4. O Autor declara, para os devidos efeitos, dar total e completa quitação, nada mais tendo a exigir ou a reclamar da Ré, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros, decorrentes do acidente de viação objecto dos presentes autos;
5. O Autor e a Ré prescindem das custas de parte e as custas eventualmente em divida em juízo serão suportadas em partes iguais;
6. O Autor e a Ré prescindem, ainda, do prazo de recurso e de reclamação.”.
                                                        *
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
No caso concreto insurge-se a a ré quanto à resposta contida no ponto 26. dos factos provados, pretendendo que o mesmo seja dado como não provado. Em abono da sua pretensão refere que tal valor apurado é relativo a prestações futuras e incertas, pelo que se desconhece como se chegou a tal valor.
 O ponto 26. é do seguinte teor:
“26. Em 3 de Julho de 2015, a Autora procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar o encargo com a pensão vitalícia mencionada em 25., que se cifra em € 45.356,15 (quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos)”.
Na motivação à resposta ao mesmo expõe o tribunal a quo :«No que concerne aos pontos 11., 19., 20., 21., 22., 25., 26. e 28., para sua prova considerou-se, desde logo, o teor da certidão de fls. 6v e segs.. De facto, muito embora esse documento tenha sido impugnado pela Ré, a verdade é que o respectivo teor não foi infirmado de forma minimamente consistente pela demais prova produzida, pelo contrário. De facto, a testemunha José Júlio Lage esclareceu que, na sequência da participação do acidente e subsequente procedimento, foi submetido a Junta médica da Autora, na qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente de 15% e que, desde Setembro de 2013, lhe tem sido paga a pensão mensal correspondente (cujo valor foi sendo sucessivamente actualizado). Esta testemunha reconheceu ainda que teve um outro acidente em 2003, mas não recebe qualquer pensão como consequência do mesmo, afirmando que a menção constante de fls. 39v a “2003/09/19” só pode tratar-se de um lapso (cfr. também declaração de fls. 38 e informação de fls. 39, das quais resulta que a data de início da pensão foi fixada em 19.09.2013). A testemunha Ana ... e Areia ...s (médica, colabora com a Autora desde 2005), denotando absoluta isenção, reconheceu que não teve qualquer intervenção na junta médica a que José ... foi submetido em 29.07.2014 (vd. fls. 41) e que nunca procedeu à sua observação clínica. Todavia, descreveu genericamente quais os procedimentos seguidos na realização destas juntas médicas, os elementos analisados (incluindo a observação presencial, conforme mencionado por José...) e, por apelo aos elementos constantes do processo interno que consultou, esclareceu que o acidente sofrido por José Júlio Lage em 2003 não foi desvalorizado, em virtude de, por junta superior de saúde da GNR de 2004, o mesmo ter sido considerado curado sem sequelas (cfr. ponto 3 da informação de fls. 21), além de que a hérnia do acidente de 2010 é noutro local. Referiu ainda que, caso existisse discordância na junta médica, ficaria a constar do respectivo auto essa menção e tal não se verifica. Para além disso, note-se que no processo n.º 9399/13.8T8SNT, a perícia a que José ... foi submetido visava avaliar a sua incapacidade à luz da Tabela para Avaliação da Incapacidade em Direito Civil e não à luz da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e é apenas esta última que releva para os presentes autos. De qualquer modo, note-se, estava ao alcance da Ré requerer a realização de perícia nos presentes autos, de molde a abalar as conclusões daquela junta médica e, todavia, não o fez. Também não foi suficiente para abalar essas conclusões o depoimento de Rui ... (gestor de sinistros, funcionário da Ré desde 1999) que, no essencial, se limitou a referir que as juntas médicas apresentaram resultados distintos, inclusive no processo n.º 9399/13.8T8SNT. Mas, para além da perícia nesse processo ser efectuada tendo por base outra tabela, note-se também que a Ré era parte nesse processo e não juntou aos presentes autos tal relatório que eventualmente poderia corroborar a afirmação dessa testemunha. Por fim, a testemunha Maria ... (trabalha para a Autora desde há cerca de 22 anos, na área de abonos, pensões e prestações familiares), no essencial, esclareceu como foi alcançado o valor da pensão (indicando o valor inicial e o valor actual), bem como o cálculo actuarial (cfr. fls. 39 e 39v) e o valor que já foi pago a José Júlio Lage até Novembro de 2018 (inclusive).».
Da conjugação do ponto 25. com o ponto 26. é manifesto que falece razão ao recorrente, nem, aliás o mesmo cumpre o disposto no artº 640º do CPC quanto à alteração pretendida.
Com efeito, o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, consagrado no art. 640.º do C.P.C., impõe, sob pena de rejeição, a identificação, com precisão, nas conclusões da alegação do recurso, os pontos de facto que são objeto de impugnação. Acresce que o mesmo preceito exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permite pôr em causa o sentido da decisão da 1ª instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.
Ora, na impugnação o recorrente limita-se a afirmar a incerteza de tal valor no futuro, porém, o ponto 26. tem como premissa que «Autora procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar o encargo com a pensão vitalícia mencionada em 25., que se cifra em € 45.356,15»( destaque nosso), ou seja, o facto concreto é relativo ao cálculo efectuado pela Autora e tem na sua base a circunstância de a pensão ser vitalícia. Relativamente a este e os pressupostos que presidiram ao cálculo nada o recorrente impugna por forma a verificar se o cálculo foi ou não correctamente efectuado, sendo que este assenta no documento de fls. 39 vº, sem olvidar que a pensão atribuída tem caráter vitalício (sendo que tal questão não foi impugnada pelo recorrente) e é com base nesta qualificação que é feita uma provisão matemática.
Na verdade, o recorrente parece laborar em erro ao referir que pode não ser devida para o futuro tal pensão, pois o que resulta provado não é que é devida, mas sim que foi feito tal cálculo pela Autora quanto às previsões futuras. Acresce que o cálculo tem como dados da equação a pensão mensal actual, o número de abonos, o valor anual e o factor estabelecido na Portaria nº 11/2000, de 13/01, diploma que aprovou as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho. Nenhuma destas premissas que suportam o cálculo é posta em causa neste recurso.
Logo, manter-se-á a matéria de facto tal como consta da sentença, julgando improcedente, nesta parte, o recurso.
                                                        *
III. O Direito:
Abordada a primeira questão importa aferir se no âmbito do direito de regresso que assiste à CGA além do valor pago a título de pensões, pode ser feito o cálculo actuarial das pensões a suportar no futuro.
Seguindo a fundamentação da sentença a quo a qual, nesta parte, não foi objecto de recurso:« O Direito O Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro “estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas” (cfr. artigo 1.º), tendo o seu âmbito de aplicação definido no artigo 2.º. Para efeitos deste diploma, considera-se acidente em serviço: “o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública.” (cfr. alínea b) do do n.º 1 do artigo 3.º). De acordo com o n.º 1 do artigo 7.º: “acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho.”. Os trabalhadores têm direito, além do mais, à reparação em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço, a qual compreende a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente (cfr. n.º 1 e alínea b) do n.º 4 do artigo 4.º).
Nas situações em que se verifique incapacidade permanente (cfr. n.º 5 do artigo 20.º e artigo 21.º), incumbe à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma (cfr. n.º 3 do artigo 5.º, n.º 1 e 4 do artigo 34.º).
Ora, nos termos do disposto no artigo 46.º do mesmo diploma:
“(…) 3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. 4 - Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. 5 - Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída. (…).”
Analisando o caso sub judice, constata-se que resultou provada a matéria vertida nos pontos 2 a 13. Daqui se extrai, em síntese, que em 19.04.2010 ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes dois veículos, um dos quais conduzido por José ..., militar da GNR, que se encontrava no exercício das suas funções (regressava ao quartel sede da unidade de intervenção), sendo, por isso, um acidente em serviço, nos termos e para os efeitos previstos naquele Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro. Esse acidente ocorreu porquanto João ..., que conduzia o veículo com a matrícula 00-00-NR e circulava muito próximo da traseira do veículo GNR J 2705, quando este abrandou a marcha perante a travagem de dois veículos que seguiam à sua frente, não conseguiu parar aquele veículo com a matrícula 00-00-NR, indo embater nas traseiras daquele carro da GNR. A factualidade apurada permite concluir que o acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta de João .... Na verdade, ainda que não se tenha apurado a velocidade a que o mesmo circulava, apurou-se que o mesmo conduzia muito próximo do veículo da frente e, consequentemente, não conseguiu imobilizar o seu veículo a tempo de evitar o embate. Na verdade, qualquer condutor medianamente prudente, colocado nas mesmas circunstâncias de João Esteves, ao aperceber-se da intensidade do trânsito e da redução e velocidade e travagem dos veículos que circulavam à frente do seu, regularia a velocidade a que circulava, de molde a evitar o embate. Note-se, aliás, que foi isso mesmo que fez o condutor do veículo com a matrícula GNR J 2705, o qual, perante a travagem dos veículos que seguiam à sua frente, conseguiu abrandar a velocidade do seu veículo a tempo de evitar qualquer embate.
Conclui-se, assim, que João ... violou o disposto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Estrada (na redacção em vigor à data do acidente, ou seja, aquela introduzida pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001 de 28 de Setembro), presumindo-se a sua culpa pela inobservância das regras estradais1. Por outro lado, João Esteves agiu voluntariamente, não podendo desconhecer que com a sua conduta lesava os interesses dos terceiros lesados, sendo certo que, como consequência da conduta daquele, resultaram directamente para esses terceiros um prejuízo (v.g. danos materiais resultantes para o veículo com a matrícula GNR J 2705 e lesões corporais para José...), verificando-se um nexo de causalidade adequada entre aquele facto e estes danos.
Ora, João … era o proprietário do veículo por si conduzido, pelo que, assim sendo, face ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º, n.º 1 do artigo 6.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, sobre si recaía a obrigação de celebrar contrato de seguro que garantisse a responsabilidade civil emergente da circulação daquele veículo. No caso em apreço, esse contrato de seguro foi celebrado com a Ré (cfr. ponto 1 dos factos provados). Deste modo, nesta fase cumpre analisar as consequências do acidente.
Conforme supra referido, em resultado do acidente, José ... . sofreu lesões corporais, ficando com uma incapacidade permanente de quinze por cento (cfr. pontos 11. e 22. dos factos provados). Nessa sequência, por despacho da direcção da Autora de 4 de Junho de 2015, foi reconhecido a José ..., para reparação das lesões emergentes do acidente, o direito a uma pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho no valor inicial de € 180,37 (cento e oitenta e trinta e sete euros), actualizado em 01.01.2015 para € 181,09 (cento e oitenta e um euros e nove cêntimos), sendo actualmente de € 186,01 (cento e oitenta e seis euros e um cêntimo)(…)».
Assim, no caso que nos ocupa estamos perante um acidente de viação e simultaneamente de serviço, importando observar o imperativo Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, previsto no DL n.º 503/99, de 20 de Novembro, mormente o seu artº 46º supra aludido.
Deste quadro legal conclui-se que o direito de regresso conferido aos serviços mencionados e neste caso à Autora depende da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, dos factos que integrem a qualificação como acidente de serviço e do pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais, no âmbito da Administração Pública.
No caso dos autos lograram-se provar quer os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, cuja responsabilidade foi transferida para a ré, por força do contrato de seguro, quer ainda a qualificação do acidente nos termos estatuídos no diploma em causa, bem como o grau de incapacidade atribuído ao lesado na sequência do acidente.
A discordância da ré/recorrente ocorre pelo facto de ter sido considerado o valor das pensões futuras, ou seja o cálculo actuarial, sendo a questão da dedução ou não do valor acordado a título indemnizatório abordado infra.
Nas suas conclusões refere o recorrente, em suma, que a ora Recorrida só tem direito a receber da Ré, ora Recorrente, as quantias que já pagou e as que vier a pagar ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., pois a quantia encontrada através de cálculo actuarial não é devida. Concluindo que até ao mês de Novembro de 2018, a Autora, ora Recorrida, já tinha pago ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., a quantia de €: 13.256,36 (treze mil duzentos e cinquenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), por conta da referida pensão mensal, sendo que as demais quantias que se pagarão no futuro devem ser reembolsadas pela Ré, ora Recorrente, à Autora, ora Recorrida, à medida do seu respectivo pagamento, ou seja, deverão ser reembolsadas em execução de Sentença. Mais refere que o pagamento daquelas prestações mensais ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., não estão garantidas, só por si, vitaliciamente, não há certeza absoluta do seu pagamento até ao fim da vida do mesmo, pois poderão existir circunstâncias próprias da vida (por exemplo, o falecimento) que fazem cessar, de imediato, o pagamento de tais prestações, pelo que o seu pagamento dito antecipado determina o enriquecimento sem causa à custa da Ré, ora Recorrente.
Conclui assim, que o direito de regresso pressupõe o pagamento integral e efectivo das referidas prestações mensais por parte da Autora, ora Recorrida.
A posição assumida pelo recorrente não tem agasalho nem na lei, nem na jurisprudência. Como bem se refere na sentença recorrida: «Da análise do n.º 3 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, verifica-se que o único pressuposto aí expressamente previsto para que esse direito de reembolso possa ser exercido é ter sido proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações. Não impõe essa norma que, previamente ao exercício do direito ao reembolso, tenham sido pagas integralmente as prestações ao subscritor da CGA. Daí que se entenda que a alusão, nessa norma, a “direito de regresso” não é rigorosa, porquanto inconsistente com o pressuposto em que se alicerça. Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2013: “o direito de regresso – concedendo a correcção e o rigor de tal designação já que não falta quem o perspective como sub-rogação legal - visa, não o reembolso dos concretos montantes pagos a título de pensão, mas a obtenção da respectiva capitalização. Por isso, nos parece que o direito previsto no nº3 do art. 46º tem mais natureza indemnizatória de danos futuros – o capital produtor de rendimento correspondente ao valor da pensão – que restitutória.”. De igual modo, se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2016, em cujo sumário se pode ler: “independentemente da sua exacta qualificação, a especificidade do direito da CGA e a inviabilidade de se lhe aplicarem as orientações que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a elaborar para outros regimes em que o direito ao reembolso, nas suas diversas variantes, pressupõe o pagamento prévio ao lesado, justificam que se interprete tal preceito como consagrando a possibilidade de exigência antecipada do capital necessário – segundo cálculo actuarial – para suportar encargos futuros com a pensão do sinistrado.”»
E tal questão não se confunde com outras questões relacionadas com a sub-rogação que ocorre em situações similares, mas às quais não é aplicável o previsto no nº 3 do artº 46, e sobre as quais existe inclusive orientações de fixação de jurisprudência.
Senão vejamos.
No Assento nº 2/78 do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Novembro de 1977 estava em causa determinar como opera a sub-rogação legal prevista no art. 7º da Lei nº 1942, de 27 de Junho de 1936: “Sem prejuízo da responsabilidade patronal, quando existir, os sinistrados ou, por sub-rogação legal, a entidade ou seguradora têm, quando o acidente for produzido por culpa de terceiro, acção contra este nos termos da lei geral.” Perante esta norma, o Supremo Tribunal entendeu que a sub-rogação legal nela prevista se encontra sujeita às regras gerais da sub-rogação que pressupõem o cumprimento da obrigação pelo sub-rogado, e, portanto, decidiu que “a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”.
Já no Acórdão de Uniformização nº 5/97, de 14 de Janeiro de 1997, pretendeu-se resolver o problema de interpretação de diversa legislação para apurar “se o Estado tem ou não direito a ser reembolsado do que despendeu em remuneração com o seu funcionário ou agente que, sem contrapartida laboral, se encontra ausente do serviço por causa de doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço da responsabilidade de terceiro”. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “O Estado tem o direito de ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado de prestação da contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro”. Afirmou-se o direito do Estado por via da sub-rogação legal porque o reembolso de quantias já pagas é conforme ao pressuposto de que o sub-rogado no direito do credor tenha cumprido a obrigação.
In casu não estamos perante tais disposições legais objecto de uniformização de jurisprudência, mas sim o previsto no nº 3 do art. 46º, do Decreto-Lei nº 503/99, na qual se atribui à Caixa Geral de Aposentações o direito a exigir do terceiro responsável pelo acidente de viação, que é simultaneamente de serviço, a entrega imediata do capital necessário para que a mesma CGA suporte o encargo do pagamento da pensão ao sinistrado, determinado por cálculo actuarial. Ainda que, em última análise, o objectivo seja o mesmo – responsabilizar o terceiro causador do sinistro, enquanto acidente de viação, pelos danos dele resultantes para o sinistrado – são diferentes as vias de concretizar esse objectivo.
Sendo que no caso do art. 46º nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99, determinou-se a possibilidade de ser exigida antecipadamente o capital necessário – segundo cálculo actuarial – para suportar encargos futuros com a pensão do sinistrado.
Logo, perante a especificidade do direito da CGA e a inviabilidade de se lhe aplicarem as orientações que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a elaborar para outros regimes em que o direito ao reembolso, nas suas diversas variantes, pressupõe o pagamento prévio ao lesado, a interpretação do art. 46º, nº 3, do Decreto-Lei nº 503/99, leva-nos a concluir pelo acerto da decisão recorrida. Pois o preceito prevê expressamente que: “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.”
Para a decisão de exercer este específico “direito de regresso” basta aferir do valor da incapacidade e a pensão vitalícia fixada pela CGA, podendo existir um cálculo actuarial, tal como foi feito pela Autora, cujas premissas não são postas em causa pela ré.
Com efeito, resulta demonstrada quer a incapacidade, quer o valor mensal da pensão que é de 181.09€, em número de 14, correspondente a uma pensão anual de 2.535,26€. O sinistrado nasceu no dia 14/01/1978, pelo que o factor a ter em conta, tendo por base a idade do mesmo, encontra-se previsto na Portaria nº 11/2000, de 13/01, a qual aprovou as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho, estabelecendo-se como sendo de 16.015, pelo que o valor obtido é o valor de 40.602,19€, valor esse a que acresce o valor já vencido à data do cálculo (a 03/07/2015), ou seja 4.753,96€, o que determina o total de 45.356,15€, sendo que neste valor já se encontra compreendido o valor dado como provado no ponto 28., ou seja, o valor que a A. pagou até Novembro de 2018, inclusive, a José ..., no global de 13.256,36€.
Não impõe a norma sob análise que, previamente ao exercício do direito ao reembolso, tenham sido pagas integralmente as prestações ao subscritor da CGA. Daí que se entenda que a alusão, nessa norma, a “direito de regresso” não é rigorosa, porquanto inconsistente com o pressuposto em que se alicerça. Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2013: “o direito de regresso – concedendo a correcção e o rigor de tal designação já que não falta quem o perspective como sub-rogação legal - visa, não o reembolso dos concretos montantes pagos a título de pensão, mas a obtenção da respectiva capitalização. Por isso, nos parece que o direito previsto no nº3 do art. 46º tem mais natureza indemnizatória de danos futuros – o capital produtor de rendimento correspondente ao valor da pensão – que restitutória.”.
Logo, improcede também nesta parte o recurso.
Por último, pretende o recorrente que face à transacção efectuada, o beneficiário da CGA já se encontra ressarcido dos seus danos, pelo que mesmo perante o cálculo actuarial deverá ser deduzido ao valor encontrado o valor da indemnização acordada e relativa ao dano biológico, sendo apenas devido o valor efectivamente pago pela recorrida.
Com efeito, baseia o seu recurso na circunstância de perante a Transacção, homologada judicialmente, o subscritor da Autora foi integralmente ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais passados, presentes e futuros, decorrentes do acidente de viação que se discutia naqueles autos do Processo e se discute, ainda, nos presentes autos. Mais dizendo que tal significa que a Autora, ora Recorrida, deixará de continuar a pagar as referidas prestações mensais ao seu subscritor n.º 1603979, José ..., cessando as mesmas. Concluindo que na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” deveria, pois, ter deduzido aquela indemnização paga (no que concerne aos danos patrimoniais – dano biológico), naquele Acordo, aos montantes ora decididos nos presentes autos. E não discriminando tal Acordo a verba correspondente ao dano biológico (danos patrimoniais) deverá a mesma cifrar-se na quantia de €: 30.000,00 (trinta mil euros), pois esta verba é metade do montante global ali fixado (€: 60.000,00) a título de todos os danos, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais.
Insurge-se ainda a recorrente quanto ao facto de, no seu entender, existir um erro interpretativo cometido pelo Tribunal “a quo”, plasmado na Sentença recorrida, pois ao contrario do que é, aí, afirmado, o n.º 2 daquele Acordo celebrado entre as partes não significa, de forma alguma, que o mesmo não abrange os danos suportados pela Autora, ora Recorrida, ao seu subscritor. Finalizando por dizer que com aquele preceito (n.º 2 do referido Acordo), o que as partes pretenderam, tão só e apenas, foi que a aqui Ré, ora Recorrente, ficasse responsável pelo pagamento à Autora, ora Recorrida, dos montantes pagos por esta, a título das referidas prestações mensais, ao seu subscritor até à data da celebração de tal Acordo, ou seja até ao dia 18 de Abril de 2018, e nada mais.
Solicita, assim, a alteração do dispositivo da Sentença recorrida, substituindo-o por outro que decida que à quantia global de €: 45.356,15, seja descontada a quantia de €: 30.000,00, a título de dano biológico (danos patrimoniais), no âmbito do Acordo celebrado no âmbito do Processo n.º 9399/13.8T2SNT, que correu os seus trâmites no Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o que daria, assim, o valor de €: 15.356,15.
Nas contra-alegações responde a recorrida que o que resulta do acordo entre a Companhia de Seguros e o sinistrado é o pagamento de uma quantia global de € 60.000,00, “…a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presente e futuros…” mas acordaram também que “Tais danos não incluem os suportados pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor;”, pelo que não pode agora pretende destacar€ 30.000,00 daquela quantia. Por outro lado, refere ainda que tal Acordo nunca poderia servira para afastar o regime imperativo constante no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/09, sendo este, de resto, o entendimento que tem vindo a ser acolhido pela jurisprudência.
A questão prende-se com a existência de uma transacção, homologada por sentença, na acção n.º 9399/13.8T2SNT, na qual a ora Ré/recorrente e José ... . chegaram a acordo quanto ao objecto desse litígio, nos termos seguintes:
“1. O Autor reduz o pedido formulado contra a Ré, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros, para a quantia global de € 60.000,00 (sessenta mil euros);
2. Tais danos não incluem os suportados pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor;
3. A Ré aceita e obriga-se a efetuar o pagamento da mencionada quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros) no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória em conformidade, através de cheque emitido em nome do Autor, José ..., o qual será enviado para o escritório da Ilustre Mandatária do Autor, Sr.ª Dr.ª Catarina Costal, sito na Rua Américo Durão, n.º 16, 2.º C, 1900-069 Lisboa;
4. O Autor declara, para os devidos efeitos, dar total e completa quitação, nada mais tendo a exigir ou a reclamar da Ré, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros, decorrentes do acidente de viação objecto dos presentes autos;
5. O Autor e a Ré prescindem das custas de parte e as custas eventualmente em divida em juízo serão suportadas em partes iguais;
6. O Autor e a Ré prescindem, ainda, do prazo de recurso e de reclamação.”.
Na sentença recorrida quanto a estes factos expõe-se o seguinte: «Na medida em que as indemnizações não são cumuláveis, mas complementares, cumpre apreciar se esse acordo tem repercussões no direito de reembolso da Autora.(…). De qualquer modo, da análise desse acordo à luz do disposto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, constata-se que aí foi fixado um montante global de indemnização, sem se discriminar se alguma parcela se destina a indemnizar um dano biológico do lesado. Para além disso, do número dois resulta expressamente que o acordo não abrange os danos suportados pela Caixa Geral de Aposentações a José Júlio Lage, pelo que existindo já, nessa data, decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade e tendo já se procedido ao seu cálculo actuarial, entende-se que com esse número dois se quis precisamente ressalvar a subsistência do direito da ora Autora a peticionar o respectivo reembolso à Ré».
Uma transacção outorgada para pôr fim a um processo judicial, mediante recíprocas concessões, nos termos do art. 1248º do CC, não deixa de revestir a natureza de um negócio jurídico celebrado entre as partes.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 21/12/2006 (in www.dgsi.pt/jtrp):«A transacção (como negócio das partes) vale por si. A intervenção do juiz é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa.
Portanto o que vale é o que as partes acordaram quanto à relação substantiva objecto desse litígio, solução que a sentença homologatória sancionou como válida, quanto ao objecto da causa e quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram»
De todo o modo, a homologação judicial deste tipo de acordo não traduz a resolução do litigio, mas tão somente, o sindicar da validade da transação, quer na perspectiva da legitimidade dos outorgantes, quer da substância do objecto – cf. Acórdão do STJ de 29/4/2008 (in www.dgsi.pt/jstj).
É claro que a homologação da transacção, necessária apenas para apreciação da legalidade dos seus pressupostos quanto ao objecto e à qualidade dos intervenientes, não lhe retira o carácter e natureza contratual. Como contrato que é (art. 1248.º do Código Civil), a transacção está sujeita ao respectivo regime geral (arts. 405º e segs do Cód. Civil) e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217º e segs. do mesmo diploma). Outrossim quanto à oponibilidade a terceiros.
O que está em causa é a interpretação quer do negócio jurídico contido na transação, quer o previsto no artº 46º, que sob a epígrafe “Responsabilidade de terceiros”, prevê o direito de regresso dos serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores quaisquer prestações previstas no DL nº 503/99, contra terceiros civilmente responsáveis pelo acidente ou doença profissional, mormente o seu nº 4 e 5 onde se estabelece: 4 – Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. 5 – Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída.”
Com efeito, o Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública é imperativo, nomeadamente no que concerne à responsabilidade da aqui Autora no pagamento das pensões devidas por incapacidade parcial permanente (cfr. art. 5.º, n.º 3) conjugado com a aplicação do Regime Geral de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei n.º 98/2009 de 4.09 ex vi art. 3.º, n.º 1, al.a) e 34.º, n.º do DL. 503/99 de 20.11), com a mesma natureza inderrogável, obriga à reparação dos danos sofridos pela sinistrada.
A protecção do sinistrado, nesta matéria de acidentes de trabalho/serviço, implica que se considere nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na LAT (Lei de Acidentes de Trabalho n.º 98/2009 de 4.09) ou com eles incompatíveis ou que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei-cfr. art. 12°, n.º 1 e 2 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.
Presumindo ainda a lei que a convenção foi realizada com o fim de impedir a satisfação dos créditos provenientes do direito à reparação prevista na lei, todo o acto do devedor, praticado após a data do acidente ou do diagnóstico inequívoco da doença profissional, que envolva diminuição da garantia patrimonial desses créditos (n.º 3).
Portanto, a transacção celebrada entre o sinistrado e a Ré, para além de não vincular a Autora, que nela não interveio, sempre seria nula caso se verifique que diminuiu os direitos do sinistrado conferidos pelos Regimes de Reparação de Acidentes de Trabalho/Serviço.
Neste mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 11/07/2017 bem como da Relação de Coimbra de 17.11.2015( ambos em www.dgsi.pt), esclarecendo-se nos mesmos que um acordo nestes termos é nulo por desrespeitar/defraudar a imperatividade do regime jurídico dos acidentes de trabalho/em serviço.
Defende a Recorrente que no valor devido à Caixa Geral de Aposentações devia ter sido deduzido em 30.000€, correspondente a metade do valor indemnizatório fixado na transacção, por entender que tal valor corresponderá à indemnização pelo dano biológico, logo futuro.
Como vimos dispõe o art. 46.º, n.º 2 do D.L. 503/99 que “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações, tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial”.
Vejamos então os factos em causa.
Em 14 de Janeiro de 2013, José ... . intentou acção declarativa de condenação contra a ora Ré (então denominada Macif Portugal – Companhia de Seguros, S. A.) e João ..., peticionando a condenação desta ao pagamento de determinadas quantias, a título de danos patrimoniais, não patrimoniais e de em incapacidades, em virtude de ter sido interveniente no acidente. A acção correu seus termos sob o n.º 9399/13.8T2SNT, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível de Sintra – Juiz 3, tendo ultimado com a transacção da ora ré e do sinistrado, a 18 de Abril de 2018.
Ora, logo na sequência do acidente mencionado foi instaurado o processo de acidente em serviço n.º 0281/10UI, no âmbito do qual a entidade pública empregadora de José ... . concluiu que o acidente em causa ocorreu em serviço. E na sequência da qualificação pela entidade empregadora, a Autora iniciou o procedimento administrativo para reparação das lesões resultantes do acidente.
Em 29 de Julho de 2014, José ... . foi presente à junta médica da Autora, a qual considerou que aquele apresentava, como lesões decorrentes do acidente, traumatismo da coluna lombar pós-cirurgia com neuropatia regular. Como consequência do acidente José ... . ficou com uma incapacidade parcial permanente de 15% (quinze por cento).
Acresce que previamente à fixação da reparação do acidente a Autora oficiou a GNR, José... e a Ré para que, designadamente, informassem se houve responsabilidade de terceiro na produção do acidente, se havia processo judicial em curso e se estaria a ser paga ao interessado indeminização decorrente do acidente. A Ré informou então a Autora que estava em curso a acção mencionada supra.
Foi por despacho da direcção da Autora de 4 de Junho de 2015, que foi reconhecido a José ..., para reparação das lesões emergentes do acidente, o direito a uma pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho no valor inicial de € 180,37 (cento e oitenta e trinta e sete euros), actualizado em 01.01.2015 para € 181,09 (cento e oitenta e um euros e nove cêntimos), sendo actualmente de € 186,01 (cento e oitenta e seis euros e um cêntimo). E em 3 de Julho de 2015, a Autora procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar o encargo com a pensão vitalícia, que se cifra em € 45.356,15. Sendo que em 7 de Julho de 2015, a Autora interpelou a Ré para proceder ao reembolso do referido montante.
Logo, na data da transacção já havia sido fixada e reconhecido o valor devido ao sinistrado pela CGA, mais, a ora ré já havia sido interpelada para o seu pagamento pela ora Autora.
O n.º 3 do mencionado preceito legal ao dispor que “Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com o terceiro responsável.”, pressupõe a indemnização prévia do terceiro responsável ao sinistrado e não, como ocorre nos autos, a fixação definitiva do valor devido pela CGA.
A decisão definitiva da Autora que fixou o grau de IPP em 15% e um capital de remição no valor de € 45.356,15., foi proferida em 7 de Julho de 2015, pelo que a contar desta data aquela podia exercer o “direito de regresso” contra o terceiro responsável, sendo a recorrida alheia a qualquer transacção entre o terceiro responsável – a ora recorrente – e o sinistrado. Pretender a recorrente a aplicação do nº 4 do artº 46º referido não é de atender, pois a dívida à recorrida já existia à data do negócio (transacção), não sendo oponível à ora Autora o eventual acordo entre o devedor e o sinistrado. Acresce que como negócio jurídico a transacção está sujeita às normas interpretativas dos artºs 236º e 237º do Código Civil, pelo que prevendo-se em tal negócio a redução do pedido formulado contra a Ré, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros, para a quantia global de € 60.000,00 (sessenta mil euros), sem qualquer discriminação não se vislumbra em que termos pode ser considerado metade de tal valor como dano futuro. Por outro lado, não é de aplicar a presunção prevista no artº 46º nº 5, pois tal preceito tem como pressuposto a indemnização prévia do terceiro responsável ao sinistrado e não, como ocorre nos autos, a fixação de tal indemnização pela CGA já ter ocorrido e inclusive já ter a ré sido interpelada para efectuar o seu pagamento.
Acresce que no ponto nº 2 da transacção previram as partes intervenientes na mesma que “Tais danos não incluem os suportados pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor”. Logo, nem tal item do acordo é oponível à autora nestes autos, nem resulta do mesmo que no valor de indemnização que a ré se obrigou a pagar seria deduzido o montante devido a título de pensão, pois do elemento literal do acordo nada resulta. Ou seja, caso a ré pretendesse deduzir o valor pago pela CGA ao sinistrado, tal teria de resultar de um acordo entre ambos, nomeadamente na fixação do valor indemnizatório a ter em conta, sendo a aqui Autora alheia a tal circunstância, pois já havia sido fixado pela mesma o valor devido, apresentando-se como credora da ré em momento anterior à transacção.
Improcede, pelas razões aduzidas, in totum o recurso da Ré.
*
IV. Decisão:
Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 26 de Setembro de 2019
Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Fátima Galante