Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1997/11.0TYLSB-B.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
INDEMNIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA
CONSUMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I De acordo com a doutrina fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014, de 20/3 (publicado no DR, I-Série de 19/5/2014), o promitente-comprador de um contrato promessa de compra e venda, sinalizado, que tenha beneficiado da tradição da coisa prometida vender, tem direito, em caso de recusa de cumprimento por banda do Administrador da Insolvência, à indemnização calculada nos termos gerais previstos no artº 442º nº 2 do Código Civil.

II Esse crédito é garantido pelo direito de retenção previsto no artº 755º nº 1, al. f) do Código Civil, desde que o promitente-comprador tenha a qualidade de consumidor.

III Sendo a qualidade de consumidor elemento constitutivo essencial dessa garantia real (direito de retenção), impõe-se ao credor que dela se pretenda prevalecer, o cumprimento do ónus de alegação e prova dos factos em que a mesma se consubstancia.
Decisão Texto Parcial: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I–Relatório:


1– Na sentença de verificação e graduação de créditos proferida na insolvência de “M..., Lda” decidiu-se reconhecer à credora reclamante “A..., LLC”, um crédito “no montante de € 1.060.000,00, referente à devolução do sinal em dobro pelo não cumprimento de contrato promessa de compra e venda por esta celebrado com a Insolvente”.
Foi, ainda, reconhecido à reclamante o direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “E” e “"U”, ambas do prédio urbano sito na.., freguesia e concelho de A…, descrito na Conservatória do Registo Predial de A… sob o nº 1… da freguesia de A…, inscrito na matriz sob o artigo 2…, nos termos do artº 759º nºs. 1 e 2, do Código Civil e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014.
Consequentemente, o Tribunal graduou o referido crédito em primeiro lugar pelo produto da venda das fracções “E” e “U”.

2–A credora reclamante “Caixa...”, inconformada com tal decisão, interpôs recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“A.- A sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos reconheceu à Credora Reclamante A..., LLC, um crédito “(...) no montante de € 1.060.000,00, referente à devolução do sinal em dobro pelo não cumprimento de contrato promessa de compra e venda por esta celebrado com a Insolvente”, e o direito de retenção sobre as seguintes imóveis:
-Fracções autónomas designadas pelas letras “E” e “U”, ambas do prédio urbano sito na …, descrito na Conservatória do Registo Predial de A... sob o n." 1… da freguesia de A..., inscrito na matriz sob o artigo 2…, nos termos do art. 759º, nºs 1 e 2, do Código Civil e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014.
B.- Concludentemente, o Tribunal a quo graduou o crédito da Credora A..., LLC, em primeiro lugar pelo produto da venda de tais imóveis.
C.- Com o devido respeito, entende a Apelante que mal andou o Tribunal a quo ao reconhecer um crédito à Credora A..., LLC, no montante de € 1.060.000,00, bem como o direito de retenção sobre os imóveis,
D.- Tendo decidido em manifesta contradição com a doutrina fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014.
E. E aplicado indevidamente o mecanismo sancionatório do sinal, previsto no artigo 442º, nº 2 do CC.
Senão vejamos,
F.- A Credora A..., LLC, uma Offshore, reclamou créditos nos autos à margem referenciados, pelo montante global de € 1.060.000,00 (sinal em dobro) e invocou a existência de um direito de retenção, por força da celebração de um contrato-promessa de compra e venda celebrado com a Insolvente que tinha por objecto os imóveis supra identificados.
G.- Por seu lado, a Apelante reclamou créditos de natureza hipotecária que incidem, entre outros, sobre tais imóveis.
H.- Acresce que, o Sr. Administrador Judicial, no âmbito da lista de credores reconhecidos, reconheceu à A..., LLC, o montante de € 1.060.000,00 (sinal em dobro), com natureza garantida.
I.- Nesse seguimento, a ora Apelante impugnou a referida lista, relativamente ao crédito da A..., LLC.
J.- Arguindo, a inexistência de incumprimento e do direito de retenção, bem como a ausência de posse.
K.- Realizada a audiência de discussão e julgamento, foram inquiridas as testemunhas arroladas pela Credora A..., LLC.
L.- O Sr. BM… – procurador da Credora Reclamante A..., LLC, HV…, PM… e PA…, cujo testemunho não foi valorado pelo Tribunal.
M.-Ora, tais depoimentos pautaram-se por uma clara parcialidade e por inúmeras contradições.
N.- Sendo notória, a falta de espontaneidade dos mesmos, que denotava uma forte consciência do que teria de ser transmitido,
O.- Pelo que não deveriam ter merecido a credibilidade do Tribunal a quo.
(…)
X.- Com base nos depoimentos prestados e na prova documental junta aos autos, o douto Tribunal deu como provados os seguintes factos:
“(…) 2) Foram reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência créditos à sociedade A..., LLC, no montante de € 1.060.000,00 (um milhão e sessenta mil Euros), referentes a devolução do sinal em dobro pelo não cumprimento de contrato promessa de compra e venda por esta celebrado com a Insolvente;
10)A sociedade M..., Lda e BM…, este último na qualidade de “Procurador, em representação da sociedade de direito estrangeiro A..., LLC” celebraram entre si o acordo cuja cópia se mostra junta a fls. 25 a 29 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato-Promessa de Compre e Venda com Eficácia Real”, datado de 23 de Março de 2011, nos termos do qual a primeira declarou ser “(...) dona e legítima possuidora dos seguintes imóveis:
1)- Fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente à moradia unifamiliar V quatro – porta número cinco, destinada a habitação, com alpendre para estacionamento e logradouro com piscina junto ao alçado sul, com o valor patrimonial de 193.960,00€;
2)- Fracção autónoma designada pela letra “U” correspondente à moradia unifamiliar V quatro – porta número vinte, destinada a habitação, com alpendre para estacionamento e logradouro com piscina junto ao alçado sul, com o valor patrimonial de 186.150€; ambas do prédio urbano situado em …, na freguesia e concelho de A..., descrito na Conservatória do Registo Predial de A... sob o número catorze mil duzentos e noventa – da freguesia de A..., ali registada a aquisição a favor da sociedade vendedora pela inscrição Apresentação vinte e nove, de catorze de Dezembro de dois mil e sete, afecto ao regime de propriedade horizontal, pela inscrição Apresentação dois mil e duzentos e vinte e seis, de vinte e cinco de Maio de dois mil e dez, inscrito na matriz sob o artigo 2... (...)”;

11) Mais declarou a sociedade M..., Lda, no acordo descrito no ponto antecedente, que “(...) promete vender, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, à sociedade representada pelo segundo outorgante, pelo preço global de Quinhentos e Noventa Mil Euros, que confessa já ter recebido para a sua representada quinhentos e trinta mil euros, a titulo de sinal e principio de pagamento, as fracções autónomas supra identificadas, sendo trezentos mil euros o preço da fração “E”, tendo já recebido duzentos e setenta mil euros, e duzentos e noventa mil euros o preço da fração “U”, tendo já recebido duzentos e sessenta mil euros (...)”;
12)Nesse mesmo acordo declarou, ainda, BM...“Que, promete comprar, em nome da sociedade sua representada as identificadas fracções autónomas, aceitando o presente contrato. Pelos Primeiros e Segundo Outorgantes nas qualidades invocadas, mais foi dito: Que atribuem a este contrato eficácia real, e que cabe à sociedade promitente vendedora marcar a respectiva escritura pública de compra e venda no prazo de vinte e quatro meses a contar do dia vinte e oito de Fevereiro de dois mil e onze;
Mais declararam os Outorgantes:
Que a posse dos imóveis foi conferida à sociedade representada do segundo outorgante com a entrega das chaves dos imóveis, podendo a promitente compradora usufruir das fracções e requerer o fornecimento de água e electricidade em seu nome (...)”;
13)A A..., LLC celebrou acordo de fornecimento de energia elétrica relativamente aos imóveis descritos em 10);
14)A A..., LLC celebrou acordo de fornecimento de água e saneamento de águas residuais relativamente aos imóveis descritos em 10);

15)BM..., “(...) na qualidade de procurador, em representação da sociedade de direito estrangeiro, “A..., LLC” (…) e Carlos.. .celebraram entre si o acordo cuja cópia se mostra junta a fls. 83 a 86 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato de Arrendamento Urbano Para Habitação com Duração Determinada”, datado de 24 de agosto de 2012, nos termos do qual a primeira deu “(...) de arrendamento (…) a Carlos...(...) que aceita, a fracção autónoma “U”, sita no prédio urbano sito na …, na freguesia e concelho de A..., descrito na Conservatória do Registo Predial de A..., sob o nº 1… e inscrito na matriz sob o artigo 2…, em perfeito estado de habitação (...).
Mais acordaram que “(...) Cláusula 2ª
1 – O presente arrendamento urbano para fim habitacional, é realizado pelo prazo de 1 (um) ano, renovável, tendo o seu começo a 24 de Agosto de 2012 e o seu termo a 23 de Agosto de 2013.
2 – O Senhorio pode impedir a renovação automática, mediante a comunicação ao Inquilino, com a antecedência mínima de 2 meses do termo do contrato, através de carta registada, com aviso de recepção e expedida para a morada do inquilino.
Cláusula 3ª
1 – O local arrendado destina-se à habitação pelo inquilino.
2 – O Inquilino não pode dar qualquer outro fim ou uso ao local arrendado.
3 – Encontra-se expressamente vedado ao Inquilino, proceder à sublocação ou cedência, onerosa ou gratuita, total ou parcial, do local arrendado, sem a prévia autorização do Senhorio.
Cláusula 4ª
1 – A renda mensal é de € 800,00 (oitocentos euros) e vence no dia 1 (um) do mês anterior ao qual disser respeito.
2 – Com a assinatura deste contrato, vence-se de imediato 1 (uma) renda e um mês de caução, que juntas perfazem a quantia de e 1.600,00 (mil e seiscentos euros) (…)”;

16)BM... pernoita, faz refeições, recebe amigos e recebe correspondência na fração autónoma designada pela letra “E” identificada no ponto 10);

17)Mostram-se apreendidos nos autos os seguintes bens:
c.- Fração autónoma designada pela letra “E”, composta de moradia de rés-do-chão, de tipologia T4, situada em M…, freguesia e concelho de A..., distrito de…, descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1… e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2… (cfr. auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 162 e 165 do Apenso F);
e.- Fração autónoma designada pela letra “U”, composta de moradia de rés-do-chão, de tipologia T4, situada em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de …, descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1… e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2… (cfr. auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 162 e 168 do Apenso F);

Y.Com o devido respeito, não compreende a aqui Apelante como poderão os depoimentos das testemunhas, que entraram em contradição, ter servido de base à convicção do douto Tribunal, quando os mesmos feriram de uma clara e evidente parcialidade.
Z.Bem sabe a aqui Apelante que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no nº 5 do art. 607º do C.P.C., e que o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
AA.A Apelante sabe que a eficácia demonstrativa dos depoimentos das testemunhas é apreciada com liberdade pelo julgador.
BB.Porém, salvo melhor entendimento, tais depoimentos não deviam ter sido valorados para prova dos factos 10) a 16) – Factos Provados.
CC.Acresce que, no tocante à fundamentação de direito, importa desde logo, relembrar a questão apreciada nos autos.
DD. Que se prendia, essencialmente, com o reconhecimento do crédito reclamado pela A..., LLC, no valor de € 1.060.000,00 (sinal em dobro), e com o direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “E” e “U”, ambas do prédio urbano sito na ....
EE.O douto Tribunal a quo considerou que não existiu incumprimento por parte da Insolvente (promitente-vendedora) do contrato-promessa de compra e venda, porquanto à data da declaração da insolvência ainda não havia decorrido o prazo fixado para a marcação da escritura de compra e venda.
FF.Porém, como o Sr. Administrador Judicial reconheceu na lista a que alude o artigo 129º do CIRE, créditos à A..., LLC, no montante de € 1.060.000,00, referentes à devolução do sinal em dobro pelo não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda por esta celebrado com a Insolvente, entendeu aquele Tribunal, que o Sr. Administrador assumiu, por sua iniciativa, não cumprir o contrato-promessa celebrado,
GG.E, por força deste entendimento, reconheceu à A..., LLC o direito ao dobro do sinal, faculdade conferida à parte não faltosa – artigo 442º, nº 2, do CC.
HH.Nestes termos, o Tribunal a quo julgou a impugnação deduzida pela ora Apelante improcedente e, consequentemente, reconheceu à A..., LLC, um crédito no montante de € 1.060.000,00, referente à devolução do sinal em dobro pelo não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda por esta celebrado com a Insolvente.
II.Ora, com o devido respeito, não compreende a aqui Apelante como poderá o Tribunal a quo reconhecer à Credora A..., LLC, o sinal em dobro, quando não existiu incumprimento definitivo do contrato-promessa.
JJ.A A..., LLC, não alegou nem provou quaisquer factos de que possa concluir-se pela existência de incumprimento definitivo do contrato-promessa, e que esse incumprimento fosse imputável à Insolvente (promitente-vendedora), nos termos do art. 442º do CC.
KK.Aliás, como resulta do próprio contrato-promessa de compra e venda, as partes (promitente-vendedor e promitente-comprador) dispunham de 24 meses, a contar da data de celebração do contrato (23/03/2011) para celebrar a escritura de compra e venda dos imóveis.
LL.Assim, verificando-se a declaração de insolvência da promitente-vendedora, em 15/06/2012, é forçoso concluir-se que à data da declaração de insolvência ainda decorria o prazo para a celebração da compra e venda, pelo que, não poderia existir incumprimento definitivo.
MM.Ademais, em momento algum, a A..., LLC compradora, alegou ou provou ter interpelado a Insolvente vendedora para cumprir o contrato prometido.
NN.Destarte, in casu, quanto muito, o que por mera cautela de patrocínio se concede, poderíamos ter uma situação de mera mora, o que não confere ao Credor Reclamante a faculdade de invocar o direito de retenção, uma vez que não existiu incumprimento definitivo.
OO.Sendo, portanto, inaplicável a cominação prevista no nº 2 do artigo 442º do CC – restituição do sinal em dobro.
PP.Note-se que o incumprimento do contrato promessa de compra e venda e o recurso ao mecanismo sancionatório do sinal estão ligados à determinação do responsável pelo incumprimento.
QQ.Ora, se tal incumprimento for imputável ao promitente-vendedor este deve restituir o sinal recebido em dobro.
RR. Se for imputável ao promitente-comprador, perde este a favor do promitente vendedor o sinal prestado.
SS.Contudo, diferentemente, a opção dada ao Sr. Administrador Judicial de cumprir ou não o contrato em curso, não implica a revogação da relação contratual, ao invés importando falar numa “reconfiguração da relação”.
TT.A recusa do Administrador em executar o contrato não exprime incumprimento mas sim a tal “reconfiguração da relação”, posição que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Junho de 2011, acolheu em pleno: “Tendo em vista a especificidade do processo insolvencial, não sendo aplicável o conceito do art. 442º nº 2, do Código Civil – “incumprimento imputável a uma das partes” – que pressupõe um juízo de censura em que se traduz o conceito de culpa – (neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador da insolvência na veste do promitente ou representação dele), pelo que não se aplica o regime daquele normativo e, como tal, não tem o promitente-comprador direito ao dobro do sinal até por força do regime imperativo do art. 119º do CIRE”.
UU.Nesta medida, o promitente-comprador de coisa imóvel que obteve a traditio, não goza, por automatismo, dos direitos reconhecidos pelo Código Civil, ainda que seja imputável ao promitente-vendedor o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não sendo aplicável na insolvência ao artigo 442º, nº 2, do CC, e por isso, também não dispõe o promitente-comprador do direito de retenção, nos termos do artigo 755º, nº 1, al. f) do CC.
VV.O direito de retenção é um direito de garantia que consiste na faculdade do detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.
WW.A aplicação da alínea f) do nº 1 do artigo 755º do CC funda-se, precisamente, na obrigação de devolução do sinal (artigo 442º), que, como já referido, não é aplicável no regime insolvencial.
XX.Note-se, contudo, que será diferente a situação em que o direito de retenção é invocado, nos moldes supra, por consumidor, relativamente a promessa cujo objecto é uma habitação.
YY.Destarte, em caso de recusa pelo Administrador Judicial em cumprir o contrato-promessa de compra e venda, só no caso de o promitente-comprador que obteve a traditio ser um consumidor é que goza do direito de retenção, tendo direito a receber o dobro do sinal prestado.
ZZ.Não sendo consumidor procurando defender a sua habitação, não lhe assiste tal direito, sendo um credor comum da insolvência.
AAA.Nesta linha de raciocínio, a Apelante, em Alegações, pugnou pelo não reconhecimento do direito de retenção invocado pela Credora A..., LLC.
BBB.Pois, à luz do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão nº 4/2014 de 20.03.2014, a Credora A..., LLC, uma Offshore, não se enquadra no conceito/definição de promitente­comprador, protegido e a quem poderia ser reconhecido o direito de retenção no artigo 755º, nº 1, alínea f) do CC.
CCC.Veja-se que como a própria designação indica – A..., LLC, a promitente-compradora não interveio no contrato-promessa na qualidade de consumidor mas sim na qualidade de investidor.
DDD.Sem prejuízo, entendeu o douto Tribunal a quo, que a Apelante tinha de ter alegado factos atinentes à qualidade em que a Credora Ambler interveio no contrato, e que não o fez.
EEE.Como pode ler-se na sentença: “(…) o facto de se tratar de uma empresa, ou de esta ter dado de arrendamento um dos imóveis objecto do contrato promessa celebrado por si só se mostra insuficiente para infirmar a qualidade de investidora (…) não tendo a Impugnante alegado e demonstrado, como lhe incumbia, factos susceptíveis de negar a qualidade de consumidor à Ambler fica, assim, prejudicada a eventual possibilidade de, com base nesse elemento, se afastar a integração da posição da mesma na norma do art. 755º nº 1, al. f), do Código Civil”.
FFF.Ora, com o devido respeito não pode a Apelante conformar-se com tal entendimento.
GGG.Porquanto, a Apelante alegou e demonstrou factos atinentes à qualidade de investidora da Credora Ambler em sede de Alegações, como a própria designação indica – A..., LLC, uma Offshore.
HHH.Mais, a aqui Apelante alegou ainda que o facto de a Credora Reclamante ter arrendado a fracção “U”, uma das fracções objecto do contrato-promessa, por si só, evidencia a sua qualidade de investidora, que não celebrou o contrato promessa com o intuito de obter uma habitação própria permanente, mas sim visando apenas a obtenção de lucro.
III.Lucro, que passava pelo arrendamento ou pela venda dos imóveis.
JJJ.E, mesmo que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se dirá que estamos perante um facto notório, face à designação da própria Credora – como a própria designação indica – A..., LLC, não dependendo assim de prova.
KKK.Nestes termos, salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal a quo reconhecer à Credora a qualidade de consumidora e, consequentemente qualificar o respectivo crédito nos termos que constam da douta sentença.
LLL.Sendo o contrato-promessa celebrado com uma Offshore, designada A..., LLC, o Tribunal a quo deveria ter decidido pela inaplicabilidade do direito de retenção, em conformidade com a doutrina fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014.
MMM.Quando se fala em direito de retenção do promitente-comprador, fala-se do direito de habitação do promitente-comprador e respectivo agregado familiar.
NNN.Do direito à habitação própria e permanente, pois apenas este tem consagração constitucional – artigo 65º do Constituição da República Portuguesa.
OOO.O legislador não pretendeu conceder protecção ao promitente-comprador investidor, como é o caso da A..., LLC, que na qualidade de investidora nunca gozará da protecção da citada disposição legal.
PPP.Aliás, interpretação diversa, alargaria o âmbito de protecção do beneficiário da promessa a limites insuportáveis, designadamente quando confrontado com a expectativa legítima do credor hipotecário em ver reconhecido o seu crédito, com prioridade sobre o bem.
QQQ.Nestes termos, salvo melhor entendimento, não deveria o Tribunal a quo ter entendido que a Credora A..., LLC interveio no contrato promessa na qualidade de consumidor e, consequentemente ter-lhe reconhecido o direito de retenção em que se arrogava, acompanhado da restituição do sinal em dobro.
RRR.In casu, tratando-se de um investidor e não de um consumidor, o Tribunal a quo decidiu em manifesta contradição com a doutrina fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014.
SSS.Por tudo quanto exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se assim a decisão recorrida.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se assim a decisão recorrida, fazendo V. Exas., Senhores Desembargadores, o que é de inteira Justiça”.

3–A credora reclamante “A..., LLC” apresentou contra-alegações, apontando as seguintes conclusões :
“1.- No presente recurso, o recorrente não cumpre a obrigação a que se refere o artº 639º e 640º do N.C.P.C.
2.- O presente recurso, constitui antes uma crítica à decisão proferida, só porque o recorrente com ela não concorda, sem cumprir a obrigação legal de impugnação da decisão judicial.
3.- O recorrente não indica com exactidão os concretos pontos de onde resulta a contradição apontada às testemunhas e os pontos da matéria de facto que impunham decisão diversa.
4.- O contrato de promessa foi celebrado por escritura pública, documento autêntico, que faz prova plena do seu teor, não admitindo prova testemunhal a não ser se for invocada a sua falsidade, coisa que o recorrente não invocou na sua impugnação.
5.- No que se refere ao direito de retenção vem a recorrente insurgir-se, invocando que a decisão é contrária ao Acórdão de Unificação de Jurisprudência nº 4/2104, e que nas suas alegações pugnou pelo não reconhecimento desse direito.
6.- A situação dos autos diverge da constante do Acórdão, antes de mais porque o Acórdão versa sobre contrato promessa meramente obrigacional enquanto no caso dos autos trata-se de contrato promessa com eficácia real e registo com efeitos em relação a terceiros, artº 413º do C. Civil.
7.- O recorrente não demonstrou nem alegou que a recorrida não tinha a qualidade de investidora.
8.- E a designação da recorrida não constitui facto notório por não se enquadrar na definição a que alude o artº 412º do N.C.P.C., nem presunção de ser investidora carecendo assim de prova esta qualidade.
9.- Além do mais, está em causa a segurança a certeza do direito, para quem celebrou contrato de promessa por escritura pública, registou, pagou o respectivo IMT pela compra não sendo admissível neste caso a interpretação restritiva do artº 755 f) do C.Civil.
10.- Respeitando-se desse modo a garantia dada pela eficácia real atribuída à promessa, artº 413º do C.Civil e o princípio da publicidade dada pelo seu registo e bem assim os efeitos atribuídos à posse que foi conferida à recorrida, atenta a natureza de norma imperativa atribuída à norma que obriga ao cumprimento da promessa com eficácia real e posse : Artº 119º e 104º do CIRE.
11.- O que significa que o legislador quis atribuir a maior relevância ao efeito da promessa com eficácia real e posse.
12.- Não faria sentido que nestas condições, anulasse os efeitos do direito de retenção caso o contrato não seja cumprido, como forma de garantir o recebimento do crédito.
13.- A sentença fez uma correcta aplicação do direito não merecendo os reparos apontados pelo recorrente.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com o que se fará a costumada Justiça”
*  *  *

II–Fundamentação.
a)-  A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte :
1A sociedade “M..., Lda”, foi declarada Insolvente, nos autos a que estes se mostram apensos, por Sentença proferida em 15/6/2012, devidamente transitada em julgado.
2- Foram reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência créditos à sociedade “A..., LLC”, no montante de 1.060.000 €, referentes a devolução do sinal em dobro pelo não cumprimento de contrato promessa de compra e venda por esta celebrado com a Insolvente;
3- Foram reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência créditos a GW…, no montante de 146.692,16 €, referentes a incumprimento de acordo de revogação de contrato promessa de compra e venda por este celebrado com a Insolvente.
4A Insolvente e GW… celebraram entre si o acordo cuja cópia se mostra junta a fls. 37 a 41 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, datado de 21/4/2005, nos termos do qual a Insolvente declarou que “(...) promete vender ao segundo (...), a fração autónoma a designar por fração 308 – do tipo T4, no prédio em construção no lote de terreno designado por lote 16, destinado a construção, sito na …, freguesia de …, concelho de …, que fazem parte do Empreendimento designado por “Edifício…”, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1…, inscrito na matriz sob o artigo 3… da freguesia de …, concelho de …”.

5- Mais acordaram que “o preço estipulado para a compra e venda prometida é de 280.500,00 Euros (duzentos e oitenta mil e quinhentos euros) a pagar nos seguintes prazos e condições :
a.- A título de Sinal e Princípio de Pagamento o segundo entregará à primeira, com a assinatura do presente Contrato a quantia de 20.000,00 euros (vinte mil euros), quantia da qual recebe quitação.
b.- O remanescente do preço, ou seja, a quantia de 260.500,00 Euros (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros) será paga no prazo máximo de 90 dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa (...)”.

6Mais acordaram que :  “14 – A escritura de Compra e Venda será outorgada num Cartório Notarial de … ou arredores logo que esteja concluído o edifício no qual a fracção se integra e se encontre em ordem toda a documentação para o referido efeito, o que se prevê possível até vinte e quatro meses após a licença de construção.
15– Caso não seja possível a celebração da Escritura até à indicada data, a Primeira obriga-se a comunicar tal facto ao Segundo e indicar de imediato a data previsível de celebração da Escritura, que não poderá ser posterior ao final do ano de 2007.
(...)
18– A escritura será marcada pela primeira Outorgante que avisará o Segundo para a seguinte morada : GW, Apartado…,; indicando a data, hora e local da sua celebração com pelo menos quinze dias de antecedência (...)”.

7- A Insolvente, na qualidade de “Primeira Contraente”, e representada pelo seu gerente LG, e GW, na qualidade de “Segundos Contraentes” celebraram entre si o acordo cuja cópia se mostra junta a fls. 42 a 43 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 19/5/2006, intitulado “Acordo de Revogação Contratual”, com o seguinte teor :
“Os contraentes celebram entre si o acordo de revogação de um contrato promessa de compra e venda, nos seguintes termos :
1.- Entre as partes foi celebrado um contrato de promessa cujo objecto é a fracção autónoma, designado por “308”, tipo T4, com a área coberta de 160 m2 e descoberta de 70 m2, com parque de estacionamento duplo com os nºs. 32 e 33, e arrumo com o número 34, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na …, designado por Edifício…, freguesia de…, concelho de…, inscrito na matriz sob o artigo 3…, descrito na Conservatória do Registo Predial de… sob o número mil… que se anexa ao presente Acordo.
2.- Pelo presente acordo, ambas as partes declaram revogar o contrato de promessa acima referido, em virtude de o negócio não poder ser concretizado em prazo que corresponda ao interesse do segundo contraente.
3.- Em compensação a primeira contraente assume a obrigação de entregar ao Segundo Contraente a quantia de 170.000,00 Euros, a título de compensação por danos e restituição de quantias recebidas, devendo esta quantia ser paga até ao final de 2006.
4.- Para além da quantia acima referida, ambas as partes declaram não haver mais nada a receber (...)”.
8-  A sociedade “M..., Lda” obrigava-se com a intervenção de dois gerentes.
9-  Por acordo celebrado em 17/1/2012, cuja cópia se mostra junta a fls. 94 a 102 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, entre a “M..., Lda”, aí representada pelos seus dois gerentes – LG e LGG – e a “Caixa… CRL”, esta última procedeu ao pagamento a GW da quantia de 60.000 €, referente à dívida da primeira para com GW.

10A sociedade “M..., Lda” e BM..., este último na qualidade de “Procurador, em representação da sociedade de direito estrangeiro “A..., LLC”” celebraram entre si o acordo cuja cópia se mostra junta a fls. 25 a 29 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato-Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real”, datado de 23/3/2011, nos termos do qual a primeira declarou ser “dona e legítima possuidora dos seguintes imóveis :
1)- Fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente à moradia unifamiliar V quatro – porta número cinco, destinada a habitação, com alpendre para estacionamento e logradouro com piscina junto ao alçado sul, com o valor patrimonial de 193.960,00€ ;  
2)- Fracção autónoma designada pela letra “U” correspondente à moradia unifamiliar V quatro – porta número vinte, destinada a habitação, com alpendre para estacionamento e logradouro com piscina junto ao alçado sul, com o valor patrimonial de 186.150€ ;  ambas do prédio urbano situado em ..., na freguesia e concelho de A..., descrito na Conservatória do Registo Predial de A... sob o número catorze mil duzentos e noventa – da freguesia de A..., ali registada a aquisição a favor da sociedade vendedora pela inscrição Apresentação…, de catorze de Dezembro de dois mil e sete, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição Apresentação dois mil…, de vinte e cinco de Maio de dois mil e dez, inscrito na matriz sob o artigo 2… (...)”.

11 Mais declarou a sociedade “M..., Lda”, no acordo descrito em 10., , que “promete vender, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, à sociedade representada pelo segundo outorgante, pelo preço global de Quinhentos e Noventa Mil Euros, que confessa já ter recebido para a sua representada quinhentos e trinta mil euros, a título de sinal e princípio de pagamento, as fracções autónomas supra identificadas, sendo trezentos mil euros o preço da fração “E”, tendo já recebido duzentos e setenta mil euros, e duzentos e noventa mil euros o preço da fração “'U”, tendo já recebido duzentos e sessenta mil euros”.
12-  Nesse mesmo acordo declarou, ainda, BM...: “Que, promete comprar, em nome da sociedade sua representada as identificadas fracções autónomas, aceitando o presente contrato.
Pelos Primeiros e Segundo Outorgantes nas qualidades invocadas, mais foi dito :
Que atribuem a este contrato eficácia real, e que cabe à sociedade promitente vendedora marcar a respectiva escritura pública de compra e venda no prazo de vinte e quatro meses a contar do dia vinte e oito de Fevereiro de dois mil e onze ;
Mais declararam os Outorgantes :
Que a posse dos imóveis foi conferida à sociedade representada do segundo outorgante com a entrega das chaves dos imóveis, podendo a promitente compradora usufruir das fracções e requerer o fornecimento de água e electricidade em seu nome”.
13-  A “A..., LLC” celebrou acordo de fornecimento de energia eléctrica relativamente aos imóveis descritos em 10..
14-  A “A..., LLC” celebrou acordo de fornecimento de água e saneamento de águas residuais relativamente aos imóveis descritos em 10..
15-  BM..., “na qualidade de procurador, em representação da sociedade de direito estrangeiro, “A..., LLC”” e Carlos... celebraram entre si o acordo cuja cópia se mostra junta a fls. 83 a 86 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato de Arrendamento Urbano para Habitação com Duração Determinada”, datado de 24/8/2012, nos termos do qual a primeira deu “de arrendamento (...) a Carlos...(...) que aceita, a fracção autónoma “U”, sita no prédio urbano sito na ..., na freguesia e concelho de A..., descrito na Conservatória do Registo Predial de A..., sob o nº 1… e inscrito na matriz sob o artigo 2…, em perfeito estado de habitação”.

Mais acordaram que :
“(…) Cláusula 2ª
1– O presente arrendamento urbano para fim habitacional, é realizado pelo prazo de 1 (um) ano, renovável, tendo o seu começo a 24 de Agosto de 2012 e o seu termo a 23 de Agosto de 2013.
2– O Senhorio pode impedir a renovação automática, mediante a comunicação ao Inquilino, com a antecedência mínima de 2 meses do termo do contrato, através de carta registada, com aviso de recepção e expedida para a morada do inquilino.
Cláusula 3ª
1– O local arrendado destina-se à habitação pelo inquilino.
2– O Inquilino não pode dar qualquer outro fim ou uso ao local arrendado.
3– Encontra-se expressamente vedado ao Inquilino, proceder à sublocação ou cedência, onerosa ou gratuita, total ou parcial, do local arrendado, sem a prévia autorização do Senhorio.
Cláusula 4ª
1– A renda mensal é de € 800,00 (oitocentos euros) e vence no dia 1 (um) do mês anterior ao qual disser respeito.
2– Com a assinatura deste contrato, vence-se de imediato 1 (uma) renda e um mês de caução, que juntas perfazem a quantia de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros)”.

16-  BM... pernoita, faz refeições, recebe amigos e recebe correspondência na fração autónoma designada pela letra “E” identificada no Facto 10..
17 Mostram-se apreendidos nos autos os seguintes bens :
a.- Fração autónoma designada pela letra “A”, composta de moradia de rés-do-chão, de tipologia T4, situada em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de…, descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1… e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2… (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 163 do Apenso F).
b.- Fração autónoma designada pela letra “C”, composta de moradia de rés-do-chão, de tipologia T4, situada em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 162 e 164 do Apenso F).
c.- Fração autónoma designada pela letra “E”, composta de moradia de rés do chão, de tipologia T4, situada em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 162 e 165 do Apenso F).
d.- Fração autónoma designada pela letra “F”, composta de moradia de rés-do-chão, de tipologia T4, situada em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 162 e 166 do Apenso F).
e.- Fração autónoma designada pela letra “U”, composta de moradia de rés do chão, de tipologia T4, situada em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 158 a 162 e 168 do Apenso F).
f.- Fração autónoma designada pela letra “E”, destinada a comércio, composta por piso zero – espaço comercial identificado pelo número um, situada na Urbanização…, lote …, freguesia de …, concelho de…, distrito de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 11... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 8... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 169 a 175 do Apenso F).
g.- Fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a comércio, composta por piso zero – espaço comercial identificado pelo número quatro, situada na Urbanização …, lote 16, freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 11... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 8... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 169 a 173 e 178 a 179 do Apenso F).
h.- Fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a comércio, sita no piso zero, correspondente ao rés do chão identificado por L2, sito na Quinta…, Vale…, Cerejal, Lote…, na Rua…, n.º …, freguesia e concelho de V…, descrita na Conservatória do Registo Predial de V... sob o nº 29… e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59… (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 a 187 do Apenso F).
i.- Fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a comércio, sita no piso zero, correspondente ao rés do chão identificado por L3, sito na Quinta…, Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua…, nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 188 do Apenso F).
j.- Fração autónoma designada pela letra “D”, destinada a comércio, sita no piso zero, correspondente ao rés do chão identificado por L4, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 189 do Apenso F).
k.- Fração autónoma designada pela letra “E”, destinada a habitação, sita no piso um, correspondente ao T2 identificado pela letra A, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E5 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A1, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua…, nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 190 do Apenso F).
l.- Fração autónoma designada pela letra “F”, destinada a habitação, sita no piso um, correspondente ao T2 identificado pela letra B, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E4 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A2, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua…, nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 191 do Apenso F).
m.- Fração autónoma designada pela letra “G”, destinada a habitação, sita no piso um, correspondente ao T3 identificado pela letra A, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E6 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A9, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 192 do Apenso F).
n.- Fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, sita no piso dois, correspondente ao T2 identificado pela letra A, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E11 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A4, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 193 do Apenso F).
o.- Fração autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, sita no piso dois, correspondente ao T2, identificado pela letra B, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E9 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A5, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 194 do Apenso F).
p.- Fração autónoma designada pela letra “J”, destinada a habitação, sita no piso dois, correspondente ao T3 identificado pela letra A, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E1 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A3, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 195 do Apenso F).
q.- Fração autónoma designada pela letra “L”, destinada a habitação, sita no piso três, correspondente ao T2 identificado pela letra A, com um lugar de estacionamento na cave 13 identificado por E8 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A7, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 196 do Apenso F).
r.- Fração autónoma designada pela letra “M”, destinada a habitação, sita no piso três, correspondente ao T2, identificado pela letra B, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E7 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A8, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 197 do Apenso F).
s.- Fração autónoma designada pela letra “N”, destinada a habitação, sita no piso três, correspondente ao T3 identificado pela letra A, com um lugar de estacionamento na cave identificado por E2 e E3 e no desvão do telhado o arrumo identificado por A6, sito na Quinta..., Vale..., Cerejal, Lote 1, na Rua..., nº 11, freguesia e concelho de V..., descrita na Conservatória do Registo Predial de V...sob o nº 29... e inscrita na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 59... (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 3 e certidão de fls. 186 e 198 do Apenso F).
t.- Fração autónoma designada pela letra “AT”, rés do chão, loja 42, sita na Rua..., nºs. 8, 8A e 8B e Rua..., nºs. 7, 7A, 7B, 11, 11A e 11B, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 1… e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 11… (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 8 e 23 e certidão de fls. 114 a 120 e 124 a 126 do Apenso F).
u.- Fração autónoma designada pela letra “AZ”, rés do chão, loja 46, sita na Rua..., nºs. 8, 8A e 8B e Rua..., nºs. 7, 7A, 7B, 11, 11A e 11B, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 145 e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 11… (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 8 e 23 e certidão de fls. 114 a 123 do Apenso F).
v.- Fração autónoma designada pela letra “EV” correspondente à loja nº 19 sita no 4º piso da Rua.., nº 22A e 22C, freguesia de Alfragide, concelho da Amadora, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o nº… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 9A e certidão de fls. 10 a 11 do Apenso F).
w.- Fração autónoma designada pela letra “EX” correspondente à loja nº 20 sita no 4º piso da Rua..., nº 22A e 22C, freguesia de Alfragide, concelho da Amadora, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3… (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 9A e certidão de fls. 14 a 15 do Apenso F).
x.- Fração autónoma designada pela letra “FB” correspondente à loja nº 23 sita no 4º piso da Rua Rua..., nº 22A e 22C, freguesia de Alfragide, concelho da Amadora, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o nº 30 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 329 (cfr. Auto de apreensão constante de fls. 9A e certidão de fls. 18 a 19 do Apenso F).

b)–  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.

Perante as conclusões da alegação da recorrente as questões em recurso consistem em saber :
-Se há motivos para alterar a matéria de facto.
-Se está verificado o incumprimento definitivo do contrato-promessa em causa.
-Se pode a recorrente (enquanto promitente compradora) invocar o direito de retenção.

c)–  Vejamos, então, se existem motivos para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
(…)
g)–  Não vislumbramos, assim, motivos para alterar a matéria de facto, sendo de manter a mesma na íntegra, o que significa que nesta parte o recurso improcede.
h)–  É, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo” que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
i)–  Vejamos, então, se está verificado o incumprimento definitivo do contrato-promessa em causa nos autos.

“In casu”, estamos perante um contrato-promessa bilateral de compra e venda tendo por objecto mediato duas fracções autónomas, prometido comprar a uma sociedade que o prometeu vender, tendo havido “traditio” antes da celebração do contrato prometido, entretanto tornada inviável por parte do promitente-vendedor por via da declaração de insolvência.

Ora, o contrato-promessa a que se referem os artºs. 410º a 413º, 441º, 442º e 830º do Código Civil é, em princípio, um contrato de eficácia obrigacional, o mesmo é dizer que só produz efeitos entre as partes e seus herdeiros.

Podem, porém, as partes atribuir-lhe eficácia real (“erga omnes”) quando tenha por objecto a transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo.

Estabelece a este título o artº 413º do Código Civil, no seu nº 1, que “à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo” ;  por sua vez, o nº 2 do mesmo normativo preceitua que “deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real ;  porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral”.

Como o bem prometido vender é um bem imóvel, então, para que o contrato-promessa em causa nos autos fosse dotado de eficácia real, seria necessário que :
-Constasse de escritura pública ;
-Os seus outorgantes declarassem expressamente que atribuíam eficácia real ao contrato ;
-Se fizesse a inscrição no registo dos direitos emergentes da promessa.

Ora, no caso em apreço, o contrato-promessa foi celebrado por escritura pública, no mesmo existe uma declaração expressa das partes no sentido de atribuição de eficácia real ao contrato foram inscritos no registo os direitos emergentes da promessa.

Sucede que, ao tempo da declaração de insolvência da promitente-vendedora era um negócio em curso, porque ainda não estava cumprido, nem definitivamente incumprido.

O princípio geral quanto aos negócios bilaterais ainda não cumpridos à data da declaração de insolvência é que o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento (cf. artº 102º nº l do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.).

Compete, assim, ao administrador da insolvência, no interesse dos credores do insolvente, decidir se é mais vantajoso o cumprimento ou incumprimento, sendo que o interesse que emerge como principal é o da protecção dos credores afectados com a declaração de insolvência (neste sentido, cf. Acórdão do S.T.J. de 14/6/2011, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).

Daí os poderes latos conferidos ao administrador da insolvência que se manifestam na decisão de cumprir ou não cumprir os contratos, onde a lei insolvencial lhe dá essa opção.

Portanto, o C.I.R.E. atribuiu ao administrador da insolvência duas alternativas que, potestativamente, pode exercer:  Ou cumpre ou não cumpre o contrato que estava em curso (neste sentido, cf. o já citado Acórdão do S.T.J. de 14/6/2011, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).

O artº 106º do C.I.R.E. que se refere à promessa de contrato, estatui no seu nº 1 :
“1– No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador”.
E acrescenta o nº 2 do preceito que :
“2– A recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no nº 5 do artigo 104º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor.
O C.I.R.E. regulou a hipótese de ao contrato-promessa ter sido atribuída eficácia real e ter havido “traditio” (artº 106º nº 1 do C.I.R.E.), estabelecendo que o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento, tendo que outorgar o contrato prometido, o que se compreende, considerando a eficácia “erga omnes” do contrato (artº 413º do Código Civil) e o facto de a isso acrescer a “traditio” implicar um grau de estabilidade e solidez da posse do promitente-comprador e uma sua expectativa fortemente tutelada juridicamente a justificar a imposição do cumprimento.
Porém, no caso “sub judice” o próprio administrador da insolvência declarou, aquando da Tentativa de Conciliação (ver Acta de fls. 136) que “não vai cumprir o contrato de promessa celebrado entre M..., Lda e a Ambler Investments, Ldª”.

Que consequências extrair desta posição ?
No regime do Código Civil, o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e a sanção do mecanismo do sinal está ligada ao incumprimento ou do promitente-comprador (caso em que deve restituir o sinal em dobro) ou ao promitente-comprador (caso em que, sendo-lhe imputável o incumprimento, perde a favor do promitente vendedor o sinal passado).

É certo que o administrador da insolvência, a quem é dada pela lei a faculdade de cumprir ou não o contrato em curso aquando da declaração de insolvência, não é parte no contrato estabelecido entre o promitente-comprador e o promitente-vendedor e também não representa qualquer deles, mas apenas os interesses dos credores do insolvente.

Porém, o cumprir ou não o contrato radica num poder potestativo que lhe é conferido pela lei.

O objecto do C.I.R.E. é não tanto a recuperação do insolvente, mas a protecção dos credores, daí que a opção do administrador da insolvência não esteja de olhos postos na situação do insolvente, mas no interesse dos credores sendo essa a bússola que lhe apontará caminho a trilhar no que respeita à opção relativamente aos contratos em curso de execução à data da insolvência.

E “in casu”, optou por não cumprir, isto é, por não celebrar o contrato definitivo.

Assim, perante o quadro factual apurado, e tendo em atenção a posição assumida pelo administrador da insolvência, estamos perante uma situação óbvia de incumprimento definitivo. A recorrida (reclamante), tomou o lugar de promitente compradora no mencionado contrato-promessa celebrado com a insolvente e adquiriu a qualidade de beneficiária da promessa de transmissão do direito de propriedade sobre as fracções em causa nos autos.  Além disso, e face à posição do administrador da insolvência, passou a ser, também, titular de um crédito sobre a insolvente (promitente vendedora), por incumprimento por esta do contrato-promessa, crédito esse que tem por objecto o pagamento, em dobro, do montante entregue como sinal, nos termos do artº 442º do Código Civil.  Acresce que obteve a tradição das fracções logo no próprio dia da celebração do contrato-promessa, com consentimento da insolvente, sendo certo que a lei exige apenas essa tradição, ou seja, a obtenção da detenção material da coisa, não exigindo a posse jurídica a que se refere o artº 1251º do Código Civil.

Deste modo, e “prima facie” poder-se-ia concluir que a actuação da insolvente e do seu administrador, conferiu à recorrida, em face do incumprimento definitivo do contrato-promessa em causa, o direito ao dobro do sinal, faculdade que é conferida à parte não faltosa, nos termos do já citado artº 442º nº 2 do Código Civil.

Assim sendo, entendemos ser de considerar verificado o crédito da recorrida, não havendo que revogar a decisão recorrida nesta parte.

j)Mas há ainda que ver, para efeitos de graduação de tal crédito, se pode a recorrente (enquanto promitente compradora) invocar o direito de retenção nos termos do artº 755º nº 1, al. f) do Código Civil.

Defende a apelante que tal direito apenas pode ser invocado por quem tenha a qualidade de consumidor, o que não sucede com o recorrido.

Verdadeiro direito real de garantia, o direito de retenção confere ao credor que tem em seu poder certa coisa pertencente ao devedor, não só a faculdade de se recusar a entregá-la enquanto o devedor não cumprir, como ainda a de executar a coisa e pagar-se à custa dela com preferência sobre os demais credores (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, comentário ao artº 754º).  Tal é o que resulta do disposto nos artºs. 754º, 758º e 759º do Código Civil.

Consagrada tal garantia desde a versão originária do Código, só com a entrada em vigor do Decreto-Lei 236/80, de 18/7, os promitentes-compradores passaram a beneficiar do direito de retenção, dispondo o artº 442º nº 3 do Código Civil, na redacção resultante daquele diploma, que no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o promitente-comprador gozava, nos termos gerais, do direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor.

O regime jurídico do contrato promessa veio a ser alvo de alterações através do Decreto-Lei 379/86, de 11/11, que, todavia, manteve as soluções introduzidas pelo já referido Decreto-Lei 236/80, de 18/7, cujo objectivo principal, “foi acautelar a posição do promitente-comprador de edifícios, ou de fracções autónomas destes, sobretudo quando destinados a fins habitacionais” (cf. Preâmbulo do diploma em causa).

Mais se deixou aí referido que, tendo “o legislador de 1980, para o caso de tradição antecipada da coisa objecto do contrato definitivo, concedido ao beneficiário da promessa o direito de retenção sobre a mesma, pelo crédito resultante do não cumprimento (artigo 442º, nº 3), pensou-se directamente no contrato-promessa de compra e venda de edifícios ou de fracções autónomas deles”. Sob ponderação que nada justificava que o instituto ficasse confinado a tão estreitos limites, e assinalando que em diversas previsões do artº 755º nº 1 do Código Civil, desaparece ou dilui-se a conexão objectiva que o artº 754º do Código Civil pressupõe, em termos gerais, entre a coisa e o crédito, alargou-se a concessão de tal direito ao beneficiário de qualquer promessa com “traditio rei”.

Finalmente, e reconhecendo, embora, que o problema levantava “particulares motivos de reflexão, precisamente em face da realidade que levou a conceder essa garantia :  a da promessa de venda de edifícios ou de fracções autónomas destes, sobretudo destinados a habitação, por empresas construtoras, que, via de regra, recorrem a empréstimos, “máxime” tomados de instituições de crédito”, dado que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada (artº 759º nº 2 do Código Civil), expressou o legislador de 1986 que “neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares.  Vem na lógica da defesa do consumidor.  Não que se desconheçam ou esqueçam a protecção devida aos legítimos direitos das instituições de crédito e o estímulo que merecem como elementos de enorme importância na dinamização da actividade económico-financeira.  Porém, no caso, estas instituições, como profissionais, podem precaver-se, por exemplo, através de critérios ponderados de selectividade do crédito, mais facilmente do que o comum dos particulares a respeito das deficiências e da solvência das empresas construtoras.  Persiste, em suma, o direito de retenção que funciona desde 1980”.

Assim, assente que nos termos do artº 755º nº 1, al. f) do Código Civil goza de direito de retenção “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artº 442º”, a aplicação do assim preceituado no âmbito do processo de insolvência suscitou diversos problemas, sem que se lograsse obter consenso doutrinário e dando origem a decisões jurisprudenciais divergentes.

Reconhecendo a controvérsia instalada e a dispersão das decisões dos nossos Tribunais, veio o S.T.J. a proferir o Acórdão Uniformizador 4/2014, de 20/3 (publicado no DR, I-Série de 19/5/2014), fixando a seguinte doutrina : “No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com “traditio”, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos estatuídos no artº 755º, nº 1, al. f) do Código Civil”.

Assim, não há dúvida que, nos termos da doutrina fixada, o promitente-comprador tem, nestes casos, e na hipótese de recusa do administrador da insolvência, direito a indemnização calculada nos termos gerais prescritos no artº 442º nº 2 do Código Civil, crédito este garantido pelo direito de retenção, desde que seja consumidor, pois só “interferindo a mencionada restrição podem ter cabimento e aplicação a ratio e teleologia convocadas para a aplicação dos correspondentes preceitos legais no âmbito do direito insolvencial” (cf. Acórdão do S.T.J. de 25/11/2014, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).

A qualidade de consumidor é, deste modo, elemento constitutivo essencial do direito de retenção, enquanto garantia real, impondo, consequentemente, ao reclamante que dele se pretende prevalecer, o cumprimento do ónus de alegação e prova dos factos em que se consubstancia tal qualidade (neste sentido, cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 8/9/2015, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).

Assente, pois, que está em causa um contrato promessa em curso à data da declaração da insolvência da promitente vendedora (a posterior insolvente), tendo por objecto negócios translativos do direito de propriedade sobre fracções autónomas, com passagem de sinal, tendo a beneficiária da promessa obtido a tradição das fracções prometidas vender antes da declaração de insolvência, remanesce pois, a questão de saber se a recorrida deverá ser, para os aludidos efeitos, considerada consumidora.

À luz da factualidade apurada nos autos, defende a apelante a ausência da necessária qualidade de consumidora da recorrida.  Refere-se na decisão em apreço que “incumbia à Impugnante ter alegado factos atinentes à qualidade em que a Ambler interveio no contrato promessa celebrado com a Insolvente (artº 342º do Código Civil), o que esta manifestamente não fez” ;  e ainda que, “não tendo a Impugnante alegado e demonstrado, como lhe incumbia, factos suscetíveis de negar a qualidade de consumidor à Ambler fica, assim, prejudicada a eventual possibilidade de, com base nesse elemento, se afastar a integração da posição da mesma na norma do artº 755º, nº 1, al. f), do Código Civil”.

Antes de mais, diremos que o conceito de consumidor a adoptar para efeitos de delimitação da previsão normativa deverá ser o consagrado na Lei 24/96, de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor).
Dispõe o artº 2º nº 1 da mencionada Lei que : “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” .

Atenta a formulação legal, a qualificação do sujeito como consumidor depende assim, essencialmente, da finalidade do acto de consumo, detendo tal qualidade aquele “que adquire um bem ou serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico na fórmula da al. a) do art. 2º da Convenção de Viena de 1980-, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa” (cf. Calvão da Silva, in “Compra e venda de coisas defeituosas”, 4ª ed., pg. 118).

“A noção estrita de consumidor – pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional – que defendemos em geral e temos por consagrada no nº 1 do artº 2º da LDC (…) impõe-se pertinente e inquestionavelmente “in casu” à luz do princípio da interpretação conforme à Directiva, em que se define consumidor como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente Directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” (al. a) do nº 2 do artº 1º)” (cf. Calvão da Silva, in “Venda de bens de consumo”, 4ª Ed., pgs. 55 e ss.).

Sendo esta a noção que perfilhamos, debrucemo-nos agora sobre a matéria de facto acima elencada a fim de dar resposta à questão que ora nos ocupa.

À luz da descrita factualidade, e considerando tudo quanto se referiu a propósito do conceito de consumidor, parece claro que a apelada não preenche a previsão legal. Com efeito, inscrevendo-se a pretendida aquisição no desenvolvimento da actividade comercial da recorrida, que destinou as fracções uma ao arrendamento e outra ao uso do seu legal representante, parece isento de dúvida que não se trata de “um uso privado”, no apontado sentido de “uso pessoal, familiar ou doméstico” pressuposto pela lei, tratando-se, ao invés, de um uso profissional e com escopo puramente lucrativo.

E como já acima salientámos, era à apelada que incumbia o ónus de provar a sua qualidade de consumidora.  Esse ónus, “in casu”, mostra-se incumprido por parte da recorrida (credora reclamante), pois da matéria de facto assente não emerge essa qualidade da mesma.

De resto, não se vê que o conceito de consumidor tenha uma abrangência que inclua a apelada, ao contrário do defendido na decisão recorrida.

E, por assim ser, não sendo de reconhecer à credora reclamante (agora apelada) a qualidade de consumidora, tal conduz inelutavelmente à exclusão do crédito que lhe foi reconhecido do âmbito da garantia conferida pelo artº 755º nº 1, al. f) do Código Civil, tendo portanto a natureza de crédito comum (neste sentido cf. Acórdãos do S.T.J. de 14/10/2014 e de 25/11/2014, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).

k)-  Em síntese, diremos que o recurso não merece acolhimento na parte em que impugna a decisão sobre a matéria de facto e na parte em que defende o não reconhecimento do crédito impugnado pela recorrida.

Na parcela recursória incidente sobre a graduação do aludido crédito, a mesma merece acolhimento, não gozando o mesmo de qualquer garantia, tendo, pois, a natureza de crédito comum.

Ou seja, o recurso procede parcialmente.

l)–  Sumário :
I- De acordo com a doutrina fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014, de 20/3 (publicado no DR, I-Série de 19/5/2014), o promitente-comprador de um contrato promessa de compra e venda, sinalizado, que tenha beneficiado da tradição da coisa prometida vender, tem direito, em caso de recusa de cumprimento por banda do Administrador da Insolvência, à indemnização calculada nos termos gerais previstos no artº 442º nº 2 do Código Civil.
II- Esse crédito é garantido pelo direito de retenção previsto no artº 755º nº 1, al. f) do Código Civil, desde que o promitente-comprador tenha a qualidade de consumidor.
III- Sendo a qualidade de consumidor elemento constitutivo essencial dessa garantia real (direito de retenção), impõe-se ao credor que dela se pretenda prevalecer, o cumprimento do ónus de alegação e prova dos factos em que a mesma se consubstancia.
*  *  *

III–Decisão.
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, nessa medida :

1º–  Altera-se o Ponto “3” da Graduação de créditos constante da Sentença recorrida, o qual passará a ter a seguinte redacção :

“3– Pelo produto da venda das frações autónoma designada pelas letras “E” e “U”, compostas de moradia de rés do chão, de tipologia T4, situadas em ..., freguesia e concelho de A..., distrito de ..., descritas na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 1... e inscritas na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo 2...:
- em primeiro lugar haverá que dar pagamento ao credor hipotecário – “Caixa...” – até ao limite da garantia, já que se trata de uma garantia real (artº 686º nº 1 do Código Civil) ;
- em segundo lugar haverá que proceder ao pagamento, na proporção respectiva, aos créditos privilegiados da Fazenda Nacional e Instituto da Segurança Social, IP (artºs. 745º nº 2 e 747º nº 1, al. a), do Código Civil) ;
- em terceiro lugar haverá que dar pagamento ao credor “AC…, S.A.”, do crédito no montante de 51.000,00 €, atento o facto de se tratar de credor a requerimento de quem a situação de insolvência foi declarada (artº 98º nº 1 do C.I.R.E.) ;
- em quarto lugar, haverá que dar pagamento aos créditos comuns, que serão pagos na proporção respectiva (onde se inclui o crédito da “A..., LLC”, no montante de 1.060.000 €)”.

2º–  No mais, confirma-se a Sentença recorrida.
Custas :  A meias, por recorrente e recorrida (artº 527º do Código de Processo Civil).



Lisboa, 17 de Abril de 2018



(Pedro Brighton) – (Processado em computador e revisto pelo relator)
(Teresa Sousa Henrique)
(Isabel Fonseca)
Decisão Texto Integral: