Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4152/15.7T8SNT.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
OBTENÇÃO DE CERTIFICADO DE APTIDÃO DE MOTORISTA (CAM)
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
DEVERES DA ENTIDADE PATRONAL
DEVERES DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: I- A formação profissional não constitui um dever imputado, em exclusivo, pela lei laboral às entidades empregadoras, pois existem, desde logo, objetivos de tal formação que não podem ser realizados pelas mesmas mas antes pelo Estado ou por entidades terceiras, sem relação direta ou indireta com aquelas.
II- Do regime legal da formação contínua mínima de 35 horas anuais que as entidades empregadoras devem proporcionar aos seus trabalhadores não deriva nenhuma obrigação para aquelas de que tal formação tenha sempre de ser organizada, promovida e custeada pelas mesmas, encontrando-se estas últimas obrigadas, tão-somente, nas situações de formações externas promovidas por entidades terceiras, por iniciativa própria destas últimas e dos trabalhadores que nelas se inscreveram, a conceder o necessário crédito de horas remuneradas (equiparadas a efetivo tempo de trabalho) para que tais trabalhadores possam frequentar tais formações.
III- Uma coisa é o dever que o empregador tem de proporcionar ao trabalhador uma formação contínua anual de 35 horas e outra, que não se confunde com aquela, é a de se achar juridicamente vinculado a custear as despesas respeitantes a tal formação, mesmo quando ela não foi por si organizada, realizada ou promovida, dentro ou fora das instalações da empresa, mas partir antes da mera e exclusiva iniciativa do trabalhador ou até imposições legais ou de entidades externas às partes do vínculo laboral em causa.
IV- Tal significa, desde logo que, resultando a posse do CAM e da inerente CQM de uma exigência legal feita aos motoristas profissionais e sendo a formação inicial ou contínua necessárias à sua obtenção ministrada por entidades licenciadas externas às entidades empregadoras, estas só têm a obrigação de conceder a tal dispensa ou crédito de horas remuneradas para efeitos de frequência do curso ou formação e nada mais.
V- O quadro legal da obtenção do CAM e da CQM remete-nos para o regime contido no artigo 117.º do C.T./2009 (obrigatoriedade de título profissional), que é da responsabilidade, em termos da sua obtenção, renovação, validade e vigência, do trabalhador ou do candidato ao lugar de motorista profissional de transporte de mercadorias ou de passageiros.
VI- Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que se traduziu no não desenvolvimento das diligências e procedimentos administrativos e práticos destinados a realizar atempadamente a formação contínua e a lograr a emissão do CAM e depois da CQM (documentos legalmente reclamados aos motoristas profissionais) dentro dos prazos legais fixados, colocando-se numa situação voluntária, intencional, reiterada, culposa e temporária de impossibilidade de desenvolvimento da sua atividade profissional de motorista profissional no seio da empresa recorrente, cujo objeto social é, precisamente, o de «exploração de transportes públicos rodoviários», não obstante saber que a tal estava obrigado e que a Ré não assegurava nem custeava as referidas formação e emissão dos ditos títulos profissionais.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


AA, portador do BI n.º (…), emitido a (…), por Lisboa e NIF n.º (…), residente na Av. (…), veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor, em 19/02/2015, ação especial regulada nos artigos 98.º-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora BB, LDA., com o NIPC n.º (…), e sede na Av. (…).
*
Designada data para audiência de partes, por despacho de fls. 11, que se realizou, com a presença das partes (fls. 14 e 15) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 12, por carta registada com Aviso de Receção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.
*
Regularmente notificada para o efeito, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento nos moldes constantes de fls. 16 e seguintes.

Na sua motivação de despedimento alegou a Ré, em síntese, que o Trabalhador foi devidamente informado pela entidade patronal para a necessidade de obter o seu Certificado de Aptidão de Motorista (CAM), a expensas suas o que este não fez.

Mais alegou que tal certificado é indispensável para a emissão de Carta de Qualificação de Motorista (CQM) sem a qual não é possível conduzir veículos pesados de passageiros.

Salientou que o trabalhador em questão se apresentou ao serviço, após baixa médica prolongada, não iniciando o seu serviço uma vez que não tinha CAM. Revelou assim, e de acordo com a versão por si exposta, falta de zelo e diligência assim como desinteresse pelo cumprimento do contrato de trabalho e das obrigações inerentes a poder cumpri-lo.

Refere, por fim, que a conduta deste, aliada à circunstância de não poder conduzir viaturas pesadas de passageiros (razão que levou à celebração do contrato de trabalho) constitui justa causa de despedimento, o que concretizou mediante o procedimento disciplinar adequado para o efeito.

Conclui requerendo que se considere lícito o despedimento do Trabalhador juntando aos autos cópia do procedimento disciplinar que ficou apenso por linha.  
*
Notificado para o efeito, o Autor contestou a motivação da Ré pela forma expressa no articulado de fls. 133 a 157, invocando a exceção de nulidade do procedimento disciplinar uma vez que, no seu entender, não foi respeitado o direito ao contraditório que lhe assiste e o qual, na sua perspetiva, impõe a presença e intervenção do Autor, através do seu Ilustre Mandatário, na inquirição das testemunhas por ele arroladas, violando assim o princípio consagrado no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) da confiança no Estado de Direito Democrático e ainda o princípio constitucional consagrado no art.º 20.º n.º 4 do mesmo diploma com a inerente proibição da indefesa.

Mais impugnou parte da factualidade alegada pela Ré, pugnando pelo dever desta em assegurar o pagamento das despesas inerentes à obtenção do CAM, assim como em facultar o tempo necessário para a sua obtenção, situação essa a qual não ocorreu no caso descrito nos autos.

Deduz pedido reconvencional peticionando a condenação do Empregador no pagamento:
a) De uma indemnização por danos morais no valor de € 25.000,00;
b) De férias, subsídio de férias e Natal no valor de € 961,98;
c) Da sua reintegração na empresa em caso de êxito da sua pretensão (Vide Ata da Audiência de Julgamento).
Para o efeito alega o não pagamento das férias vencidas em 01 de Janeiro de 2015 e não gozadas no valor de € 715,82, assim como do valor de € 82,32 a título de subsídio de férias vencidas naquela data e não pagas e por fim, a quantia de € 163,84 a título de proporcionais das férias, subsídio de férias e de Natal, ainda em dívida e referentes a 2015.

Alega por fim, diversos danos de natureza não patrimonial com repercussão na sua vida pessoal e familiar os quais lhe legitimam a solicitar o pagamento de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais.
*
A Ré apresentou resposta ao articulado da trabalhadora, sustentando o respeito pelo princípio do contraditório o qual, na sua perspetiva foi efetivamente assegurado, assim como a licitude do despedimento em causa a qual obsta ao pagamento de qualquer indemnização deste decorrente.
Refere por fim, ter pago todas as quantias em peticionadas pelo trabalhador e mencionadas supra, assim como a inexistência de quaisquer danos de natureza não patrimonial por parte deste que justifiquem o pagamento da indemnização peticionada (fls. 158 a 169).
*
Foi proferido, a fls. 170 a 172, despacho saneador, onde se admitiu a reconvenção do Autor, se considerou válida e regular a instância, se relegou para final a fixação do valor da ação, não se procedeu à seleção da matéria de facto controvertida mas fixou-se o objeto do litígio e enunciou-se os temas da prova, se admitiu os róis de testemunhas), deferiu-se a gravação da prova a produzir na Audiência de Discussão e Julgamento, cuja data designada na Audiência de Partes foi alterada.

Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 188 a 194 e 201 a 203), tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio e o Autor optado pela sua reintegração na empresa Ré.
*
Foi então proferida a fls. 427 a 446 verso e com data de 27/11/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
Face ao exposto julga-se a ação procedente, declarando-se ilícito o despedimento do Trabalhador e, consequentemente, condena-se a Entidade Empregadora:
- A reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da sua empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos do art.º 389.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho, reintegração esta a comprovar no processo mediante a junção aos autos do documento que demonstre o reinício do pagamento da retribuição, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art.º 74.º-A n.º 1 do Código do Processo de Trabalho;
- No pagamento de todas as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, a apurar em liquidação de sentença nos termos do art.º 609.º n.º 1 do CPC, deduzindo-se (i) as importâncias que o trabalhador auferiu com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento, assim como (ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento e (iii) do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do art.º 390.º n.º 2 al. b) do Código do Trabalho, e sem prejuízo da comunicação da presente decisão ao serviço competente do ministério responsável pela área da segurança social, nos termos do art.º 75.º n.º 2 do CPT;
- No pagamento ao trabalhador da quantia € 3.100,00 (três mil e cem euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do art.º 389.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho;
- Montantes estes acrescidos de juros de mora à taxa legal desde os respetivos vencimentos até integral pagamento.
Valor da ação: € 25.962,98 (cfr. art.º 98.º-P n.º 2 do CPT).
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (cfr. art.º 527.º, n.º 2 do CPC).
Notifique e registe”
*
A Ré BB, LDA., inconformada com tal sentença, veio, a fls. 448 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 467 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, face à garantia bancária prestada pela recorrente, a título de caução (fls. 465).
*
A Apelante apresentou, a fls. 448 verso e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

Termos em que,
Deve o presente recurso merecer inteiro provimento e, consequentemente, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que, considerando que o pagamento do custo da obtenção do Certificado de Aptidão de Motorista, nos termos do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, constitui obrigação do motorista AA e que, nessa conformidade e atento o processo disciplinar e o articulado de motivação do despedimento, julgue verificados todos os pressupostos do despedimento por justa causa do mesmo, absolvendo a Apelante, declarando a regularidade e licitude do aludido despedimento do Apelado AA, com as inerentes consequências. JUSTIÇA!”
*
O Autor apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, mas não formulou conclusões, tendo-se limitado a pugnar pela manutenção da sentença recorrida (fls. 459 e 460)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 473 a 475), não tendo as partes se pronunciado acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.
*
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OS FACTOS.

Foram considerados provados e não provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância:

«A) Factos provados:
Por acordo e por documentos:

1. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objeto a exploração de transportes públicos rodoviários;
2. O Autor foi admitido para trabalhar por conta, a favor e sob ordens e direção da Ré, como motorista de serviços públicos;
3. A entidade empregadora comunicou ao trabalhador, em 06 de Fevereiro de 2015, a cessação do seu contrato de trabalho alegando justa causa;
4. A referida decisão baseou-se na proposta formulada no “Relatório Final e Conclusões em Processo Disciplinar”, pelo Instrutor do respetivo processo;

Da prova produzida em audiência de julgamento:

A. O Trabalhador encontra-se ao serviço da entidade empregadora desde 01 de Setembro de 1996, sem que nunca tivesse recebido qualquer sanção ou nota de culpa;
B. O trabalhador viu, em 03 de Maio de 2010, documentalmente comprovada pela entidade patronal, a sua competência profissional e bom comportamento desde o início das suas funções;
C. O trabalhador deu a conhecer à entidade empregadora o parecer da Autoridade para as Condições de Trabalho do Centro Local da Cidade de Lisboa, segundo o qual, “… a entidade responsável pela formação e, neste caso, pela formação destinada à obtenção do Certificado de Aptidão para Motorista (CAM) é sempre o empregador”;
D. A entidade empregadora entregou ao trabalhador a informação sobre esse parecer e a qual refere: “(…), 30 de Abril de 2013

Assim sendo, o trabalhador tem direito a usar o tempo de trabalho para aquela formação e até ao limite do tempo concedido pela lei para a formação contínua e consequentemente receber salário.
Questão distinta tem que ver com o custo dessa formação que é da exclusiva responsabilidade do trabalhador que por ele é particularmente responsável.
Resumindo, o trabalhador poderá inscrever-se num curso para obtenção do CAM, tem que pagar o mesmo, e, nós pagamos-lhe os dias que tirar para frequência do mesmo.
…”;
E. Em data não concretamente apurada mas certamente em Setembro de 2013 e antes do dia 09 daquele mês, o trabalhador dirigiu-se às instalações da sua entidade patronal a fim de perguntar ao Chefe de Tráfego CC, que se encontrava reunido com o fiscal DD, qual era o serviço dele para o dia seguinte;
F. No dia seguinte, o trabalhador apresentou-se na empresa e não iniciou o serviço para que estava escalado, informando que não podia pegar ao serviço porque não tinha CAM;
G. No dia 15 de Outubro de 2014, o trabalhador terminou a baixa médica prolongada, a qual se iniciou a 09 de Setembro de 2013;
H. No dia 16 de Outubro de 2014, o trabalhador deslocou-se à empresa e depois de informar de que a baixa terminara, questionou sobre o serviço distribuído para o dia seguinte;
I. Quando o trabalhador se apresentou na firma, no dia 16 de Outubro de 2014 após a alta foi questionado sobre o CAM tendo respondido não podia conduzir os veículos pesados de passageiros por não possuir ainda o CAM, e que tal era da responsabilidade da empresa;
J. A entidade empregadora, na sequência do despedimento do trabalhador, pagou-lhe a quantia total de € 1.793,08, a qual retirados os descontos obrigatórios, se cifrou em €1.452,79, desdobrando-se esta quantia em:
- Remuneração 126,70
- Diuturnidades 16,46
- Subs. Férias 633,50
- S. Férias Prop./Ano 72,86
- Fer. N/Goz. Prop./Ano 72,56
- Duod. Subs. Natal 72,86
- Férias N/Goz Ano Ant. 715,82
- Diut. S/Subs. Férias 82,32
K. O trabalhador reside com a sua mulher e com duas filhas, sendo que a sua esposa é Auxiliar de ação médica e aufere entre € 700,00 a € 800,00 “limpos”;
L. Por sua vez, uma das suas filhas tem 19 anos de idade e frequenta o curso de Enfermagem da Cruz Vermelha, o qual custa € 390,00 mensais. A outra tem 16 anos de idade e estuda da Escola Secundária;
M. O agregado familiar do trabalhador paga cerca de € 400,00 de empréstimo bancário devido pela aquisição da sua casa ao B.P.I.;
N. O trabalhador aufere cerca de 500,00 Euros de subsídio de desemprego e a entidade empregadora permite a este e ao seu agregado familiar mencionado supra a deslocação nos seus transportes públicos de forma gratuita, sendo que o valor de todos estes passes rondaria os € 300,00 mensais;
O. O trabalhador teve problemas de saúde em meados de 2005, o que motivaram a prescrição de antidepressivos e ansiolíticos, com clara melhoria até ao Verão de 2014, data essa em que regressou às consultas de psicologia;
P. O trabalhador tem receio de não conseguir voltar a arranjar trabalho;
Q. Situação esta que o deixa angustiado, stressado e temeroso com o futuro;
R. O valor necessário para a obtenção do CAM ronda os € 200,00 (duzentos euros);
S. Os colegas do Autor obtiveram o CAM de que necessitaram a expensas suas;
T. A Ré adiantava fundos aos trabalhadores que precisassem de obter o CAM e os quais lhe pagava em momento posterior, sendo isso do conhecimento dos trabalhadores;
U. O Autor propôs contra a Ré a ação de processo comum com o n.º 923/15.2T8SNT, na qual peticiona a condenação da Ré no pagamento a este do valor global de € 57.133,50 (cinquenta e sete mil cento e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), nomeadamente, € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais e € 27.133.50 (vinte e sete mil cento e trinta e três euros e cinquenta cêntimos) a título de prestações devidas por factos ocorridos desde 1997 até 2013;
V. No processo n.º 923/15.2T8SNT, iniciado em 13-01-2015, o Autor fundamenta o seu pedido de indeminização por danos morais, o facto de ter continuado e insistentemente pedido à Ré para lhe pagar o que tem direito a título de prestações devidas e não pagas, não tendo a Ré atendido o seu pedido;
W. Refere o Autor, no processo n.º 923/15.2T8SNT, que a situação nele alegada, tem provocado uma situação de desespero e de frustração que o conduziu a um estado de depressão de tal forma intensa e grave, que passou a ter necessidade de acompanhamento médico, com reflexos familiares muito negativos;
X. O Autor já era medicado com ansiolíticos e antidepressivos desde 2010, regressando à sua vida profissional até ao dia 09-09-2013, data em que iniciou a sua baixa médica.

B) Factos não provados:

1. Que, quando o trabalhador se dirigiu às instalações da sua entidade patronal a fim de perguntar ao Chefe de Tráfego CC, que se encontrava reunido com o fiscal DD, qual era o serviço dele para o dia seguinte, o tenha feito no dia 08 de Setembro de 2013.
2. O despedimento representou para o trabalhador um choque emocional e psicológico muito grande.
3. Pois com esse despedimento a entidade empregadora pretendeu que aos olhos dos outros trabalhadores o trabalhador surgisse desprovido de qualquer razão e como um exemplo para qualquer um que tentasse opor-se aos desígnios da firma.
4. O que devastou psicologicamente o trabalhador.»
*
III-OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
A-REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 19/02/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. 
 
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.

B-DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A Recorrente não impugnou específica e especificadamente, no seu recurso de Apelação, a Decisão sobre a Matéria de Facto proferida pelo tribunal da 1.ª instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 666.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, o Recorrido requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Novo Código de Processo Civil, se encare a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C-OBJECTO DO RECURSO – ILICITUDE DO DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA

Abordemos agora a única questão de direito que a Apelante levanta nas suas conclusões e que se centra na existência de justa causa para o despedimento de que foi objeto o Apelado, devido à circunstância de este não possuir o CAM, quando regressou da baixa por doença e de, no seu entender, dever ser a realização da correspondente formação e o valor respetivo suportados pela Ré, o que esta não aceitou, devido à política anteriormente assumida de que lhe não competia a ela arcar com a liquidação do custo de tal certificação mas apenas do tempo de trabalho despendido pelo Autor com vista à obtenção daquela.

Tal questão desdobra-se, em rigor, em duas problemáticas distintas, a saber:
1) A obtenção do CAM reconduz-se, de facto, a uma obrigação de formação profissional que, nos termos constantes dos artigos 130.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, deve ser garantida pelo empregador ao trabalhador ou constitui antes um dever que recai apenas sobre o trabalhador motorista, como o Autor?
2) Independentemente da resposta que seja dada à primeira questão colocada, atendendo às circunstâncias particulares que rodeiam a situação concreta em análise, a recusa do Apelado em assumir os encargos de tal formação prévia à emissão do CAM e as consequências que derivaram de tal atitude acarreta inevitavelmente a quebra da relação de confiança entre as partes, de tal maneira que a única sanção adequada é o despedimento com invocação de justa causa, conforme foi decidido pela Apelante?            

D-FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.

A sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho foi no sentido seguinte:
(…)

E-REGIME LEGAL DO CAM E CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009.

O CAM (ou Certificado de Aptidão do Motorista), na sequência da Diretiva Comunitária n.º 2003/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho, alterada pela Diretiva n.º 2004/66/CE, do Conselho, de 26 de Abril, e pela Diretiva n.º 2006/103/CE, do Conselho, de 20 de Novembro (relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos condutores de determinados veículos rodoviários de mercadorias e de passageiros), que impõe aos Estados Membros a sua exigência ao nível interno, veio a ser regulado pelo Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de maio (que sofreu uma primeira e única alteração, até agora, através do Decreto-Lei n.º 65/2014 de 7 de maio), importando chamar à colação, para uma exata compreensão do seu conteúdo, alcance e sentido, os artigos de tal regime legal [[1]]:

Artigo 2.º
Âmbito
O presente decreto-lei é aplicável à atividade de condução exercida por pessoas titulares de carta de condução válida para veículos das categorias C e C+E e subcategorias C1 e C1+E e das categorias D e D+E e subcategorias D1 e D1+E, nos termos do Código da Estrada, adiante designados por motoristas de veículos de mercadorias e de passageiros, respetivamente, ou genericamente por motoristas.

Artigo 3.º
Isenções
Não são abrangidos pelo disposto no presente decreto-lei os motoristas dos seguintes veículos:
a) Cuja velocidade máxima autorizada não ultrapasse 45 km/h;
b) Ao serviço ou sob o controlo das forças armadas, das forças de segurança, dos bombeiros ou da proteção civil;
c) Submetidos a ensaios de estrada para fins de aperfeiçoamento técnico, reparação ou manutenção;
d) Novos ou transformados que ainda não tenham sido postos em circulação;
e) Utilizados em situações de emergência ou afetos a missões de salvamento;
f) Utilizados nas aulas de condução automóvel, com vista à obtenção da carta de condução ou do certificado de aptidão para motorista (CAM), a que se refere o n.º 2 do artigo 4.º;
g) Com lotação até 14 lugares, incluindo o condutor, utilizados para o transporte não comercial de passageiros para fins privados;
h) Com peso bruto até 7500 kg, utilizados para o transporte não comercial de bens, para fins privados;
i) Que transportem materiais ou equipamentos para o exercício da profissão do condutor, desde que a condução do veículo não seja a sua atividade principal.

CAPÍTULO II
Habilitação e qualificação.

Artigo 4.º
Carta de qualificação de motorista.
1 - É obrigatória a posse da carta de qualificação de motorista para o exercício da condução dos veículos a que se refere o artigo 2.º, constando as respetivas especificações e modelo do anexo V ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.
2 - A emissão de carta de qualificação de motorista depende da posse de um CAM, emitido de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º
3 - A carta de qualificação de motorista é emitida pelo período máximo de cinco anos.
4 - O Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. (IMTT, I. P.), é a entidade competente para emitir a carta de qualificação de motorista.

Artigo 5.º
Certificado de aptidão para motorista.
1 - O CAM comprova a qualificação inicial ou a formação contínua, a que se referem os artigos 6.º e 9.º, respetivamente.
2 - A emissão do CAM depende de aprovação em exame após frequência da formação inicial ou da obtenção de aproveitamento na formação contínua.
3 - A qualificação comprovada pelo CAM é válida pelo período de cinco anos, contados a partir da data do exame ou da conclusão da formação contínua, consoante o caso.
4 - O CAM obtido na sequência da formação de qualificação inicial, sem prejuízo das demais exigências legais, permite a obtenção de carta de condução para veículos das categorias C e C+E e subcategorias C1 e C1+E, a partir dos 18 anos de idade, conforme previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 126.º do Código da Estrada.
5 - O CAM é emitido pelo IMTT, I. P., podendo esta competência ser delegada por despacho do presidente do conselho diretivo do IMTT, I. P.
6 - O modelo do CAM é fixado por despacho do presidente do conselho diretivo do IMTT, I. P.

Artigo 6.º
Qualificação inicial.
1 - A qualificação inicial é obrigatória e integra as seguintes modalidades:
a) Qualificação inicial comum;
b) Qualificação inicial acelerada.
2 - A formação de qualificação inicial e a metodologia da avaliação dos motoristas são reguladas pelo disposto nos anexos II e III ao presente decreto-lei, do qual fazem parte integrante.

Artigo 7.º
Qualificação inicial comum.
O CAM obtido na sequência da qualificação inicial comum habilita o seu titular a obter a carta de qualificação de motorista para a condução nas seguintes condições:
a) A partir da idade de 18 anos, veículos das categorias C e C+E;
b) A partir da idade de 21 anos, veículos das categorias D e D+E.

Artigo 8.º
Qualificação inicial acelerada
O CAM obtido na sequência da qualificação inicial acelerada habilita o seu titular a obter a carta de qualificação de motorista para a condução nas seguintes condições:
a) A partir da idade de 18 anos, veículos das subcategorias C1 e C1+E;
b) A partir da idade de 21 anos, veículos das categorias C e C+E e subcategorias D1 e D1+E;
c) A partir da idade de 23 anos, veículos das categorias D e D+E.

Artigo 9.º
Formação contínua.
1 - A formação contínua é obrigatória e deve ser adquirida de cinco em cinco anos, antes do fim da validade do CAM.
2 - Em caso de caducidade, o CAM pode ser renovado mediante formação contínua.

Artigo 10.º
Conteúdo da formação.
As matérias, módulos, objetivos e conteúdos programáticos da formação constam do anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.

Artigo 11.º
Dispensa de matérias.
1 - Os motoristas de veículos de mercadorias que pretendam conduzir veículos de passageiros, ou inversamente, e que sejam titulares do CAM referido nos artigos 7.º e 8.º, para efeitos de obtenção do correspondente CAM, apenas são obrigados à frequência e exame das matérias específicas da nova qualificação.
2 - Os motoristas possuidores de capacidade profissional para o transporte rodoviário de mercadorias ou de capacidade profissional para o transporte rodoviário de passageiros em autocarro que pretendam adquirir a qualificação inicial prevista no presente decreto-lei ficam dispensados da frequência e exame das matérias comuns às duas formações.          

A primeira grande questão que aqui se coloca – como já anteriormente deixámos referido – é se a formação inicial [[2]] ou contínua aqui em discussão pode e deve ser equiparada à formação profissional prevista nos artigos 130.º e seguintes do C.T./2009[[3]], recaindo a sua realização e custo económico sobre as entidades empregadoras?   
Impõe-se, desde logo e no que toca à formação profissional, realçar que a mesma não constitui um dever imputado, em exclusivo, pela lei laboral às entidades empregadoras (não obstante o disposto no artigo 127.º, número 1, d) do CT/2009), pois existem, desde logo, objetivos de tal formação que não podem ser realizados pelas mesmas mas antes pelo Estado ou por entidades terceiras, sem relação direta ou indireta com aquelas (cfr. alíneas a), c), d) e e) do artigo 130.º, sendo certo que os artigos 131.º a 134.º do mesmo diploma legal incidem sobre a formação contínua a cargo das entidades patronais).

Importa também referir que de uma leitura atenta do regime legal da formação contínua mínima de 35 horas anuais que as entidades empregadoras devem proporcionar aos seus trabalhadores não deriva nenhuma obrigação para aquelas de que tal formação tenha sempre de ser organizada, promovida e custeada pelas mesmas, encontrando-se estas últimas obrigadas, tão-somente, nas situações de formações externas promovidas por entidades terceiras, por iniciativa própria destas últimas e dos trabalhadores que nelas se inscreveram, a conceder o necessário crédito de horas remuneradas (equiparadas a efetivo tempo de trabalho) para que tais trabalhadores possam frequentar tais formações.

Logo, uma coisa é o dever que o empregador tem de proporcionar ao trabalhador uma formação contínua anual de 35 horas e outra, que não se confunde com aquela, é a de se achar juridicamente vinculado a custear as despesas respeitantes a tal formação, mesmo quando ela não foi por si organizada, realizada ou promovida, dentro ou fora das instalações da empresa, mas partir antes da mera e exclusiva iniciativa do trabalhador ou até imposições legais ou de entidades externas às partes do vínculo laboral em causa.

Tal significa, desde logo que, resultando a posse do CAM e da inerente CQM de uma exigência legal feita aos motoristas profissionais e sendo a formação inicial ou contínua necessárias à sua obtenção ministrada por entidades licenciadas externas às entidades empregadoras, estas só têm a obrigação de conceder a tal dispensa ou crédito de horas remuneradas para efeitos de frequência do curso ou formação e nada mais.                                     
Por outro lado e indo um pouco mais longe no nosso estudo, se interpretamos devidamente o regime legal acima transcrito, verificamos que o seu âmbito extravasa manifestamente a formação profissional contínua - ou sequer com intentos de reconversão ou reabilitação do trabalhador, quando se possa imputar, em termos de obrigação, aos empregadores - prevista nos artigos 130.º e seguintes do CT/2009 (basta pensar na dita formação inicial, em qualquer uma das suas duas modalidades), como não se mostra pautado estrita e exclusivamente por fins de cariz laboral, antes se radicando num interesse comum, global, em que toda a sociedade se acha envolvida e dele beneficia, sendo, nessa medida, os propósitos perseguidos pelo mesmo bastante mais vastos e abrangentes do que os do mundo do trabalho subordinado (muito embora aí assente arraiais de uma forma intensa, senão predominante).[[4]]

Movemo-nos, em rigor e manifestamente, num plano qualitativamente diverso da referida formação profissional contínua, situando-se o regime legal em questão num momento prévio ou anterior a tal cenário ou, se quisermos, constitutivo do mesmo, dado o CAM ser condição necessária para a emissão de uma «carta de qualificação de motorista para o exercício da condução dos veículos a que se refere o artigo 2.º», que é para, tal efeito, de posse obrigatória (e só pode ser requerida pelo próprio motorista), exigindo a emissão daquele Certificado de Aptidão de Motorista uma formação inicial (comum ou acelerada) e depois contínua (estando o Autor vinculado a efetuar este último tipo de formação contínua, com uma duração mínima de 35 horas[[5]]), a ser ministrada por entidades terceiras devidamente licenciadas pelo IMTT, I.P, dependendo ainda da realização de exame com nota positiva (formação inicial) ou de aproveitamento naturalmente positivo (formação contínua)[[6]].

Logo, caso o motorista que frequente tal formação inicial ou contínua, não venha a lograr aproveitamento no final das mesmas, mediante a atribuição de um resultado positivo, vê-se privado do CAM e, por inerência, da Carta de Qualificação de Motorista (CQM), estando assim impedido legalmente de exercer a atividade profissional de motorista de veículos de transportes de mercadorias ou de passageiros, o que, no âmbito de uma relação de trabalho subordinado, gera um impedimento temporário que será susceptível de implicar a suspensão provisória do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 294.º a 297.º do C.T./2009, se a entidade patronal não tiver disponíveis outras funções compatíveis com as atinentes à categoria profissional daquele, podendo cair-se, em última análise e caso tal cenário impeditivo se prolongue por um período temporal excessivo e, por tal motivo, juridicamente inexigível à entidade empregadora, em termos de aceitação e conformação com o mesmo, por apelo às regras da boa-fé do negócio jurídico em presença, no âmbito jurídico do instituto da caducidade do correspondente vínculo jurídico-laboral (artigo 343.º, alínea b) do C.T./2009) [[7]].

O quadro factual e jurídico que deixámos exposto suscita-nos assim diversas dúvidas que se prendem, desde logo, com a diferença de tratamento jurídico entre a formação inicial e a formação contínua com vista à obtenção do CAM que, por referência à formação profissional dos artigos 130.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, se verifica, bem como com a circunstância de a entidade patronal, segundo a posição sustentada na sentença recorrida, poder ter de suportar os encargos das formações contínuas que se revelarem necessárias à emissão do CAM e da CQM, assim como a disponibilizar o trabalhador para esse preciso efeito, caso este venha a «chumbar» uma ou mais vezes no termo da dita formação contínua, vendo-se assim privado da atividade profissional do seu motorista bem como forçado a custear as ditas formações até se alcançar porto seguro, que é como quem diz, se ter a bóia de salvação dos referidos títulos profissionais.

Não nos impressiona, ainda nesta sede, o argumento da Ré no sentido do aproveitamento por uma nova entidade empregadora da formação proporcionada por uma anterior, pois tal pode sempre acontecer em qualquer tipo de formação profissional que seja ministrada aos trabalhadores que, posteriormente e desde que não tenha sido acordada validamente uma cláusula de não concorrência, podem transitar para uma outra empresa do mesmo setor de atividade, sem que tal tenha algo de ilegítimo.  
Não será despiciendo, como aliás, faz a Ré, nas suas alegações de recurso, chamar à colação o regime punitivo constante dos artigos 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de maio e que reza o seguinte (importando, por uma questão de facilidade na compreensão de tal regime, reproduzir, mais uma vez, em Nota de Rodapé, o artigo 4.º[[8]]):

Artigo 27.º
Infracções
1 - Constitui contraordenação punível com coima de € 1000 a € 3000 a infração ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º, salvo se o motorista apresentar o documento aí previsto no prazo de dois dias à autoridade indicada pelo agente de fiscalização, caso em que é sancionado com coima de € 50 a € 150.
2 - Constituem contra-ordenações puníveis com as seguintes coimas:
a) A falta do alvará a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º, com coima de € 10 000 a € 30 000;
b) A infracção ao n.º 2 do artigo 20.º, com coima de € 500 a € 1500.
3 - A negligência é punível, sendo os limites das coimas referidas nos números anteriores reduzidos para metade.

Artigo 28.º
Imputabilidade das infracções.
As infracções ao presente decreto-lei são da responsabilidade da entidade licenciada, salvo quanto às infracções ao n.º 1 do artigo 4.º, em que são responsáveis os respectivos autores.
                            
Convirá realçar, desde logo, que as entidades que podem ser sancionadas contraordenacionalmente no âmbito do regime legal do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de maio, são apenas os motoristas e a entidades licenciadas para ministrar a referida formação inicial ou contínua e já não as entidades empregadoras ou quaisquer outras beneficiárias da atividade dos aludidos motoristas profissionais.

Em segundo lugar, a contraordenação assacada aos motoristas nos artigos 4.º, n.º 1, 27.º, número 1 e 28.º do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de maio desdobra-se em dois tipos diversos de infrações, a saber, na não obtenção e detenção pelas vias legalmente previstas do CAM e da CQM por aqueles e na sua inexistência material na altura da autuação – ou seja, na mera circunstância do infractor não ter consigo, na altura, o dito título, porque se esqueceu da carteira ou dele em casa ou noutra viatura, não obstante o mesmo ter sido emitido -, sendo uma e outra sancionadas com coimas de valores substancialmente muito diferentes (1000 a 3000 € ou 50 a 150 €).

Indo ainda mais longe na apreciação das normas de cariz penalizador contidas no aludido diploma legal, chamem-se também à colação os seus artigos 29.º e 30.º:

Artigo 29.º
Pagamento voluntário.
1 - Se o infractor não pretender efectuar o pagamento voluntário, deve proceder ao depósito de quantia igual ao valor mínimo da coima prevista para a contraordenação praticada.
2 - O pagamento voluntário ou o depósito referidos no número anterior devem ser efectuados no acto de verificação da contraordenação, destinando -se o depósito a garantir o pagamento da coima em que o infractor possa vir a ser condenado, bem como das despesas legais a que houver lugar.
3 - Se o infractor declarar que pretende pagar a coima ou efectuar o depósito e não puder fazê-lo no acto da verificação da contraordenação, devem ser apreendidos a carta de condução e o livrete e título de registo de propriedade ou o certificado de matrícula do veículo até à efectivação do pagamento ou do depósito.
4 - No caso previsto no número anterior devem ser emitidas guias de substituição dos documentos apreendidos com validade não superior a 90 dias, renovável.
5 - A falta de pagamento ou do depósito nos termos dos números anteriores implica a apreensão do veículo, que se mantém até ao pagamento ou depósito ou à decisão absolutória.
6 - O veículo apreendido responde nos mesmos termos que o depósito pelo pagamento das quantias devidas.

Artigo 30.º
Imobilização do veículo.
Sempre que da imobilização de um veículo resultem danos para os passageiros, as mercadorias transportadas ou para o próprio veículo cabe à pessoa singular ou colectiva que realiza o transporte a responsabilidade por esses danos, sem prejuízo do direito de regresso.
             
Estas duas normas, muito embora alarguem as outras entidades – v.g. os donos, utilizadores ou beneficiários do transporte feito nos veículos que se achavam a ser conduzidos em infracção ao regime em apreço – as consequências jurídicas de tais contraordenações, não deixam de lhes conferir o direito de regresso sobre o motorista ou entidade licenciada, ficando ainda «apreendidos a carta de condução e o livrete e título de registo de propriedade ou o certificado de matrícula do veículo até à efectivação do pagamento ou do depósito».   
  
Este quadro jurídico, salvo melhor opinião, remete-nos, claramente, para o regime contido no artigo 117.º do C.T./2009 (obrigatoriedade de título profissional), que é da responsabilidade, em termos da sua obtenção, renovação, validade e vigência, do trabalhador ou do candidato ao lugar de motorista profissional de transporte de mercadorias ou de passageiros.

Concebe-se que a entidade empregadora, por sua iniciativa e com vista a garantir a aprovação dos motoristas seus trabalhadores, possa proporcionar formação contínua aos mesmos, mas seguro é que a mesma é preparatória, vestibular ou académica e não substitui a formação externa nem assegura um resultado positivo no final da formação + exame ou aproveitamento, que é realizado nos termos do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de maio.

Logo, a Ré não estava obrigada a pagar ao Autor a dita formação contínua mas apenas a disponibilizar-lhe as horas necessárias à sua realização, sendo que tal formação se posiciona num patamar qualitativamente distinto do da formação profissional dos artigos 130.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009.                                

F – DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA - REGIME LEGAL APLICÁVEL

Abordemos então esta outra problemática do presente recurso, chamando, desde logo, à colação o estatuído nos artigos 126.º, 128.º, 328.º, 351.º e 357.º do Código do Trabalho de 2009, na parte que para aqui releva (em função das imputações jurídicas efetuadas pela Ré na Nota de Culpa e na Decisão de Despedimento, por referência ao Relatório Final do instrutor do procedimento disciplinar e, finalmente, na Motivação de Despedimento, muito embora algumas das alíneas aqui referidas não se achem mencionadas naquelas peças do procedimento disciplinar): 

Artigo 126.º
Deveres gerais das partes.
1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.
2 - (…)

Artigo 128.º
Deveres do trabalhador.
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) (…)
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) (…)
h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i) (…)
2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.

Artigo 328.º
Sanções disciplinares.
1 - No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:
a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
f) Despedimento sem indemnização ou compensação.
2 – (…)

Artigo 330.º
Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar.
1 – A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.
2 – (…)

Artigo 351.º
Noção de justa causa de despedimento.
1 – Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
a) (…)
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;
e) (…)
3 – Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Artigo 357.º
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
1 – (…)
4 – Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5 – (…)

Será, portanto, com tais normas jurídicas de índole legal que iremos partir para a abordagem da justa causa de despedimento do Autor e para a sua licitude, face ao teor das mesmas e aos factos que foram dados como assentes e que podem ser assacados ao trabalhador.  

F1-FACTOS RELEVANTES.

Os factos dados como provados e não provados, com relevância para a apreciação da justa causa de despedimento, são os seguintes (negrito e sublinhados nossos):

«Factos provados:
1. A Ré é uma sociedade comercial que tem por objeto a exploração de transportes públicos rodoviários;
2. O Autor foi admitido para trabalhar por conta, a favor e sob ordens e direção da Ré, como motorista de serviços públicos;
3. A entidade empregadora comunicou ao trabalhador, em 06 de Fevereiro de 2015, a cessação do seu contrato de trabalho alegando justa causa;
4. A referida decisão baseou-se na proposta formulada no “Relatório Final e Conclusões em Processo Disciplinar”, pelo Instrutor do respetivo processo;
A. O Trabalhador encontra-se ao serviço da entidade empregadora desde 01 de Setembro de 1996, sem que nunca tivesse recebido qualquer sanção ou nota de culpa;
B. O trabalhador viu, em 03 de Maio de 2010, documentalmente comprovada pela entidade patronal, a sua competência profissional e bom comportamento desde o início das suas funções;
C. O trabalhador deu a conhecer à entidade empregadora o parecer da Autoridade para as Condições de Trabalho do Centro Local da Cidade de Lisboa, segundo o qual, “… a entidade responsável pela formação e, neste caso, pela formação destinada à obtenção do Certificado de Aptidão para Motorista (CAM) é sempre o empregador”;
D. A entidade empregadora entregou ao trabalhador a informação sobre esse parecer e a qual refere: “(…), 30 de Abril de 2013

Assim sendo, o trabalhador tem direito a usar o tempo de trabalho para aquela formação e até ao limite do tempo concedido pela lei para a formação contínua e consequentemente receber salário.
Questão distinta tem que ver com o custo dessa formação que é da exclusiva responsabilidade do trabalhador que por ele é particularmente responsável.
Resumindo, o trabalhador poderá inscrever-se num curso para obtenção do CAM, tem que pagar o mesmo, e, nós pagamos-lhe os dias que tirar para frequência do mesmo.
…”;
E. Em data não concretamente apurada mas certamente em Setembro de 2013 e antes do dia 09 daquele mês, o trabalhador dirigiu-se às instalações da sua entidade patronal a fim de perguntar ao Chefe de Tráfego CC, que se encontrava reunido com o fiscal DD, qual era o serviço dele para o dia seguinte;
F. No dia seguinte, o trabalhador apresentou-se na empresa e não iniciou o serviço para que estava escalado, informando que não podia pegar ao serviço porque não tinha CAM;
G. No dia 15 de Outubro de 2014, o trabalhador terminou a baixa médica prolongada, a qual se iniciou a 09 de Setembro de 2013;
H. No dia 16 de Outubro de 2014, o trabalhador deslocou-se à empresa e depois de informar de que a baixa terminara, questionou sobre o serviço distribuído para o dia seguinte;
I. Quando o trabalhador se apresentou na firma, no dia 16 de Outubro de 2014 após a alta foi questionado sobre o CAM tendo respondido não podia conduzir os veículos pesados de passageiros por não possuir ainda o CAM, e que tal era da responsabilidade da empresa;
R. O valor necessário para a obtenção do CAM ronda os € 200,00 (duzentos euros);
S. Os colegas do Autor obtiveram o CAM de que necessitaram a expensas suas;
T. A Ré adiantava fundos aos trabalhadores que precisassem de obter o CAM e os quais lhe pagava em momento posterior, sendo isso do conhecimento dos trabalhadores;

B) Factos não provados:

1. Que, quando o trabalhador se dirigiu às instalações da sua entidade patronal a fim de perguntar ao Chefe de Tráfego CC, que se encontrava reunido com o fiscal DD, qual era o serviço dele para o dia seguinte, o tenha feito no dia 08 de Setembro de 2013.
3. Pois com esse despedimento a entidade empregadora pretendeu que aos olhos dos outros trabalhadores o trabalhador surgisse desprovido de qualquer razão e como um exemplo para qualquer um que tentasse opor-se aos desígnios da firma.»»
 
F2-NOÇÃO JURÍDICA DE JUSTA CAUSA.

O Professor João Leal Amado[[9]], a partir da noção geral de justa causa contida no número 1 do artigo 351.º acima transcrito, refere que “a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infração disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (…)
As diversas condutas descritas nas várias alíneas do número 2 do artigo 351.º possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1 para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico”.

O Professor Monteiro Fernandes[[10]], defende que “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”, ao passo que o Professor Jorge Leite[[11]] sustenta que “a gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa” e ainda que “uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável”, isto quanto ao requisito legal da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.

Finalmente, a Professora Maria Rosário da Palma Ramalho[[12]], acerca do «conceito geral de justa causa disciplinar», afirma o seguinte:

«A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para des­pedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT. Estes requisitos, de verificarão cumulativa, são os seguintes:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (…)

Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. Estes requisitos justificam as seguintes observações:
i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.° 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…) 
 ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, natural­mente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii) O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não e, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Em interpretação da componente objetiva da justa causa, a jurisprudência tem chamado a atenção para três aspetos essenciais:
i) O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva. (…)
ii) A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. (…)
iii) A impossibilidade de subsistência do vínculo tem que ser imediata: este requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral. Assim, se, apesar de grave, ilícita e culposa, a infração do trabalhador não tiver, na prática, obstado à execução normal do contrato, após o conhecimento da situação pelo empregador, tal execução demonstra que a infração não comprometeu definitivamente o futuro do vínculo contratual. (…)
IV. Por fim, a lei exige que se verifique um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho. (cf., também, António Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1997, página 820).

F3-APRECIAÇÃO DA JUSTA CAUSA DOS AUTOS.

Ora, face ao descrito quadro legal e à interpretação que a transcrita doutrina faz do mesmo, importa averiguar se a conduta dada como assente e imputada ao Apelado integra ou não o conceito legal de justa causa.

A sentença recorrida, como sabemos, decidiu em sentido negativo, com a argumentação jurídica que já tivemos oportunidade de reproduzir noutra parte deste Aresto.

Discordamos da posição, quer assumida pelo trabalhador, quer pelo tribunal recorrido, no que respeita à ilicitude do despedimento com justa causa de que o Apelado foi alvo, por se nos afigurar proporcionada e razoável a aplicação ao trabalhador arguido no procedimento disciplinar da sanção máxima e não conservadora do vínculo laboral, nas circunstâncias muito concretas que foram dadas como assentes.

Impõe-se, naturalmente, chamar à colação a análise jurídica que fizemos do regime legal do CAM e que, muito em síntese, imputámos em termos de dever jurídico da sua obtenção, ao trabalhador motorista profissional, não tendo a entidade empregadora nenhuma obrigação de suportar o custo da correspondente e prévia formação contínua, a ser desenvolvida por entidades terceiras, devidamente certificadas pelo IMTT, IP, mas apenas a de proporcionar o tempo (de trabalho) necessário à concretização de tal formação.

Logo, o aqui recorrido, ao não desenvolver as diligências e procedimentos administrativos e práticos destinados a realizar essa formação e a lograr a emissão do CAM e depois da CQM (documentos legalmente reclamados aos motoristas profissionais e não por mero capricho ou exigência unilateral e interna da Ré), coloca-se numa situação voluntária, intencional e temporária de impossibilidade de desenvolvimento da sua atividade profissional de motorista profissional no seio da empresa recorrente, cujo objeto social é, precisamente, o de «exploração de transportes públicos rodoviários».

Importa realçar que tal conduta foi recorrente, pois o Autor já antes da sua baixa (que se revela estratégica e por, tal motivo, assaz significativa das circunstâncias e condições que envolveram o comportamento do visado aqui em apreço), que se iniciou em 9/9/2013, sabia que estava obrigado a obter os referidos documentos até ao dia seguinte [[13]], o que não fez, tendo reiterado tal conduta depois de retornar ao trabalho, em 15 de Outubro de 2014 e se recolocado, assim como à sua entidade empregadora, em situação similar à criada naquele primeiro momento.

Dir-se-á que a atuação de AA estava juridicamente fundada e justificada pelo parecer da ACT que ia no sentido da posição assumida pelo mesmo face à Ré, mas, desde logo, o trabalhador não lançou mão dos meios processuais que o legislador coloca ao seu dispor, pois caso vivenciasse um cenário de carência e urgência, impeditivo de assumir por si os encargos da referida formação, poderia lançar mão de um procedimento cautelar comum (ficou, no entanto, demonstrado que a aqui entidade patronal adiantava as verbas necessárias para esse efeito aos seus motoristas, caso fosse necessário) ou, ainda que assim não ocorresse e pretendesse convencer a sua entidade empregadora da licitude da sua atitude, poderia queixar-se à ACT ou propor uma ação declarativa de condenação com processo comum contra a Ré, o que não fez.

Num segundo plano, para além do adiantamento pela Ré das quantias necessárias à realização da dita formação, com vista à obtenção do CAM e da CQM, que antes mencionámos, aquela tomou expressa posição de oposição quanto ao parecer da ACT, tendo comunicado a mesma ao Autor, tendo ainda ficado demonstrado que os demais colegas motoristas do recorrido faziam a dita formação a suas expensas.

Logo, o Autor estava ciente não apenas da postura da sua entidade empregadora e da justificação apresentada para fundar a mesma, como sabia que os seus colegas em idêntica situação profissional tinham acatado aquela, não nos encontrando nós apenas perante uma conduta reiterada de desrespeito pela lei, como ainda de desobediência a instruções da sua entidade patronal, ficando o trabalhador assim impedido de continuar a atividade profissional de motorista para que foi contratado em 1/9/1996, com a eventual e inerente suspensão do respetivo contrato de trabalho.  
              
Estando nós face a um trabalhador com cerca de dezoito anos de casa, sem passado disciplinar e com um bom desempenho profissional até, pelo menos, maio de 2010, será de considerar irrazoável e desproporcionada a medida última de despedimento com justa causa aplicada pela Ré ao Autor?
A nossa resposta, como já antes avançámos, é negativa, pois afigura-se-nos que face a esse comportamento grave, voluntário, intencional, continuado, reiterado, culposo e causador da (eventual) suspensão do vínculo laboral e causador de prejuízos imediatos para a empresa transportadora, que nessa medida não pode contar com o trabalho do Autor, não era exigível à Ré a manutenção do vínculo laboral, sendo perfeitamente adequada e proporcional a aplicação da sanção disciplinar máxima e não conservatória do vínculo laboral.

Logo, pelos fundamentos expostos, julgamos lícito o despedimento com invocação de justa causa de que o Autora foi destinatário, sendo assim inevitável a procedência da Apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por uma outra decisão que, julgando lícito o despedimento com justa causa de que o Autor foi alvo, absolva a Ré das diversas pretensões contra ela deduzidas em função da ilicitude de tal modalidade da cessação do contrato de trabalho.

G–DEMAIS PRESTAÇÕES.

Convirá referir que o Autor formulou, no quadro da sua reconvenção, o seguinte pedido:
- Condenação do Empregador no pagamento de férias, subsídio de férias e Natal no valor de € 961,98, alegando, para o efeito, o não pagamento das férias vencidas em 01 de Janeiro de 2015 e não gozadas no valor de € 715,82, assim como do valor de € 82,32 a título de subsídio de férias vencidas naquela data e não pagas e por fim, a quantia de € 163,84 a título de proporcionais das férias, subsídio de férias e de Natal, ainda em dívida e referentes a 2015.

Verifica-se, contudo, que a sentença impugnada, na sua parte decisória, não fez uma menção expressa a tais prestações, fundando-se, para o efeito, na seguinte argumentação jurídica:
«Do pedido reconvencional:
Atendendo à declaração de ilicitude do despedimento tal como aliás mencionado supra é procedente o pedido formulado no tocante aos salários vencidos e vincendos, nos termos do art.º 390.º do Código do Trabalho, uma vez que o Trabalhador intentou a presente ação antes de decorridos 30 dias após o seu despedimento. Porém a esse montante, atento o preceituado no n.º 2 al. a) e c) do referido art.º 390.º haverá que deduzir deduzidas as importâncias que o mesmo eventualmente tenha auferido, a título de rendimentos de trabalho, após a data do despedimento, e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como o subsídio de desemprego.

Tal apuramento deverá ser efetuado em sede de liquidação de sentença, nos termos do art.º 609.º n.º 1 do CPC, e sem prejuízo da comunicação da presente decisão ao serviço competente do ministério responsável pela área da segurança social.

Ora, o que importa considerar neste art.º 390.º do Código do Trabalho é que com o mesmo se visa impedir que exista um enriquecimento sem causa do trabalhador, na medida em que se assim não fosse ele poderia receber “duas vezes”: uma por virtude da cessação do contrato e, posteriormente, com a declaração de ilicitude do contrato, em que este retomava os seus efeitos, interrompidos mercê da ação ilícita do empregador, viria a receber as contrapartidas como se o contrato tivesse estado em vigor, através das retribuições intercalares.

Como escreve Pedro Furtado Martins (Vide Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, pág. 445), na norma em análise incluem-se as “(…) quantias pagas por causa da cessação, que são devidas em qualquer situação de extinção da relação laboral, e que possam também ser cobertas, no todo ou em parte, pelos salários intercalares”.

É o caso subsídio de Natal liquidado no ano em que o despedimento foi declarado (cfr. art.º 263.º n.º 2 al. b) do Código do Trabalho), ou da retribuição por férias e do subsídio de férias pagos na mesma ocasião, quer por férias vencidas no ano da cessação, quer por férias vincendas (cfr. art.º 245.º n.º 1 al. a) e b) do Código do Trabalho).

Assim, considerando que as quantias peticionadas em sede de pedido reconvencional, pelo Autor, a título de férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias a estas referentes, proporcionais das férias, subsídio de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho não seriam pagas ao trabalhador nas condições em que o foram se esta não tivesse sido declarada por virtude do despedimento, as mesmas teriam (caso tivessem sido integralmente pagas tal como pretende o Autor) que ser deduzidas nas retribuições intercalares, tal como as quantias alegadamente já pagas pela Ré a esse título.

Ou, por outras palavras, face ao exposto no art.º 390.º n.º 2 al. a) do Código do Trabalho não há que condenar a Ré no pagamento de quaisquer quantias devidas a título da cessação do contrato de trabalho, devendo as que eventualmente tenham sido pagas ao trabalhador, aqui Autor, ser consideradas em sede de liquidação de sentença, nomeadamente deduzindo-as do valor das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento.»

Ora, entendemos que, na sequência do reconhecimento da licitude do despedimento de que o Autor foi alvo por parte da Ré, temos de olhar para essas pretensões que não foram «consumidas» pela compensação do artigo 390.º do C.T./2009, em que a sentença recorrida condenou a empresa, de uma forma autonomizada.

Os factos com relevância que foram dados como provados são os seguintes:
3. A entidade empregadora comunicou ao trabalhador, em 06 de Fevereiro de 2015, a cessação do seu contrato de trabalho alegando justa causa;
J. A entidade empregadora, na sequência do despedimento do trabalhador, pagou-lhe a quantia total de € 1.793,08, a qual retirados os descontos obrigatórios, se cifrou em €1.452,79, desdobrando-se esta quantia em:
- Remuneração 126,70
- Diuturnidades 16,46
- Subs. Férias 633,50
- S. Férias Prop./Ano 72,86
- Fer. N/Goz. Prop./Ano 72,56
- Duod. Subs. Natal 72,86
- Férias N/Goz Ano Ant. 715,82
- Diut. S/Subs. Férias 82,32.

Ora, salvo melhor opinião, desses factos – e embora não haja nos factos dados como assentes qualquer menção expressa aos valores em que desdobrava a remuneração global do Apelado -, verificamos que foram pagas as férias que se venceram em 1/1/2015, no valor reclamado de € 715,82, bem como o valor de € 82,32 igualmente pretendido, a título do correspondente subsídio de férias e o de € 163,84 a título de proporcionais das férias, subsídio de férias e de Natal do ano de 2015 (foram, pagos, aliás, a esse respeito, montantes superiores e globais, de € 218,58).

Logo, a Ré, conforme lhe competia, conseguiu demonstrar o pagamento de tais prestações e importâncias, nada havendo a considerar nessa matéria, em sede de eventual condenação da Apelante quanto a tal problemática, o que, numa palavra, significa também a sua absolvição quanto a essas pretensões remuneratórias.

IV–DECISÃO.

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 613.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por BB, LDA., revogando-se, nessa medida, a sentença recorrida e absolvendo-se a Ré dos pedidos contra ela formulados pelo Autor.
*
Custas da ação e do presente recurso a cargo do Autor – artigo 527.º, número 1 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.


Lisboa, 13 de julho de 2016     


José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Eduardo Azevedo



[1]Importa considerar também o Preâmbulo de tal diploma legal, quando reza o seguinte:
«O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2003/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho, alterada pela Diretiva n.º 2004/66/CE, do Conselho, de 26 de Abril, e pela Diretiva n.º 006/103/CE, do Conselho, de 20 de Novembro, relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros.
Como é sabido, a referida Diretiva n.º 2003/59/CE é aplicável aos motoristas por conta própria e por conta de outrem e visa assegurar a qualificação dos motoristas, tanto no acesso à atividade de condução, como durante o respetivo exercício, ao longo da sua vida ativa.
Trata -se de uma qualificação mais vasta do que aquela que é proporcionada pelo ensino para a obtenção da carta de condução, na medida em que contempla um amplo conjunto de especificidades da condução dos motoristas abrangidos, versando ainda sobre especificidades dos sectores do transporte rodoviário em que esses motoristas desenvolvem a sua atividade.
Em termos globais, este novo sistema de qualificação visa melhorar as condições de segurança numa dupla perspetiva, incidindo quer sobre a segurança rodoviária, quer sobre a segurança dos próprios motoristas.
Ponderada a conjugação do objetivo de melhoria das condições de segurança com a realidade nacional, optou-se por restringir o leque de isenções estabelecido pela Diretiva n.º 2003/59/CE.
Assim, quanto aos motoristas de veículos pesados de passageiros, ficam isentos do regime do presente decreto-lei os que conduzem veículos com lotação até 14 lugares, incluindo o condutor, desde que utilizados no transporte não comercial para fins privados.
Quanto aos motoristas de veículos pesados de mercadorias, é estabelecida isenção para os que efetuam transportes para fins privados, ou seja, nos casos em que o transporte em veículos de peso bruto até 7500 kg não se enquadre no desenvolvimento de uma atividade comercial, bem como aqueles em que o condutor transporte materiais ou equipamentos inerentes ao desempenho da sua própria profissão, desde que essa profissão não seja, em termos principais, a de condução do veículo.
Relativamente à formação, assume relevo, por exemplo, a matéria formativa respeitante à condução defensiva, cujos efeitos benéficos para a racionalização do consumo de combustível, para o sector dos transportes rodoviários e para a sociedade em geral, são igualmente de registar.
Por outro lado, o adequado conhecimento das regulamentações sectoriais aplicáveis ao transporte de mercadorias e ao transporte de passageiros em autocarro, constitui igualmente um fator relevante para o aumento da qualidade destes serviços de transporte rodoviário.
Esta qualificação, tanto a obtida com a formação inicial, como a decorrente da respetiva atualização através da formação contínua, em cada cinco anos, é comprovada através do certificado de aptidão para motorista (CAM), indispensável para a obtenção da carta de qualificação de motorista.
Este documento em conjunto com a carta de condução habilita o motorista a conduzir de acordo com as exigências ora fixadas.
A formação cabe a entidades devidamente licenciadas pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P., mediante a observância de um conjunto de requisitos específicos que têm em vista assegurar a prestação de uma formação de qualidade e apta a formar os motoristas de acordo com os padrões de exigência e os objetivos prosseguidos pelo presente decreto-lei.
Para além do regime de licenciamento de entidades para ministrar formação e do reconhecimento dos respetivos cursos, o presente decreto-lei estabelece o regime sancionatório aplicável ao incumprimento das normas que institui, determina a calendarização da obrigação de obter a carta de qualificação de motorista e estabelece os conteúdos da formação.
O projeto correspondente ao presente decreto-lei foi submetido a apreciação pública através de publicação na separata do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 4, de 26 de Novembro de 2008.
Diversas associações sindicais, patronais e entidades formadoras emitiram pareceres que suscitaram algumas alterações, nomeadamente no que se refere ao regime de isenções do âmbito de aplicação do presente decreto-lei e ao requisito de capacidade financeira das entidades formadoras que não revistam a forma de sociedade comercial.»
[2]Embora de verificação certamente rara, nada obsta a que um trabalhador de uma empresa de transportes, com carta de condução para veículos particulares de passageiros e/ou mercadorias, decida tirar a carta profissional de pesados, com a inerente necessidade de frequência de um curso de formação comum ou acelerado, para efeitos de obtenção do CAM e da subsequente CQM.   
[3]Os artigos 130.º a 134.º do Código do Trabalho de 2009 possuem a seguinte redação:
SUBSECÇÃO II
Formação profissional
Artigo 130.º
Objectivos da formação profissional
São objectivos da formação profissional:
a) Proporcionar qualificação inicial a jovem que ingresse no mercado de trabalho sem essa qualificação;
b) Assegurar a formação contínua dos trabalhadores da empresa;
c) Promover a qualificação ou reconversão profissional de trabalhador em risco de desemprego;
d) Promover a reabilitação profissional de trabalhador com deficiência, em particular daquele cuja incapacidade resulta de acidente de trabalho;
e) Promover a integração socioprofissional de trabalhador pertencente a grupo com particulares dificuldades de inserção.
Artigo 131º
Formação contínua
1 - No âmbito da formação contínua, o empregador deve:
a) Promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa;
b) Assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante acções desenvolvidas na empresa ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador;
c) Organizar a formação na empresa, estruturando planos de formação anuais ou plurianuais e, relativamente a estes, assegurar o direito a informação e consulta dos trabalhadores e dos seus representantes;
d) Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador.
2 - O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
3 - A formação referida no número anterior pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente e dá lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações.
4 - Para efeito de cumprimento do disposto no n.º 2, são consideradas as horas de dispensa de trabalho para frequência de aulas e de faltas para prestação de provas de avaliação, ao abrigo do regime de trabalhador-estudante, bem como as ausências a que haja lugar no âmbito de processo de reconhecimento, validação e certificação de competências.
5 - O empregador deve assegurar, em cada ano, formação contínua a pelo menos 10 % dos trabalhadores da empresa.
6 - O empregador pode antecipar até dois anos ou, desde que o plano de formação o preveja, diferir por igual período, a efectivação da formação anual a que se refere o n.º 2, imputando-se a formação realizada ao cumprimento da obrigação mais antiga.
7 - O período de antecipação a que se refere o número anterior é de cinco anos no caso de frequência de processo de reconhecimento, validação e certificação de competências, ou de formação que confira dupla certificação.
8 - A formação contínua que seja assegurada pelo utilizador ou pelo cessionário, no caso de, respectivamente, trabalho temporário ou cedência ocasional de trabalhador, exonera o empregador, podendo haver lugar a compensação por parte deste em termos a acordar.
9 - O disposto na lei em matéria de formação contínua pode ser adaptado por convenção colectiva que tenha em conta as características do sector de actividade, a qualificação dos trabalhadores e a dimensão da empresa.
10 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 2 ou 5.
Artigo 132.º
Crédito de horas e subsídio para formação contínua
1 - As horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador.
2 - O crédito de horas para formação é referido ao período normal de trabalho, confere direito a retribuição e conta como tempo de serviço efectivo.
3 - O trabalhador pode utilizar o crédito de horas para a frequência de acções de formação, mediante comunicação ao empregador com a antecedência mínima de 10 dias.
4 - Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou acordo individual, pode ser estabelecido um subsídio para pagamento do custo da formação, até ao valor da retribuição do período de crédito de horas utilizado.
5 - Em caso de cumulação de créditos de horas, a formação realizada é imputada ao crédito vencido há mais tempo.
6 - O crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição.
Artigo 133.º
Conteúdo da formação contínua
1 - A área da formação contínua é determinada por acordo ou, na falta deste, pelo empregador, caso em que deve coincidir ou ser afim com a actividade prestada pelo trabalhador.
2 - A área da formação a que se refere o artigo anterior é escolhida pelo trabalhador, devendo ter correspondência com a actividade prestada ou respeitar a tecnologias de informação e comunicação, segurança e saúde no trabalho ou língua estrangeira.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
Artigo 134.º
Efeito da cessação do contrato de trabalho no direito a formação
Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.
[4]Basta pensar que as entidades com competência contraordenacional nesta área são as autoridades policiais que fiscalizam a circulação rodoviária e o IMTT, I.P, não se fazendo qualquer menção à ACT quanto a tal aspeto - ou, em rigor, no que toca a qualquer outro - no quadro deste regime legal.    
[5]Numa coincidência com o período mínimo de formação contínua do número 2 do artigo 131.º do CT/2009, que não pode ser escamoteada na apreciação desta matéria.   
[6]Remetem-se as partes para o seguinte link do IMTT, I.P: http://www.imtt.pt/sites/IMTT/Portugues/TransportesRodoviarios/TransportePublicoPassageiros/CertificacaodeMotoristas/Paginas/CertificacaodeMotoristas.aspx
[7]Importando lembrar que os conceitos de superveniência, definitividade e absolutabilidade (?) são jurídicos e não meramente fácticos ou materiais. 
[8]Artigo 4.º
Carta de qualificação de motorista
1 - É obrigatória a posse da carta de qualificação de motorista para o exercício da condução dos veículos a que se refere o artigo 2.º, constando as respetivas especificações e modelo do anexo V ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.
2 - A emissão de carta de qualificação de motorista depende da posse de um CAM, emitido de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º
3 - A carta de qualificação de motorista é emitida pelo período máximo de cinco anos.
4 - O Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. (IMTT, I. P.), é a entidade competente para emitir a carta de qualificação de motorista.
[9]Em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta da Wolters Kluwer e Coimbra Editora, página 383.
[10]Em “Direito do Trabalho”, 14.ª Edição, 2009, Almedina, página 612.
[11]Em “Coletânea de Leis do Trabalho”, página 250 (nota 537 a página 384 da obra de João Leal Amado).
[12]Em “Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, 4.ª Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 a 821. 
[13]Cfr. o link antes referenciado do sítio do IMTT, IP, onde é indicada a referida data de 10/9/2013 como limite para a obtenção pelos motoristas com a faixa etária entre os 41 e os 50 anos: http://www.imtt.pt/sites/IMTT/Portugues/TransportesRodoviarios/TransportePublicoPassageiros/CertificacaodeMotoristas/Paginas/CertificacaodeMotoristas.aspx

Decisão Texto Integral: