Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
203/18.1T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: INTERPRETAÇÃO
RETROACTIVIDADE
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: O Contrato Coletivo de Trabalho publicado no BTE nº 48, de 29.12.2015, celebrado designadamente entre a FECTRANS, e a ANTROP, não tem natureza interpretativa do Contrato Coletivo de Trabalho publicado no BTE n.º 8, de 29/02/1980, que vigorou até ao dia 03/01/2016, nem aplicação retroativa no que toca a retribuições.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autor e recorrente: A.
Ré: R.
O A. demandou a R. alegando que foi admitido ao serviço da Ré, em 01.04.1996, mediante contrato de trabalho, para exercer as funções de Motorista de serviços públicos, em regime de agente único. Por determinação da Ré, prestou trabalho suplementar, discriminado nos seus recibos de vencimento, mas sem que a empregadora lhe concedesse o devido descanso compensatório. Nos dias em que deveria ter gozado o descanso compensatório trabalhou, tendo recebido a respetiva remuneração, mas sem o acréscimo legal, não inferior a 100%, conforme resulta da lei. Contabiliza as horas de trabalho suplementar que prestou e as horas de descanso compensatório devido, nos anos de 2004 a 2012, e conclui ter direito à quantia de 5.141,45 € a título de descanso compensatório. Sendo a sua remuneração composta por uma parte certa (retribuição base e anuidades) e outra variável (subsídio de agente único, trabalho suplementar e trabalho noturno), no pagamento da remuneração de férias e nos subsídios de férias e de Natal, a Ré apenas tem em consideração a parte certa da retribuição e o subsídio de agente único, apesar das remunerações por trabalho suplementar e trabalho noturno terem sido sempre pagas mensalmente. Ora, a média dos valores pagos a título de remuneração por trabalho suplementar e trabalho noturno, nos anos em que essas retribuições ocorreram em todos os meses de atividade (pelo menos onze meses) deve ser considerada para os cálculos da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal (este até ao ano de 2015, inclusive e atendendo à redação do CCT que entrou em vigor no dia 04.01.2016 e que consagrou que o subsídio de Natal corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades). A quantia devida a título de diferenças na retribuição de férias e subsídio de férias e de Natal já vencidas (anos de 1999 a 2016) ascende a 11.307,05 €, devendo a Ré ser ainda condenada no pagamento das diferenças vincendas, a liquidar em execução de sentença.
Com estes fundamentos pediu a condenação da ré a pagar-lhe:
a) 5.141,45 € a título de descansos compensatórios;
b) 11.307,05 € na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, referentes à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar e trabalho noturno auferidos com carácter de regularidade entre os anos de 1999 a 2016, e nas prestações vincendas a que venha a ter direito, a liquidar em execução de sentença;
c) os juros de mora até integral pagamento.
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Não havendo acordo, a Ré contestou. Aceitou ser devedora ao Autor de valores referentes ao descanso compensatório, mas defendeu que o A. calculou incorretamente os valores devidos, porquanto partiu da atual remuneração base de 721,00 €, quando deveria ter realizado tais cálculos com base na retribuição que auferia em cada período em que não lhe foram concedidos os descansos compensatórios, sendo devidos, assim, 4.622,19 €. No que concerne à integração na retribuição de férias e subsídio de férias da remuneração variável, disse a Ré que a cláusula 50ª do CCT publicado no BTE nº 48, de 29.12.2015, não deixa margem para dúvidas de que no cálculo da retribuição de férias e respetivo subsídio não são contempladas as retribuições por trabalho suplementar e trabalho noturno, tendo a cláusula 50ª um sentido interpretativo, no mesmo sentido, em relação ao regime vigente até 03.01.2016. Quanto ao subsídio de Natal, trata-se de uma prestação complementar que, por força do Código do Trabalho de 2003 e 2009 (art.º 250º, nº 1 e 262º, nº 1, respetivamente) e da cláusula 51ª do CCT de 2016 também não inclui no seu cálculo as remunerações por trabalho suplementar e noturno.
A Ré concluiu que apenas deverá ser reconhecido ao A. o pagamento 4.622,19 €, a título de compensação por descansos compensatórios não gozados, devendo no mais ser absolvida dos pedidos.
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Saneado o processo e realizado o julgamento, o Tribunal julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar ao A. 4.662,19 € a título de compensação por descansos compensatórios não gozados, a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.
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Inconformado, o A. apelou, formulando as seguintes conclusões:
1. Considerou o Tribunal a quo que o CCT publicado no BTE n.º 48, de 29/12/2015, tem natureza interpretativa do CCT publicado no BTE n.º 8, de 29/02/1980, que vigorou até ao dia 03/01/2016, no sentido de que para o cálculo da retribuição de férias e subsídios de férias e Natal apenas podem ser valoradas a retribuição base, as diuturnidades e o subsídio de agente único.
2. Com o devido respeito, considera o A. que deverá a Recorrida ser condenada no pagamento de 11.307,05 € referentes à integração na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal da remuneração variável a título de trabalho suplementar e nocturno dos anos de 1999 a 2016. Com efeito,
3. Inexiste qualquer cláusula no CCT publicado no BTE n.º 48, de 29/12/2015 que refira que o mesmo tem natureza interpretativa do CCT publicado no BTE n.º 8, de 29/02/1980 no que ao pagamento das remunerações de férias e subsídios de férias e de Natal diz respeito, nem tal se mostraria exequível passados 35 anos da publicação do primeiro CCT,
4. Nem tal entendimento pode ser efectuado pelo facto de o sindicato celebrante da convenção coletiva aceitar uma diminuição das prestações remuneratórias de férias e subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores, dado que o CCT teria de ser analisado no seu todo para se chegar a tal conclusão, pois a convenção colectiva abarca outras matérias sujeitas a negociação que, certamente, para terem sido acordadas entre as partes celebrantes obrigaram a determinadas cedências de ambas.
5. Mais, o CCT publicado no BTE n.º 8, de 29/02/1980 foi celebrado entre a (…) e a (…) e o CCT publicado no BTE n.º 48, de 29/12/2015 foi celebrado entre a (…) e o(…).
6. A CCT, que vigorou até 03/01/2016, previa na cláusula 44ª, a título de férias e subsídio de férias, uma redacção igual ao que sobre a matéria vinha regulada no art.º 6º do Decreto-Lei n.º 874/76 de 28 de Dezembro, no CT/2003 e no CT/2009, respectivamente nos art.º 255º e 265º destes diplomas legais.
7. Relativamente ao subsídio de Natal, previa a cl. 45ª uma redação igual ao que se encontrava consagrada no n.º 1 do art.º 2º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho e que apenas veio a ser alterada com o CT/2003.
8. A leitura das referidas cláusulas não deixa margem para dúvidas na sua interpretação, não obstante o CCT publicado no BTE n.º 48, de 29/12/2015, vir a dar uma redação diferente às mesmas, carecendo de fundamentação que este CCT veio a conferir natureza interpretativa a um CCT celebrado 35 anos antes.
9. Ademais, a manter-se a interpretação feita pelo Tribunal a quo das cláusulas dos CCT em crise sempre estaríamos perante uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
10. As remunerações reclamadas pelo A. foram auferidas de modo regular e periódico, em pelo menos 11 meses de cada ano, facto que determina a sua integração na sua retribuição, em cumprimento do disposto nos art.º 82º, 83º e 84º da LCT, 249º, 251º e 252º do CT/2003 e 258º a 265º do CT/2009, facto que tem sido pacífico na doutrina e jurisprudência.
11. Neste sentido, e a título meramente exemplificativo, vide entre outros Ac. do STJ, de 16.12.2010 in www.dgsi.pt, Ac. RP, de 14.06.2010 in www.dgsi.pt, Ac. RC, de 26.05.2009 in CJ, Ano XXXIV, Tomo III, p.58, Ac. STJ de 14/01/2015 in www.dgsi.pt, Ac. RP, proferido no Rec. n.º 1193/99-PT, 1ª Secção, Ac. RE, de 19/04/2005 in www.dgsi.pt..
12. Em consequência, salvo o devido respeito, a sentença recorrida interpretou incorrectamente o direito aplicável ao caso sub judice, pelo que se impõe a sua substituição na parte em que não condenou a R. no pagamento ao A. de 11.307,05€ referentes à integração na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal da remuneração variável auferida a título de trabalho suplementar e noturno dos anos de 1999 a 2016.
Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que declare procedente a ação.
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A R. não contra-alegou.
O MºPº teve vista e manifestou-se no sentido da procedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
A questão suscitada neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Código de Processo Civil – consiste em determinar se, face à natureza, interpretativa ou não, da cláusula 50ª, são devidas as quantias reclamadas pelo A. 
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São estes os factos provados:
1) A Ré exerce a atividade de Transportes Rodoviários Pesados de Passageiros.
2) O Autor está sindicalizado no Sindicato (…), por sua vez, filiado na (…), e a Ré é associada na (…).
3) Aplicando-se às relações laborais entre o Autor e Ré as disposições do Contrato Coletivo de Trabalho, publicado no BTE n.º 8, 1ª Série, de 29/02/1980, e suas sucessivas alterações, a última das quais publicada no BTE n.º 48, 1ª Série, de 29/12/2015.
4) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 01 de Abril de 1996.
5) Para, sob a sua autoridade, fiscalização e direção, exercer as funções de motorista de serviços públicos, em regime de agente único, conforme doc. 1 junto com a petição inicial, conduzindo viaturas com mais de 9 lugares.
6) Como contrapartida pelo exercício da sua atividade profissional, o Autor aufere a remuneração mensal de € 637,00, acrescida de diuturnidades de € 84,00.
7) O Autor possui um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias, cumprindo com os serviços de carreiras que lhe são impostos pela Ré, em chapas numeradas/escalas de serviço diárias que variam consoante a vontade e interesse desta que, em termos abstratos, pode ser efetuada por qualquer trabalhador da empresa, sendo assim uma chapa geral de um determinado serviço específico.
8) Sendo, portanto, a Ré que indica ao Autor o traçado rodoviário e os destinos a atingir, dentro dos horários e escalas por ela pré-estabelecidos.
9) Para além disso, a Ré afixa, também, uma escala diária de serviço onde determina qual o trabalhador concreto que irá efetuar a chapa de serviço geral naquele dia específico.
10) Por determinação da Ré, nomeadamente constando das escalas diárias de serviço, o Autor prestou com regularidade trabalho suplementar, cujo número de horas mensais realizadas vêm discriminadas nos seus recibos de vencimento, os quais são elaborados pela Ré.
11) Os recibos do Autor apresentam vários itens que discriminam o número (quantidade) de horas de trabalho suplementar realizado, sendo que:
a) “Hora Extra 50% Diurno/Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho suplementar efetuado em dia útil no período diurno/nocturno, com acréscimo de pagamento de 50% sobre o valor hora normal;
b) “Hora Extra 75% Diurno/Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho suplementar efetuado em dia útil no período diurno/nocturno, com acréscimo de pagamento de 75% sobre o valor hora normal;
c) “Feriado Diurno/Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho efetuado em dia de feriado no período diurno/nocturno;
d) “Feriado Sup. Diurno/Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho suplementar efetuado em dia de feriado no período diurno/nocturno;
e) “Descanso Compl. Diurno/Nocturno – Folgas C” diz respeito ao tempo de trabalho efetuado em dia de descanso complementar prestado em período diurno/nocturno;
f) “Descanso Compl. Sup. Diurno/Nocturno” diz respeito ao tempo de trabalho suplementar efetuado em dia de descanso complementar prestado em período diurno/nocturno;
g) “1ª Hora (D)/(N)” diz respeito à primeira hora de trabalho suplementar efetuada em dia útil no período diurno/nocturno;
h) “2ª Hora e seguintes (D)/(N)” diz respeito à segunda hora e seguintes de trabalho suplementar efetuada em dia útil no período diurno/nocturno.
12) A Ré nunca concedeu ao Autor qualquer período de descanso compensatório.
13) O Autor trabalhou nos dias em que deveria ter gozado descanso compensatório, por imposição da Ré, tendo recebido a correspetiva retribuição, sem qualquer acréscimo legal.
14) No período compreendido entre 01 de Dezembro de 2003 e 31 de Julho de 2012, o Autor efetuou as horas de trabalho suplementar descritas no artigo 25º da petição inicial.
15) A remuneração do Autor é composta pela retribuição base e anuidades, o subsídio de agente único e o trabalho suplementar e trabalho noturno, quando prestados.
16) Para pagamento da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a Ré não contabiliza nem o trabalho suplementar, nem o trabalho noturno.
17) O Autor auferiu os valores descriminados nos recibos de vencimento juntos aos autos, a título de trabalho suplementar.
18) As retribuições do Autor foram, nos anos de 2004 a 2012, as seguintes:

AnoRetribuição base Diuturnidades Total
2004 552,70 26,94 579,64
2005 563,75 40,41 604,16
2006 575,03 40,41 615,44
2007 586,53 40,41 626,94
2008 600,00 53,88 653,88
2009 611,00 53,88 664,88
2010 611,00 53,88 664,88
2011 620,00 68,00 688,00
2012 620,00 68,00 688,00

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B) De Direito
A sentença recorrida conheceu a matéria nos seguintes termos:
“A questão sub judice implica que se determine a natureza retributiva das prestações auferidas pelo Autor a título de trabalho suplementar e trabalho noturno, nos termos e para os efeitos dos artigos 82.º e seguintes da LCT, 249º e ss. do Código do Trabalho de 2003, 258º e ss. do Código do Trabalho de 2009 e Cláusulas aplicáveis da Regulamentação Coletiva, tudo diplomas que se foram sucedendo ao longo do período delimitado pelo Autor, de 17 anos.
Devia a Ré ter integrado a média das quantias pagas a título de trabalho suplementar e noturno nas retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal ?
O CCT que vigorou até 03.01.2016 – publicado no BTE, 1ª série, nº 8, de 29.02.1980, revisto e publicado no BTE, 1ª série, n.º 20, de 29 de maio de 1999 – para além da remuneração base (cláusula 39ª) previa também o pagamento de diuturnidades (cláusula 41ª).
Em sede de retribuição de férias e correspondente subsídio, a cl. 44ª do CCT prescrevia que “até oito dias antes do início das suas férias ou do primeiro período, em caso de férias interpoladas, os trabalhadores receberão da empresa um subsídio de montante igual à retribuição correspondente ao período de férias a que têm direito”.
Para o subsídio de Natal, o nº 1 da cl. 45ª, consignava que “todos os trabalhadores abrangidos por este CCTV têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano”.
O CCT que sucedeu àquele, publicado no BTE nº 48, de 29.12.2015, cuja vigência se mantém desde 04.01.2016, dispôs igualmente sobre o pagamento da retribuição base e das diuturnidades e, quanto ao subsídio de férias previu:
1-Durante o período em que ocorra o gozo de férias, os trabalhadores receberão da empresa a retribuição e um subsídio de férias de montante igual à retribuição base e diuturnidades, correspondentes ao período de férias a que têm direito.
2- Para além da retribuição base e diuturnidades, o trabalhador receberá ainda o proporcional do subsídio de agente único calculado nos termos do previsto na cláusula 15.ª
3- Dos proporcionais a serem pagos na retribuição e subsídio de férias exclui-se qualquer outra cláusula de expressão pecuniária” (cfr. cláusula 50ª, nº 1).
Relativamente ao subsídio de Natal, a cl. 51ª dispõe que:
1-Todos os trabalhadores abrangidos por este CCTV têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano.
2- Para além da retribuição base e diuturnidades, o trabalhador receberá ainda o proporcional do subsídio de agente único calculado nos termos do previsto na cláusula 15.ª, o qual será pago, o qual será pago aquando do pagamento referido no número 1”.
Ora, conjugando o regime do BTE nº 8, de 1980, com o do BTE em vigor desde 04.01.2016, afigura-se-nos que, quanto à retribuição de férias e subsídio de férias a cl. 50ª do CCT tem efetivamente natureza interpretativa do regime que vigorou até 03.01.2016, no sentido de que para o cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias apenas podem ser valoradas a retribuição base, as diuturnidades e o subsídio de agente único.
Não sendo plausível que o (…) Sindicato (…) aceitasse uma diminuição das prestações remuneratórias dos trabalhadores, não vemos que na vigência do CCT que vigorou entre 1980 e 03.01.2016, o regime de remuneração da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal fosse mais favorável aos trabalhadores do setor e incluísse a média dos valores pagos pelas empresas a título de trabalho suplementar e noturno.
E o mesmo se diga quanto ao subsídio de Natal.
Por força da cl. 51ª do CCT, o subsídio de Natal abrange apenas a retribuição base, as diuturnidades e o subsídio de agente único. A cl. 51ª está, aliás, em consonância com o disposto no nº 1 do art.º 262º do Código do Trabalho.
Esta norma – “quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades” – que abarca o subsídio de Natal – prestação complementar – assume igualmente, quanto a nós, a natureza interpretativa no sentido de que, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, o subsídio de Natal abrange apenas a retribuição base e diuturnidades.
Dito isto, consideramos que não deve haver integração na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal da remuneração variável a título de trabalho suplementar e trabalho noturno, pelo que a ação improcederá nesta parte”.
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Aspetos Gerais
Considerando que se discute a retribuição do período que medeia entre 1999 e 2016, e depois, posteriormente, temos que, no que toca aos pagamentos de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos nos anos até 1 de Dezembro de 2003 é aplicável o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, e o regime jurídico das férias, feriados e faltas, contido no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e da Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e a Lei do subsídio de Natal (Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho) – LFFF (art.º 8º da Lei n.º 99/03, de 27.08); ao período posterior o regime do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 (CT2003); finalmente, no que seja posterior a 17.2.2009, o regime do Código do Trabalho 2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.2.
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Dispunha o art.º 82º da LCT, sob a epígrafe “princípios gerais”, que 
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Outrossim com a mesma epigrafe, e em termos próximos, estabelecia o art.º 249º do CT2003 que
1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 — Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 — A qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos nºs 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código.
De aqui se extraem os elementos que caracterizam a retribuição[1].
Escrevendo no âmbito da LCT Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, vol I, ed. Lex, 1994, 247, apontavam-lhe as seguintes características:
a) prestação patrimonial;
b) regular e periódica;
c) devida pelo empregador ao trabalhador;
d) como contrapartida da atividade por este prestada.
Os elementos essenciais que se surpreendem na noção de retribuição são:
a) a contrapartida da atividade do trabalhador – cfr. art.º 258/1 do CT2009 - faltando o sinalagma da atividade, o empregador em regra não tem de a prestar – vg períodos de faltas, greves e suspensão do contrato;
b) periódica (art.º 258/2 CT2009);
c) eminentemente de caráter pecuniário (art.º 258/2 e 259). Podem ter uma componente em espécie, que não excede a parte em dinheiro (art.º 259/2).
Há, por outro lado, prestações que não fazem parte do conceito de retribuição (veja-se o Ac. do TRL de 19-11-2008 – disponível, como todos citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt: “I- São elementos essenciais do conceito de retribuição, que se retiram do art.º 249º do CT e seguintes (que corresponde, com poucas alterações, ao que constava do art.º 82º e seguintes da LCT), a obrigatoriedade das prestações, a sua regularidade e periodicidade e a correspetividade ou contrapartida entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador. I- Todos estes elementos são de verificação cumulativa, pelo que a falta de um deles descaracteriza a prestação como retributiva. (…) VI- Tanto na vigência da LCT como na do Código do Trabalho há que recorrer às disposições convencionais coletivas que criam certas prestações para analisar o respetivo regime e se ver se as mesmas integram ou não a base de cálculo de certas prestações o conceito de retribuição”).
Com efeito, nada impede o empregador de efetuar transferências a favor dos trabalhadores sponte sua, sem obrigação, seja por entender ser um ato de justiça, seja como forma de motivação ou por outra razão qualquer (ou até sem razão alguma). Será o caso de gratificações, prémios não acordados por bons resultados da empresa, prestações relacionadas com o mérito profissional e assiduidade do trabalhador, e até formas de participação nos lucros, como planos de aquisição de ações. São meras liberalidades (cfr. art.º 260/1).
Por outro lado, pagamentos efetuados por terceiros (vg. gorjetas de clientes) e remunerações não relacionadas com a contrapartida da prestação da atividade também ficam excluídas.
Também ficam excluídas, em regra, as transferências destinadas a pagar encargos que o trabalhador suporta – ou é de esperar que suporte – pelo mero facto de trabalhar, como ajudas de custo, despesas de transporte, abonos de instalação, abonos de falhas, abonos de viagem e subsídios de refeição (art.º 260/1/a e 2). Na verdade, se tomarmos este ultimo por exemplo, verificamos que o trabalhador paga, em princípio, mais por ter de comer fora de casa do que pagaria se adquirisse e confeccionasse os seus alimentos; justifica-se, pois, que a diferença seja suportada pelo empregador, mas já não que este pague tal prestação no chamado 13º mês.
Mas ainda há determinadas transferências que não compõem a retribuição em sentido próprio, não obstante terem um elemento remunerador; são aquelas que visam compensar uma certa situação de esforço, penosidade ou risco acrescido, uma situação especial, que não tem de se verificar sempre (a situação) e que só se justifica (a transferência) enquanto a dita situação se mantém (neste sentido veja-se os Ac. do TRP de 14/04/2008: “O princípio da irredutibilidade da retribuição, contido no art. 122º al. d) do Código do Trabalho, respeita tão só à retribuição estrita, não incluindo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção do horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho suplementar), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido”; e do Supremo Tribunal de Justiça de 25/09/2002: “I - O subsídio de exclusividade apenas é devido enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, não implicando violação do princípio da irredutibilidade da retribuição o não pagamento daquele subsídio na sequência de válida determinação da entidade patronal no sentido de cessação da prestação de trabalho em regime de exclusividade. (…) III - Determinada pela entidade patronal a cessação desse regime, deixou de ser devido, para o futuro, o correspondente subsídio, sem que tal represente violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”).
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Estaremos perante retribuição ainda que duas pessoas que auferem o mesmo montante tenham uma rentabilidade diversa, suportando aqui o empregador o correspondente risco.
E ainda que nas férias o trabalhador, logicamente, nada efetue, estamos perante valores retributivos, radicando a explicação na forma faseada do seu pagamento (tal como acontece com o subsídio de natal) – art.º 254 e 255, CT (2003). Quer dizer, ele já trabalhou para auferir aqueles valores, ainda que só os venha a perceber nas férias e no natal.
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Note-se o caráter não unívoco do conceito legal de retribuição: além de uma noção mais geral (que se identifica com a retribuição base e diuturnidades) existem outras especiais. Quer dizer, para a lei não existe uma única noção de retribuição mas várias, sendo preciso surpreender, por via interpretativa, qual o sentido em causa.
O conceito especial porventura mais conhecido é o que resulta das normas relativas aos acidentes de trabalho: tudo o que a lei considere seu elemento integrante e ainda todas as prestações que revistam caráter de regularidade e não se destinem meramente a compensar custos aleatórios (veja-se por todos o art.º 26/3 da Lei 100/97, de 13.9, designada Lei dos Acidentes de Trabalho). Ou seja, em regra todas as prestações que o sinistrado habitualmente receba (conceito amplíssimo).
Não tem, pois, sentido, a busca a outrance de um conceito de retribuição válido para todas as situações, o qual não existe.
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Revertendo ao caso concreto.
O A. pretende que lhe seja reconhecido o direito a receber 11.307,05 € na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, referentes à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar e trabalho noturno auferidos com carácter de regularidade entre os anos de 1999 a 2016.
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Quanto às prestações vincendas o A. não impugna a decisão.
Vejamos a matéria em crise.
Considerou a sentença recorrida que tal não era devido porquanto, face ao carater interpretativo do CCTV atual, tais quantias não poderiam ser devidas anteriormente, "não sendo plausível que o (…) - Sindicato (…) aceitasse uma diminuição das prestações remuneratórias dos trabalhadores", logo, não se vê que na vigência do CCT que vigorou entre 1980 e 03.01.2016, o regime de remuneração da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal fosse mais favorável aos trabalhadores do setor e incluísse a média dos valores pagos pelas empresas a título de trabalho suplementar e noturno. E o mesmo se diga quanto ao subsídio de Natal".
Contudo, não se vislumbra que o CCTV de 2015 haja assumido qualquer caráter interpretativo, ainda para mais com efeitos retroativos.
Para mais, como nota o recorrente, o CCTV de 1980 foi subscrito por outras entidades que não o (…) (11 federações e sindicatos, em representação dos trabalhadores, além da (…) pelos empregadores); enquanto o de 2015 foi subscrito apenas pelo (…) em representação dos trabalhadores e pela (…).
Em face disso, deveria ser claro o intuito interpretativo do convénio, para que todos os interessados pudessem ponderar as suas vantagens e desvantagens.
Não sendo o caso, entendemos que tal natureza não está demonstrada, devendo, pois, o trabalhador receber entre 1999 e 2016 (até à entrada em vigor do CCTV ora vigente) na retribuição de férias, subsidio de férias e de Natal, os valores recebidos a titulo de trabalho suplementar e trabalho noturno auferidos de forma regular e periódica (sendo que isto pressupõe, de acordo com a jurisprudência maioritária, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, o recebimento pelo menos de 11 prestações por ano a esse título), a apurar em incidente de liquidação.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga procedente o recurso e condena a R. a pagar ao A. as quantias correspondentes à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar e trabalho noturno auferidos com carácter de regularidade entre os anos de 1999 a 2016, na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, a liquidar em incidente.
Custas do recurso pela R., custas da ação pelas partes na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção do autor.

Lisboa, 15 de maio de 2019
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega

[1] Veja-se também a definição da Convenção n.º 95 da OIT, que destaca o carácter de prestação avaliável em dinheiro, devida pelo empregador ao trabalhador e como contrapartida da atividade prestada.