Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
364/2006-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
OBRIGAÇÃO REAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da facção integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efectuar para a realização das aludidas obras.
II. Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respectiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fracção.
III. Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fracção de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal Cível da Comarca de Sintra, A e mulher intentaram contra B a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, alegando que:

Por escritura de compra e venda outorgada no dia 9 de Março de 2000 e pelo preço de 14.500.000$00, adquiriram ao Réu, livre de ónus ou encargos, a fracção autónoma de prédio urbano sito em Mem Martins.

Em assembleia-geral de condóminos ocorrida em 18 de Julho de 1999, o condomínio em que se integra a referida fracção deliberou a realização de obras no edifício e fixou a participação de cada condómino no respectivo custo, no valor correspondente a EUR. 2.096,14;

O Réu tomou conhecimento da aludida deliberação antes da assinatura do contrato promessa de venda da aludida fracção, celebrado com os AA em 25 de Outubro de 1999, não se opôs ao deliberado e comprometeu-se perante a administração do condomínio a pagar a sua parte, o que não veio a fazer;

O Réu não deu conhecimento aos AA de que existia tal dívida e estes só souberam da mesma após a escritura de compra e venda;

A administração do condomínio veio a exigir dos AA o referido pagamento, instaurando execução contra os ora AA e RR, que corre termos no 1° Juízo Cível desta comarca, na sequência da qual foram ordenados descontos no vencimento da Autora até ao montante de EUR. 2.493,99, sendo os já efectuados no valor de EUR. 282,64.

Pediram:

A redução do preço mencionado para a fracção autónoma aludida na p.i. (14.500.000$00) na exacta medida do valor que foram obrigados a pagar -420.239$00 - fixando-se o preço em 14.079.761$00, condenando-se o Réu a devolver aos Autores a quantia correspondente a 420.239$00, isto é, EUR. 2.096,14 e ainda a pagar aos Autores uma indemnização correspondente aos prejuízos que lhes causou, no montante já liquidado de EUR. 397,85 e a quantia que conforme alegado no âmbito do art.° 23° da petição, vier a liquidar-se em execução de sentença;

Caso não proceda o primeiro pedido formulado, deve o Réu ser condenado a entregar aos Autores a quantia que estes pagaram na execução, isto é, EUR. 2.493,99, com fundamento no enriquecimento sem causa.

Pediram ainda o pagamento de juros, à taxa legal, sobre as quantias em que o Réu seja condenado a pagar aos Autores, desde a citação e até ao efectivo pagamento.

O réu contestou, alegando que:

Os AA adquiriram a fracção não pelo preço de Esc. 14.500.000$00, mas sim pelo preço de Esc. 14.000.000$00, já que o valor declarado não corresponde ao valor real da aquisição.

O réu não se comprometeu perante a Administração do Condomínio a pagar a sua parte nas despesas em causa nos presentes autos, nem foi notificado da convocatória da competente reunião da Assembleia de Condóminos e não teve conhecimento por qualquer outra forma de tais deliberações;

À data da assinatura do contrato promessa desconhecia a existência de qualquer dívida pelo que não podia transmitir nada aos AA a esse respeito, só tendo tomado conhecimento do facto quando foi citado para a acção executiva que correu termos sob o n.º 99/2001, pelo 1° Juízo Cível desta Comarca;

No momento da celebração do negócio e outorga da escritura, o R desconhecia tal ónus, enquanto os AA o conheciam perfeitamente, tendo ocultado ao R tal circunstância e assumido o compromisso sem qualquer reserva;

Os AA aceitaram as deliberações e assumiram-nas porquanto a A Paula esteve presente, em representação do A, na reunião da assembleia de 12.7.2000 e não votou contra a deliberação, não podendo os AA invocar a existência de ónus e limitações que excedam os limites normais pois se trata de obrigação inerente ao próprio direito da propriedade horizontal.

Conclui pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos.

Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferido despacho saneador e elaborada a especificação e a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido.

Inconformado com a decisão, vieram os AA. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

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Artigo 2°

Depois, julgando a acção improcedente, o Exmo. Juiz "a quo" não fez correcta aplicação do direito.

É que, e em primeiro lugar, estando o bem onerado e desconhecendo o comprador o ónus, o pagamento da quantia relativa ao ónus corresponde a um agravamento da contrapartida paga pelo adquirente e tem ele direito à redução do preço em montante correspondente ao agravamento.

Depois, ainda que se admita ser a obrigação "propter rem" e por isso obrigar os Autores perante o condomínio, tal obrigação não deixa de ser alheia, isto é, do Réu e, tendo os Autores pago uma dívida do Réu, têm direito a reaverem dele o que por ele pagaram, ao menos por decorrência do princípio que subjaz ao regime do cumprimento de obrigações alheias.

Artigo 3º

A douta sentença em recurso violou, nomeadamente, o disposto no artigo 911° e o princípio subjacente aos artigos 477° e 478°, todos do Código Civil e deve, então, na procedência do recurso, decidir-se pela condenação do Réu nos termos peticionados.

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação cumpre decidir.

As questões a resolver são as de saber se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada no sentido pretendido pelos recorrentes e se a acção deve ser julgada procedente.

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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

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Do mérito da causa

Alegam os AA que, julgando a acção improcedente, o Exmo. Juiz "a quo" não fez correcta aplicação do direito. Isto porque, estando o bem onerado e desconhecendo o comprador o ónus, o pagamento da quantia relativa ao ónus corresponde a um agravamento da contrapartida paga pelo adquirente e tem ele direito à redução do preço em montante correspondente ao agravamento. Depois porque, ainda que se admita ser a obrigação "propter rem" e por isso obrigar os Autores perante o condomínio, tal obrigação não deixa de ser alheia, isto é, do Réu e, tendo os Autores pago uma dívida do Réu, têm direito a reaverem dele o que por ele pagaram, ao menos por decorrência do princípio que subjaz ao regime do cumprimento de obrigações alheias.

Ora, em face da matéria de facto que resulta definitivamente assente tem de considerar-se que a sentença, para além de bem estruturada e fundamentada, se mostra irrepreensível, pelo que, no essencial, se remete para a mesma, por desnecessidade de reproduzir o que nela ficou exarado e que merece concordância por parte deste tribunal de recurso.

Mas, em síntese, se dirá apenas o seguinte:

Conforme estabelece, com carácter supletivo, o art. 1424º, n.º 1, do Cód. Civil, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.

Tem entendido a doutrina Henrique Mesquita in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, RDES, XXIII, 130. e jurisprudência Ac. da RL de 14.12.2004, in Cj, 2004, V, 117 ess. que esta obrigação de contribuir para estas despesas das partes comuns é uma típica obrigação propter rem. Este tipo de obrigação define-se como “aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa” Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, Reprint, 366-367..

A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é, assim, uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da facção integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efectuar para a realização das aludidas obras.

Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respectiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fracção. Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fracção de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular.

E este entendimento é o que parece mais razoável em face de quem tira proveito do gozo do bem. Assim, no que concerne ao alienante, não se justifica que ele tenha de contribuir para uma despesa de que nenhum proveito lhe poderá advir, uma vez que deixou de usufruir do gozo do prédio. Porém, já parece inteiramente justificável que o adquirente se sujeite ao pagamento de uma despesa de que ele irá de futuro ter benefício.

Abra-se um parêntesis para referir, de acordo com a doutrina e jurisprudência acima aludidas, que deve considerar-se como não “ambulatória”, apesar de obrigação “propter rem”, a obrigação que recai sobre cada condómino de contribuir periodicamente, por regra mensalmente, com uma prestação pecuniária para as despesas do condomínio, por se tratar de prestações que são devidas como contrapartida da fruição das partes comuns, pelo que seria ilógico e infundado fazer recair sobre o adquirente da fracção o pagamento de prestações em atraso e da responsabilidade do alienante.

Ora, tomando em consideração os factos descritos e os princípios, sumariamente expostos, conclui-se que a obrigação inerente à participação no custo da realização de obras no edifício, no montante fixado de 420.239$00, é da responsabilidade dos apelantes, por terem tido lugar depois destes terem adquirido ao apelado a fracção acima referida. Tanto mais que nada ficou demonstrado a propósito do alegado conhecimento pelo apelado da deliberação da Assembleia Geral de Condóminos, de 18 de Julho de 1999 - que deliberou a realização de obras no edifício e fixou a participação de cada condómino no respectivo custo em 420.239$00 - antes da assinatura do referido contrato promessa com os apelantes ou mesmo da escritura de compra e venda da fracção, nem quanto ao invocado comprometimento perante a administração do condomínio de comparticipar no pagamento das despesas com as obras a realizar.

Além disso, e ao contrário do que o que os apelantes invocam, a fracção autónoma que adquiriram não se pode considerar onerada com qualquer ónus na data da escritura de compra e venda em 9 de Março de 2000, pois que, como se referiu, não existe prova de que o apelado antes da transmissão tivesse assumido qualquer compromisso de assumir o pagamento das obras, nem até que tivesse conhecimento da deliberação que as determinou.

Por outro lado, as obras foram realizadas posteriormente à alienação da fracção, tendo beneficiado unicamente os actuais titulares do direito de propriedade, ora apelantes.

E os apelantes quando adquiriram a fracção, se desconheciam a necessidade de obras no prédio, por falta de informação ou por eventualmente ela não ser manifesta, não podiam era ignorar que essa necessidade se poderia colocar em qualquer momento e à obrigação, própria, de comparticipar na sua realização não iriam subtrair-se, do mesmo modo que nem iriam menosprezar a correspondente beneficiação das partes comuns do edifício.

Do que se conclui que o tribunal recorrido bem decidiu ao julgar pela improcedência da acção.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

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IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.

Custas nas instâncias pelos apelantes.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006.

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES

FERNANDA ISABEL PEREIRA

MARIA MANUELA GOMES