Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1577/18.0YRLSB-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
RECUSA DE ÁRBITROS
ISENÇÃO
IMPARCIALIDADE
DEVER DE REVELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: INCIDENTE
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O Incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de revelação não constitui só por si motivo de desqualificação do árbitro, sendo necessário   que se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que em termos objectivos  fundem um juízo de afectação da independência e imparcialidade.
2. Só se configura que o incumprimento do dever de revelação possa constituir desde logo justificação de recusa naqueles casos extremos, em que a omissão de revelação se refira a circunstância tão fundamental que, por si só, revela afectação da independência ou imparcialidade.
3. Se o número de vezes que o árbitro é indicado pela mesma parte ou por um certo escritório de advogados de partes diferentes, num espaço de três anos, atingir as várias dezenas , instala-se a legítima suspeita de que se criou uma relação de fidelidade entre este árbitro e esta parte ou entre este árbitro e este escritório de advogados;
4.  Com incidência nas que respeitam a  acção de direitos de propriedade industrial decorrentes de patentes farmacêuticas, trata-se de um forte indício de que ele faz deste tipo de arbitragens profissão e de que elas constituem uma parte muito significativa dos seus rendimentos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

Z…. K.S. (pessoa colectiva de nacionalidade checa, com sede em U Kabelovny, ……, República Checa) - Demandada na acção arbitral em que é Demandante G….., INC (com sede em …., Estados Unidos da América), tendo sido notificada do Acórdão intercalar proferido pelo Tribunal Arbitral em 26 de Julho de 2018 - que julgou improcedente o incidente de recusa do Árbitro designado pela Demandante, Senhor Dr. …., e do Árbitro que lhe foi nomeado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. …. - veio, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 3, da Lei de Arbitragem Voluntária (aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, doravante designada por LAV), in casu aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 8, da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, requerer a este Tribunal da Relação de Lisboa, na qualidade de tribunal estadual competente, que tome uma decisão sobre a recusa dos referidos Árbitros.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- No dia 25 de Agosto de 2017, o INFARMED publicitou na sua página electrónica, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º-A, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, a concessão à Demandada …, K.S., no dia 17 de Julho de 2017, de uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de um medicamento genérico contendo as substâncias activas «Efavirenz + Emtricitabina + Tenofovir Disoproxil Fumarato», nas dosagens de 600 mg, 200 mg e 245 mg, e na forma farmacêutica de comprimidos revestidos por película;
- Através de carta datada de 20 de Setembro de 2017 e dirigida à Demandada, a Demandante G…, INC iniciou uma acção arbitral contra aquela, nos termos dos artigos 2º e 3º-1 da Lei nº 62/2011, de 12-XII;
- Através de carta datada de 19 de Outubro de 2017, a Demandada respondeu à aludida carta da Demandante datada de 20 de Setembro de 2017, mas  não designou Árbitro;
- O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa nomeou como Árbitro à Demandada o Senhor Dr. M…, com domicílio profissional na Av. ….
- O Senhor Dr. M… aceitou a sua designação como Árbitro da Demandada;
- No dia 01 de Fevereiro de 2018, a Demandada recusou o Árbitro Senhor Dr. M…, junto do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, mas deu conhecimento desse seu requerimento de recusa ao árbitro recusado e à mandatária da Demandante;
- O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 27 de Fevereiro de 2018, decidiu que o Tribunal Arbitral era o tribunal competente para a apreciação da recusa do Árbitro, Senhor Dr. M…;
- No dia 28 de Fevereiro de 2018, o Mandatário da Demandada enviou um e-mail ao Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. …s, dando-lhe conhecimento do despacho de 27 de Fevereiro de 2018 do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que recaiu sobre o requerimento de recusa do Árbitro, Senhor Dr. M…, mail este do qual foi dado conhecimento ao mencionado Árbitro recusado;
- No dia 01 de Março de 2018, o Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. …, enviou um e-mail ao Mandatário da Demandada agradecendo o seu e-mail de 28FEV2018 e o documento anexo;
- O Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, e o Árbitro que foi nomeado à Demandada pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…., escolheram o Senhor Dr. F… para exercer as funções de Árbitro-Presidente, conforme resulta da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral, datada de 20 de Março de 2018;
- No dia 27 de Março de 2018, a Demandada recusou o Árbitro, Senhor Dr. M…, junto do Tribunal Arbitral, invocando para tanto existirem circunstâncias que suscitam à Demandada as maiores dúvidas sobre a imparcialidade ou independência do Senhor Dr. M…;
- Em 6JUN2018, a Demandada foi notificada do acórdão do Tribunal Arbitral que julgou intempestivo e improcedente o requerimento de recusa do Dr. M.., anteriormente deduzido pela mesma Demandada;
- Nesse acórdão, diz-se que, aquando da assinatura da acta da instalação, a Demandada não dera conhecimento aos restantes árbitros de que, antes de formular a recusa, já deduzira um pedido equivalente no Tribunal da Relação de Lisboa, o que seria absolutamente falso;
- Nesse acórdão, também se diz que, no âmbito da matéria discutida no primeiro requerimento de recusa, uma terceira entidade (a S.., Lda.) teria movido, contra o árbitro Dr. M…, uma execução para pagamento de quantia certa (fundada em injunção), à qual o executado teria deduzido embargos decididos a favor deste, tendo a referida S… sido condenada como litigante de má-fé, o que, porém, não seria verdade (já que, ao invés, fora, apenas, condenada na multa prevista no artigo 858º do Código de Processo Civil);
- Em 6JUN2018, a Demandada teria arguido a nulidade da notificação da junção aos autos da P.I., efetuada, em 15MAIO2018 (por a mesma ter sido notificada apenas à Senhora Dra. R… e não, também, ao Dr. F…, assim reduzindo o período de tempo de que a Demandada dispõe para apresentar a sua contestação);
- Invocada a referida nulidade, o Tribunal Arbitral veio conceder cinco dias à Demandante, para se pronunciar, os quais terminariam em 14JUN2018, terminando o prazo para contestar em 18JUN2018; todavia, o Tribunal Arbitral não se pronunciou quanto à invocada nulidade, tendo (por cautela) a Demandada apresentado a sua contestação nesse dia, sem que, até hoje, ocorresse pronúncia quanto ao competente requerimento;
- O secretário do Tribunal Arbitral enviou, por lapso, os emails de 8 e de 15MAIO2018, a um terceiro (F…); a 11JUN2018, a Demandada requereu informação sobre a identidade dessa pessoa e sobre as diligências adoptadas perante esse lapso, violador do princípio da confidencialidade, requerimento reforçado a 15JUN2018; em 19JUN2018, o Árbitro-Presidente esclareceu que se tratava do Desembargador F… , tendo este apagado os emails transviados, por não lhe dizerem respeito, sem dar conhecimento do seu conteúdo a ninguém; o Demandado, em 15JUN2018, pediu esclarecimentos complementares, tendo o Árbitro-Presidente respondido que o assunto estava encerrado;
- No dia 11JUN2018, a Demandada requereu informação sobre se a Demandante havia remetido ao Tribunal, em suporte de papel, num único exemplar, o requerimento inicial apresentado no dia 25ABR2018 e os docs. 1 a 6; foi respondido que assim sucedera, tendo o Tribunal Arbitral recebido por correio registado no dia 12JUN2018; ora, segundo a acta de instalação (17º), tal requerimento deveria ter sido remetido em papel no prazo máximo de dez dias, após o envio por correio eletrónico, prazo esse que não teria sido respeitado; tendo o Demandado, no dia 19JUN2018, requerido informações a esse respeito, não lhe foi dada resposta;
- No dia 6JUN2018, a Demandada requereu que o Árbitro-Presidente lhe prestasse uma série de informações, com vista ao cumprimento do artigo 13º, nºs 1 e 2, da LAV, não tendo obtido resposta;
- No dia 6JUN2018, a Demandada requereu que o Árbitro, Dr. B…., lhe prestasse uma série de informações, ao abrigo da mesma e citada disposição legal, não obtendo, igualmente, resposta;
- No dia 6JUN2018, a Demandada requereu que o Árbitro, Dr. M…, lhe prestasse uma série de informações, sempre ao abrigo da referida norma legal; também não obteve resposta.
- Nos esclarecimentos do Árbitro que lhe foi designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…, que foram remetidos à Demandada, no dia 20 de Junho de 2018, pelo então Árbitro-Presidente, Senhor Dr. F…, consta que o mesmo foi designado como árbitro de parte, no âmbito do DL nº 62/2011, de 12 de Dezembro, em cerca de uma dezena de arbitragens;
- Porém, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Março de 2015 (proferido no processo n.º 1361/14.0YRLSB.L1 e acessível on-line in: www.dgsi.pt) - que julgou procedente o incidente de recusa do Árbitro que foi designado à Demandada pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M… – refere-se que o mesmo foi designado Árbitro precisamente pelo escritório dos ora Mandatários da Demandante (…., SP, R.L.) em cerca de 50 (cinquenta) arbitragens;
- O Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, não respondeu ao pedido de esclarecimentos e/ou informações que foi formulado pela Demandada no dia 06 de Junho de 2018, nem apresentou à Demandada qualquer justificação para a sua falta de resposta ao mesmo, sendo certo que apresenta a arbitragem como uma das suas principais áreas de actuação;
- E o escritório que o mesmo Árbitro integra (como Associado Sénior) – a sociedade de advogados “AAA” - presta serviços precisamente à Indústria Farmacêutica.
A Demandante G…, INC, notificada (nos termos do art. 60º, nº 2, da LAV) para se pronunciar, em 10 dias, sobre o conteúdo do pedido de prolação duma decisão sobre a recusa do Árbitro designado pela Demandante, Senhor Dr. B…s, e do Árbitro que foi nomeado à Demandada pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M… (ut Despacho de 17.08.2018, a fls. 337), respondeu, advogando a improcedência das duas recusas de árbitro deduzidas pela Z… K.S..
Cumpre apreciar e decidir (arts. 14º- 3 e 59º, nº 1, al. b, da LAV).
MATÉRIA DE FACTO
Mostram-se documentalmente provados os seguintes factos, com relevância para a apreciação do pedido de que o tribunal estadual se pronuncie e decida sobre o mérito da recusa deduzida contra o Árbitro designado pela Demandante, Senhor Dr. B…, e contra o Árbitro nomeado à Demandada pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…:
1)- Não tendo a Demandada ... designado o árbitro que lhe cabia escolher, nos 30 dias subsequentes à recepção da carta da carta (datada de 20.09.2017) que a Demandante . (através da sua mandatária – a sociedade de advogados…s) lhe remeteu a notificá-la do início duma acção arbitral (para defesa dos direitos de propriedade industrial para ela emergentes do Certificado Complementar de Protecção nº 202 [que tem por base a Patente Europeia nº 0915894]) e a informá-la de que designava como seu árbitro o Sr. Dr. B…. (com domicílio profissional em Lisboa,..), o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa nomeou como Árbitro à Demandada o Senhor Dr. M..s (com domicílio profissional na ….);
2)- O Senhor Dr. M… aceitou a sua designação como Árbitro da Demandada (cf. fls. 81);
3)- No dia 01 de Fevereiro de 2018, a Demandada recusou o Árbitro Senhor Dr. M…, junto do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, mas deu conhecimento desse seu requerimento de recusa ao árbitro recusado e à mandatária da Demandante (cf. fls. 82-97);
4)- O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 27 de Fevereiro de 2018, decidiu que o Tribunal Arbitral era o tribunal competente para a apreciação da recusa do Árbitro, Senhor Dr. M… (cf. fls. 104-107);
5)- No dia 28 de Fevereiro de 2018, o Mandatário da Demandada enviou um e-mail ao Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, dando-lhe conhecimento do despacho de 27 de Fevereiro de 2018 do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que recaiu sobre o requerimento de recusa do Árbitro, Senhor Dr. M…, mail este do qual foi dado conhecimento ao mencionado Árbitro recusado (cf. fls. 108-114);
6)- No dia 01 de Março de 2018, o Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, enviou um e-mail ao Mandatário da Demandada agradecendo o seu e-mail de 28FEV2018 e o documento anexo (cf. fls. 115-116);
7)- O Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, e o Árbitro que foi nomeado à Demandada pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…escolheram o Senhor Dr. F… para exercer as funções de Árbitro-Presidente, conforme resulta da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral, datada de 20 de Março de 2018 (documento junto a fls. 118-127);
8)- No dia 27 de Março de 2018, a Demandada recusou o Árbitro, Senhor Dr. M… junto do Tribunal Arbitral, invocando para tanto existirem circunstâncias que suscitam à Demandada as maiores dúvidas sobre a imparcialidade ou independência do Senhor Dr. M.. (cf. fls. 128-147);
9)- Em 6JUN2018, a Demandada foi notificada do Acórdão intercalar do Tribunal Arbitral que julgou intempestivo e improcedente o requerimento de recusa do Dr. M…, anteriormente deduzido pela mesma Demandada (cf. fls. 184-199);
10)- Nesse acórdão, diz-se, nomeadamente, a despeito do facto consignado em 3), que, aquando da assinatura da acta da instalação, a Demandada não dera conhecimento aos restantes árbitros de que, antes de formular a recusa, já deduzira um pedido equivalente no Tribunal da Relação de Lisboa (cf. fls. 184-199);
11)- Nesse acórdão, também se diz, nomeadamente, que, no âmbito da matéria discutida no primeiro requerimento de recusa, uma terceira entidade (a S…, Lda.) teria movido, contra o árbitro Dr. M…, uma execução para pagamento de quantia certa (fundada em injunção), à qual o executado teria deduzido embargos decididos a favor deste, tendo a referida S.. sido ali condenada como litigante de má-fé, sendo certo que a mencionada S… Lda. fora, apenas, condenada na multa prevista no artigo 858º do Código de Processo Civil) (cf. fls. 184-199);
12)- Em 6JUN2018, a Demandada arguiu, perante o Tribunal Arbitral, a nulidade da notificação da junção aos autos da P.I., efetuada, em 15MAIO2018 (por a mesma ter sido notificada apenas à Senhora Dra. R… e não, também, ao Dr. F…, assim reduzindo o período de tempo de que a Demandada dispunha para apresentar a sua contestação) (cf. fls. 200-205);
13)- Invocada a referida nulidade, o Tribunal Arbitral veio conceder cinco dias à Demandante, para se pronunciar sobre o requerimento de arguição de nulidade apresentado pela Demandada, em ordem a obstar a que o prazo supletivo de que a demandante disporia para o efeito terminasse já depois de esgotado o prazo para apresentação da Contestação da Demandada, o qual terminava em 18JUN2018 (cf. fls. 208-209);
14) Todavia, o Tribunal Arbitral não se pronunciou quanto à invocada nulidade, tendo (por cautela) a Demandada apresentado a sua contestação nesse dia, sem que, até hoje, ocorresse pronúncia quanto ao aludido requerimento (cf. fls. 210-211 e 212);
15)- O secretário do Tribunal Arbitral enviou, por lapso, os emails de 8 e de 15MAIO2018, a um terceiro  (cf. fls. 213-214, 215, e 216-217);
16) A 11JUN2018, a Demandada requereu informação sobre a identidade dessa pessoa e sobre as diligências adoptadas perante esse lapso, violador do princípio da confidencialidade, requerimento reforçado a 15JUN2018 (cf. fls. 218-223);
17) Em 19JUN2018, o Árbitro-Presidente esclareceu que se tratava …., tendo este apagado os emails transviados, por não lhe dizerem respeito, sem dar conhecimento do seu conteúdo a ninguém; o Demandado, em 15JUN2018, pediu esclarecimentos complementares, tendo o Árbitro-Presidente respondido que o assunto estava encerrado (cf. fls. 224-230);
18)- No dia 11JUN2018, a Demandada requereu informação sobre se a Demandante havia remetido ao Tribunal, em suporte de papel, num único exemplar, o requerimento inicial apresentado no dia 25ABR2018 e os docs. 1 a 6; foi-lhe respondido que assim sucedera, tendo o Tribunal Arbitral recebido por correio registado no dia 12JUN2018 (cf. fls. 231-236);
19) Em conformidade com a regra processual vertida no item 17º da Acta de instalação do Tribunal Arbitral (documento junto a fls. 118-127), tal requerimento deveria ter sido remetido em papel no prazo máximo de dez dias, após o envio por correio eletrónico;
20) - Por esse prazo não ter sido (alegadamente), a Demandada requereu, no dia 19JUN2018, informações a esse respeito (cf. fls. 237-238), sem que lhe tivesse sido dada resposta;
21) - No dia 6JUN2018, a Demandada requereu que o Árbitro-Presidente lhe prestasse uma série de informações, com vista ao cumprimento do artigo 13º, nºs 1 e 2, da LAV (cf. fls. 241-245), a saber:
a)  Qual o número exacto e actualizado de arbitragens para o qual foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, nos três anos anteriores?
b) Onde foi sediado o secretariado em todas as arbitragens em que participou e quanto foi cobrado pelos serviços de secretariado prestados na generalidade dessas arbitragens?
c)  Quais são as Demandantes nessas arbitragens?
d) Em quantas dessas arbitragens foi nomeado por intermédio de árbitros nomeados por empresas do grupo GILEAD e/ou pelo mesmo escritório de Advogados?
e) Quais as substâncias a que dizem respeito essas arbitragens?
f)  Qual o seu sentido de voto em cada uma dessas arbitragens quanto ao pedido principal (a condenação da(s) Demandada(s) a não lançar os seus medicamentos genéricos)?
g)  Alguma vez foi questionada a sua imparcialidade no âmbito dessas arbitragens? Em caso afirmativo, qual a decisão final proferida pelos tribunais a esse respeito?
h) A quanto ascende o montante total auferido com essas arbitragens?
i) Foi destinatário, nos últimos três anos, de mais de três nomeações para exercer a função de Árbitro-Presidente ou de Árbitro em arbitragens instauradas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, por empresas do grupo G… e/ou pelo mesmo escritório de Advogados? Em caso afirmativo, que escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
j) Algum dos seus colegas de escritório também foi nomeado Árbitro-Presidente ou Árbitro por empresas do grupo G.. e/ou pelo mesmo escritório de Advogados, em processos iniciados ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro? Em caso afirmativo, que empresas do grupo GILEAD e/ou escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
k) A sociedade de advogados que integra prestou ou presta quaisquer serviços a empresas do grupo G…?
l) Existem quaisquer outras circunstâncias originárias ou supervenientes que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência?
22) Porém, o Árbitro-Presidente Dr. F…. não apresentou qualquer resposta a esse pedido de informações, tendo renunciado às suas funções no dia 20 de Junho de 2018 (cf. fls. 301-302);
23)- No dia 6JUN2018, a Demandada requereu que o Árbitro, Dr. B…., lhe prestasse uma série de informações, ao abrigo da mesma e citada disposição legal (cf. fls. 246-250), a saber:
a)  Qual o número exacto e actualizado de arbitragens para o qual foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, nos três anos anteriores?
b) Onde foi sediado o secretariado em todas as arbitragens em que participou e quanto foi cobrado pelos serviços de secretariado prestados na generalidade dessas arbitragens?
c)  Quais são as Demandantes nessas arbitragens?
d)  Em quantas dessas arbitragens foi nomeado por intermédio de árbitros nomeados por empresas do grupo G…/ou pelo mesmo escritório de Advogados?
e)  Quais as substâncias a que dizem respeito essas arbitragens?
f) Qual o seu sentido de voto em cada uma dessas arbitragens quanto ao pedido principal (a condenação da(s) Demandada(s) a não lançar os seus medicamentos genéricos)?
g) Alguma vez foi questionada a sua imparcialidade no âmbito dessas arbitragens? Em caso afirmativo, qual a decisão final proferida pelos tribunais a esse respeito?
h) A quanto ascende o montante total auferido com essas arbitragens?
i) Foi destinatário, nos últimos três anos, de mais de três nomeações para exercer a função de Árbitro-Presidente ou de Árbitro em arbitragens instauradas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, por empresas do grupo G… e/ou pelo mesmo escritório de Advogados? Em caso afirmativo, que escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
j) Algum dos seus colegas de escritório também foi nomeado Árbitro-Presidente ou Árbitro por empresas do grupo G.. e/ou pelo mesmo escritório de Advogados, em processos iniciados ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro? Em caso afirmativo, que empresas do grupo G…e/ou escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
k) A sociedade de advogados que integra prestou ou presta quaisquer serviços a empresas do grupo G…?
l) Existem quaisquer outras circunstâncias originárias ou supervenientes que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência?
24) - No dia 6JUN2018, a Demandada requereu que o Árbitro, Dr. M… lhe prestasse uma série de informações, ao abrigo da referida norma legal (cf. fls. 251-255), a saber:
a)  Qual o número exacto e actualizado de arbitragens para o qual foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, nos três anos anteriores?
b) Onde foi sediado o secretariado em todas as arbitragens em que participou e quanto foi cobrado pelos serviços de secretariado prestados na generalidade dessas arbitragens?
c)  Quais são as Demandantes nessas arbitragens?
d) Em quantas dessas arbitragens foi nomeado por intermédio de árbitros nomeados por empresas do grupo G… e/ou pelo mesmo escritório de Advogados?
e) Quais as substâncias a que dizem respeito essas arbitragens?
f)  Qual o seu sentido de voto em cada uma dessas arbitragens quanto ao pedido principal (a condenação da(s) Demandada(s) a não lançar os seus medicamentos genéricos)?
g)  Alguma vez foi questionada a sua imparcialidade no âmbito dessas arbitragens? Em caso afirmativo, qual a decisão final proferida pelos tribunais a esse respeito?
h) A quanto ascende o montante total auferido com essas arbitragens?
i) Foi destinatário, nos últimos três anos, de mais de três nomeações para exercer a função de Árbitro-Presidente ou de Árbitro em arbitragens instauradas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, por empresas do grupo G… e/ou pelo mesmo escritório de Advogados? Em caso afirmativo, que escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
j) Algum dos seus colegas de escritório também foi nomeado Árbitro-Presidente ou Árbitro por empresas do grupo G… e/ou pelo mesmo escritório de Advogados, em processos iniciados ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro? Em caso afirmativo, que empresas do grupo G… e/ou escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
k) A sociedade de advogados que integra prestou ou presta quaisquer serviços a empresas do grupo G…?
l) Existem quaisquer outras circunstâncias originárias ou supervenientes que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência?
25) No dia 20 de Junho de 2018, às 09.04 horas, o Árbitro-Presidente, Senhor Dr. F…, remeteu à Demandada os esclarecimentos do Árbitro que lhe foi designado pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M… (cf. fls. 285-289);
26) No dia 20 de Junho de 2018, a Demandada, notificada dos esclarecimentos e/ou informações que foram prestados pelo Árbitro que lhe foi designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…., requereu, por forma a poder avaliar do cabal cumprimento do disposto no artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que o mesmo prestasse os esclarecimentos e/ou informações complementares seguintes (cf. fls. 290-295):
a)  Qual o número exacto e actualizado (cerca de uma dezena de arbitragens não é um número exacto) de arbitragens para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, nos cinco anos anteriores?
b)  Qual o número exacto e actualizado de arbitragens para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, foram concluídas nos três anos anteriores?
c)  Quais são as Demandantes nessas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores, sendo certo que todos os intervenientes na presente acção arbitral estão sujeitos ao dever de reserva ou de confidencialidade?
d)  Em quantas dessas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores, foi nomeado pelo escritório de Advogados que patrocina a Demandante (….sociedade de Advogados, SP, R.L.)?
e)  Quais as substâncias a que dizem respeito essas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores?
f)  Qual o seu sentido de voto em cada uma dessas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores, quanto ao pedido principal (a condenação da(s) Demandada(s) a não lançar os seus medicamentos genéricos)?
g)  Alguma vez foi questionada a sua imparcialidade no âmbito dessas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores? Em caso afirmativo, qual a decisão final proferida pelos tribunais a esse respeito?
h)  A quanto ascende o montante total auferido com essas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores?
i)  A quanto ascende o montante total auferido com essas arbitragens, para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, nos cinco anos anteriores, e para as quais foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, que foram concluídas nos três anos anteriores, que lhe foi pago, ou que foi pago ao escritório …., Sociedade de Advogados, RL, com o NIF 501992545, pelo escritório de Advogados que patrocina a Demandante (Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados, SP, R.L., com o NIF 503794619)?
j)  Foi destinatário, nos últimos cinco anos, de mais de três nomeações para exercer a função de Árbitro-Presidente ou de Árbitro em arbitragens instauradas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, por empresas do grupo GILEAD e/ou pelo escritório de Advogados que patrocina a Demandante (… – Sociedade de Advogados, SP, R.L.)? Em caso afirmativo, quantas nomeações, relativas a que substâncias activas, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho, sendo certo que todos os intervenientes na presente acção arbitral estão sujeitos ao dever de reserva ou de confidencialidade?
k)  Nos últimos cinco anos, algum dos seus colegas de escritório também foi nomeado Árbitro-Presidente ou Árbitro por empresas do grupo GILEAD e/ou pelo escritório de Advogados que patrocina a Demandante (… – Sociedade de Advogados, SP, R.L.), em processos iniciados ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro? Em caso afirmativo, que empresas do grupo G…, quantas nomeações, relativas a que substâncias activas, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho, sendo certo que todos os intervenientes na presente acção arbitral estão sujeitos ao dever de reserva ou de confidencialidade?
l)  A sociedade de advogados que integra prestou, nos últimos cinco anos, ou presta quaisquer serviços a empresas do grupo G…?
m) Atentos os esclarecimentos e/ou informações complementares agora solicitados, existem quaisquer outras circunstâncias originárias ou supervenientes que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência?
27) Porém, a Demandada não obteve, do Árbitro que lhe foi designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…s, qualquer resposta a esse pedido de esclarecimentos e/ou informações complementares;
28) Nos esclarecimentos do Árbitro que lhe foi designado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…que foram remetidos à Demandada, no dia 20 de Junho de 2018, pelo então Árbitro-Presidente, Senhor Dr. F…., consta que o mesmo foi designado como árbitro de parte, no âmbito do DL nº 62/2011, de 12 de Dezembro, em cerca de uma dezena de arbitragens (das quais, porém, só numa delas teria sido proferida decisão de mérito, não chegando o tribunal arbitral a constituir-se ou findando o litígio por acordo entre as partes em todas as restantes);
29)- Porém, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Março de 2015 (proferido no processo n.º 1361/14.0YRLSB.L1 e acessível on-line in: www.dgsi.pt) - que julgou procedente o incidente de recusa do Árbitro que foi designado à Demandada pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M… – consta que o mesmo foi designado Árbitro precisamente pelo escritório dos ora Mandatários da Demandante (… – Sociedade de Advogados, SP, R.L.) em cerca de 50 (cinquenta) arbitragens;
30) – Nos 14 dias subsequentes à apresentação do pedido de informações referido em 23), o Árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, não respondeu ao pedido de esclarecimentos e/ou informações que foi formulado pela Demandada no dia 06 de Junho de 2018, nem apresentou à Demandada qualquer justificação para a sua falta de resposta ao mesmo, tão pouco tendo alegado que necessitaria de mais tempo para prestar tais esclarecimentos.
O  MÉRITO  DA  RECUSA  DOS ÁRBITROS DESIGNADOS
PELA DEMANDANTE E PELO PRESIDENTE DA RELAÇÃO DE LISBOA
Tratando-se – como se trata – duma arbitragem “ad hoc” (e não duma arbitragem institucionalizada), instituída, com carácter necessário, nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, rege, em matéria de fundamentos de recusa de árbitros, a Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro e, em particular, os seus artigos 13º e 14º, não sendo aqui directamente aplicável o Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (o qual, nos termos do item 14º da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral, apenas pode ser chamado a integrar, por remissão, os aspectos processuais omissos nessa Acta).
A Lei de Arbitragem aprovada pelo Decreto-Lei nº 243/84, de 17 de Julho, previa que os árbitros pudessem ser recusados pelas mesmas causas dos juízes. Na mesma linha, a Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, determinava a aplicação aos árbitros do regime de impedimentos e escusas estabelecidos na lei de processo civil para os juízes.
Todavia, a actual Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, tendo por base um anteprojeto da Associação Portuguesa de Arbitragem (APA), muito próximo dos atuais artigos 13º e 14º da LAV, rompeu com  esse paradigma, consagrando no texto legal um preceito decalcado da Lei Modelo da UNCITRAL, de 1985, revista em 2006[1].
O artigo 13º- 3 da LAV prevê, como fundamento de recusa, a existência de circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência.
O nº 2 do mesmo preceito impõe aos árbitros um dever de revelação – às partes e aos restantes árbitros – de todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência.
Segundo JOSÉ MIGUEL JÚDICE (in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 2ª edição, 2015, p. 46), “tais dúvidas, de acordo com a jurisprudência e doutrina internacionais (que podem ser auxiliar precioso no cumprimento do dever de revelação), têm de ser significativas e não um pretexto ou basearem-se em circunstâncias objectivamente irrelevantes (pois devem ser “fundadas”) ”. “Não bastam, pois, dúvidas apenas razoáveis ou hipotéticas” (MANUEL PEREIRA BARROCAS in Lei de Arbitragem Comentada, 2013, p. 69). “Torna-se necessário que as dúvidas sejam concretas e pertinentes” (MANUEL PEREIRA BARROCAS, ibidem). Porém, “é claro que se trata de dúvidas, não de certezas, e não é fácil demonstrar que uma dúvida significa uma certeza, sobretudo em matéria de imparcialidade” (MANUEL PEREIRA BARROCAS, ibidem).
Enquanto “a independência, tal como a falta de qualificações acordadas, avaliam-se por dados objectivos, (…) [já] a imparcialidade constitui um estado de espírito, uma tendência, uma preferência ou uma inclinação prematura e não justificada para uma determinada decisão ou uma pre-disposição preferencial por uma das partes ou de antagonismo para com uma das partes” (MANUEL PEREIRA BARROCAS, ibidem).
JOSÉ MIGUEL JÚDICE (in ob. e loc. citt.) entende que a revelação dos factos susceptíveis de gerar fundadas dúvidas sobre a independência e/ou imparcialidade do árbitrodeve ser aferida «aos olhos das partes» e não apenas de forma objectiva e ainda  menos com base nos critérios pessoais e próprios do árbitro”.
Neste ponto, discordamos de JOSÉ MIGUEL JÚDICE, por nos parecer que – como é salientado por ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO (in Direito da Arbitragem, Ensaios, Lx., 2017, p. 115) -, atendendo à formulação que o dever de revelação tem no nº 1 e no nº 2 do art. 13º da LAV, “é de concluir que o teste a aplicar para os efeitos determinados em ambos é objectivo: «circunstâncias que podem suscitar fundadas dúvidas», ou seja, as que suscitem dúvidas numa terceira pessoa razoável ”.
Não obstante, ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO (in ob. cit., pp. 115-116) defende – e também o acompanhamos quanto a este ponto – que, “embora a lei não o diga expressamente, deve entender-se que, se quem for convidado para ser árbitro verificar que se encontra numa situação que pode, segundo um critério objectivo, suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independência e a sua imparcialidade, deverá recusar logo esse convite, com o que evitará perda de tempo no início da arbitragem”, só devendo expor a situação às partes, para que estas se pronunciem, “se a situação não for para ele clara”.
De qualquer modo, também perfilhamos o entendimento convergente de JOSÉ MIGUEL JÚDICE (in ob. cit., p. 47) e de ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO (in ob. cit., p. 116), segundo o qual, “em caso de dúvida, deve ser feita a revelação”. É que “a revelação não significa, em si mesma, qualquer escusa ou criação de uma situação automática de recusa, nem exprime uma autoconvicção de que os factos revelados sejam susceptíveis de exprimirem falta de independência” (JOSÉ MIGUEL JÚDICE, in ob. cit., p. 46). O alcance da aceitação do convite para servir de árbitro com revelação de factos está apenas em “colocar nas partes o ónus de desencadearem o procedimento de recusa previsto no art. 15º da LAV, sob pena de se tornar inequívoco, para todos os efeitos, que os factos revelados não afectam, aos olhos das partes, isoladamente e per se, a independência e a imparcialidade do árbitro” (JOSÉ MIGUEL JÚDICE, ibidem).
Segundo JOSÉ MIGUEL JÚDICE (in ob. cit., p. 47), “a tendência é claramente no sentido do reforço do dever de revelação, mesmo para situações que muitas vezes são desvalorizadas (pareceristas, consultores, funcionários públicos quando entidades públicas sejam uma das partes, antiga ligação a sociedade de advogados que seja mandatária nos autos, antigos quadros de uma das partes, multinomeações pela mesma sociedade de advogados, posições jurídicas conhecidas que pré-julguem o litígio, participação como árbitro em procedimentos que analisem a mesma questão de facto ou de direito, etc) [2].
Neste âmbito, os códigos deontológicos de instituições como a IBA (International Bar Association), o Club Español de Arbitraje e a APA (Associação Portuguesa de Arbitragem) ou de centros de arbitragem como o CAC (Centro de Arbitragem Comercial da Câmara  de Comércio e Indústria Portuguesa) e o CAD (Centro de Arbitragem Administrativa) constituem auxiliares relevantes no processo de decisão sobre a revelação ou não às partes e para que estas, e depois, os tribunais, possam aferir se a revelação deveria ou não ter sido feita ou se a falta de independência deve justificar a recusa (cfr., explicitamente neste sentido, JOSÉ MIGUEL JÚDICE in ob., p. 47).
É que, como a nova LAV e a própria Lei-Modelo da UNCITRAL (em que ela se inspirou) não explicitam que tipo de factos podem gerar as tais “fundadas dúvidas” sobre a imparcialidade e/ou a independência do árbitro, sendo praticamente impossível – porque se trata duma área sensível, localizada entre o Direito e a Deontologia – definir regras muito concretas, coube a alguns organismos internacionais (como a IBA [International Bar Association] e a CCI [Câmara de Comércio Internacional]) tentar regulamentar dum modo mais específico em que é podem consistir essas fundadas dúvidas.
E, dentre esses documentos, o instrumento mais influente são inequivocamente as IBA Guidelines on Conflict of Interest in International Commercial Arbitration[3] . Este documento está dividido em duas partes: a 1ª contém as regras gerais sobre a independência e imparcialidade dos árbitros; a 2ª estabelece uma aplicação prática das regras gerais. A aplicação prática das regras foi feita através da criação de três listas (verde, laranja e vermelha), as quais constituem elencos de factos que podem ou não pôr em causa a independência do árbitro.
A lista vermelha inclui os factos que mais claramente suscitam dúvidas sobre a posição independente do árbitro. Está, por sua vez, dividida numa lista de fundamentos que não podem ser afastados nem mesmo por acordo das duas partes (non-waivable red list) e noutra que podem conduzir à nomeação do árbitro, desde que ambas as partes nisso concordem (waivable red list). Já a lista verde abrange situações que não põem em causa a isenção dos árbitros: v.g., o facto de o árbitro ter publicado um artigo académico relativo a uma matéria que é objecto da arbitragem ou a circunstância de ter sido membro dum tribunal arbitral anterior, conjuntamente com o advogado duma das partes. Por sua vez, a lista laranja compreende situações que podem levantar dúvidas e, portanto, exigem uma análise concreta.
Ora, uma das circunstâncias que figuram na Lista Laranja (correspondente uma enumeração não-taxativa de situações específicas que, dependendo dos factos do caso concreto, podem, aos olhos das partes, suscitar dúvidas quanto à imparcialidade ou independência do árbitro) das Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional adoptadas pela Decisão do Conselho da IBA de 23 de Outubro de 2014 [4] é, precisamente,  o facto de o árbitro ter sido, nos três últimos anos, nomeado mais de três vezes pelo mesmo mandatário ou pela mesma sociedade de advogados.
Por isso, os dois árbitros recusados pela ora Demandada tinham o especial dever de prestar as informações que esta lhe solicitou no dia 6JUN2018, designadamente as seguintes informações:
a)  Qual o número exacto e actualizado de arbitragens para o qual foi nomeado na qualidade de Árbitro-Presidente ou de Árbitro, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, nos três anos anteriores?
(…)
c)  Quais são as Demandantes nessas arbitragens?
d) Em quantas dessas arbitragens foi nomeado por intermédio de árbitros nomeados por empresas do grupo GILEAD e/ou pelo mesmo escritório de Advogados?
(…)
i)  Foi destinatário, nos últimos três anos, de mais de três nomeações para exercer a função de Árbitro-Presidente ou de Árbitro em arbitragens instauradas ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, por empresas do grupo G…D e/ou pelo mesmo escritório de Advogados? Em caso afirmativo, que escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
j)  Algum dos seus colegas de escritório também foi nomeado Árbitro-Presidente ou Árbitro por empresas do grupo G… e/ou pelo mesmo escritório de Advogados, em processos iniciados ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro? Em caso afirmativo, que empresas do grupo G… e/ou escritório de Advogados, quantas nomeações, relativas a que substância activa, em que data, em que estado as mesmas se encontram ou qual foi o seu desfecho?
k)  A sociedade de advogados que integra prestou ou presta quaisquer serviços a empresas do grupo G…?
Porém – como se provou – o árbitro indicado pela Demandante, Senhor Dr. B…, não respondeu sequer (ao fim de 14 dias) ao pedido de esclarecimentos e/ou informações que lhe foi formulado pela Demandada no dia 06 de Junho de 2018, nem apresentou à Demandada qualquer justificação para a sua falta de resposta ao mesmo. E tão pouco alegou, ao menos, que necessitaria de mais tempo para prestar tais esclarecimentos. Pura e simplesmente, remeteu-se ao silêncio, jamais tendo prestado até à presente data os esclarecimentos solicitados pela Demandada.
E, quanto ao árbitro nomeado à ora Demandada pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Senhor Dr. M…, conquanto tenha prestado os esclarecimentos pretendidos pela Demandada, fê-lo de modo incompleto e não verdadeiro, porquanto declarou ter sido designado como árbitro de parte, no âmbito do DL nº 62/2011, de 12 de Dezembro, em cerca de uma dezena de arbitragens, sendo certo que – segundo consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Março de 2015 (proferido no processo n.º 1361/14.0YRLSB.L1 e acessível on-line in: www.dgsi.pt) - que julgou procedente o incidente de recusa do mesmo Árbitro – o mesmo foi designado Árbitro precisamente pelo escritório dos ora Mandatários da Demandante (… – Sociedade de Advogados, SP, R.L.) em cerca de 50 (cinquenta) arbitragens [5].
Tanto assim que, ao ver-se confrontado com o pedido de prestação de informações e/ou esclarecimentos complementares que a ora Demandada lhe fez no dia 20 de Junho de 2018 (na sequência dos primeiros esclarecimentos por ele prestados a rogo da Demandada), remeteu-se ao mais completo silêncio – atitude que, muito provavelmente, se ficou a dever ao embaraço decorrente da constatação de que, pura e simplesmente, prestara informações não verdadeiras e tal facto fora detectado e posto a nu pela Demandada.
É certo que o jurisconsulto e tratadista ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO procura (no seu Tratado da Arbitragem em Comentário à Lei nº 63/2001, de 14 de dezembro, 1ª ed., Setembro de 2015) desvalorizar a relevância das mencionadas Guidelines da IBA e a sua força vinculativa dentro do universo jurídico português, convocando para tanto vários argumentos:
- Não há nenhuma base normativa para, perante estas (e outras) fórmulas de soft law, colocar uma delas em vigor, entre nós. Nenhum ordenamento o faz.
- Devemos, ainda, ter em conta as dimensões do País. Textos como o das Guidelines da IBA, cuja divulgação, entre nós, foi feita em detrimento de outros códigos, igualmente dignos e mais adaptados à nossa realidade, foram pensados para arbitragens internacionais, num universo económico e humano sem paralelo no Ocidente Peninsular. Trata se de soft law: não aplicável, por si.
- Mas além disso, há que a fazer passar por um minimum de adaptações, sob pena de irrealismo.
- Finalmente, elas correspondem a práticas norte americanas, discutidas no seu próprio País de origem e que a doutrina europeia propõe sejam restritivamente interpretadas, porquanto a realidade jurídica estado unidense é muito diferente da nossa e, mesmo, da europeia.
- Na realidade do “mercado” português da arbitragem, não é virtualmente possível indicar um árbitro experiente que não tenha tido nenhuma relação com alguma das partes: em regra, ter se á relacionado profissionalmente com as duas … no que, de certo, vai a favor da sua independência. Os grandes “clientes”, com centenas de processos em curso (os bancos, o Estado, a EDP, a Galp, a PT e, em geral, as empresas do PSI 20) ocupam, praticamente, todos os juristas mais ativos do País: como advogados, como consultores, como peritos, como jurisconsultos ou como árbitros. Não logram indicar um árbitro, sem incorrer em suspeições?
- . Neste ambiente, a disclosure pode ser um portão para todas as aventuras, já que qualquer elemento publicamente comunicado permite escavar e apurar recusas. Particularmente delicada é a lista laranja da IBA: um facto aí inserido permite, à outra parte, “perdoar” ou vetar, à sua guisa, o árbitro indicado? Se sim, ele fica nas mãos dessa outra parte, perdendo – então claramente – a sua independência.
- Na Alemanha, recomenda-se uma interpretação restritiva destas regras.
- O conhecimento da realidade portuguesa mostra, ainda, um fenómeno mais delicado: o advogado cuidadoso, confrontado com uma “revelação”, comunicá-la-á ao seu cliente. Este, em regra sem experiência jurídica, logo manifesta reticências. O advogado, por seu turno, não corre o risco de perder a ação, sem ter usado de todos os meios: ameaça a recusa. As arbitragens decorrem num ambiente de desconfiança mútua.
- As mesmas regras, quando aplicadas em condições diferentes, têm efeitos distintos: por vezes contrários ao que se pretendia. As revelações feitas no plano internacional têm um alcance diverso do que podem assumir, no nacional. Aí, as escolhas de árbitros são feitas (por vezes) por catálogos, sem que ninguém se conheça.
- O próprio Código Deontológico do CAC [Centro de Arbitragem Comercial] só refere as Guidelines da IBA para as arbitragens internacionais. Como qualquer outro documento deontológico, elas são úteis, Mas não vinculam as partes a observá-las, nem, muito menos os árbitros.
- Quanto às relações profissionais nos últimos anos (que figuram na lista laranja das Guidelines da IBA), cabe distinguir, desde logo, o tipo de relações: uma coisa é ter se sido árbitro num processo (ou em vários), por indicação de uma parte [e, aí, a relação profissional passa a ser com as duas] e outra é ter se sido seu advogado. Muito diversa é, ainda, a situação do árbitro indicado por um Tribunal do Estado: tal árbitro nada deve a nenhuma das partes. A relação de arbitragem é independente: a pessoa não deixa de ser independente … por o ter sido muitas vezes; já a relação cliente/advogado é empenhada, criando laços que não se perdem em três anos. A identificação, permitida pelas Guidelines, da posição do árbitro com a do advogado é incompreensível; torna-se perceptível, apenas, perante a realidade norte americana, muito diversa da europeia.
- No que concerne às arbitragens anteriores, não vemos obstáculo, particularmente no domínio das arbitragens necessárias especializadas. Não obstante, há que verificá-lo em cada caso.
- A situação dos repeat arbitrators, só por si, não envolve parcialidade ou dependência: ela pode ser um indício, a completar com outros elementos, que o recusante deve alegar e provar. De outro modo, cairíamos num formalismo mecanicista, não fazendo sentido submetê- lo à apreciação dos árbitros e ao controlo do Tribunal da Relação.
- Na determinação do grau de independência de um árbitro, há que ter em conta o peso relativo da arbitragem considerada na atividade profissional do visado: três arbitragens pode ser muito para quem não faça mais nada; será pouco para quem tenha integrado dezenas de tribunais.
- Quanto à questão de saber se o facto de um árbitro não responder a perguntas que lhe sejam colocadas por alguma das partes ou não vir, espontaneamente, contar o que ninguém lhe perguntou constitui, por si, fundamento de recusa, trata-se, à partida, duma questão bizarra: a lei só obriga o árbitro a revelar pontos que, aos olhos do juiz, possam originar “fundadas dúvidas”; por isso, se os pontos forem irrelevantes, não há qualquer dever de os revelar. Nenhuma lei obriga um árbitro a devassar, publicamente, a sua vida; seria mesmo uma hipótese de escola de fishing: a parte aguerrida submete, ao árbitro, uma série de questões, na expectativa de encontrar algo que fundamente a recusa.
A despeito do brilho intelectual do eminente jurisconsulto e tratadista ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, nenhum dos argumentos por ele convocados para desvalorizar a relevância das mencionadas Guidelines da IBA e a sua força vinculativa dentro do universo jurídico português nos impressiona particularmente.
É verdade que as Guidelines da IBA constituem soft law, estando, portanto, desprovidas de força vinculativa própria. Mas isso não tira que se trata dum documento da maior relevância na interpretação do que se deve entender por factos susceptíveis de gerar fundadas dúvidas sobre a independência e/ou imparcialidade do árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 3 do cit. art. 13º da LAV.
O argumento de que elas correspondem a práticas norte-americanas, discutidas no seu próprio País de origem e que a doutrina europeia propõe sejam restritivamente interpretadas, porquanto a realidade jurídica estado-unidense é muito diferente da nossa e, mesmo, da europeia vale muito pouco:  Portugal, sendo embora um país com apenas cerca de 10 milhões de habitantes, possui hoje uma economia aberta e, desde que se integrou no espaço económico europeu (nos idos de 1986), evoluiu muito e, mesmo no campo da administração da justiça, modernizou-se enormemente, o que também se revela na criação e multiplicação de sociedades de advogados que contam com dezenas de sócios e com centenas de advogados ao seu serviço, na criação de novas faculdades de direito (no Porto e em Braga), no aparecimento de novas revistas jurídicas especializadas e na publicação de dezenas de teses de doutoramento e de mestrado.
O argumento de que, no modesto “mercado” português da arbitragem, não é virtualmente possível indicar um árbitro experiente que não tenha tido nenhuma relação com alguma das partes (porque, em regra, já se terá relacionado profissionalmente com as duas – o que até depõe a favor da sua independência) só se aplica, eventualmente, aos litígios que envolvem os bancos e as grandes empresas cotadas em bolsa, mas já não é válido para litígios como os versados na arbitragem necessária dos “medicamentos” (onde os conhecimentos relevantes e decisivos são, porventura, os dos peritos em Química orgânica, e não tanto o dos juristas, especializados ou não em Propriedade Industrial).
O argumento segundo o qual a revelação de factos incluídos a Lista Laranja potencia a chantagem da outra parte sobre o árbitro, seja pelo não exercício da faculdade de recusa (perdoando assim o árbitro ao vexame da recusa), seja pressão que essa mera revelação coloca sobre o mandatário da outra parte, obrigado deontologicamente a dar a conhecer os factos revelados ao seu cliente e, por essa via, a usar todas as “armas” de que dispõe, para não perder a acção, a ser verdadeiro, é válido para todos os ordenamentos jurídicos (e não apenas para o mercado norte-americano) e, portanto, Portugal não pode pretende imunizar-se contra esse risco, desvalorizando os factos ou circunstâncias que figuram na dita Lista Laranja.
O argumento de que as revelações feitas no plano internacional têm um alcance diverso do que podem assumir, no nacional, porque naquele as escolhas de árbitros são feitas (por vezes) por catálogos, sem que ninguém se conheça, de modo que o mais prudente será restringir a aplicação das Guidelines da IBA às arbitragens internacionais, não as aplicando de todo às arbitragens nacionais, tem contra si a racionalidade que subjaz à concepção destas regras deontológicas: não faz sentido que regras deontológicas pensadas para garantir a independência dos árbitros só sejam válidas num determinado contexto, mas já não sirvam para se aplicarem às arbitragens nacionais, sendo certo que o problema que elas visam atalhar é transversal a todas as arbitragens (nacionais ou internacionais).
Merece uma ponderação mais detalhada o argumento de que, no domínio das relações profissionais nos últimos anos (que figuram na lista laranja das Guidelines da IBA), há que distinguir entre o facto de ter sido árbitro num processo (ou em vários), por indicação de uma parte e a circunstância de ter sido seu advogado, porquanto a pessoa não deixa de ser independente … por o ter sido muitas vezes, enquanto a relação cliente/advogado é empenhada, criando laços que não se perdem em três anos – o que tornaria incompreensível a identificação, permitida pelas Guidelines, da posição do árbitro com a do advogado.
Parece incontroverso que a posição do árbitro não pode nem deve ser parificada à do advogado, porque há uma diferença estrutural entre o facto de se ter sido árbitro num processo (ou em mais do que um) por indicação duma parte e a circunstância de se ter sido advogado dessa parte.
Mas as coisas podem alterar-se significativamente (e as diferenças entre ter sido árbitro e ter sido advogado duma parte esbaterem-se muito) se o número de vezes que o árbitro é indicado pela mesma parte ou por um certo escritório de advogados de partes diferentes, num espaço de três anos, atingir as várias dezenas. É que, quando, em menos de um lustro (isto é, em escassos três anos), um mesmo árbitro é nomeado dezenas de vezes pela parte ou por um determinado escritório de advogados que representa partes diferentes, instala-se a legítima suspeita de que se criou uma relação de fidelidade entre este árbitro e esta parte ou entre este árbitro e este escritório de advogados.
Esta realidade indesmentível deita por terra, duma penada, o argumento da indevida parificação do estatuto do árbitro ao estatuto do advogado e aqueloutro argumento de que a situação dos repeat arbitrators, só por si, não envolve parcialidade ou dependência, podendo quando muito ser um mero indício, a completar com outros elementos, que o recusante deve alegar e provar, sob pena de caírmos num formalismo mecanicista, que dispensaria a submissão do caso à apreciação dos árbitros e ao controlo do Tribunal da Relação.
Também subscrevemos o entendimento segundo o qual deve ter-se em conta, na determinação do grau de independência de um árbitro, o peso relativo da arbitragem considerada na atividade profissional do visado (três arbitragens pode ser muito para quem não faça mais nada; será pouco para quem tenha integrado dezenas de tribunais).
Por isso, se, num espaço de três anos, o árbitro tiver sido nomeado, dezenas de vezes, pela mesma parte ou pelo mesmo escritório de advogados, em arbitragens cujo objecto é essencialmente o mesmo (a eventual infracção de direitos de propriedade industrial decorrentes de patentes farmacêuticas), isso é um forte indício de que ele faz deste tipo de arbitragens profissão e de que elas constituem uma parte muito significativa dos seus rendimentos.
Finalmente, não procede o argumento de que o mero facto de um árbitro não responder a perguntas que lhe sejam colocadas por alguma das partes ou não vir, espontaneamente, contar o que ninguém lhe perguntou nunca pode constituir, por si, fundamento de recusa, visto a lei só obrigar o árbitro a revelar pontos que, aos olhos do juiz, possam originar “fundadas dúvidas”, de sorte que, se os pontos forem irrelevantes, não há qualquer dever de os revelar.
O ponto está precisamente em saber se os factos a revelar pelo árbitro são ou não irrelevantes, aos olhos duma terceira pessoa razoável (o crivo segundo qual – como vimos – deve ser avaliada a relevância dos factos abrangidos pelo dever de revelação). Por isso, e porque, em caso de dúvida, deve ser feita a revelação (cfr. supra), um árbitro não pode, sob pena de se tornar suspeito de falta de independência, deixar de revelar factos que figuram na Lista Laranja das Guidelines da IBA, nomeadamente o número de vezes que, nos últimos três anos, foi nomeado pela parte que acaba de o nomear ou pelo escritório de advogados que representa a parte que o nomeou.
Quanto à questão de saber se a violação, por um árbitro, do dever de revelar todas as circunstâncias passíveis de suscitar dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência justifica, por si só, que ele seja recusado, trata-se duma questão que não tem recebido uma resposta uniforme na jurisprudência dos vários países.
Entre nós, a própria Relação de Lisboa já entendeu, uma vez, que “a omissão do dever de revelação, só por si, não implica necessariamente que haja falta de independência e imparcialidade do árbitro” (Acórdão de 24.03.2015 – Proc. nº 1361/14.0YRLSB.L1-1; relator: ADELAIDE DOMINGOS), outra vez que “a omissão do dever de revelação regra geral também não constitui só por si fundamento de recusa, mas em certas circunstâncias pode vir a constituir fundamento para a recusa” (Acórdão de 13.09.2016 – Proc. nº  581/16.7YRLSB.-1; relator: RIJO FERREIRA) e uma terceira vez que “Não tendo o Exmo. Árbitro recusado divulgado, aquando da sua indigitação ou nomeação, as suas anteriores participações em arbitragens idênticas ou similares, bem como, o parecer emitido ou quaisquer outras actividades profissionais relacionadas com o mesmo tema, incorreu o mesmo, na violação do dever de revelação, susceptível de criar fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade “aos olhos da demandada” (Acórdão de 29.09.2015 – Proc. nº 827/15.9YRLSB-1; relator – AFONSO HENRIQUE), arestos estes todos eles acessíveis on-line in: www.dgsi.pt .
A jurisprudência norte-americana e alemã entendeu que uma violação, pelo árbitro, do seu dever de revelar factos relevantes é suficiente para o desqualificar [6].
Diversamente, as jurisprudências suíça e inglesa consideraram que essa violação é apenas um elemento a ser tomado em consideração, conjuntamente com outros [7].
Em França, as decisões dos tribunais têm sido algo ambíguas quanto a esta questão (variando entre i) decisões que entendem que a omissão da revelação dum facto relevante é um elemento, entre outros, para decidir sobre a recusa do árbitro e ii) outras que são menos claras a este respeito, mas que não apoiam a tese segundo a qual o árbitro pode ser recusado pela simples razão de não ter observado o seu dever de revelação, iii) havendo contudo uma decisão da Cour de Cassation em que o tribunal, aparentemente, revogou a decisão da Relação com fundamento na violação do dever de revelação, pelo árbitro, de anteriores nomeações como árbitro pela mesma parte)[8] [9].
Pela nossa parte, partilhamos o entendimento que prevaleceu no cit. Acórdão desta Relação de Lisboa de 13.09.2016 (que, aliás, foi subscrito pelo relator da presente decisão, como adjunto), segundo o qual “o eventual incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do dever de revelação, (…) não constitui só por si motivo de desqualificação do árbitro. “Para que tal possa ocorrer é necessário que nesse incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade”. “E nesse conspecto, só se configura que o incumprimento do dever de revelação possa constituir desde logo justificação de recusa naqueles casos extremos em que a omissão de revelação se refira a circunstância tão fundamental que, por si só, revela afectação da independência ou imparcialidade”.
Sucede, porém, que, in casu, estamos precisamente perante uma dessas hipóteses-limite, em que a omissão do dever de revelação, por parte dos 2 árbitros recusados pela ora Demandada (Dr. M… e Dr. B…) – rectius, o cumprimento defeituoso, por parte do primeiro, traduzido na prestação de informações incompletas e não verdadeiras, e a total omissão, por parte do segundo, da prestação das informações requeridas pela outra parte – respeita a uma circunstância fundamental para se ajuizar da sua independência.
Essa circunstância não revelada é, nem mais nem menos, do que a nomeação como árbitro, nos três últimos anos, por mais de três vezes, pelo mesmo mandatário ou pela mesma sociedade de advogados.
Neste quadro, temos por certo que, ao observar defeituosamente (num caso) e ao omitir completamente (noutro caso) o dever de revelação a que ambos estavam submetidos (ex vi do cit. art. 13º, nºs 1 e 2, da LAV aprovada pela Lei nº 63/2011), os srs. Árbitros Dr. M… e Dr. B… deram azo a que se possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência (nos termos e para os efeitos previstos no nº 3 do mesmo art. 13º da LAV).
Procede, assim, o incidente de recusa.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Demandante/requerida (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça a fixada pela tabela I-C anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), dada a especial complexidade da causa (derivada de se tratar de questão recente, com resposta ainda não consolidada na jurisprudência, cuja apreciação implicou uma alocação dos recursos do tribunal muito superior ao que é normal numa apelação – artigos 6º, nº 5, do RCP e 530º, nº 7, al. b) do CPC).
DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam os juízes desta Relação em confirmar a decisão sumária do relator que decidiu revogar o Acórdão do Tribunal Arbitral proferido em 26/07/2018, porquanto, no caso em apreço, e face aos elementos que constam dos autos, existem fundadas dúvidas sobre a independência e imparcialidade do árbitro nomeado pela Demandante ora Requerida (…. INC), Dr. B…, e do árbitro nomeado à Demandada ora Requerente (Z….) pelo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Dr. M…, pelo que, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 3 da Lei n.º 63/2011, de 14/XII, julgou procedente o incidente de recusa dos referidos árbitros, suscitado pela Demandada, ora Requerente.
Custas do incidente a cargo da Demandante ora Requerida (G….).
Taxa de justiça: a prevista na tabela I-C anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Rui Torres Vouga
Rosário Gonçalves
Manuel Ribeiro Marques
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[1] O texto integral desta Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional, numa tradução não oficial para a língua portuguesa, está acessível on-line in: http://www.dgpj.mj.pt/sections/noticias/dgpj-disponibiliza/downloadFile/attachedFile_f0/UNCITRAL_Texto_Unificado.pdf?nocache=1298368366.42
[2] MANUEL PEREIRA BARROCAS (in ob. cit., p. 68) também considera que “ligações do proposto árbitro ao escritório de advogados que patrocine qualquer das partes, se for muito próxima, por exemplo seu sócio, devem também ser reveladas”.
[3] Este documento está acessível on-line in: https://www.ibanet.org/Publications/publications_IBA_guides_and_free_materials.aspx .
[4] Cuja versão em língua portuguesa está acessível on-line in: https://www.ibanet.org/enews_archive/iba_july_2008_enews_arbitrationmultiplelang.aspx .
[5] Irreleva, para este efeito, que a grande maioria dessas arbitragens em que o árbitro em questão foi nomeado, nos 3 (três anos) anteriores à sua nomeação pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito da presente arbitragem, tivessem terminado sem decisão de mérito (seja porque o tribunal arbitral não chegou a constituir-se, seja porque o os litígios terminaram por acordo entre as partes). O que era especialmente relevante era apurar quantas vezes, nesse período de 3 anos anterior a 4.12.2017 (sua nomeação pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito da presente arbitragem), o árbitro em causa fora nomeado pelo escritório de advogados da Demandante (….– Sociedade de Advogados, SP, R.L.). E, a este respeito, o Sr. Dr. M…declarou peremtoriamente que os advogados envolvidos nas tais arbitragens em que fora nomeado nesses três anos compreendidos entre 4.12.2004 e 4.12.2007 nada tinham a ver com os advogados da Demandante ou da Demandada, nos presentes autos (sic). Afirmação que não corresponde a verdade – como resulta do cit Acórdão desta Relação de 24-03-2015.
[6] Cfr., neste sentido, JEAN-FRANÇOIS POUDRET e SÉBASTIÉN BESSON in Comparative Law of International Arbitration, 2º edição revista e actualizada, Sweet & Maxwell Ltd,, Londres, 2007, p. 361, nota 429.
[7] Cfr., neste sentido, JEAN-FRANÇOIS POUDRET e SÉBASTIÉN BESSON, ibidem.
[8] Cfr., neste sentido, JEAN-FRANÇOIS POUDRET e SÉBASTIÉN BESSON in ob. cit., pp. 361-362, nota 212b).
[9] A opinião pessoal manifestada por JEAN-FRANÇOIS POUDRET e SÉBASTIÉN BESSON (in ob. cit., p. 362) vai no sentido de que é preferível a abordagem dos tribunais Suíços e Ingleses. Segundo estes Autores (ibidem), um tribunal só deve anular a decisão arbitral se a independência ou imparcialidade do tribunal arbitral está comprometida, sendo a omissão do dever dum árbitro de revelar certos factos apenas um de vários elementos que devem ser tomados em consideração.