Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27/19.9PJSNT.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
SUSPENSÃO DA PENA
JUIZO DE PROGNOSE
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Sendo esta a quarta condenação do arguido, sempre, pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal,   praticado durante o período da suspensão da última pena que lhe havia sido imposta,    suspensa na execução, com a condição de se inscrever em escola de condução, que se sucedeu a penas de multa e de multa convertida em trabalho a favor da comunidade -  impõe-se concluir que, não obstante a confissão integral e sem reservas reveladora de capacidade de autocensura, dos hábitos de trabalho, exercendo uma actividade profissional remunerada de carácter regular, vivendo com os pais e com a irmã e contribuindo com parte do seu vencimento para as despesas do agregado familiar, não é possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à suficiência da censura do facto e ameaça da pena para assegurar os fins das penas.
As razões de prevenção geral, determinantes na aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, também a desaconselham, na medida em que o crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal é tanto descabido e facilmente evitável, quanto é perigoso.
No entanto, sempre que verificados os pressupostos previstos no art. 43º do CP e nos arts. 4º; 7º e 9º da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, segundo a redação que lhe foi introduzida pela Lei 94/2917 de 23 de Agosto, a pena de prisão aplicada deverá ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 27 de Agosto de 2019, no processo sumário nº 27/19.9PJSNT do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o arguido T----- foi condenado como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. art. 3º nºs 1 e 2 do DL n° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de três meses de prisão.
O arguido interpôs recurso desta sentença, sintetizando as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
1. O arguido recorre porque não concorda com a sentença que o condenou a três meses de prisão efetiva.
2. Entende o arguido, com o devido respeito, que a mesma peca por excessiva, desadequada e desproporcional.
3. Atirar com um jovem para um estabelecimento prisional, ainda que apenas por três, meses é fazer com que o mesmo tome contacto com uma realidade contaminada que nada de bom trará ao mesmo e muito menos ao nível da ressocialização.
4. O arguido está inserido familiar, social e profissionalmente.
5. O arguido está inscrito numa escola de condução e demonstrou tal facto nos autos.
6. O contacto com o meio prisional do jovem arguido, estamos em crer, sempre com o devido respeito, será mais nefasto do que ressocializador.
7. Entende o arguido que lhe deve ser dada a oportunidade de demonstrar que sabe pautar a sua conduta de forma consciente e que tão logo terá em seu poder o título que o habilitará a conduzir.
8. Entende o arguido que a pena que lhe foi aplicada deverá ser suspensa na sua execução por um período não inferior a um ano, mediante regime de prova que poderá passar pela obrigação de frequentar cussos de formação na ótica da consciencialização da prevenção da sinistralidade rodoviária e que tal pena será de longe mais ressocializadora.
9. Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão aplicada por um período não inferior a um ano mediante regime de prova.
10. Ou se assim não se entender, o que se refere sem conceder, que a mesma possa ser cumprida em regime de permanência na habitação nos termos do s artigos 43°, n° 1, 2 e 4 da Lei 94/2017 de 23 de agosto, permitindo-se que o arguido possa deslocar-se de casa para o trabalho e vice versa sendo estas deslocações fiscalizadas pelos serviços de reinserção social, promovendo-se desta forma uma melhor e mais eficaz ressocialização onde se inclui a manutenção do seu vinculo laboral e familiar.
Admitido o recurso, o Mº. Pº.  apresentou a sua resposta, na qual se pronunciou no sentido da manutenção da pena de prisão fixada na sentença com a possibilidade de o arguido cumprir a pena em regime de permanência na habitação, como por ele foi pedido subsidiariamente no recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1) O presente recurso tem como objecto a medida da pena aplicada ao arguido.
2) A determinação concreta da pena obedece aos critérios previstos no art. 40°, 70° e 71° do C.P., visando a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e é efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
4) A sentença recorrida não merece censura, quanto à decisão e aos fundamentos de facto e de direito, pela prova produzida.
5) A personalidade do recorrente, os antecedentes criminais e o elevado índice de sinistralidade rodoviária de todos sobejamente conhecido impõem, como meio de tratamento penal preventivo a sua condenação nos moldes traçados, numa pena de prisão efectiva.
6) No entanto, nada obsta a que o recorrente cumpra a pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização, nos termos dos art.°43°, n.°1, 2 e 4 da Lei n.°94/2017, de 23.08 com possibilidade de se ausentar de modo a poder ir trabalhar.
7) Tanto mais que, a pena não deverá ser suspensa, pois tem antecedentes criminais.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, e, em consequência, manter-se a sentença recorrida, acrescentando que a pena deverá ser cumprida na habitação com monotorização, porque consentida, reunidas que estejam as necessárias condições, que, para tanto, deverão ser indagadas junto da DGRSP.
Remetido o processo a este Tribunal, o Mº. Pº., na vista a que se refere o art. 416º do CPP pronunciou-se em termos idênticos, no sentido da manutenção da sentença recorrida, considerando, ainda, não ser possível formular qualquer juízo favorável ao arguido, em face dos seus antecedentes criminais e da circunstância de ter praticados o crime objecto destes autos, durante o período de suspensão da execução de pena que lhe havia sido imposta por crime semelhante.
Foi cumprido o art. 417º nº 2, do C.P.P., sem resposta do arguido.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objecto do recurso e identificação das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito ( Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, a única questão que cumpre apreciar é a da adequação e proporcionalidade da pena aplicada ao arguido.
2.2. Fundamentação de facto
Os factos considerados provados, no Tribunal da primeira instância, foram os seguintes: 
1. No dia 10-08-2019, pelas 01h10, o arguido conduzia o motociclo com a matrícula XX-XX-XX, no posto de abastecimento da PRIO, sito em Agualva/Mira Sintra, na via pública, sem ser titular de qualquer documento que o habilitasse legalmente para tal.
2. Não obstante saber que a condução de veículos apenas é legalmente permitida a quem é titular de documento que habilite para o efeito, não se absteve de conduzir o veículo supra mencionado, apesar de não o poder fazer.
3. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta prevista e punida por lei.
4. O arguido foi condenado:
4.1. No Proc. n° 457/13.0T3SNT, por sentença de 09-12-2014, transitada em 09-01-2015, pela prática, em 18-09-2012, de um crime de denúncia caluniosa, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de 5,00€, extinta por prescrição.
4.2. No Proc. n° 74/14.7PCSNT, por sentença de 28-10-2015, transitada em 28-11-2015, pela prática, em 19-01-2014, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto de uso de veículo, na pena única de 200 dias de multa à razão diária de 5,00€, substituída pela prestação de 199 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta por cumprimento em 17-04-2019.
4.3. No Proc. n°15/19.5PTSNT, por  sentença de 12-02-2019, transitada em 14-03-2019, pela prática, em 01-02-2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 220 dias de multa, à razão diária de 7,00€, extinta por prescrição.
4.4. No Proc. n° 41/19.4PTSNT, por sentença de 14-03-2019, transitada em 23-04-2019, pela prática, em 04-03-2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com submissão à obrigação de se inscrever em escola de condução.
5. O arguido vive com os pais e a irmã, trabalha como empregado de balcão, aufere 800,00€, entregando 200,00€ em casa para as despesas domésticas.
6. O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas
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Da audiência de julgamento não resultaram não provados quaisquer factos.
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A convicção do tribunal formou-se com base na ponderação conjugada das declarações do arguido, que confessou os factos integralmente e sem reservas, com o print da pesquisa efetuada na base de dados de condutores habilitados.
Os antecedentes criminais do arguido foram aferidos com base no CRC junto aos autos.
As condições de vida do arguido foram aferidas com base nas suas declarações, que se revelaram credíveis.
2.3. Apreciação do mérito do recurso
De acordo com os princípios gerais, consagrados nos art. 18º nº 2 da CRP, da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, a que o art. 40º do CP deu concretização, as penas servem finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que a pena concreta tem como limite máximo inultrapassável, a medida da culpa e esta constituí o fundamento ético da pena e dentro de uma moldura de prevenção geral positiva ou de integração, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e as exigências mínimas de defesa da ordem jurídica penal, correspondendo às exigências básicas e irrenunciáveis de restabelecimento dos níveis de confiança por parte da sociedade, na validade da norma incriminadora violada. (Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 65-111 e na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, páginas 186 e 187. No mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, p. 113; Eduardo Correia, BMJ nº 149, p. 72 e Taipa de Carvalho, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, p. 96 e ss.).
É função da pena salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes, introduzir um efeito de confiança, no seio da comunidade, acerca da validade e eficácia das correspondentes normas jurídicas incriminadoras e produzir um efeito dissuasor da criminalidade, nos cidadãos em geral, induzindo-lhes a aprendizagem da fidelidade ao direito.
Também é função da pena assegurar, no âmbito da prevenção especial, em regra, positiva ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade, excepcionalmente negativa ou de intimidação, prevenindo a reincidência.  
O arguido pretende a suspensão da execução da pena, argumentando com as circunstâncias de se tratar de uma pena de curta duração e de se encontrar social e laboralmente inserido.
A pena de prisão que lhe foi imposta tem a duração de três meses.
E, efectivamente, tendo resultado provado que o arguido vive com os pais e a irmã, trabalha como empregado de balcão, aufere 800,00€, entregando 200,00€ em casa para as despesas domésticas, nenhuma dúvida se suscita sobre o grau de inserção familiar e os seus hábitos de trabalho.
Acontece que a suspensão da execução da pena de prisão, mesmo que aconselhada à luz de razões de prevenção especial, não tem aplicação, se as razões de prevenção geral forem de tal modo intensas que desaconselhem a simples censura do facto e a ameaça da pena.
Constitui princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal, o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial, anunciado, desde logo, no art. 40º do CP.
Em diversos outros preceitos se encontram afloramentos de tal princípio, designadamente, no instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art. 50º.
Nos termos do art. 50º nº 1 do CP, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A suspensão da execução da pena constituí uma dessas medidas de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta não superior a cinco anos de prisão, que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de prevenção da criminalidade.
E a ponderação das condições pessoais do arguido, da sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados, estão directamente associadas a finalidades de prevenção especial e não quaisquer factores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, em anotação ao art. 50.º).
Do que se trata é de saber, se mantendo o autor do crime em liberdade, sujeito ou não a injunções e regras de conduta, como condições do não cumprimento efectivo da pena de prisão, destinadas, respectivamente, a reparar o mal do crime e a assegurar a inserção social do condenado, se mostra, em cada caso, adequado e suficiente para que interiorize o carácter ética e juridicamente reprovável da sua conduta e obste a que volte a praticar outros crimes.
«Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético - social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade» (Jescheck, Tratado, Parte Geral, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153).
«Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso» (Ac. do STJ de 18.06.2015, proc. 270/09.9GBVVD. S1, in http://www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acs. do STJ de 5.07.2012, proc. 373/11.0JELSB.S1-5; de 24.02.2016 proc. 60/13.4PBVLG.P1.S1, na mesma base de dados; Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344; André Lamas Leite, A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, in Stvdia Jurídica, 99, Ad Honorem-5, BFDC, Coimbra Editora, 2009, pág. 629).
Mas são, sobretudo, razões atinentes à prevenção geral que fundamentam, seja a aplicação, seja a não aplicação deste instituto.
Com efeito, são as razões de prevenção geral, traduzidas nas exigências mínimas e irrenunciáveis de salvaguarda da crença da sociedade, na manutenção e no reforço da validade da norma incriminadora violada, que determinam a possibilidade de reinserção social em liberdade que inspira o instituto da suspensão da execução da pena.
Mesmo que aconselhada à luz das exigências de socialização do condenado, a suspensão da execução da pena não poderá ter lugar, se a tal se opuserem a tutela dos bens jurídicos violados e as expectativas comunitárias, quanto à capacidade dos mecanismos e das instituições previstos na ordem jurídica para repor a validade e a eficácia das normas que a integram e de as fazerem respeitar.
«Uma tal medida (de suspensão de execução da pena de prisão) em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial.
«Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial de Notícias, págs. 330/331 e Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, CEJ, vol. 2.º, pág. 48; Acs. do STJ de 09.11.2000, in http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html; de 08.05.2003; de 02.10.2003; de 02.03.2006; de 02.05.2006; de 06.07.2006; de 25.10.2007; de 02.04.2008; de 17.04.2008 e de 18.12.2008; de 07.04.2010 in http://www.dgsi.pt).
«A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correcção”, “melhora” ou - ainda menos - “metanoia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”, por isso que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável, à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime», porquanto não estão em causa, «quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa» (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, § 520, pág. 344).
Numa imagem global do facto, constata-se face aos antecedentes criminais do arguido que, não obstante a confissão integral e sem reservas reveladora de capacidade de autocensura, dos hábitos de trabalho, exercendo uma actividade profissional remunerada de carácter regular, vivendo com os pais e com a irmã e contribuindo com parte do seu vencimento para as despesas dos agregado familiar, esta é a quarta condenação que sofre, sendo a terceira pela prática do mesmo crime de condução de veículo sem habilitação legal, num período temporal de cerca de cinco anos.
As penas que lhe foram aplicadas pelos três crimes de condução de veículo sem habilitação legal, desde prestação de trabalho a favor da comunidade, multa e prisão suspensa na execução, demonstram total insucesso destas sanções penais para dissuadir o arguido da prática de outros crimes e, ao mesmo tempo, a sua incapacidade para adequar o seu comportamento com os valores jurídicos essenciais ao convívio social, sublinhados pelas circunstâncias de ter praticado o crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, durante o período da suspensão da pena de prisão que lhe havia sido imposta no processo n° 41/19.4PTSNT, de o ter cometido apenas cinco meses depois do crime de condução de veículo sem habilitação legal objecto desse tal processo 41/19.4PTSNT e de, nesse processo, até lhe ter sido imposta a condição de se inscrever em escola de condução.
Refira-se a este propósito que se existe crime mais fácil de evitar e cuja prática, sobretudo, reiterada, como no caso vertente, é mais desnecessária e sem sentido, o crime de condução de veículo sem habilitação legal é esse tipo.
Com efeito, basta obter a licença teórica e prática para o exercício da condução, para neutralizar por completo o risco de reincidência e, no caso do arguido, que tem rendimentos fixos provenientes do trabalho e em face da possibilidade de pagamento faseado praticado pelas escolas de condução, não há qualquer justificação que possa contextualizar este comportamento persistente do arguido em conduzir veículos de circulação terrestre, na via pública, sem a necessária licença para o efeito.
Por isso, as razões de prevenção especial e de socialização são completamente contrárias a qualquer juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça da pena e a censura do facto, mesmo que acompanhadas de regime de prova, surtam alguma ressonância crítica no arguido e o efeito de impedir que pratique novos crimes.
Acrescem as razões de prevenção geral.
É que o crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal é tanto descabido e facilmente evitável, quanto é perigoso.
Com efeito, o crime de condução de veículo sem habilitação legal cria riscos acrescidos numa actividade já em si mesma, naturalmente perigosa, como é a condução de veículos de circulação terrestre, sendo que a quantidade e a frequência de acidentes de viação em Portugal, que mais de uma questão de segurança e educação rodoviária, é já uma questão de saúde pública e não se compadece com a proliferação deste tipo de crime.
Também as razões de prevenção geral são de tal modo intensas que não resta outra alternativa do que considerar ajustada ao grau de culpa, às finalidades da punição ao nível da prevenção geral e especial, da imposição da pena de três meses de prisão.
Quanto ao pedido subsidiário de que o cumprimento desta pena se efectue em regime de permanência na habitação, apesar dos antecedentes criminais que possui, um arguido demonstra capacidade de trabalho, tem estabilidade familiar e, nos termos do art. 43º nº 1 al. a), a pena concreta aplicada, pode ser cumprida, dessa forma.
Porém, pese embora o seu pedido formulado neste recurso equivalha ao consentimento previsto no art. 4º nºs 2 e 3 da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, segundo a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 94/2917 de 23 de Agosto, a efectivação dessa medida depende, do consentimento dos familiares do arguido com quem o mesmo coabita (art. 4º nº 5 da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, segundo a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 94/2917 de 23 de Agosto), bem como da informação favorável da DGRSP quanto à exequibilidade prática da vigilância electrónica no domicílio escolhido, nos termos dos arts. 7º nº 2 e 9º dos referidos diplomas legais, a qual terá de ser decidida na primeira instância, em conformidade com os formalismos destinados ao exercício do contraditório igualmente previsto no citado art. 7º.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida, mas determinando que o Tribunal do julgamento, determine a realização dos procedimentos legais necessários à averiguação da possibilidade de cumprimento da pena da prisão de três meses pelo arguido T-----, no domicílio, com vigilância electrónica e com permissão de ausências para cumprir o seu horário de trabalho, nos termos previstos nos art. 4º e 7º da Lei 33/2010 de 2 de Setembro, segundo a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 94/2917 de 23 de Agosto.
Custas pelo arguido, que se fixam em 3 UCs – art. 513º do CPP.
Notifique.
                                                           *
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de Janeiro de 2020
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva