Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
Descritores: | DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE RECURSO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | Um despacho que se destine exclusivamente a dar exequibilidade prática a uma entrega de dinheiro apreendido que já havia sido decidida mais de cinco anos antes, é um despacho de mero expediente, ou seja, é um despacho «(…) que se destina a prover ao andamento regular do processo sem interferir no conflito de interesses entre as partes» de acordo com a definição contida no art. 156º nº 4 do Código Processo Civil, aqui aplicável por remissão do art. 4º do Código de Processo Penal, ou, noutra formulação, com o mesmo alcance, aquele que, proferido pelo juiz e não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, se destina principalmente a regular o andamento do processo. Isto, não obstante, esse despacho inicial ser ilegal, por ter decidido o destino a dar a dinheiro apreendido com fundamento apenas na vontade dos sujeitos processuais e nos consensos entre eles formados, ao invés dos critérios de legalidade estrita contidos nos arts. arts. 178º a 186º do CPP e 109º a 111º do CP, em função da sua utilidade para a prova a produzir ou da sua futura perda, se considerados ilícitos. É que, não tendo sido interposto recurso do despacho inicial, nem estando em causa uma nulidade de conhecimento oficioso, apesar da sua ilegalidade, o mesmo transitou em julgado, pelo que, sendo o segundo despacho que define os termos concretos da entrega, limitando-se a indicar a conta bancária para a qual o dinheiro há de ser transferido, uma mera decorrência desse outro, é de mero expediente, logo, irrecorrível. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Por despacho proferido em 11 de Junho de 2019, no âmbito do processo nº 00/00.00000, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal determinou o levantamento da apreensão da quantia de € 200.227,79 que correspondem a 40.000 unidade de participação de uma aplicação financeira denominada E.S. Rendimento Fixo III, afecto ao dossier de fundos nº ------ associado à conta depósito à ordem nº ------titulada por A ------ e Ana Seixas A.D. . e a restituição da mesma ao Estado de Angola, através da transferência para as contas bancárias identificadas em 6384. A ------ veio interpor recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões: 1. O douto despacho recorrido decidiu levantar a apreensão de valores apreendidos ao Recorrente e determinou que os mesmos fossem restituídos ao Assistente Estado de Angola “por transferência para as contas indicadas nos autos a fls. 6384 (cfr. fls 6401). 2. Em concreto, esses valores são constituídos por “40.000 Unidades de Participação de uma aplicação Financeira denominada E. S. Rendimento Fixo III, afeto ao dossier de Fundos n° ------, associado à conta DO 007914300132, titulada por A ------ e AS ------. 3. Invoca o douto despacho em mérito, como fundamento para assim ter decidido, “um despacho já transitado, à face do declarado por A ------ a fls. 4259”, 4. Despacho esse que homologou um princípio de transação judicial assente na seguinte declaração do Arguido (ora Recorrente), proferida em ata no dia 19 de Março de 2014: “não pretende manter pendente a questão relativa à devolução da quantia que lhe foi apreendida nestes autos. Por tal motivo e sem prejuízo de manter a posição de que considera [que] tal quantia é sua legítima propriedade, declara que não se opõe a que a mesma seja entregue ao estado de Angola, reservando-se o direito de em sede própria, fora do âmbito do presente processo e perante a jurisdição angolana reclamar que, mais tarde, pelo mesmo estado de Angola, lhe seja reconhecido o direito a essa quantia e a mesma vir futuramente a ser-lhe devolvido. 5. Através desse acto, o arguido reafirmou-se proprietário dos bens apreendidos e declarou não se opor a que estes fossem entregues ao Estado de Angola, sob condição de manter o seu direito a discutir perante a jurisdição angolana o reconhecimento do seu direito de propriedade. 6. Como decisão homologatória que é, o despacho chamado à colação não decide a controvérsia sobre a pretensão do Estado de Angola à devolução dos bens apreendidos com base na respetiva propriedade, apenas sancionando a solução que o Arguido propôs para o litígio e não retira à transação chancelada o caráter e natureza de negócio jurídico sujeito ao respetivo regime legal, maxime ao decorrente dos arts 236°, 238°, 271° e segs e 405° e segs do Código Civil. 7. Não decide, isto é, que os bens pertencem ao Estado de Angola, nem determina a sua entrega com esse fundamento. 8. A referida declaração do Arguido tinha um pressuposto e incorporava uma condição. 9. O pressuposto consistia na circunstância de o arguido, então pressionado pelo gravame do seu estatuto processual, «não pretender manter a questão relativa à devolução da quantia apreendida». 10. O que significa que a declaração pressupõe que a questão da devolução (ao Estado de Angola) estava pendente, por força da pendência do próprio inquérito. 11. A partir do momento em que a questão deixou de existir sem que a entrega se consumasse, esse pressuposto, que era a base da declaração, ficou ultrapassado. 12. E deixou de existir com a prolação do despacho de arquivamento do inquérito, com o qual o Estado de Angola se conformou e que concluiu pela inexistência dos crimes de que o Recorrente era suspeito. 13. A condição consistia na salvaguarda do direito de exigir perante a jurisdição angolana o reconhecimento da propriedade sobre a quantia em causa (propriedade reafirmada, na oportunidade) e do direito à sua devolução”. 14. E nem o pressuposto se mantém nem a condição foi aceite. 15. O despacho homologatório a que se atém o douto despacho recorrido não foi executado (muito menos, na sua totalidade), como resulta do dissenso em curso, nem foi satisfeita a condição a que a declaração estava subordinada, nem se mantiveram as circunstâncias essenciais que a justificaram. 16. Rebus non sic stantibus. 17. O Estado de Angola nunca declarou aceitar nem aceitou a condição de que o Arguido fez depender a validade e eficácia daquela declaração, limitando-se o ilustre mandatário da Assistente que interveio no ato a “referir concretamente que [...] é absolutamente estranho a quaisquer operações financeiras realizadas entre os arguidos 19. Essa falta de aceitação da condição subordinativa do negócio jurídico homologado determina a sua imperfeição e que ele não tenha chegado a concluir-se (art° 232°, CC). 20. De resto, nada impõe a irretratabilidade da declaração do Arguido que constitui a substância da decisão homologatória: seja porque não foi objeto de aceitação expressa pelo Estado de Angola, seja porque, ao menos em parte, não foi executada. 21. Assim sendo, o trânsito em julgado da decisão homologatória não tem a virtualidade substantiva de permitir a devolução ao Estado de Angola de bens que, como decorre do próprio despacho de arquivamento do inquérito, não pertencem ao Assistente. 22. Por outro lado, a procuração outorgada a fls 263/264, através da qual, na aparência formal, o Estado de Angola constituiu mandatários e com base na qual estes peticionam, em nome do seu suposto representado, a entrega a eles próprios dos valores apreendidos, padece de irregularidade substancial, por falta de poderes de representação da entidade que a outorgou. 23. Tal procuração foi subscrita pelo Exmo. Procurador-Geral de Angola, em 10 de maio de 2010, invocando competir-lhe “nos termos do n° 2 do artigo n° 136° da Constituição da República de Angola, do artigo n° 200 do Código de Processo Civil e da alínea d) do artigo 2o da Lei n 5/90, de 07 de Abril, a representação de a defesa do Estado Angolano junto dos Tribunais”. 24. Ora, a legislação invocada nesse instrumento não se encontrava em vigor. 25. Com efeito, em 10 de maio de 2010 (data aposta no documento através de um simples carimbo), vigorava o novo texto da Constituição da República de Angola aprovada pela Assembleia Constituinte aos 21 de janeiro de 2010, publicada no Diário da República de Angola no dia 5 de fevereiro de 2010 e vigente desde esse dia (cfr art° 138° do diploma), 26. De acordo com cujo art° 121°, b), quem representa o Estado de Angola nas relações internacionais é o Presidente da República e não o Procurador-Geral. 27. Ademais, a procuração a que se alude não confere poderes especiais para seja quem for receber quantias provenientes da entrega autorizada pelo Arguido — como, aliás, o documento de fls 6.384 inculca —, 28. Entrega que ele apenas declarou consentir (nas circunstâncias que ficam descritas) ao Estado de Angola, não aos seus mandatários irregularmente constituídos. 29. De onde resulta que quaisquer entregas de valores efetuadas (ou a efetuar) a estes últimos não respeitam a declaração do Arguido. 30. Também por tais razões, a falta de poderes de representação do Estado de Angola não fica suprida pelo documento de fls 6.384 emitido por uma entidade que, nos termos daquele preceito constitucional, o não representa. 31. Acresce que a declaração proferida pelo arguido em 19 de março de 2014 e o despacho homologatório que sobre ela incidiu não permite que sejam entregues ao Estado de Angola os valores agora cm discussão: “40.000 Unidades de Participação de uma aplicação Financeira denominada E. S. Rendimento Fixo III, afeto ao dossier de Fundos n° ------, associado à conta DO 007914300132, titulada por A ------ e AS ------”. 32. Tais valores pertencem ao Arguido e a AS ------ 33. Todavia, esta não autorizou a pretendida entrega nem foi chamada a pronunciar-se sobre a mesma, nem interveio no negócio jurídico homologado pelo despacho de 19 de março de 2014, que, por isso, a não vincula. 34. Além dos preceitos legais que ficaram assinalados, o douto despacho recorrido violou o disposto no art. 186° do CPP. O Assistente, Estado de Angola, apresentou resposta, na qual se pronunciou pela rejeição do recurso, ou, caso assim se não entenda, pela seu não provimento, tendo, para o efeito, apresentado as seguintes conclusões: 1) O despacho ora recorrido de fls. 6415/6417 reduz-se à concretização do despacho de fls. ... de 19 de Março de 2014, já transitado em julgado, dando operatividade à efectiva restituição ao Estado Angolano da quantia de € 200.227,79, por transferência bancária para as contas indicadas pela Procuradoria Geral da República de Angola a fls. 6384. 2) O despacho recorrido é um despacho de mero expediente e, como tal, ao abrigo da al. a) do n° 1 do Art.° 400° do CPP, não admite recurso, pelo que o recurso deve ser rejeitado. Para além disso, 3) A quantia de € 3.044.609,18 (onde se inclui a quantia de € 200.227,79) constitui uma parte dos USD 24.132.266,00 ilicitamente transferidos do Banco Nacional de Angola para a conta da GOBAIN, que não possuía qualquer saldo, e posteriormente para a conta do recorrente no Banco Espírito Santo; 4) Conta esta na qual, como se disse, inexistia qualquer outra quantia, ou seja, a quantia ilicitamente transferida do Banco Nacional de Angola não se “misturou” com qualquer outra, inexistindo qualquer dúvida sobre este facto como se observa no extracto bancário da dita GOBArN relativo à id. conta bancária n.° 900023386900210; 5) E, como o recorrente sabe, foi o conhecimento deste facto que esteve na base da oportuna mudança de posição do Estado Angolano e outrossim na decisão do recorrente em assentir expressamente na diligência realizada perante o M.° Juiz de Instrução Criminal, em 19 de Março de 2014, na restituição ao Estado Angolano das quantias que tinham aprendidas na sua conta bancária com proveniência da identificada conta da Gobain, e este é ponto decisivo; 6) Porquanto, o recorrente sabe que a transferência inicial tinha proveniência ilícita; sabe que a conta da “Gobain” não tinha qualquer saldo; sabe que o Estado Angolano é o proprietário da quantia global ilicitamente transferida do BNA e sabe também que o Estado Angolano é alheio aos seus negócios com terceiros: 7) Assim, o panorama factológico inerente à entrega das quantias apreendidas que nestes autos verdadeiramente importa é que as mesmas têm proveniência ilícita e são, portanto, propriedade do Estado Angolano. De todo o modo, 8) O despacho do Juiz de Instrução Criminal de fls. ...de 19 de Março de 2014 ordenou a restituição da quantia de € 3.044.609,18 pela simples e singela razão da proveniência ilícita do capital; decisão esta já há muito transitada em julgado. 9) A declaração do recorrente foi determinante apenas quanto ao momento da devolução (antecipadamente ao despacho final do inquérito) mas não foi substantivamente decisiva para a viabilização da devolução das quantias apreendidas. 10) Aliás, a dita condição (e a imperfeição negociai) configura um segmento do recurso que não faz qualquer tipo de sentido pois, tal como em Portugal, o direito de acesso aos tribunais e à justiça é um imperativo constitucional angolano (Art.° 29°) e que sempre incumbiria cumprir mesmo sem a explicitação dessa cautela suplementar. 11) De resto, com a prolacção do despacho de arquivamento de fls. 5818 a 5955, ficou definitivamente assente que as quantias apreendidas têm, ainda e já, proveniência ilícita. 12) Acresce que, ao abrigo do disposto na al. a) do Art.° 186.° e no n.° 1 do Art.° 189° da Constituição da República de Angola, a Procuração de fls. 263/264 foi outorgada por quem, no âmbito poder judicial, tinha poderes representação do Estado Angolano. 13) Quanto aos poderes especiais para receber as quantias apreendidas, trata-se neste momento de uma discussão de cariz meramente dilatório, uma vez que o «...o Estado de Angola fez saber como quer...» (documento de fls. 6384) e a quantia apreendida será transferida para a conta bancária ali identificada. 14) São absurdas as «...sérias dúvidas ...suscitadas ...à regularidade da entrega anteriormente efectuada...», porquanto concretizada com a intenção de entregar ao Estado Angolano e relativamente ao Estado Angolano a quem as mesmas foram entregues como o recorrente bem sabe. 15) E inqualificável que o Ilustre Mandatário do recorrente se permita vir apelidar o mandatário do recorrido de malicioso, de desonesto e de má-fé, o que extrapola o dever de objetividade que deve nortear a conduta de um advogado e invade o campo do inadmissível, encontrando-se bem longe do que se justifica ao exercício do patrocínio judiciário. Por fim, o Mº. Pº. formulou as seguintes conclusões: 1. 0 Estado Angolano apresentou queixa-crime em 25-05-2010 e constitui-se assistente nestes autos. 2. Pretendia ver apurada responsabilidade criminal por factos que envolveram a lesão do património do Tesouro de Angola, por um conjunto de cidadãos residentes em Angola após terem forjado documentação oficial do Governo angolano, induzindo em erro responsáveis pelo Tesouro desse pais, ordenaram transferências de verbas, a partir da conta que titulava no BES, em Londres, para contas domiciliadas em Portugal, entre as quais contas bancarias tituladas pela sociedade CPM e pela sociedade GOBAIN. 3. Por sua vez, da conta da GOBAIN, a quantia monetária de 3.044.609,18€ foi transferida para a conta do BES, com o n.° -----------, titulada por A----. e AS---- ., em Outubro de 2009. 4. Após tal quantia foi objeto de transferências por várias contas e objeto de várias aplicações no interesse de A ------, designadamente entre outras a ou aplicação financeira - Fundo E.S; Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n.° ------), no valor de 200.000,00€. 5. Nesta sequência, foi determinada a apreensão das citadas quantias existentes nas contas e aplicações. 6. Após a data de vencimento do mencionado produto financeiro antes referido, em 02.08.2012, o respetivo saldo, no valor de € 200.227,79, foi transferido para a conta Depósito à Ordem de suporte (conta n° ------------), onde vem permanecendo cativo. 7. No decurso dos autos o assistente e o então arguido A ------ requereram o levantamento da apreensão e a devolução dos valores. 8. Face aos sucessivos pedidos de devolução, em diligência presidida pelo Mm° JIC, no dia 19 de Março de 2014, o então arguido A ------, ora recorrente, deixou exarado na mesma que: "não pretende manter pendente a questão relativa à devolução da quantia que lhe foi apreendida nestes autos.....Por tal motivo e sem prejuízo de manter a posição de que considera tai quantia é sua legítima propriedade, declara que não se opõe a que a mesma sela entregue ao Estado de Angola, reservando-se o direito de em sede própria, fora do âmbito do presente processo e perante a jurisdição angolana reclamar que, mais tarde, peio mesmo Estado de Angola, lhe seja reconhecido o direito a dessa quantia e a mesma lhe vir futuramente a ser devolvida." 9. Nesta sequência, perante a posição ali manifestada pelo recorrente, o MM° JIC proferiu em 19-03-2014 despacho no qual ordena o levantamento da apreensão da quantia de 3.044.60918€ (três milhões, quarenta e quatro mil, seiscentos e nove euros e dezoito cêntimos), cuia entrega se ordena ao Estado de Angola. 10. Posteriormente, na concretização do ordenado pelo Mm° Juiz, foram restituídas ao Estado Angolano, as quantias apreendidas, não tendo porém sido ainda devolvida o citado saldo da aplicação financeira - Fundo E.S; Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n.° ------), vencida, em 02.08.2012, cujo respetivo saldo, no valor de € 200.227,79, foi entretanto transferido para a conta Depósito à Ordem de suporte (conta n° ------------). 11. Veio entretanto, a ser proferido despacho de arquivamento, e após compulsados os autos o Ministério Publico, requereu a concretização e efetiva da entrega da referida quantia ao Estado Angolano, como já havia sido determinado, promovendo-se que a referida restituição fosse realizada por transferência bancária para as contas indicadas nos autos pertença do Estado Angolano. 12. Na sequência do promovido, veio o Mm° Juiz a determinar a entrega da referida quantia ao Estado Angolano. 13. Não se conformando com esta decisão veio o ora recorrente interpor recurso, porém, dos seus argumentos não lhe assiste qualquer razão, porquanto: 14. As quantias apreendidas ao arguido A ------, precedem de crime praticado contra direitos patrimoniais do assistente, e foram sem qualquer justificação precedente ou negócio jurídico subjacente transferidas para conta daquele, e após objeto de movimentações e aplicações bancárias por parte de A ------, e por esse facto, devidamente apreendidas. 15. Nesse montante está compreendido o valor de € 200.227,79 que foi objeto de aplicação financeira; 16. O ora recorrente, declarou nos autos aceitar que fosse devolvido ao estado de Angola os montantes que lhe foram apreendidos, no qual se inclui os € 200.227,79 em causa; 17. Por esse motivo as demais quantias e esta que se inclui, foram objeto de despacho que ordenou o levantamento da apreensão de tais bens. 18. Tal despacho, foi proferido e notificado àquele em 19 de março de 2014, e o mesmo a ele não se opôs, nem recorreu, tendo transitado em julgado e produziu os seus plenos e totais efeitos. 19. O despacho ora recorrido, mais não é que uma ordem subsequente e efetiva, à ordem já determinada previamente de entrega da citada quantia ao assistente. 20. É pois manifesto que qualquer recurso sobre esta matéria é manifestamente extemporâneo. 21. No decurso dos autos as partes pronunciaram-se sobre o destino a dar às quantias apreendidas, e o recorrente aceitou proceder à sua entrega ao Estado Angolano. 22. Tal pressuposto foi nota para ser proferido despacho que determinou o levantamento da apreensão e entrega ao assistente - Estado Angolano. 23. Pretende porém o ora recorrente, agora com o presente recurso, abalar a sua própria decisão, fazendo crer que as circunstâncias da sua decisão ficaram pendentes de pressupostos e condições, que considera não verificados, e uma vez que tal entrega não se consumou até à data, essa questão deixou de existir pois já não se verifica no seu entender os pressupostos e condições em que assentou a sua decisão. 24. Esta é uma conjugação irrealística e impraticável, a qual poria em causa, todas as decisões proferidas nos nossos tribunais baseadas em acordos judiciais. 25. Alega ainda o recorrente, a condição assente na salvaguarda do direito de exigir perante a jurisdição Angolana o reconhecimento da propriedade sobre as quantias em causa, o que denota que ele recorrente não aceitou que os bens não lhe pertencem. 26. Ora salvo o devido respeito, não existe em processo Penal, acordos, decisões de apreensão ou restituição de bens sob condição, nem tão pouco despacho que produzem efeitos jurídicos na esfera dos cidadãos, sob condição. 27. O recorrente aceitou a entrega das quantias apreendidas ao Estado Angolano, e a alegada condição das suas declarações, não dizem respeito aos presentes autos, reporta- se a fatores extra processo, que estão apenas na sua disponibilidade e vontade do mesmo - instaurar uma eventual ação, junto das autoridades Angolanas para eventualmente discutir a propriedade e restituição de tais importâncias, e tal não releva para os presentes autos. 28. Quanto à alegada falta de fundamentação sobre a propriedade das quantias, a decisão do Mm° Juiz, assentou no acordo das partes, e em essencial na vontade do recorrente em entregar e ou devolver as quantias que lhe foram apreendidas. 29. Pelo que não se pronunciando no referido despacho que ordenou o levantamento da apreensão e restituição ao assistente sobre a propriedade dessas quantias, tal não lhe era exigível, atentos os fundamentos baseados na vontade do recorrente. 30. Porém, se assim o entendesse o recorrente, deveria ser da decisão aue determinou a entrega proferida em 19 de marco de 2014, e que produziu os seus efeitos, que havia de interpor recurso, e daquela não o fez. 31. Também, não existe alteração das circunstâncias, baseada no despacho de arquivamento entretanto proferido, uma vez que tal decisão já havia produzido os seus efeitos decorrentes do trânsito em julgado. 32. Nem o arquivamento, não obstava à sua restituição, uma vez que, os fundamentos do arquivamento não obstavam a tal restituição ao assistente, pois inexistindo dúvidas da proveniência ilícita de tais quantias, facto firmado nos autos, e demonstrada a titularidade da mesma, pois se mostra documentada para efeitos de prova, a respetiva origem, movimentação, das contas e aplicações bancárias, isto é a titularidade da sua proveniência, tais quantias, sempre se impunha serem restituídas ao Estado Angolano, que delas ilicitamente foi desapossado. 33. Quanto à invocada legitimidade do assistente, à legalidade da procuração, à representatividade do Estado Angolano, e entrega das quantias ao seu mandatário, tais questões são manifestamente irrelevantes e transversais ao objecto do recurso. 34. Sendo que ao longo dos anos de percurso destes autos, foram estabelecidos contatos com as autoridades Angolanas, expedidas cartas rogatórias, efetuadas via cooperação judiciária notificações na pessoa do Estado Angolano, e em momento algum tal entidade veio suscitar dúvidas da legalidade da sua representação em juízo. 35. Quanto à invocada entrega das quantias ao mandatário do Assistente, tal questão não releva apara o momento apreciar, uma vez que conforme decorre de fls. 6384, o próprio Estado Angolano, aqui representado pela Procuradoria-Geral de Angola, vem solicitar que sejam depositados todos os valores recuperados e devidos ao Estado Angolano nas contas bancárias, sua pertença e que ali indica. 36. Quanto à alegada co-titular AS----- ., resulta de todo o processo, e desde o seu início já decorreram quase 10 anos, que as quantias em referência, são efetivamente tituladas pelo então arguido A ------, sendo mera co- titular das referidas contas. 37. Foi A ------ que acordou a forma de transferência com a G------ e MM-------, foi este que decidiu e delineou o destino a dar às citadas quantias, o qual sempre assumiu tais decisões relativamente às citadas quantias como suas. 38. Em momento algum, dos autos houve indícios de intervenção nos factos por parte de AS ------, apenas aparecendo, aquela como co-titular das citadas contas, sem que facto seja a legitima possuidora das referidas quantias. 39. Em momento algum do processo aquela veio aos autos, invocar a sua propriedade, posse, apresentar qualquer requerimento, suscitar o levantamento da apreensão recorrer ou reclamar da sua restituição, ou justificar a posse de tais quantias. 40. É manifesta a falta de legitimidade por parte do ora recorrente para em nome daquela invocar qualquer direito de posse, propriedade ou outro, para em nome daquela suscitar o levantamento da apreensão recorrer ou reclamar da sua restituição, pois não cabe ao recorrente em nome da mesma reagir e ou recorrer por via do presente recurso. 41. Inexistindo qualquer das razões invocadas pelo recorrente e por conseguinte a violação de qualquer disposição legal, tendo a decisão que produziu os efeitos que ora se pretender revogar já transitado em julgado, sendo a decisão sob recurso um mero instrumento daquela que já transitou em julgado, entende o MP. que deverá declara- se improcedente o recurso, e consequentemente determinado o cumprimento do despacho ora proferido pelo Mm° Juiz de instrução. Remetido o processo a este Tribunal da Relação, o Mº. Pº., na vista a que se refere o art. 416º do CPP, pronunciou-se pela falta de provimento do recurso, pelos mesmos argumentos apresentados na resposta ao recurso apresentada pelo Mº. Pº. na primeira instância. Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, o recorrente respondeu, reiterando as razões da sua discordância. Por decisão sumária, proferida em 16 de Dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no art. 416º nº 6 al. b) do CPP, o recurso foi rejeitado, com fundamento na irrecorribilidade da decisão impugnada. O recorrente veio apresentar reclamação para conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a mesma, cumpre, então, decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir: De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma; Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, a únic questão a tratar é saber se a quantia de € 200.227,79 que correspondem a 40.000 unidade de participação de uma aplicação financeira denominada E.S. Rendimento Fixo III, afecto ao dossier de fundos nº ------ associado à conta depósito à ordem nº ------titulada por A ------ e Ana Seixas A.D. ., deve ser restituída ao recorrente A ------. 2.2. Fundamentação de facto Antes de qualquer outro tipo de apreciação, importa ter em atenção a seguinte factualidade: Em 25 de Maio de 2010, a República de Angola, apresentou queixa-crime e constitui-se assistente nestes autos. Estando representada, através de procuração forense, pelos seus mandatários os _____________, Advogados, sócios da ________, ____ & ___ - Sociedade de Advogados, RL. Pretendia ver apurada responsabilidade criminal por factos que envolveram a lesão do património do Tesouro de Angola, através do Banco Nacional de Angola, em milhões de dólares americanos. Do contexto da denúncia e documentos a ela anexos, mostrava-se indiciada a passagem de parte das importâncias monetárias obtidas de forma indevida por contas bancárias tituladas pela sociedade C_____ e pela sociedade G______. Concretamente, resultava indiciada na presente investigação, uma transferência bancária realizada em Outubro de 2009, da conta da G______, para a conta do BES, com o n° -----------, titulada por A----. e AS---- ., da quantia monetária de € 3.044.609,18; Após creditada tal quantia na referida conta, foram da mesma transferidas várias importâncias para várias outras contas e aplicações no interesse de A ------, designadamente: Uma transferência no valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), que teve como conta de destino a conta n.° -------, com o descritivo "transferência P/ A...... ", a 23/10/2009; Foram constituídos cinco seguros de vida, a 23/10/2009, no valor de €100.000,00 (cem mil euros) cada, perfazendo o total de € 500.000,00 (quinhentos mil euros); Uma transferência no valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), com o descritivo "transferência P/ A...... ", a 23/10/2009; A conta de destino é a conta n° ------, tendo o valor referido sido utilizado na compra de produtos financeiros - BES, afectos ao dossier de títulos, com o n° ------. Uma transferência no valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a qual teve por destino a conta -_________, com o descritivo "transferência P/ A...... ", a 10/11/2009. A este propósito o saldo retornou à conta DO 0079 1430 0132. Posteriormente, a 09/03/2010 foi constituída a conta -________ (DP) pelo mesmo valor, titulada por A ------. Nesta sequência, conforme despachos proferidos nos autos pelo Mm° JIC a fls. 493, 494, e 516, foram determinadas as apreensões das citadas quantias nos termos do disposto nos arts. 178° e 181° do Código de Processo Penal. Estas foram concretizadas, vindo a ser apreendidas em concreto as seguintes contas e aplicações: - Cinco seguros de vida, no valor de 100.000,00 € (cem mil euros) cada, a que correspondem os seguintes contratos: - n° ------ - n° -------- - n°------------- - n°------------------- - n° -------------------------- - Produtos financeiros (- BES) adquiridos através do débito de 506.960,73 € na conta n° -------, a 29/10/2009, que estão afetos ao dossier de títulos com o n° ----------- O saldo da conta com o n° -------, no valor de 1.000.000,00 (um milhão de euros). O saldo da conta com o n° ----------, no valor de 1.000.000,00 (um milhão de euros), que após se apurou possuir apenas o valor de € 800.000 (oitocentos mil euros). O saldo da conta bancária do BES e/ ou aplicação financeira - Fundo E.S; Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n° ------), no valor de 200.000,00€. A propósito da apreensão do Saldo da conta com o n° --------- e da aplicação financeira - Fundo E.S. Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n° ------), no valor de 200.000,006, importa esclarecer que, após determinada a apreensão foi remetida informação pelo BES, cfr. fls. 507, referindo tal entidade que o montante de 1.000.000,006, apreendido na conta n° --------------, era reportado à existência naquela da quantia de 800.000,006, em virtude de os demais 6 200 000,00 terem sido investidos no Fundo E.S. Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n° ------). Desta forma, e por se entender, manterem-se válidos todos os fundamentos que levaram à prolação do despacho que determinou a apreensão do saldo daquela conta no montante de € 1.000.000.00, renovando-se o mesmo despacho, foi posteriormente pelo Mm° Juiz, cfr. despacho de fls. 516, relativamente ao Fundo supra identificado, determinada a apreensão da quantia depositada na conta bancária do BES e/ ou aplicação financeira do - Fundo E.S. Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n° ------), no valor de € 200.000,06 Após a data de vencimento do mencionado produto financeiro antes referido, em 02.08.2012, o respetivo saldo, no valor de € 200.227,79, foi transferido para a conta Depósito à Ordem de suporte (conta n° ------------), onde vem permanecendo cativo. Posteriormente, cfr. fls. 1563 a 1602, 2037 a 2038 o assistente Estado de Angola, requereu além do mais, a restituição de € 3.044.609,00, que é sua propriedade e que foi ilicitamente transferido para a conta bancária do cidadão A ------." Por seu turno, também o então arguido A ------ requereu a devolução dos valores, pretensão objeto de indeferimento, conforme despacho de fls. 3109 a 3117. Tal decisão suscitou o recurso que deu origem ao Apenso F destes autos. Assim e independentemente do grau de participação do arguido, por existirem indícios de que a quantia em causa seria de proveniência ilícita tal como existindo indícios de que ela pertence ao Estado angolano, sendo polémica a legitima propriedade da quantia depositada na conta do arguido e apreendida, com os fundamentos do Acórdão proferido a 26.11.2013, foi negado provimento ao recurso interposto pelo arguido A ------, por via do qual este pretendia o levantamento da apreensão dos saldos das contas bancárias em causa. Assim, uma vez mais, por requerimento que apresentou a fls. 4467, 4941, 4517 a 4521, o assistente requereu a revogação da apreensão dos € 3.044.609,00, e a sua restituição ao Estado Angolano. Face aos sucessivos pedidos de devolução, foram convocados pelo Mm° JIC, para estarem presentes, e prestarem perante si declarações sobre essa matéria, O assistente aqui representado pelo seu mandatário, os arguidos -------, Luís Reis Vieira, ------ --- e ------- .. Assim, no dia 19 de Março de 2014, foi realizada diligência, tendo o então arguido A ------, ora recorrente, deixado exarado na mesma que: «Não pretende manter pendente a questão relativa à devolução da quantia que lhe foi apreendida nestes autos. «Por tal motivo e sem prejuízo de manter a posição de que considera tal quantia é sua legítima propriedade, declara que não se opõe a que a mesma seja entregue ao Estado de Angola, reservando-se o direito de em sede própria, fora do âmbito do presente processo e perante a jurisdição angolana reclamar que, mais tarde, pelo mesmo Estado de Angola, lhe seja reconhecido o direito a dessa quantia e a mesma lhe vir futuramente a ser devolvida.» Nesta sequência, perante a posição ali manifestada pelo recorrente, e conforme auto de fls. 4528 a 4532, foi proferido, pelo mm° JIC o seguinte despacho. «Conforme se alcança de todo o exposto nos autos, as decisões de entrega de fundos apreendidos à ordem dos presentes autos ao assistente Estado de Angola, tiveram sempre lugar quando requeridas pelo próprio assistente e na dependência do acordo de todos os intervenientes, leia-se MP, assistente e arguidos, interessados nas referidas quantias, por que estiveram estas anteriormente na sua disponibilidade. «No caso da quantia ainda apreendida a Á-------- . , o arguido, quando solicitado anteriormente a pronunciar-se sobre tais pretensões, sempre se opôs, pretendendo outrossim que a referida quantia fosse libertada e lhe fosse entregue a si próprio. «Por existir discordância nesse destino sucederam-se recursos e doutas decisões do Tribunal Superior, o qual ultimamente, por seu acórdão de 26-11-2013, sancionou o entendimento "de que apenas no final do inquérito, com o rigor necessário, quem é o próprio legítimo da quantia apreendida. Não existem pois por ora, as razões afirmadas pelo recorrente para revogar a decisão recorrida e proceder à restituição da quantia apreendida ao recorrente, (sic)" «Sucede que igualmente ao invés do que vinha sendo entendimento adoptado pelo arguido A ------, este acaba de se pronunciar, referindo que, independentemente da substância do problema, nada opõe à devolução da quantia apreendida a A ------ ao Estado de Angola. «Repristinam-se assim as razões que sempre estiveram subjacentes às entregas, ou seja, as de que havendo consenso entre todos, ao JIC resta apenas chancelar o consenso, pelo que não se vislumbrando razões de inobservância do Acórdão do TRL de 26-11-2013, dado que estão ademais supridas, pelo acordo dos intervenientes, ordena-se o levantamento da apreensão da quantia de € 3.044.609,18 (três milhões, quarenta e quatro mil, seiscentos e nove euros e dezoito cêntimos), cuja entrega se ordena ao Estado de Angola, a formalizar como requerido pelo assistente, logo que se mostrem verificados os respectivos pressupostos de operacionalidade bancária.» Em cumprimento deste despacho foi ordenado o levantamento da apreensão e ordenada a restituição de todas as quantias (Termo de entrega fls. 4544 e 4545. Posteriormente, na concretização do ordenado pelo Mm° Juiz, foram restituídas ao Estado Angolano, as seguintes quantias, cfr. resulta de fls. 4835 a 4840: As quantias reportadas aos cinco Seguros de Vida afetos aos seguintes contratos: N° ---------, correspondente à apólice 61/901502, a qual foi paga pelo cheque ------------ com o valor de 109.630,326 (cento e nove mil, seiscentos e trinta euros e trinta e dois cêntimos). N° -----------, correspondente à apólice 61/901504 foi pago pelo cheque ----------- com o valor de 109.630,326 (cento e nove mil, seiscentos e trinta euros e trinta e dois cêntimos), N° ---------- correspondente à apólice 61/901511, foi pago pelo cheque ---------- com o valor de 109.630,32€ (cento e nove mil, seiscentos e trinta euros e trinta e dois cêntimos), N° --------------, correspondente à apólice n° 61/901513, foi pago pelo cheque ----------- com o valor de 109.630,32€ (cento e nove mil, seiscentos e trinta euros e trinta e dois cêntimos), N° -----------, correspondente à apólice 61/901516 foi pago pelo cheque ----------- com o valor de 109.630,32€ (cento e nove mil, seiscentos e trinta euros e trinta e dois cêntimos). O Saldo da conta com o n° -------, no valor de 1.000.000,00 (um milhão de euros), foi pago pelo cheque --------, no valor de € 1 000 000 (um milhão de euros). O Saldo da conta com o nº -----------, (que se pensava inicialmente ter o valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) mas possuía o saldo de € 800.000 (oitocentos mil euros), foi pago com a emissão do cheque bancário n°----------, no valor de € 800.000 (oitocentos mil euros). Não foi, porém, devolvida, pela entidade como se impunha e havia sido ordenado, o saldo da conta bancária do BES e/ou aplicação financeira - Fundo E. S. Rendimento Fixo III (associado ao Dossier de Fundos n° ------), vencida em 02.08.2012, cujo respetivo saldo, no valor de € 200.227,79, foi transferido para a conta Depósito à Ordem de suporte (conta n° ------------). Veio, entretanto, a ser proferido despacho de arquivamento. Nesta sequência, findos os autos, foi elaborada promoção pelo Ministério Publico, cfr. fls. 6394 a 6401, nos seguintes termos: "Após a data de vencimento do mencionado produto, em 02.08.2012, o respetivo saído, no valor de € 200.227,79, foi transferido para a conta Depósito à Ordem de suporte (conta n° ------------), onde vem permanecendo cativo, sendo este valor agora aqui em discussão. É pois face a esta explicação patente, que a sobredita conta se mostrava já abrangida na apreensão realizada nos autos, e como tai já sobre a mesma, o arguido A ------ havia declarado a fis. 4259, que não se opunha a que a mesma fosse entregue ao Estado de Angola, peio que nessa sequencia, veio o MM° Juiz a proferir decisão, ordenando o levantamento da apreensão da quantia total que lhe havia sido apreendida no valor de, 3.044.609,18 € (três milhões, quarenta e quatro mil, seiscentos e nove euros e dezoito cêntimos), e a sua entrega ao Estado Angolano, decisão esta iá transitada em julgado. Desta feita é patente que só resta para a sua concretização e efectiva entrega da mesma ao Estado Angolano, como iá determinado, impondo-se o cumprimento daquela decisão já proferida, com o consequente levantamento daquela apreensão e restituição da mesma ao Estado Angolano, promovo que a referida restituição seja realizada por transferência bancária para as contas indicadas nos autos a fls.6384 e que a seguir se descriminam: Transferência em USD Nome do Beneficiário: Banco Nacional de Angola; Número da Conta: PT----------------- Banco: Banco Comercial Português Swift Code: --------------- Cidade: Lisboa, PT Moeda: USD Transferência em EUR Nome do Beneficiário: Banco Nacional de Angola, Número da Conta: PT-------- Banco: Banco Comerciai Português Swift Code: --------- Cidade: Lisboa, PT Moeda: EUR" Na sequência desta promoção, por despacho proferido a fls. 6416 e seguintes, em 11 de Junho de 2019, o Mm° Juiz determinou a entrega da referida quantia ao Estado Angolano, nos termos promovidos; Esse despacho tem o seguinte teor (transcrição parcial): Fls. 6393 e seg.s - Tomei agora conhecimento do excurso dos autos desde Dezembro/2018, a esta parte. Sob o ponto 1 da promoção vertente - Questão prévia a fls. 6328: Corroboro a posição do M.° P.°. Sob o ponto 2 - Requerimentos de fls. 6087 a 6205: Li a sinopse efectuada que reproduz os “passos” que estes autos deram. Há na verdade um despacho já transitado em julgado, à face do declarado por A ------ a fls. 4259. Resta concretizar. O Estado de Angola fez saber como quer. Levanto a apreensão e determino que a restituição seja feita por transferência bancária para as contas indicadas nos autos a fls. 6384 (cfr. fls. 6401). Notifique o M.° P.° e Ilustres Mandatários de A ------ e do Assistente. Foi desta decisão que o ora recorrente vem opor-se por via do presente recurso. 2.3. Apreciação do mérito do recurso. A primeira constatação que há a fazer é a de que, na sua reclamação para a conferência, o recorrente não aduz qualquer argumentação nova ou diferente da que já havia apresentado nas conclusões de recurso. A pretensão do recorrente de que a quantia monetária cuja entrega ao Estado Angolano foi determinada pelo despacho recorrido alicerça-se, numa suposta cláusula rebus sic stantibus, de acordo com a qual a sua declaração de vontade expressa na diligência realizada em 19 de Março de 2014 e homologada no despacho da mesma data se alterou por circunstâncias supervenientes que explicam e justificam essa mudança de posição. Com efeito, o recorrente argumentou que o pressuposto em que assentou aquela sua manifestação de vontade de que o dinheiro ainda apreendido nos autos fosse entregue ao assistente consistia na circunstância de o arguido, então pressionado pelo gravame do seu estatuto processual, «não pretender manter a questão relativa à devolução da quantia apreendida», portanto, em estreita conexão com a pendência do próprio inquérito. A partir do momento em que a questão deixou de existir sem que a entrega se consumasse, esse pressuposto, que era a base da declaração, ficou ultrapassado. E deixou de existir com a prolação do despacho de arquivamento do inquérito, com o qual o Estado de Angola se conformou e que concluiu pela inexistência dos crimes de que o Recorrente era suspeito. A condição consistia na salvaguarda do direito de exigir perante a jurisdição angolana o reconhecimento da propriedade sobre a quantia em causa (propriedade reafirmada, na oportunidade) e do direito à sua devolução” e nem o pressuposto se mantém nem a condição foi aceite. O despacho homologatório a que se atém o douto despacho recorrido não foi executado (muito menos, na sua totalidade), como resulta do dissenso em curso, nem foi satisfeita a condição a que a declaração estava subordinada, nem se mantiveram as circunstâncias essenciais que a justificaram. A cláusula rebus sic standibus, ou em tradução mais ou menos livre, para português, “permanecendo as coisas como estão” ou "enquanto as coisas estão assim", começou por ser exclusiva do direito privado, como uma manifestação da chamada teoria da imprevisão, introduzindo uma excepção à regra pacta sunt servanda, para significar que a ocorrência de um facto imprevisto e imprevisível, essencial e posterior à celebração de um negócio jurídico de execução sucessiva ou prolongada no tempo, legitima o incumprimento da obrigação pela outra parte, a alteração nas condições da execução das obrigações seu objecto imediato ou a cessação dos seus efeitos (cfr. no CC, a resolução com fundamento em alteração anormal das circunstâncias, no termos do art. 437º do CC e Vaz Serra, Resolução ou Modificação dos Contratos por Alteração das Circunstâncias, BMJ nº 68, p. 381, nota (157); Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I. 2ª ed. págs. 363; Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol II, páginas 1107 e seguintes). Esta cláusula veio igualmente a ser consagrada no âmbito do direito internacional público sob a designação “fundamental change of circumstances”, adaptada aos tratados internacionais, com o mesmo alcance e efeitos que no direito civil (artigo 62ª da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de Maio de 1969 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003). E também tem sido importada para o Direito Penal, desde logo, justificar a inaplicabilidade do caso julgado formal civil às decisões que aplicam medidas de coacção, assumindo uma formulação negativa, principalmente, para significar que a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, tal como como todas as restantes medidas de coacção, à excepção do TIR, só se mantêm, enquanto se mantiverem os pressupostos, de facto e de direito, que justificadamente, de forma válida e eficaz, imponham a sua aplicação (Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 1998, 9.ª edição, pág. 434, em anotação ao art. 212º; Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 587; Ac. da Relação de Coimbra de 20.06.2013 proc. 40/11.4JAAVR-K.C1; Acs. da Relação de Lisboa de 28.01.2016, proc. 2210/12.9TASTB-L.L1-9; de 8.11.2016 proc. 1028/15.1TELSB-5 e de 10.07.2018, 294/17.2JGLSB.L1 5ª Secção; Acs. da Relação de Évora de 31.08.2016 processo 27/15.8GBSTB-A.E1 e de 08.03.2018, processo 110/13.4 PEBRR-E.E1 in http://www.dgsi.pt). Para além disso, em sede de caso julgado penal, este vem sendo considerado rebus sic santibus quanto à determinação da pena única em concurso de crimes; à formação de caso julgado parcial resolúvel em relação ao co-arguido não recorrente, à admissão como assistente, à interpretação do alcance do art. 79º nº 2 do CP, com as incidências do princípio ne bis in idem, quando se conheçam supervenientemente novos factos susceptíveis de integrarem uma continuação criminosa já julgada em processo anterior (cfr., Cruz Bucho, in «Alteração Substancial dos Factos em Processo Penal», pág. 17, disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes; José Souto de Moura, «A jurisprudência do STJ sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena», pág. 22, acessível em anotação ao artigo 79.º, do Código Penal, no site da PGDL; Acs do Tribunal Constitucional nº 644/98 de 17 de Novembro de 1998, in Diário da República 2.ª série, n.º 168, de 21 de Julho de 1999, pp. 10644 a 10653 e nº 164/2008 de 5 de Março de 2008, Diário da República n.º 71/2008, Série II de 2008-04-10, pp. 16391 - 16398; Ac. do STJ de 18.02.2010, processo 432/09.9YFLSB e de 17.09.2015, processo 134/10.3TAOHP.S3, in http://www.dgsi.pt). Para o que a cláusula rebus sic santibus não está prevista, é para conferir, seja que eficácia for, à manifestação de vontade de um arguido em sede de validação, manutenção ou levantamento da apreensão de bens, produtos, ou valores provenientes da prática de crimes ou com eles relacionados, contrariamente, ao que parece pretender o recorrente. A apreensão, na ordem jurídica portuguesa tem uma dupla dimensão, ou natureza jurídica: se, por um lado, o art. 178º nº 1 do CPP é expresso, no sentido de a qualificar como um meio de obtenção de prova, ela prossegue, igualmente, finalidades de garantia patrimonial, tal como também resulta inequívoco da norma contida no nº 7 do citado art. 178º e da sua concatenação com as regras incluídas nos arts. 109º a 111º do Código Penal. Com efeito, o art. 178º nº 1 do CPP exige a susceptibilidade de “servir a prova” como pressuposto essencial da apreensão e exemplifica, como sendo portadores dessa aptidão, desde logo, os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa e todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime, para além de outros, desde que da sua apreensão, resulte a possibilidade de trazer informação relevante à investigação sobre a prática do crime ou sobre a identidade do seu autor. Por outro lado, as normas inseridas nos arts. 109º a 111º do CP estabelecem o regime legal da perda de coisas e direitos relacionados com a prática de um ilícito criminal, localizadas sistematicamente, no capítulo IX do Código Penal (CP), intitulado «perda de instrumentos, produtos e vantagens», onde se encontra regulada a «perda de instrumentos» e «perda de produtos e vantagens» (artigos 109º e 110º) e a perda de «instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro» (artigo 111.º) e onde avulta essa função conservatória e de garantia da efectiva dos efeitos da decisão final, em matéria de eliminação das vantagens patrimoniais emergentes da prática de crimes. «No sistema jurídico processual penal português (…), a apreensão tem dupla natureza: é um inquestionável meio de lograr a prova (desenvolvendo uma função processual penal probatória) e, em paralelo, uma incontornável garantia processual penal da perda (desempenhando uma função processual penal conservatória)» (João Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, Lisboa, 1NCM (2012), p. 154. No mesmo sentido, João Conde Correia, Apreensão ou Arresto Preventivo dos Proventos do Crime?, RPCC nº 25 (2015), p. 506 e seguintes; Damião Cunha, Perda de bens a favor do Estado, AA.VV. Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, Coimbra, Coimbra Editora (2004), p. 139; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo (1994), II, p. 169 e 170; Manuel Monteiro Guedes Valente, Processo Penal, Coimbra, Almedina (2004), p. 375; Figueiredo Dias, Direito Penal Português As consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 632). «A apreensão enquanto meio de obtenção da prova serve a finalidade processual penal da descoberta da verdade (…); a apreensão enquanto garantia processual da perda de vantagens tem em vista a finalidade processual penal de realização de justiça (…).» (Manuel da Costa Andrade e Maria João Antunes, Da apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime in RLJ, Ano 146, julho-agosto, 2017, pp. 360-370). As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária, nos termos do art. 178º nºs 3 a 5 do CPP e, quanto muito, deverá ser dada a oportunidade de exercício do contraditório ao titular de bens ou direitos apreendidos, quando se trate de pessoa diferente do arguido e tais bens ou direitos possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado, antes de ser tomada a decisão de perda a favor do Estado, para que possam com toda a amplitude, exercer os seus poderes «in re potesta». No mais, os titulares desses bens podem, em qualquer momento pedir a revogação ou alteração da apreensão, decisão que compete ao Juiz de Instrução Criminal. Mas não que a sua simples declaração de vontade seja, em si mesma, determinante da decisão a proferir, desde logo, porque a apreensão condicionando as faculdades de livre disposição, uso e fruição dos bens do visado, coloca os bens sob o domínio, de facto e de direito, do poder público, pelo que deixa de estar na sua disponibilidade qualquer decisão, seja quanto à manutenção, revogação ou alteração da apreensão, seja no que se refere ao destino a dar aos objectos, sendo certo, além do mais, que a propósito da função de garantia patrimonial desempenhada pelas apreensões, sobretudo, quando ela implica a subsequente perda de bens a favor do Estado, o Tribunal Constitucional tem entendido que «a perda a favor do Estado de objectos de terceiro, não é inconstitucional, por violação do direito de propriedade, por ser de considerar que esse direito constitucional pode ser sacrificado em homenagem aos valores da segurança das pessoas, da moral ou da ordem pública enquanto elementos constitutivos do Estado de Direito democrático.» (Ac. do Tribunal Constitucional nº 294/2008 de 28 de Maio de 2008, Diário da República n.º 125/2008, Série II de 2008-07-01 e Ac. do Tribunal Constitucional nº 387/2019, in www.tribunalconstitucional.pt.). E isto, mesmo que, na expressão usada no art. 109º nº 2 e no art. 110º nº 5 do CP, «nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto» porque, no caso da perda de instrumentos, o que se procura acautelar é a perigosidade, na acepção de uma especial vocação para a prática criminosa, atenta a sua natureza intrínseca, a sua específica utilidade e, no caso da perda de produtos ou de vantagens, a lei visa impedir que alguém enriqueça à custa da prática de crimes, ou seja, são ainda as razões de prevenção geral da criminalidade em globo, transmitido a mensagem simples e imediata de que o crime não compensa (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111.°. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 638 e Fernanda Palma, Direito Constitucional Penal, Almedina, 2006, pág. 126). Depois, porque a decisão a proferir está sujeita a critérios de legalidade estrita e a direito substantivo pré-constituído de natureza imperativa. Com efeito, na medida em que o direito de propriedade privada é um direito fundamental com garantia constitucional atribuída pelo art. 62º da CRP equiparável aos direitos, liberdades e garantias (Acs. do TC nº 391/2002, nº 145/2005, 159/2007, nº 127/2013, in www.tribunalconstitucional.pt e Jorge Miranda e Rui Medeiros (coord.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, 2005, em anotação ao artigo 62.º, ponto VI), que a apreensão representa uma restrição aos poderes de disposição, administração e fruição inerentes ao direito de propriedade (Costa Andrade e Maria João Antunes, Da apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime in RLJ, Ano 146, p. 368) e, na medida em que de acordo com o princípio da judicialização da instrução consagrado no art. 32º nº 4 da mesma CRP (cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 32º, p. 520), se encontra estabelecida e delimitada, «pela positiva, uma reserva de competência do juiz de instrução do processo penal para a prática dos atos instrutórios que se prendam diretamente com os direitos fundamentais» (Ac. do TC nº 387/2019 in www.tribunalconstitucional.pt) tem plena aplicação o princípio da proporcionalidade previsto no art. 18º da CRP. Particularmente, na vertente da necessidade, quer para as finalidades da investigação criminal, ao nível da descoberta da verdade, quer para as finalidades da punição e da realização da justiça penal, na vertente da perda das vantagens patrimoniais do crime, já que, na sua função conservatória, a apreensão de bens convoca a necessidade de reposição da ordem jurídica, ou da esfera patrimonial do arguido, na situação em que estariam, se o crime não tivesse sido praticado, ainda e sempre, em atenção aos fins de prevenção geral e especial (de desencorajamento à prática de crimes e de reforço da validade e vigência das normas jurídicas violadas), ou ainda, de garantia de reparação às vítimas dos prejuízos resultantes do crime (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português As consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 632 e Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, Vol. II, pp.169 e 170). O regime jurídico contido nos citados arts. 109º a 111º do CP prevê que sejam declarados perdidos a favor do Estado «os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática» (artigo 109º n.º 1), assim como «os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática» e, por fim, «as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem» (cfr. artigo 110º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP). É, pois, em função da aptidão dos objectos, bens e valores que preencham as qualidades elencadas nestes preceitos, para produzirem prova e da sua natureza ilícita (ainda que não seja possível identificar os autores dos crimes em investigação) que dependem quer a decisão de apreensão, quer a sua manutenção. Trata-se, em ambos os casos, de critérios de necessidade pré-estabelecidos legalmente. No processo penal, são, essencialmente, três, os momentos específicos em que importa avaliar da necessidade ou desnecessidade da manutenção da apreensão dos objectos, bens ou valores usados para a prática de crimes ou deles resultantes se impõe: o inquérito, a instrução e a fase da audiência de discussão e julgamento, em estreita conexão com as peças processuais acusação, decisão instrutória e sentença que lhes põem termo. Em qualquer delas, não devem ser restituídos objectos, bens ou valores apreendidos em relação aos quais se verifica a necessidade de proceder a exames, ou perícias, ou de realizar outras diligências investigatórias com vista a determinar a sua proveniência. Em contrapartida, a restituição dos objectos apreendidos deve ocorrer logo que se torne desnecessária a manutenção da sua apreensão, para efeitos de prova, tal como imposto pelo art. 186º do CPP. «De acordo com o disposto no artigo 186º, nº 1, do CPP, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, logo que se tornar desnecessário manter a sua apreensão. «A apreensão tem, por isso, como regra base o princípio da necessidade. Logo que o mesmo cesse, impõe-se observar a restituição do objecto apreendido» (Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, a fls. 374). «Os objectos apreendidos devem ser restituídos aos respectivos proprietários ou possuidores quando se verificar que os pressupostos da apreensão se não mantêm, sejam os objectos propriedade do arguido ou de terceiras pessoas» (Paulo Albuquerque, Comentário do CPP à luz da Constituição de República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 504). Mesmo que cessada a sua utilidade probatória, ainda assim, a apreensão terá de manter-se se for de manter, indiciária ou comprovadamente (consoante a fase do processo), a qualificação do objectos, bens ou valores apreendidos como ilícitos, na acepção de usados para a prática de crimes ou provenientes do seu cometimento. Se, pelo contrário, for considerado que a sua natureza não é ilícita, não integrando ou constituindo objecto de qualquer crime, impõe-se, também, quanto a estes, a sua imediata restituição a quem for o respetivo titular do direito de propriedade. Estas são as soluções possíveis, resultantes da aplicação das regras contidas nos arts. 178º a 186º do CPP e 109º a 111º do CP; Em trecho algum destas normas jurídicas, o legislador faz seja que menção for, à vontade do arguido, ou do assistente, ou do Mº. Pº., para produzir seja que efeito for, tanto no que se refere ao valor probatório a atribuir aos objectos, bens e valores apreendidos, no apuramento da verdade material e na decisão da causa, como no tocante ao destino a dar a tais objectos, bens e valores. No entanto, parece ter sido a vontade do arguido A ------ manifestada, na diligência realizada no dia 19 de Março de 2014, o que determinou a decisão do Sr. Juiz de Instrução Criminal proferida, no mesmo dia, no sentido da entrega ao assistente de todas as quantias monetárias apreendidas nos autos, até então. É, no mínimo, bizarro que num processo criminal, como o presente, destinado à investigação e reconstituição histórica de factos integradores da prática de crimes, à averiguação da identidade dos respectivos autores e à sua responsabilização penal, mediante a aplicação de uma pena ou medida de segurança, seja dada às declarações de vontade, condicionais ou não, expressas pelos sujeitos processuais, uma tal importância, a ponto de determinar o destino a dar a esses bens ou valores. O princípio da autonomia privada é próprio do direito privado, especialmente, do Direito das Obrigações, tem no negócio jurídico o seu principal mecanismo e visa a liberdade contratual das partes, tal como genericamente previsto no art. 405º do Código Civil que consagra quatro diferentes tipos de faculdades: de escolha de qualquer tipo contratual, com submissão às suas regras imperativas, na primeira parte do nº 1; de opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, designados por contratos atípicos, na segunda parte do n.º 1; possibilidade de introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes, mas que não quebram a função sócio económica assumida pelo respectivo tipo, na terceira parte do n.º 1; e reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos (contratos mistos ou união de contratos), no nº 2. Não vigora no direito penal, nem no direito processual penal, não vincula, nem deve tão-pouco influenciar o Tribunal, quando as questões a decidir estão sujeitas a critérios de legalidade estrita que estão pré-fixados em normas imperativas de direito público, como acontece no caso vertente e acima ficou exposto. Acontece, porém, que, aparte a enorme estranheza que suscita a alusão feita pelo recorrente a transacções judiciais e a normas do Código Civil, num processo de índole estritamente criminal, certamente induzida pelos procedimentos adoptados pelo próprio Tribunal de Instrução Criminal, quanto à audição do então arguido A ------ e, sobretudo, ao peso atribuído à sua manifestação de vontade de nada opor à entrega das quantias monetárias apreendidas à ordem do processo, para, com base nela, mesmo antes de ter sido proferido despacho final, no inquérito, ter sido determinada a entrega dessas quantias ao assistente, Estado de Angola, a verdade é que o presente recurso terá de ser rejeitado. E a rejeição estriba-se, desde logo, na circunstância de o despacho proferido em 11 de Junho de 2019 ser uma mera decorrência, ou consequência lógica de um outro despacho, esse já transitado em julgado e proferido há mais de cinco anos, que foi o despacho proferido em 19 de Março de 2014 que determinou o levantamento da apreensão e consequente entrega ao assistente de todas as quantias até então apreendidas, entre as quais esta importância de € 200.227,79. Este despacho de 11 de Junho de 2019 apenas se destinou a dar exequibilidade prática a uma entrega que já havia sido decidida mais de cinco anos antes e, por isso, é um despacho de mero expediente, ou seja, é um despacho «(…) que se destina a prover ao andamento regular do processo sem interferir no conflito de interesses entre as partes» de acordo com a definição contida no art. 156º nº 4 do Código Processo Civil, aqui aplicável por remissão do art. 4º do Código de Processo Penal, ou, noutra formulação, com o mesmo alcance, aquele que, proferido pelo juiz e não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, se destina principalmente a regular o andamento do processo. Com efeito, foi em 19 de Março de 2014 que a divergência sobre a quem deveria ter sido entregue o dinheiro apreendido à ordem do inquérito foi (mal ou bem) resolvida. Foi esse despacho que fixou, com trânsito em julgado, o destino do dinheiro, sendo certo que, mesmo que, com fundamentos que não têm qualquer virtualidade para produzir os efeitos que lhe foram atribuídos, tal não configura qualquer nulidade que seja de conhecimento oficioso, de acordo com o princípio da legalidade em matéria de nulidades consagrado no art. 118º do CPP e há muito que se mostram decorridos todos os prazos legais de que o recorrente poderia ter lançado mão para suscitar a nulidade relativa ou a irregularidade daquela decisão de 19 de Março de 2014, nos termos previstos nos arts. 119º a 123º do CPP. Por isso e na medida em que o despacho agora impugnado é um despacho de mero expediente, como tal, irrecorrível, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 400º nº 1 al. a); 414º nº 2 e 420º nº 1 al. b) do CPP, o presente recurso não merece provimento. III – DISPOSITIVO Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa: Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido. Custas pelo arguido, que se fixam em 5 UCs – art. 513º do CPP. Notifique. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta. Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de Janeiro de 2020 Cristina Almeida e Sousa Florbela Sebastião e Silva |