Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
121/08.1TELSB-E.L3-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– O arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228º, nº 1, do CPP, é uma medida de garantia patrimonial, um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal e não um arresto civil no quadro de um processo civil com fins distintos.

II– Incidindo o arresto sobre bens de uma pessoa singular, com desconsideração da personalidade colectiva de sociedades e, tendo sido anteriormente formulado pedido de indemnização civil, ao abrigo do estabelecido no artigo 77º, nº 2, do CPP contra, entre outros, o requerido do arresto, em que se impetra o pagamento de determinada quantia, acrescida dos juros contratuais e de mora, com fundamento - para além de outro conjunto de factos respeitantes ao dano e nexo causal entre os danos e os factos ilícitos - na factualidade descrita na peça processual acusatória do Ministério Público reputada como consubstanciadora da responsabilidade criminal daquele, este pedido de indemnização civil, fundado na responsabilidade civil emergente da prática do crime, constitui a acção principal de que está dependente a providência de arresto preventivo decretada.

III– Assim, não tinha a requerente do arresto de interpor qualquer outra acção autónoma, concretamente, para suscitar uma decisão definitiva sobre a questão da desconsideração da personalidade colectiva das recorrentes que não figuram no arresto preventivo como requeridas (enquanto arguidas ou civilmente responsáveis pelo pagamento de indemnizações ou de outras obrigações civis derivadas do crime), na qualidade de adquirentes de bens do devedor (o requerido no arresto) ou sequer de “terceiro” em relação a este.

IV– O legislador consagrou meios de impugnação da decisão para que aquele que entende assumir a posição de “terceiro” face ao devedor (por ter sido decretado o arresto de bens que considera serem de sua pertença) possa fazer valer os seus direitos, o que conduz ao afastamento de um juízo de inconstitucionalidade quanto à interpretação efectuada pelo tribunal recorrido, de onde violadas se não mostram as normas do artigo 20º, da Lei Fundamental.

(Sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.Nos presentes autos com o NUIPC 121/08.1TELSB-E, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 7, foram proferidos os seguintes despachos:

Em 26 de Maio de 2017 – fls. 4875/4889 – que indeferiu a, pela “R., S.A.”, impetrada declaração de caducidade do arresto dos bens de que é titular formal e consequente levantamento imediato do mesmo, bem como a apreciação da responsabilidade da “P., S. A.” por danos decorrentes do arresto e sua condenação a indemnizá-la;
Em 8 de Junho de 2017 – fls. 4947/4964 – que indeferiu a, pelas sociedades “O., SA e “L., S.A.”, impetrada declaração de caducidade do arresto dos bens de que são titulares formais e consequente levantamento imediato do mesmo, bem como a apreciação da responsabilidade da “P., S. A.” por danos decorrentes do arresto e sua condenação a indemnizar as requerentes.

2.– Inconformada com o teor desse despacho de 26 de Maio de 2017, dele interpôs recurso a “R.S.A.” – fls. 4969/4998, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

A- o presente recurso é interposto da decisão que julgou improcedente o pedido de levantamento imediato do arresto dos bens da recorrente, apresentado com fundamento na caducidade da providência contra si decretada, em virtude de a Sociedade P. S.A. não ter cumprido o ónus que sobre si impendia deconfirmar, em sede de jurisdição definitiva, todos os pressupostos do arresto, designadamente, e in casu, os requisitos legais necessários para a desconsideração da personalidade colectiva.
B- Para o Ministério Público e Tribunal Recorrido, a solução mais adequada, atentos os interesses em causa, é a de considerar que o pedido de indemnização cível já apresentado contra os arguidos e a circunstância de a requerente (Terceira) poder ter deduzido oposição por embargos, devem obstar ao levantamento de arresto.
C- Aquele entendimento pode ser, naturalmente, discutido em sede de iure condendo mas, salvo o devido respeito não tem qualquer suporte de iure conditio, sendo mesmo contrário à LEI.
D- não se compreende como na decisão impugnada se considera errada a qualificação da recorrente como terceira e, ao mesmo tempo, que a mesma podia deduzir oposição por embargos de terceira.
E- A desconsideração da personalidade colectiva da recorrente não é uma "questão incidental", mas sim uma questão essencial, sem a qual, é indiscutível, não podia ter sido decretado o arresto dos bens da requerente.
F- à luz do Direito que se impõem aplicar - independentemente dos entendimentos subjectivos do julgador, por mui doutos que sejam - a circunstância de um terceiro arrestado poder deduzir embargos não dispensa o requerente de pedir a confirmação da decisão sumária proferida, in casu, a " desconsideração da personalidade colectiva".
G- Constitui matéria incontroversa, a necessária relação de dependência e instrumentaltdade, entre os procedimentos/medidas cautelares e as ações propriamente ditas. esta relação e instrumentalidade, como ensinam todos os autores, deve ser considerada no momento da prolação das decisões cautelares e, naturalmente, após o seu decretamento.
H- Sendo decretado o arresto de bens de terceiro: Para evttar a caducidade da providência não basta a propositura atempada de uma qualquer ação declarativa ou executiva contra o devedor importa sempre atentar nos pressupostos (particulares) que no caso concreto determinaram ou permitiram o arresto dos bens em causa.
I- a pretensão (da recorrida) de condenação dos arguidos no pedido de indemnização cível, não permite concluir que a requerente da providência, que atingiu a Recorrente, perdeu o interesse processual (ou a necessidade) de obter a confirmação (em sede de jurisdição definitiva) do pressuposto essencial do arresto: a desconsideração ou levantamento da sua personalidade.
J- não se encontra pendente nesta data, qualquer pretensão de tutela jurisdicional definitiva do poder, ou faculdade, a que se arroga a requerente (aqui Recorrida) sobre os bens arrestados, ou seja, de fazer os mesmos responder pelo invocado crédito sobre os arguidos
K- considerando a ratio legis da caducidade legalmente prevista, não se vislumbra como pode o Tribunal a quo concluir no sentido de que a Requerente da providência decretada estava dispensada de agir, diligentemente, para evitar a caducidade,  atenta a faculdade da requerida  (aqui  recorrente), deduzir oposição por Embargos de Terceiro. a Lei não permite concluir nesse sentido.
L- Um sistema processual como o configurado pelo Tribunal a quo não só seria injusto, mas arbitrário por não atentar no princípio da igualdade, na proibição de soluções discricionárias.
M- considerar-se, como na primeira instância, que in casu sobre a requerente do arresto, não recaía , à luz dos artigos 228.º do cpp e artigo 373.º do cpc (aplicável ex vi art.º 395.º cpc), o ónus de deduzir uma pretensão de tutela definitiva quanto à desconsideração da personalidade colectiva da Recorrente, não poderá, então, deixar de se concluir pela inconstitucionalidade das mesma disposições, por clara violação do disposto no art.º 20º da crp. não estaríamos, então, perante um processo justo, equitativo, respeitador do princípio da igualdade.
N- Das disposições legais aplicáveis, e da lição dos autores citados na própria decisão impugnada, não é possível concluir pelo acerto do entendimento do Tribunal a quo no sentido de que que o pedido indemnizatório só poderia ser apresentado em sede de "ação civil", e não como apenso ao processo crime.

Nestes termos e nos mais de Direito, com o douto suprimento que se solicita, requer-se seja dado provimento ao recurso e, em conformidade, seja proferido Acórdão que:
1.Declare a caducidade do arresto dos bens da aqui Recorrente, melhor identificados nos autos, e o consequente e imediato levantamento do mesmo, nos termos conjugados dos artigos, 228.º CPP e 373.º (ex vi 395º) do CPC;
2.Determine a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser apreciado o pedido de condenação da Sociedade P. SA, a indemnizar a aqui Recorrente, pelos danos decorrentes do arresto, que se vierem a liquidar, nos termos do disposto no art.º 556.º, nº 1 al. b) e artigos 609.º nº 2 e 358.º todos do CPC.

3.– “O., SAe “L.S.A.” interpuseram recurso da decisão de 8 de Junho de 2017, apresentando as conclusões que de imediato se transcrevem:
A- O presente recurso é interposto da decisão que julgou improcedente o pedido de levantamento imediato do arresto dos bens das recorrentes, apresentado com fundamento na caducidade da providência decretada, em virtude de a sociedade P.S.A. não ter cumprido o ónus que sobre si impendia de confirmar, em sede de jurisdição definitiva, todos os pressupostos do arresto, designadamente, e in casu, os requisitos legais necessários para a desconsideração da personalidade colectiva.
B- Para o Ministério Público e Tribunal Recorrido, a solução mais adequada, atentos os interesses em causa, é a de considerar que o pedido de indemnização cível já apresentado contra os arguidos e a circunstância das recorrentes terem à disposição meios autónomos de procurar inverter a "desconsideração", devem obstar ao levantamento de arresto.
C- aquele entendimento pode ser, naturalmente, discutido em sede de iure condendo mas, salvo o devido respeito não tem qualquer suporte de iure conditio, sendo mesmo contrário à lei.
D- não se compreende como na decisão impugnada se considera errada a qualificação das recorrentes como terceiras e, ao mesmo tempo, que as mesmas podem deduzir oposição por embargos de terceira.
E- a desconsideração da personalidade colectiva da recorrente não é uma "questão incidental", mas sim uma questão essencial, sem a qual, é indiscutível, não podia ter sido decretado o arresto dos bens das requerentes.
F- à luz do Direito que se impõem aplicar - independentemente dos entendimentos subjectivos do julgador, por mui doutos que sejam - a circunstância de terceiros poderem deduzir embargos ou usar outros meios de reagir não dispensa o requerente de pedir a confirmação da decisão sumária proferida, in casu, a "desconsideração da personalidade colectiva".
G- Constitui matéria incontroversa, a necessária relação de dependência e instrumentalidade, entre os procedimentos/medidas cautelares e as ações propriamente ditas. esta relação e instrumentalidade, como ensinam todos os autores, deve ser considerada no momento da prolação das decisões cautelares e, naturalmente, após o seu decretamento.
H- Sendo decretado o arresto de bens de terceiro: Para evitar a caducidade da providência não basta a propositura atempada de uma qualquer ação declarativa ou executiva contra o devedor importa sempre atentar nos pressupostos (particulares) que no caso concreto determinaram ou permitiram o arresto dos bens em causa.
I- a pretensão (da recorrida) de condenação dos arguidos no pedido de indemnização cível, não permite concluir que a requerente da providência, que atingiu as recorrentes, perdeu o interesse processual (ou a necessidade)de obter a confirmação (em sede de jurisdição definitiva) do pressuposto essencial do arresto: a desconsideração ou levantamento da sua personalidade.
J- não se encontra pendente nesta data, qualquer pretensão de tutela jurisdicional definitiva do poder, ou faculdade, a que se arroga a requerente (aqui Recorrida) sobre os bens arrestados, ou seja, de fazer os mesmos responder pelo invocado crédito sobre os arguidos.
K- Decorridos 5 meses após a prolação da decisão do tribunal constitucional que não admitiu o recurso interposto, sem que a aqui recorrida tenha requerido, em sede de jurisdição definitiva, a confirmação de uma condição essencial para o arresto decretado sobre bens de terceiro (a desconsideração da personalidade colectiva), não pode deixar de concluir pela caducidade da providência decretada, nos termos do artº 373.º do cpc tanto mais que, a recorrida assim não actuou (confessadamente) tão só e apenas por estar (erradamente) convicta que face ao pedido de indemnização cível deduzido, não carecia de diligenciar no sentido daquela confirmação.
L- Assim não tendo concluído, o tribunal a quo violou por errónea interpretação e aplicação o disposto no artº 373.º do cpc.
M- Considerando a ratio legis da caducidade legalmente prevista, não se vislumbra como pode o tribunal a quo concluir no sentido de que a Requerente da providência decretada estava dispensada de agir, diligentemente, para evitar a caducidade, atenta a faculdade de reação das Requeridas (aqui recorrentes).
N- Um sistema processual como o configurado pelo Tribunal a quo não só seria injusto, mas arbitrário por não atentar no princípio da igualdade, na proibição de soluções discricionárias.
O- a considerar-se, como na primeira instância, que in casu sobre a requerente do arresto, não recaía, à luz dos artigos 228.º do cpp e artigo 373.º do cpc (aplicável ex vi art.° 395.º cpc), o ónus de deduzir uma pretensão de tutela definitiva quanto à desconsideração da personalidade colectiva das Recorrentes, não poderá, então, deixar de se concluir pela inconstitucionalidade das mesmas disposições, por clara violação do disposto no art.º 20º da crp. não estaríamos, então, perante um processo justo, equitativo, respeitador do princípio da igualdade.
P- das disposições legais aplicáveis, e da lição dos autores citados na própria decisão impugnada, não é possível concluir pelo acerto do entendimento do Tribunal a quo no sentido de que que o pedido indemnizatório só poderia ser apresentado em sede de "ação civil", e não como apenso ao processo crime.

Nestes termos e nos mais de Direito, com o douto suprimento que se solicita, requer-se seja dado provimento ao recurso e, em conformidade, seja proferido Acórdão que:
1Declare a caducidade do arresto dos bens da aqui Recorrente, melhor identificados nos autos, e o consequente e imediato levantamento do mesmo, nos termos conjugados dos artigos, 228.º CPP e 373.º (ex vi 395.º) do CPC;
2Determine a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser apreciado o pedido de condenação da Sociedade P., SA, a indemnizar as aqui Recorrentes, pelos danos decorrentes do arresto, que se vierem a liquidar, nos termos do disposto no art.º 556.º, nº 1 al. b) e artigos 609.º nº 2 e 358.º todos do CPC.

4.Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo, bem como a “P., S.A.” às motivações dos recursos, pugnando por lhes ser negado provimento.

5.–Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “Visto”.

6.Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.–Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Recurso interposto por “R.S.A.”

Caducidade da providência contra a recorrente decretada.

Condenação da “P., S.A. em indemnização pelos danos a que deu causa.

Recurso interposto por “O., S.A. e “L.S.A.”

Caducidade da providência contra as recorrentes decretada.

Condenação da “P., S.A. em indemnização pelos danos a que deu causa.

2.– A Decisão Recorrida

2.1– Aos 26 de Maio de 2017, foi lavrada a seguinte decisão (transcrição):

Fls. 4701 a 4722: Veio a sociedade "R.S.A.", na qualidade de terceira, interessada por prejudicada nos presentes autos de arresto, em que é Requerente a "P., S.A.", requerer se determine o imediato levantamento do arresto dos seus bens, atenta a caducidade da providência contra si decretada, bem como a condenação/responsabilização da requerente pelos danos a que deu causa.
No sentido da procedência da primeira questão suscitada, alega para tanto, e em síntese, que, por força do disposto nos arts. 373.º e 395.º do CPCivil, a providência decretada caduca se o requerente não propuser a acção dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado.
Esta caducidade encontra a sua razão de ser na natureza (mais precária) do procedimento decisório e na relação de necessária dependência e instrumentalidade face a uma decisão definitiva.
No caso de arresto de bens de terceiro a relação de dependência e instrumentalidade importa determinadas particularidades e especiais exigências, pressupondo uma decisão judicial constitutiva ou de simples apreciação onde se reconheça a existência da especial relação entre a situação do terceiro e a do devedor que justifique a excepcionalidade em que se traduz a afectação de bens de terceiro.
Significa isto, continua a ora requerente, que para evitar a caducidade da providência não basta a propositura atempada de uma qualquer acção declarativa ou executiva contra o devedor, importando sempre atentar nos pressupostos particulares que no caso concreto determinaram ou permitiram o arresto dos bens em causa.
No caso concreto, afirma, a pretensão de condenação do arguido R.O. não permite concluir que a requerente da providência que atingiu a ora requerente perdeu o interesse processual ou a necessidade de obter a confirmação, em sede de jurisdição definitiva, do pressuposto essencial do arresto dos bens: a desconsideração ou levantamento da sua personalidade, pois quanto a tal questão a decisão mantém-se provisória, logo, precária, não havendo inversão do contencioso.
Ou seja, não se encontrando pendente pretensão de substituição da tutela provisória decretada sobre os bens arrestados da aqui requerente pela tutela definitiva desse poder, através de pretensão indemnizatória onde para além da existência do crédito invocado e sumariamente reconhecido esteja incluída a apreciação dos requisitos legais da desconsideração da personalidade colectiva, não se pode manter tal arresto, devendo o mesmo ser de imediato levantado.
De outra forma, conclui a aqui requerente, isto é, não se reconhecendo essa caducidade, estar-se-ia a permitir que um sujeito de direito seja obrigado a suportar o arresto dos seus bens por tempo indeterminado, sem que sobre o beneficiário desse ónus recaia, pelo menos, o dever de diligenciar pelo reconhecimento por decisão susceptível de caso julgado material do poder de afectar bens de terceiro e que aquele mesmo sujeito tenha não só de aguardar que o beneficiário do arresto possa vir a obter o reconhecimento do seu crédito como ainda tenha de aguardar que o mesmo venha, posteriormente, a requerer a sentença definitiva da desconsideração.
Um tal sistema processual civil não seria equitativo e garante de um contraditório pleno, antes seria injusto e arbitrário, por violador do princípio da igualdade e do disposto no art. 20.º da CRP, comparativamente a outras situações, como a impugnação pauliana, em que não ocorre qualquer dispensa de jurisdição definitiva.
Para fundamentar a segunda pretensão, a aqui requerente remete para o disposto no art. 374.º do PCivil, segundo o qual: Se caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.
Imputa à "P., S.A." uma conduta, no mínimo, de manifesta negligência, sendo-lhe exigível um outro comportamento, concretamente o de diligenciar pela declaração definitiva de levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva.
Invoca os danos de elevadíssimo montante que a conduta da "P., S.A." causou, cuja extensão e total quantificação não consegue concretizar nesta data, embora considere que serão sempre superiores a € 15 000.000, computando, por ora, os danos emergentes em € 8 305 999,27.
Requer, assim, no âmbito desta segunda pretensão, que, após produção de prova que indica, a "P., S.A." seja condenada a indemnizar a aqui requerente pelos danos decorrentes do arresto que se vieram a liquidar, nos termos do disposto nos arts. 556.º, n.º 1, al. b), 609.º, n.º 2, e 358.º, todos do CPCivil.
Juntou quatro documentos.
Foram notificados os requerente e requerido no presente apenso de arresto, bem como o Ministério Público, com interesse directo nesta matéria por força do arresto decretado no apenso 121/08.1TELSB-L, todos tendo apresentado resposta.
A fls. 4829 a 4847 (original a fls. 4855 a 4865) pronunciou-se a requerente "P., S.A." concluindo pela manutenção, em toda a sua extensão, do arresto preventivo decretado, bem como da apreensão dos bens do requerido R.O., parqueados artificialmente no activo da sociedade "R., SA", e pela total improcedência do peticionado relativamente ao ressarcimento de prejuízos nos quais a sociedade "R., SA" diz ter incorrido.
Para tanto, invoca que, como não pode deixar de ser do conhecimento da aqui requerente, existe intentado, mesmo antes do decretamento da providência, um pedido de indemnização deduzido contra o requerido e arguido R.O., o qual constitui a acção principal de que está dependente a providencia
E porque peticiona o levantamento do arresto de bens num processo no qual não é requerida e onde se encontra julgada a desconsideração da sua personalidade colectiva, deve ser condenada em multa pelo incidente anómalo a que deu causa de forma exemplar. Salienta ainda que a aqui requerente, "R., SA", mais não é do que uma extensão artificial e abusiva da personalidade do arguido R.O., o que foi reconhecido na decisão que decretou o arresto, na decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou essa decisão no âmbito de recurso interposto pela "R., SA" e no acórdão deste mesmo Tribunal no âmbito do PER (Processo Especial de Revitalização) referente a esta mesma sociedade, sendo que nestas duas foi mencionado que tal confusão justifica a desconsideração da personalidade colectiva daquela.
O pedido de indemnização civil deduzido nestes autos constitui a acção cível da qual depende a providência cautelar de arresto preventivo.
Com o exercício da acção civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos de constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização, sendo coincidentes no que toca à caracterização do acto ilícito.
Desta forma, não se verifica de forma alguma qualquer caducidade da providência cautelar de arresto preventivo, mantendo-se a mesma em toda a sua extensão, não sendo também este o meio ou a sede própria para a sociedade "R., SA" vir peticionar qualquer prejuízo que entenda ter sofrido.
Também o Ministério Público respondeu, conforme fls. 4848 a 4854 (original a fls. 4866 a 4871), pugnando pelo indeferimento das pretensões da requerente.
Nesse sentido, invoca, desde logo, o disposto no art. 391.º, n.º 1, do CPCivil, do qual resulta que a caducidade da providência a que se alude na al. a) do n.º 1 do art. 373.º do CPCivil, no caso de arresto, respeita, necessária e exclusivamente às relações entre um credor e devedor determinados, sendo apenas entre estes que poderão correr quer o procedimento cautelar quer a acção de jurisdição definitiva da qual esse procedimento será dependente e cuja futura efectivadade se visa garantir através da providência instrumentalmente decretada.
Entende, pois, não haver nem escopo nem fundamento legal para a obrigatoriedade de instauração de acção por parte do requerente de arresto destinada a assegurar a "composição definitiva" de qualquer litígio com os eventuais afectados pelo mesmo que não devam ser, eles próprios, considerados "devedores" no âmbito da relação jurídica que justificou o pedido de arresto e também o de condenação definitiva no cumprimento das obrigações acauteladas por essa providência.
Totalmente distinta desta questão, continua, é a do eventual pedido de arresto de bens transmitidos pelo devedor a terceiros, o que não ocorreu no caso dos autos, tanto mais que a desconsideração da personalidade colectiva na qual se baseou o arresto dos bens da aqui requerente leva a que a mesma não possa ser considerada "terceira" em relação ao devedor.
Mas caso tivesse sido solicitado o arresto de bens adquiridos por "terceiros" ao devedor R.O., ao abrigo do disposto no art. 392.º, n.º 2, do CPCivil, as normas relativas à caducidade da providência apenas seriam aplicáveis em caso de falta de atempada propositura de acção susceptível de fundamentar o arresto de bens adquiridos, isto é, a acção de impugnação da transmissão dos bens, porque outras disposições da lei substantiva e processual expressamente prevêem que a possibilidade de arresto (e de penhora) de tais bens dependerá da propositura dessa outra acção.
Tal necessidade, como o comprova a ausência de invocação pela requerente de quaisquer normas específicas quanto a esta matéria, não ocorre no caso de arresto de bens que devam considerar-se pertencentes ao próprio devedor, não tendo sido por este transmitidos a outrem nem pertencendo a quem deva considerar-se "terceiro" em relação ao mesmo, como sucede nos casos de desconsideração da personalidade colectiva.
Mais, entende que não encontra qualquer fundamento legal para considerar que o entendimento ante-exposto porá em causa o princípio do contraditório ou a profundidade de apreciação jurisdicional que seria exigível no caso, pois não está em causa a afectação de direitos de quem deva considerar-se "terceiro" face ao devedor, não fazendo sentido uma exigência legal de prévia ou posterior discussão susceptíveis de conduzir à afectação de tais supostos direitos por já estarem em juízo as partes verdadeiramente interessadas na resolução da questão controvertida.
E caso assim não seja, isto é, não ter fundamento a tese do credor que invocou a desconsideração da personalidade colectiva, caberá ao terceiro afectado por tal desconsideração comprovar que o é verdadeiramente, oferecendo a lei mecanismos processuais perfeitamente adequados a uma apreciação judicial aprofundada e definitiva desta questão, com pleno respeito do contraditório exigível no caso, tais como a propositura de embargos de terceiro, de resto interpostos por outras entidades afectadas pelos arrestos decretados no presente apenso.
E nem vê, termina o Ministério Público, como poderá alguém que pretende que lhe seja concedida nestes autos uma indemnização a liquidar a posteriori julgar o referido procedimento inadequado à resolução da questão relativa à desconsideração da respectiva personalidade colectiva.
Cumpre apreciar e decidir.
I.- Da caducidade da providência decretada contra a "R.,S.A." e do consequente e imediato levantamento do arresto dos seus bens
Determina o art. 395.º do CPCivil, sob a epígrafe Caso especial de caducidade que:
«O arresto fica sem efeito não só nas situações previstas no artigo 373.º mas também no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.»
Por seu turno, estabelece o art. 373.º do CPCivil, sob a epígrafe Caducidade da providência, que:
«1 Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca:
a)- Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado;
b)- Se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente;
c)- Se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado;
d)- Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior;
e)- Se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido.
2 Quando a providência cautelar tenha sido substituída por caução, fica esta sem efeito nos mesmos termos em que o ficaria a providência substituída, ordenando-se o levantamento daquela.
3 A extinção do procedimento ou o levantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audiência do requerente, logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo.»
O art. 369.º a que se refere o citado preceito respeita à inversão do contencioso, que não se verificou no caso concreto e, por isso, não releva para a clarificação da situação em apreço.
Fundamenta a "R.S.A." a sua pretensão apenas na previsão da al. a) do n.º 1 do art. 373.º do CPCivil, sendo certo que também não se verifica no caso nenhuma das outras situações aí previstas ou no art. 395.º do mesmo diploma legal.
Mas a interpretação que faz de tal norma mostra-se errada, sendo de acolher a argumentação da "P., S.A." e do Ministério Público, nos termos sumariamente supra-expostos.
Com efeito, com base em factos que resultam da acusação e da pronúncia, a "P., S.A." apresentou, em 17-04-2013, pedido de indemnização civil contra vários arguidos, incluindo o requerido no presente arresto, R.O., e só em Setembro desse ano veio a ser decretada esta providência.
Ou seja, na data em que foi decretado o arresto já se encontrava pendente a acção cível (enxertada no processo penal) que a demandante e requerente na providência cautelar entendeu poder vir a sustentar definitiva quanto à questão controvertida apresentada, questão que o procedimento cautelar em causa procuraria, na sua perspectiva, acautelar provisoriamente.
Mas tal constatação não é posta em causa pela aqui requerente.
O que a mesma alega é que, incidindo o arresto sobre bens de terceiro face à relação entre requerente e requerido do arresto é necessário que a acção definitiva que vai permitir transformar a tutela provisória concedida pelo procedimento cautelar em tutela definita também ela abarque e decida sobre os fundamentos que conduziram a tal arresto de bens de terceiro, também aqui se apreciando a desconsideração da personalidade colectiva de forma definitiva em substituição da decisão provisória.
E indica como exemplo a impugnação pauliana, em que se mostra necessário sustentar em acção própria os respectivos pressupostos.
Assim, na perspectiva da aqui requerente, não abarcando o pedido de indemnização cível deduzido a que se aludiu essa especial relação entre o requerido no arresto, R.O., e terceiro, a "R.S.A.", e não tendo sido intentada pela "P., S.A.", no prazo de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que haja decretamento o arresto de bens daquela sociedade, acção autónoma tendente à demonstração definitiva da desconsideração da personalidade colectiva caducou a providência no que aos bens da "R.S.A." respeita.
Contudo, não lhe assiste razão.
Vejamos.
As partes no arresto são o credor e o devedor do crédito litigioso e eventualmente ainda o adquirente de bens do devedor quando o credor procurar invalidar determinada transmissão de bens inter vivos levada cabo pelo devedor — art. 391.º, n.º 1, e 392.º, ambos do CPCivil. Assim, a acção que irá tutelar de forma definitiva aquela relação creditória deve ter como objecto a sua demonstração. Mas se a providência de arresto for requerida contra o adquirente dos bens do devedor há-de invocar os factos que tornam provável a procedência da impugnação, caso não tenha ainda sido judicialmente impugnada a aquisição.
Neste caso, porque a lei assim o prevê, a tutela definitiva depende da instauração de acção que contemple a demonstração da dívida e de acção que reconheça a procedência da impugnação da transmissão de bens do devedor[1].
E não sendo cumprido o prazo a que alude o art. 373.º, n.º 1, al. a), do CPCivil ocorre, de facto, caducidade da providência.
Mas a situação dos autos é totalmente diferente e a aqui requerente baseia o seu pedido partindo do princípio errado de que é terceiro face à relação entre requerente e requerido do arresto.
Na verdade, a providência de arresto a que respeitam os presentes autos foi apenas e exclusivamente intentada contra o alegado devedor, R.O., e não também contra terceiro, já que a situação em apreço não suscitou a necessidade por parte da credora de averiguar e impugnar qualquer transmissão de bens.
Nessa medida, isto é, porque as partes são única e exclusivamente o credor e o devedor, a acção que permite tornar definitiva a tutela provisória que o arresto cuidou de acautelar deve contemplar tão-somente a relação creditória entre os dois.
Essa acção está intentada e até em momento prévio à decisão proferida na providência cautelar, não impondo a lei o cumprimento de qualquer outra formalidade.
A apreciação da desconsideração da personalidade colectiva é meramente incidental dentro da providência cautelar ou da acção executiva em que é suscitada, nada tendo a ver com o direito de fundo, substantivo, que sustenta a posição do requerente ou exequente. E aquele que, sendo verdadeiramente terceiro perante o devedor, pretender fazer os seus direitos e a sua posição tem à sua disposição um mecanismo legal, a oposição mediante embargos de terceiro, instrumento que introduz uma fase declarativa na acção executiva e uma sub-acção declarativa no procedimento cautelar, garantindo ao terceiro afectado pelo acto judicialmente ordenado, de apreensão ou similar, amplo contraditório, sendo que a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante – art. 349.º do CPCivil.
A "R.S.A." podia ter lançado mão deste incidente, que mantém «a natureza de acção declarativa, autónoma e especial, ainda que, funcionalmente, dependente, como acontece no caso concreto, do processo de execução, em relação ao qual correm por apenso, nos termos do disposto pelo artigo 353º, nº 1, do CPC»[2].
Não o fez, optando apenas por recorrer da decisão que decretou o arresto, tendo sido julgada improcedente a sua pretensão de ver desfeito o arresto que incidiu sobre os seus bens.
Ao contrário do que a aqui requerente invocou, o sujeito afectado com uma decisão como a que foi proferida nos presentes autos de arresto, com desconsideração da personalidade colectiva de sociedades ligadas ao requerido, não fica obrigado a suportar o arresto dos seus bens por tempo indeterminado e sem que haja limite temporal para que através de acção susceptível de constituir caso julgado material seja reconhecido o seu direito.
Esse sujeito tem à sua disposição a oposição por embargos de terceiro que acautela, em tempo útil e nos termos pretendidos, o eventual reconhecimento de que não se configuram na situação em análise os pressupostos da desconsideração da personalidade colectiva. A aqui requerente é que optou por dela não fazer uso.
Como tal, a interpretação que neste processo se fez das normas relevantes e já indicadas configura um sistema processual equitativo e garante de um contraditório pleno, não se vislumbrando como se pode considerar violado o disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, que salvaguarda o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, e segundo o qual:
«1.A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2.Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3.A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4.Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5.Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»
É, pois totalmente infundado o pedido de caducidade da providência de arresto no que aos "bens da requerida" respeita.
E o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que a requerente invoca confirma na íntegra o entendimento ante-exposto.
Com efeito, afirma-se o seguinte no aresto em questão:
«A questão que nos autos releva é a de saber se esta decisão pode ser invocada directamente no procedimento executivo contra os sócios da pessoa jurídica condenada em acção declarativa por sentença transitada, título executivo, sem que estes hajam sido previamente citados para infirmarem os fundamentos do pedido de desconsideração, a fim de serem observadas as garantias do contraditório e da igualdade das partes.
Parece-nos evidente que não.
O que sucede no caso concreto é que, foi proferida sentença em acção declarativa na qual foi condenada por sentença apenas a sociedade de que os requeridos são sócios, que neste pleito não intervieram, sendo certo que, nem foram alegados factos concretos que fundamentassem a dita desconsideração.
Como é evidente a dita sentença não constitui título executivo contra os sócios da condenada. Apesar da limitada pesquisa sobre tramitação do instituto em causa no direito Brasileiro, não vislumbramos regras concretas para a efectivar.
Contudo, nada impediria que, posteriormente à decisão condenatória da pessoa colectiva, se conhecessem os pressupostos da Desconsideração da Personalidade Jurídica, desde que se exercesse o contraditório pleno por quem é demandado, ou seja, no caso, os sócios da sociedade devedora.
Sucede que, no caso concreto não foi minimamente assegurado o contraditório no que respeita à decisão em causa.
Senão vejamos.
Já em sede de execução da sentença que constitui título executivo apenas contra a sociedade de que são sócios os requeridos, a ora requerida deduziu pedido de Desconsideração da Personalidade Jurídica da sociedade condenada, alegando factos que consubstanciam os pressupostos legais do instituto em causa. E, sem mais, foi proferida sentença que, sem exercer qualquer prévio contraditório relativamente aos visados, deferiu a Desconsideração, sem sequer conhecer da veracidade dos fundamentos fácticos do pedido.
Ao contrário do que defende a requerente, a citação ordenada a fls 145, nada tem que ver com o contraditório no que concerne ao pedido da Desconsideração, só posteriormente requerido: tratou-se tão-somente de uma citação ao advogado dos representantes legais da sociedade condenada, precisamente nessa qualidade de representantes, intimando-os para pagarem a dívida em execução ao abrigo do art.º 475.º J do CPC Brasileiro. Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. § 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
O certo é que, no caso, não ocorreu qualquer contraditório prévio, como se impunha, e nem sequer se exerceu qualquer contraditório á posteriori, porque a decisão revidenda não foi notificada aos requeridos.
Ademais, estando em causa uma verdadeira acção declarativa, eventualmente incidental, em que os ora requeridos foram pela primeira vez demandados, impunha-se a sua citação, conforme art.ºs 213.º e 214.º do Código de Processo Civil Brasileiro. Art. 213 - Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.75
Art. 214 - Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.76
Em conclusão, não só não se procedeu á citação prevista nos referidos do CPC Brasileiro, com também e em consequência, não se observaram os princípios do contraditório e, consequentemente, da igualdade das partes, pois que, ao contrário do que sucedeu com a requerente, não puderam os requeridos a possibilidade de se pronunciar sobre o pedido de "Desconsideração".»
No caso dos autos não estamos perante processo executivo, como ocorre na situação descrita no acórdão citado, mas sim perante um procedimento cautelar sem prévia audição do requerido, o que justifica que a decisão seja tomada sem conhecimento prévio dos sujeitos afectados pela mesma.
Por outro lado, nos presentes autos, logo que concretizado o arresto, os titulares formais dos bens arrestados foram notificados dessa decisão, como se comprova da tramitação constante de fls. 1058, 1059, 1075 e 1076, sendo-lhes permitido desencadear os mecanismos legais apontados, que foram usados por outras sociedades afectadas.
Aliás, ainda antes da notificação, a "R.S.A." interpôs recurso, aí afirmando ter tomado conhecimento do despacho que ordenou o arresto preventivo de um conjunto de bens que integra a sua esfera patrimonial (cf. fls. 1010 a 1029).
Tal notificação não terá ocorrido na situação objecto do acórdão citado.
Por outro lado ainda, o acórdão respeita a processo de revisão de sentença estrangeira, sendo discutida a causa no âmbito da legislação brasileira.
O caso dos autos remete-nos para a legislação processual civil portuguesa que, como já referido, oferece mecanismos de defesa dos lesados dos actos de arresto ou similares que garantem um processo equitativo e o contraditório pleno.
Se os mesmos não são usados pelos sujeitos de direito que os têm à disposição não estes podem invocar, sob pena de abuso de direito, a invalidade da decisão cautelar tomada com fundamento na existência de um sistema não equitativo e que não cumpre o contraditório pleno.
Por último, importa salientar que o que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães defende, ainda que em contexto de legislação estrangeira não totalmente esmiuçada, é que o fundamental é que nos autos se conhecessem dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que em fase de execução, desde que se exercesse o contraditório pleno por quem é alvo de decisão lesiva dos seus direitos.
Ora, a "R.S.A." teve oportunidade de impugnar factualmente os pressupostos da desconsideração da personalidade colectiva e produzir prova sobre tal matéria em incidente declarativo onde seria cumprido contraditório pleno.
Não fazendo uso desta faculdade não pode culpar o sistema de ser injusto e arbitrário.
Em face de tudo o exposto, não assiste qualquer razão à "R.S.A.", sendo de indeferir o pedido de caducidade da providência decretada no que concerne aos bens de que é titular formal a "R.S.A.".
E para terminar este primeiro ponto, dando o mote para a segunda pretensão da aqui requerida, sempre se dirá, como o Ministério Público fez, que não se compreende como poderá alguém que julga os presentes autos de arresto, e seus incidentes, inadequados à resolução da questão relativa à desconsideração da personalidade colectiva pretender que lhe seja concedida nesses mesmos autos uma indemnização a liquidar a posteriori.
Estes dois entendimentos padecem de profunda contradição.
II.Da responsabilização da "P., S.A." pelos danos a que deu causa.
Em resultado de tudo quanto se expôs, concluindo-se pela improcedência da primeira pretensão da aqui requerente, fica prejudicada a apreciação do segundo pedido que apresentou, que tem como primeiro pressuposto a caducidade da providência, que não se reconheceu.
Não obstante, sempre se dirá que tal acção nunca seria incorporada nos próprios autos de arresto, que por sua vez são apenso de processo crime.
Tal pretensão de indemnização teria de ser feita valer em acção cível própria[3].
Pelo exposto, indefere-se à requerida declaração de caducidade do arresto dos bens de que é titular formal a "R.S.A." e, consequentemente, ao levantamento imediato do mesmo, nos termos conjugados dos arts. 228.º do CPP e 373.º do CPCivil, ex vi art. 395.º do mesmo diploma legal, bem como à apreciação da responsabilidade da "P., S.A." por danos decorrentes do arresto e sua condenação a indemnizar a aqui requerente.
Custas do incidente pela "R.S.A.", com taxa de justiça que fixo em 3 UC. Notifique, remetendo ainda cópias das respostas apresentadas e, oportunamente, após baixa à 1.a Instância, junte certidão desta decisão ao apenso de arresto n.º 121/08.1TELSB-L, onde se encontram igualmente arrestados os referidos bens.

2.2– Em 8 de Junho de 2017, o tribunal a quo proferiu decisão como se transcreve:

Fls. 4808 a 4828: Vieram as sociedades "O. S.A.", "AV, S.A.", na qualidade de terceiras atingidas pelas decisões de arresto proferidas nos presentes autos, em que é requerente a "P., SA" e requerido R.O., solicitar, nos termos dos arts. 228.º do CPPenal e 373.º do CPCivil, se determine o imediato levantamento do arresto dos seus bens, atenta a caducidade da providência contra si decretada, bem como, ao abrigo do disposto nos arts. 556.º, n.º 1, al. b), 609.º, n.º 2, e 358.º, todos do CPCivil, a condenação/responsabilização da requerente do arresto pelos danos a que deu causa e que se vierem a liquidar.
No sentido da procedência da primeira questão suscitada, alegam para tanto, e em síntese, que, por força do disposto nos arts. 373.º e 395.º do CPCivil, a providência decretada caduca se o requerente não propuser a acção dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado.
Esta caducidade encontra a sua razão de ser na natureza (mais precária) do procedimento decisório e na relação de necessária dependência e instrumentalidade face a uma decisão definitiva.
No caso de arresto de bens de terceiro a relação de dependência e instrumentalidade importa determinadas particularidades e especiais exigências, como as inscritas nos arts. 818.º do CCivil e 735.º do CPCivil, pressupondo uma decisão judicial constitutiva ou de simples apreciação onde se reconheça a existência da especial relação entre a situação do terceiro e a do devedor que justifique a excepcionalidade em que se traduz a afectação de bens de terceiro.
Significa isto, continuam as ora requerentes, que para evitar a caducidade da providência não basta a propositura atempada de uma qualquer acção declarativa ou executiva contra o devedor, importando sempre atentar nos pressupostos particulares que no caso concreto determinaram ou permitiram o arresto dos bens em causa.
No caso concreto, afirmam, a pretensão indemnizatória dirigida pela requerente da providência que atingiu as aqui requerentes contra os arguidos não obsta à caducidade da providência decretada, pois nesse processo não está em discussão e não é pedida a apreciação jurisdicional dos pressupostos, de todos os pressupostos, da providência cautelar (salvo o periculum in mora), a saber, a existência do crédito invocado e a desconsideração ou levantamento da personalidade das ora requerentes. Esta última questão, porque não incluída no pedido de indemnização deduzido pela "P., SA" no processo-crime, mantém-se provisória, logo, precária, salvo havendo inversão do contencioso, não constituindo uma sentença condenatória baseada naquele pedido título executivo contra as aqui requerentes.
Ou seja, não se encontrando pendente pretensão de substituição da tutela provisória decretada sobre os bens arrestados das aqui requerentes pela tutela definitiva desse poder, através de pretensão indemnizatória onde para além da existência do crédito invocado e sumariamente reconhecido esteja incluída a apreciação dos requisitos legais da desconsideração da personalidade colectiva, não se pode manter tal arresto, devendo o mesmo ser de imediato levantado.
A tal conclusão não obsta a circunstância de a requerente "O. S.A." ter apresentado embargos de terceiro que vieram a ser rejeitados - arts. 346.º e 349.º a contrario sensu, ambos do CPCivil. A decisão de rejeição dos embargos não transformou, nem podia transformar, uma decisão provisória em definitiva.
De outra forma, concluem as aqui requerentes, isto é, não se reconhecendo essa caducidade, estar-se-ia a permitir que um sujeito de direito seja obrigado a suportar o arresto dos seus bens por tempo indeterminado, sem que sobre o beneficiário desse ónus recaia, pelo menos, o dever de diligenciar pelo reconhecimento por decisão susceptível de caso julgado material do poder de afectar bens de terceiro e que aquele mesmo sujeito tenha não só de aguardar que o beneficiário do arresto possa vir a obter o reconhecimento do seu crédito como ainda tenha de aguardar que o mesmo venha, posteriormente, a requerer a sentença definitiva da desconsideração. Um tal sistema processual civil não seria equitativo e garante de um contraditório pleno, antes seria injusto e arbitrário, por violador do princípio da igualdade e do disposto no art. 20.º da CRP, comparativamente a outras situações, como a impugnação pauliana, em que não ocorre qualquer dispensa de jurisdição definitiva.
Para fundamentar a segunda pretensão, as aqui requerentes remetem para o disposto no art. 374.º do PCivil, segundo o qual: Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.
Imputam à "P., SA" uma conduta, no mínimo, de manifesta negligência, sendo-lhe exigível um outro comportamento, concretamente o de diligenciar pela declaração definitiva de levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva sumariamente decidida.
Invocam os danos que a conduta da "P., SA" causou, sendo a que mesma não ignorava ou não podia ignorar, sem culpa, que o decretamento e manutenção do arresto provocaria e provoca diariamente elevadíssimos prejuízos às aqui requerentes, que por via daquela providência paralisaram e viram inviabilizado o exercício da sua actividade.
Alegam não conseguir concretizar a extensão e total quantificação dos danos emergentes e lucros cessantes, daí a formulação genérica de pedido de condenação a liquidar posteriormente, nos termos dos arts. 609.º, n.º 2 e 358.º do CPCivil.
Requerem, assim, no âmbito desta segunda pretensão, que, após produção de prova que indicam, a "P., SA" seja condenada a indemnizar as aqui requerentes pelos danos decorrentes do arresto que se vieram a liquidar, nos termos do disposto nos arts. 556.º, n.º 1, al. b), 609.º, n.º 2, e 358º, todos do CPCivil.
Foram notificados os requerente e requerido no presente apenso de arresto, bem como o Ministério Público, com interesse directo nesta matéria por força do arresto decretado no apenso 121/08.1TELSB-L, todos tendo apresentado resposta.
A fls. 4890 a 4921 pronunciou-se a requerente "P., S.A." concluindo pela manutenção, em toda a sua extensão, do arresto preventivo decretado, bem como da apreensão dos bens do requerido R.O., parqueados artificialmente nos activos das sociedades requerentes, e pela total improcedência do peticionado relativamente ao ressarcimento de prejuízos nos quais as mesmas dizem ter incorrido. Para tanto, invoca que, como é do conhecimento das aqui requerentes, existe intentado, mesmo antes do decretamento da providência, um pedido de indemnização deduzido contra o requerido e arguido R.O., o qual constitui a acção principal de que está dependente a providência decretada.
E porque peticionam o levantamento do arresto de bens num processo no qual não são requeridas e onde se encontra julgada a desconsideração da sua personalidade colectiva, devem ser condenadas em multa pelo incidente anómalo a que deram causa, de forma exemplar.
Salienta ainda que as aqui requerentes mais não são do que uma extensão artificial e abusiva da personalidade do arguido R.O., o que foi reconhecido na decisão que decretou o alargamento do arresto, aí se mencionando que já resultava da matéria que constitui objecto do processo-crime principal, e na decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Não estamos, por isso, em face de um arresto de bens de terceiro. O pedido de indemnização civil a deduzir em processual penal há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado, sendo que os pressupostos da desconsideração da personalidade colectiva resultam dos autos principais.
O pedido de indemnização civil deduzido nestes autos constitui a acção cível da qual depende a providência cautelar de arresto preventivo.
Desta forma, conclui, não se verifica de modo algum qualquer caducidade da providência cautelar de arresto preventivo, mantendo-se a mesma em toda a sua extensão, não sendo também este o meio ou a sede própria para as sociedades aqui requerentes virem peticionar qualquer prejuízo que entendam ter sofrido.
Também o Ministério Público respondeu, conforme fls. 4926 a 4932 (original a fls. 4933 a 4937), pugnando pelo indeferimento das pretensões das requerentes. Remete, desde logo, para a fundamentação constante da sua resposta a requerimento similar apresentado pela sociedade "R.,, SA", constante de fls. 4848 e ss. dos autos, «acrescentando apenas que os mecanismos processuais aos quais as entidades afectadas por desconsideração da personalidade colectiva poderão recorrer para defender os seus direitos não se esgotam na eventual interposição de embargos de terceiro (...). Ainda que estes valham por si sós, actualmente, como sentença declarativa susceptível de regular de forma definitiva as questões suscitadas entre todos os interessados, conforme resulta do disposto nos arts. 348º e 349º do C. P. Civil.»
Esclarece ainda que «em caso de rejeição dos embargos deduzidos, como sucedeu no caso da requerente Orgui, ou caso não pretenda sequer deduzi-los, poderá sempre quem for afectado pela decisão de arresto propor acção declarativa destinada a reconhecer a sua alegada qualidade de terceiro, titular de direitos sobre os bens arrestados que não devam ser afastados, nomeadamente por força do instituto da desconsideração da personalidade colectiva (art. 346º do C. P. Civil). (...)
E podendo mesmo admitir-se que, ainda que a matéria relativa aos embargos deduzidos seja definitivamente apreciada em sede de arresto, o caso julgado assim formado não abranja a posterior fase de execução, na qual poderá voltar a ser deduzida oposição pelos interessados. (...)
Algo que sucederá, em qualquer caso, se não tiverem chegado a ser deduzidos, ou definitivamente apreciados, quaisquer embargos de terceiro em sede de procedimento cautelar. (...)
Tudo contribuindo para realçar a ausência de motivos para que devamos considerar inconstitucional a ausência de qualquer imposição legal de propositura de acção declarativa, por parte do requerente de arresto, contra os terceiros eventualmente afectados por decisão de desconsideração de personalidade colectiva (conforme parece ser novamente alegado, agora no Ponto 22.3.6 do requerimento em apreciação). (...)
Tal como não será inconstitucional considerar-se que, em sede de execução, tão pouco será exigível que a desconsideração de personalidade colectiva eventualmente justificativa da penhora de bens de alegados terceiros esteja suportada em prévia acção declarativa. (...)
Desde que, como sucede, a lei conceda aos afectados o recurso a mecanismos processuais adequados a proporcionar uma aprofundada e definitiva apreciação judicial de quaisquer questões que entendam suscitar, com pleno respeito do contraditório exigível no caso.»
Cumpre apreciar e decidir.
As questões colocadas no requerimento em apreciação, apresentado pelas sociedades "O. S.A.", "AV, S.A." e "L., S.A.", é semelhante a um outro já apresentado pela sociedade "R.,, SA" e sobre o qual já foi proferida decisão, desde já se adiantando que a solução será igual e a argumentação do despacho idêntica.
Vejamos.
I. Da caducidade da providência decretada contra as sociedades "O. SA", "AV, SA" e "L., SA" e do consequente e imediato levantamento do arresto dos seus bens
Determina o art. 395.º do CPCivil, sob a epígrafe Caso especial de caducidade, que: «O arresto fica sem efeito não só nas situações previstas no artigo 373.º mas também no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.»
Por seu turno, estabelece o art. 373.º do CPCivil, sob a epígrafe Caducidade da providência, que:
«1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca:
Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado;
Se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente;
Se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado;
Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior;
Se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido.
- Quando a providência cautelar tenha sido substituída por caução, fica esta sem efeito nos mesmos termos em que o ficaria a providência substituída, ordenando-se o levantamento daquela.
- A extinção do procedimento ou o levantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audiência do requerente, logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo.»

O art. 369.º a que se refere o citado preceito respeita à inversão do contencioso, que não se verificou no caso concreto e, por isso, não releva para a clarificação da situação em apreço.

Fundamentam as sociedades requerentes a sua pretensão apenas na previsão da al. a) do n.º 1 do art. 373.º do CPCivil, sendo certo que também não se verifica no caso nenhuma das outras situações aí previstas ou no art. 395.º do mesmo diploma legal. Mas a interpretação que fazem de tal norma mostra-se errada, sendo de acolher a argumentação da "P., SA" e do Ministério Público, nos termos sumariamente supra-expostos.
Com efeito, com base em factos que resultam da acusação e, posteriormente, da pronúncia, a "P., SA" apresentou, em 17-04-2013, pedido de indemnização civil contra vários arguidos, incluindo o requerido no presente arresto, R.O., e só em Setembro desse ano veio a ser decretada esta providência. Ou seja, na data em que foi decretado o arresto já se encontrava pendente a acção cível (enxertada no processo penal) que a demandante e requerente na providência cautelar entendeu poder vir a sustentar, em caso de procedência do peticionado, a decisão judicial definitiva quanto à questão controvertida apresentada, questão que o procedimento cautelar em causa procuraria, na sua perspectiva, acautelar provisoriamente.
Mas tal constatação não é posta em causa pelas aqui requerentes. O que as mesmas alegam é que, incidindo o arresto sobre bens de terceiros [as sociedades requerentes] face à relação entre requerente e requerido do arresto, é necessário que a acção definitiva que vai permitir transformar a tutela provisória concedida pelo procedimento cautelar em tutela definita também ela abarque e decida sobre os fundamentos que conduziram a tal arresto de bens de terceiro, também aqui se apreciando a desconsideração da personalidade colectiva de forma definitiva em substituição da decisão provisória.
E indicam como exemplo a impugnação pauliana, em que se mostra necessário sustentar em acção própria os respectivos pressupostos, invocando em apoio da sua posição o disposto nos arts. 818.º do CCivil e 735.º do CPCivil, associando ainda as regras referentes aos efeitos da penhora aos arrestos, por força do disposto no art. 622.º do CCivil.
Assim, na perspectiva das aqui requerentes, não abarcando o pedido de indemnização cível deduzido a que se aludiu essa especial relação entre o requerido no arresto, R.O., e terceiros, as sociedades "O. S.A.", "AV, SA", e não tendo sido intentada pela "P., SA", no prazo de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que haja decretamento o arresto de bens daquela sociedade, acção autónoma tendente à demonstração definitiva da desconsideração da personalidade colectiva caducou a providência no que aos bens daquelas sociedades respeita.
Contudo, não lhes assiste razão.
Vejamos.
As partes no arresto são o credor e o devedor do crédito litigioso e eventualmente ainda o adquirente de bens do devedor quando o credor procurar invalidar determinada transmissão de bens inter vivos levada a cabo pelo devedor - art. 391.º, n.º 1, e 392.º, ambos do CPCivil.
Assim, a acção que irá tutelar de forma definitiva aquela relação creditória deve ter como objecto a sua demonstração, como ocorre com o pedido de indemnização formulado pela "P., SA". Mas se a providência de arresto for requerida contra o adquirente dos bens do devedor há-de invocar os factos que tornam provável a procedência da impugnação, caso não tenha ainda sido judicialmente impugnada a aquisição.
Neste caso, porque a lei assim o prevê, a tutela definitiva depende da instauração de acção que contemple a demonstração da dívida e de acção que reconheça a procedência da impugnação da transmissão de bens do devedor3).
E não sendo cumprido o prazo a que alude o art. 373.º, n.º 1, al. a), do CPCivil ocorre, de facto, caducidade da providência.
Mas a situação dos autos é totalmente diferente e as aqui requerentes baseiam o seu pedido partindo do princípio errado de que são terceiro face ao requerido do arresto. Na verdade, a providência de arresto a que respeitam os presentes autos foi apenas e exclusivamente intentada contra o alegado devedor, R.O., e não também contra terceiro, já que a situação em apreço não suscitou a necessidade por parte da credora de averiguar e impugnar qualquer transmissão de bens.
Nessa medida, isto é, porque as partes são única e exclusivamente o credor e o devedor, a acção que permite tornar definitiva a tutela provisória que o arresto cuidou de acautelar deve contemplar tão-somente a relação creditória entre os dois. Essa acção está intentada e até em momento prévio à decisão proferida na providência cautelar, não impondo a lei o cumprimento de qualquer outra formalidade.
A apreciação da desconsideração da personalidade colectiva é meramente incidental dentro da providência cautelar ou da acção executiva em que é suscitada, nada tendo a ver com o direito de fundo, substantivo, que sustenta a posição do requerente ou exequente.
E aquele que, sendo verdadeiramente terceiro perante o devedor, pretender fazer valer os seus direitos e a sua posição tem à disposição vários mecanismos legais, entre os quais a oposição mediante embargos de terceiro, instrumento que introduz uma fase declarativa na acção executiva e uma sub-acção declarativa no procedimento cautelar, garantindo ao terceiro afectado pelo acto judicialmente ordenado, de apreensão ou similar, amplo contraditório, sendo que a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante - art. 349.º do CPCivil.
No caso concreto, a sociedade requerente "O.,SA" até lançou mão dessa faculdade, tendo os embargos sido rejeitos, decisão que foi objecto de recurso por parte da embargante, tendo o mesmo sido julgado improcedente.
As sociedades "AV, SA" e "L., SA" também podiam ter lançado mão deste incidente, que mantém «a natureza de acção declarativa, autónoma e especial, ainda que, funcionalmente, dependente, como acontece no caso concreto, do processo de execução, em relação ao qual correm por apenso, nos termos do disposto pelo artigo 353º, nº 1, do CPC»[4], mas não o fizeram, não sendo legítimo virem invocar que o sistema não é equitativo e que não permite o contraditório.
Mas para além da possibilidade de serem deduzidos embargos de terceiro, outras hipóteses se abrem a quem se considera terceiro face à relação creditória base, concretamente face ao devedor, e pretenda ver reconhecida essa qualidade e a titularidade de direitos sobre bens afectados por arresto ou execução, como foi realçado pelo Ministério Público na sua resposta.
Possibilidade que não é suprimida pelo facto de terem sido rejeitados os embargos de terceiros, como aconteceu com a "O. SA", ou de não terem sequer sido deduzidos, como se verificou com a AV,, SA" e a "L., SA", pois tal circunstância não as inibe de, através de acção declarativa autónoma, procurarem a demonstração da qualidade de terceiras e a titularidade dos bens arrestados em termos que permitam inverter a desconsideração da personalidade colectiva, nos termos do disposto nos arts. 2.º e 346.º do CPCivil.
Ao contrário do que as aqui requerentes invocaram, o sujeito afectado com uma decisão como a que foi proferida nos presentes autos de arresto, com desconsideração da personalidade colectiva de sociedades ligadas ao requerido, não fica obrigado a suportar o arresto dos seus bens por tempo indeterminado e sem que haja limite temporal para que através de acção susceptível de constituir caso julgado material seja reconhecido o seu direito.
Esse sujeito tem à sua disposição, para além do direito geral previsto no art. 2.º do CPCivil de instaurar acção declarativa autónoma, a possibilidade de apresentar oposição por embargos de terceiro, incidente que acautela, em tempo útil e nos termos pretendidos, o eventual reconhecimento de que não se configuram na situação em análise os pressupostos da desconsideração da personalidade colectiva, sendo que a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante.
Como tal, a interpretação que neste processo se fez das normas relevantes e já indicadas configura um sistema processual equitativo e garante de um contraditório pleno, não se vislumbrando como se pode considerar violado o disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, que salvaguarda o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva, e segundo o qual:
«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»

É, pois, totalmente infundado o pedido de caducidade da providência de arresto no que aos "bens da requerida" respeita.
E o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães[5] que a requerente invoca confirma na íntegra o entendimento ante-exposto.
Com efeito, afirma-se o seguinte no aresto em questão:
«A questão que nos autos releva é a de saber se esta decisão pode ser invocada directamente no procedimento executivo contra os sócios da pessoa jurídica condenada em acção declarativa por sentença transitada, título executivo, sem que estes hajam sido previamente citados para infirmarem os fundamentos do pedido de desconsideração, a fim de serem observadas as garantias do contraditório e da igualdade das partes. Parece-nos evidente que não.
O que sucede no caso concreto é que, foi proferida sentença em acção declarativa na qual foi condenada por sentença apenas a sociedade de que os requeridos são sócios, que neste pleito não intervieram, sendo certo que, nem foram alegados factos concretos que fundamentassem a dita desconsideração.
Como é evidente a dita sentença não constitui título executivo contra os sócios da condenada.
Apesar da limitada pesquisa sobre tramitação do instituto em causa no direito Brasileiro, não vislumbramos regras concretas para a efectivar.
Contudo, nada impediria que, posteriormente à decisão condenatória da pessoa colectiva, se conhecessem os pressupostos da Desconsideração da Personalidade Jurídica, desde que se exercesse o contraditório pleno por quem é demandado, ou seja, no caso, os sócios da sociedade devedora.
Sucede que, no caso concreto não foi minimamente assegurado o contraditório no que respeita à decisão em causa.
Senão vejamos.
Já em sede de execução da sentença que constitui título executivo apenas contra a sociedade de que são sócios os requeridos, a ora requerida deduziu pedido de Desconsideração da Personalidade Jurídica da sociedade condenada, alegando factos que consubstanciam os pressupostos legais do instituto em causa. E, sem mais, foi proferida sentença que, sem exercer qualquer prévio contraditório relativamente aos visados, deferiu a Desconsideração, sem sequer conhecer da veracidade dos fundamentos fácticos do pedido. Ao contrário do que defende a requerente, a citação ordenada a fls 145, nada tem que ver com o contraditório no que concerne ao pedido da Desconsideração, só posteriormente requerido: tratou-se tão-somente de uma citação ao advogado dos representantes legais da sociedade condenada, precisamente nessa qualidade de representantes, intimando-os para pagarem a dívida em execução ao abrigo do art.º 475.ºJ do CPC Brasileiro. Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ Io Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
O certo é que, no caso, não ocorreu qualquer contraditório prévio, como se impunha, e nem sequer se exerceu qualquer contraditório á posteriori, porque a decisão revidenda não foi notificada aos requeridos.
Ademais, estando em causa uma verdadeira acção declarativa, eventualmente incidental, em que os ora requeridos foram pela primeira vez demandados, impunha-se a sua citação, conforme art.ºs 213.º e 214.º do Código de Processo Civil Brasileiro. Art. 213 - Citação é o ato pelo qual se chama ajuízo o réu ou o interessado a fim de se defender.75 Art. 214 - Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.76 Em conclusão, não só não se procedeu á citação prevista nos referidos do CPC Brasileiro, com também e em consequência, não se observaram os princípios do contraditório e, consequentemente, da igualdade das partes, pois que, ao contrário do que sucedeu com a requerente, não puderam os requeridos a possibilidade de se pronunciar sobre o pedido de "Desconsideração".»
No caso dos autos não estamos perante processo executivo, como ocorre na situação descrita no acórdão citado, mas sim perante um procedimento cautelar sem prévia audição do requerido, o que justifica que a decisão seja tomada sem conhecimento prévio dos sujeitos afectados pela mesma.
Por outro lado, nos presentes autos, logo que concretizado o arresto, os titulares formais dos bens arrestados foram notificados dessa decisão, sendo-lhes permitido desencadear os mecanismos legais apontados.
Tal notificação não terá ocorrido na situação objecto do acórdão citado, ao que se percebe.
Por outro lado ainda, o acórdão respeita a processo de revisão de sentença estrangeira, sendo discutida a causa no âmbito da legislação brasileira.
O caso dos autos remete-nos para a legislação processual civil portuguesa que, como já referido, oferece mecanismos de defesa dos lesados dos actos de arresto ou similares que garantem um processo equitativo e o contraditório pleno. Se os mesmos não têm o desfecho pretendido ou não são usados pelos sujeitos de direito que os têm à disposição não podem estes invocar, sob pena de abuso de direito, a invalidade da decisão cautelar tomada com fundamento na existência de um sistema não equitativo e que não cumpre o contraditório pleno.
Por último, importa salientar que o que o referido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães defende, ainda que em contexto de legislação estrangeira não totalmente esmiuçada, é que o fundamental é que nos autos se conhecessem dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que em fase de execução, desde que se exercesse o contraditório pleno por quem é alvo de decisão lesiva dos seus direitos. Ora, as requerentes tiveram oportunidade de impugnar factualmente os pressupostos da desconsideração da personalidade colectiva e produzir prova sobre tal matéria em incidente declarativo onde seria cumprido contraditório pleno.
Não fazendo uso desta faculdade, ou fazendo-o sem alcançar o resultado almejado, e tendo ainda à disposição outros mecanismos de defesa dos seus interesses, não podem culpar o sistema de ser injusto e arbitrário.
Em face de tudo o enunciado, não assiste qualquer razão às sociedades "Orgui-Organizações e Investimentos Imobiliários, SA", "AV, SA" e "L., SA", sendo de indeferir o pedido de caducidade da providência decretada no que concerne aos bens de que são titulares formais tais sociedades.
II.Da responsabilização da "P., SA" pelos danos a que deu causa
Em resultado de tudo quanto se expôs, concluindo-se pela improcedência da primeira pretensão das aqui requerentes, fica prejudicada a apreciação do segundo pedido que apresentaram, que tem como primeiro pressuposto a caducidade da providência, que não se reconheceu.
Não obstante, sempre se dirá que tal acção nunca seria incorporada nos próprios autos de arresto, que por sua vez são apenso de processo-crime.
Tal pretensão de indemnização teria de ser feita valer em acção cível própria[6].
Pelo exposto, indefere-se à requerida declaração de caducidade do arresto dos bens de que são titulares formais as sociedades "O. SA", "AV, SA" e "L.,, SA" e, consequentemente, ao levantamento imediato do mesmo, nos termos conjugados dos arts. 228.º do CPPenal e 373.º do CPCivil, ex vi art. 395.º do mesmo diploma legal, bem como à apreciação da responsabilidade da "P., SA" por danos decorrentes do arresto e sua condenação a indemnizar as aqui requerentes.
Custas do incidente pelas requerentes "O. SA", "AV, SA" e "L.,, SA", com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.
Notifique, remetendo ainda cópias das respostas apresentadas e, oportunamente, após baixa à 1.a Instância, junte certidão desta decisão ao apenso de arresto n.º 121/08.1TELSB-L, onde se encontram igualmente arrestados os referidos bens.

Apreciemos.

Caducidade da providência contra as recorrentes decretada

Analisadas as conclusões das motivações dos recursos interpostos, conclui-se por se verificar uma manifesta identidade das questões suscitadas pelas recorrentes nos mesmos, pois espelham idênticas críticas aos respectivos despachos recorridos.

Assim, por economia processual e para evitar a prática de acto inútil, serão elas tratadas em simultâneo.

Vejamos então.

Por despacho de 02/09/2013, lavrado no Tribunal Central de Instrução Criminal foi, após requerimento da “P., S.A.” alicerçado no artigo 228º, do CPP, decretado o arresto em bens de R.O., com desconsideração da personalidade colectiva da sociedade “R.,, S.A.”, para garantia do pagamento do valor de 32.353.728,05 euros.

No Acórdão de 28/01/2014 deste Tribunal da Relação, que se pronuncia sobre os recursos interpostos do despacho de 02/09/2013, podemos ler que “a confusão de património entre a mesma – “R.,, S.A.”, entenda-se – e o arguido R.O. são para nós irrefutáveis e justificam que não seja para este efeito, considerada um terceiro qua tale”, concluindo que se justificava a desconsideração da personalidade colectiva desta sociedade.

O arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228º, nº 1, do CPP, é indubitavelmente uma medida de garantia patrimonial, como refere Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 2ª edição, II vol., pág. 309; “um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal – e não um arresto ‘civil’ no quadro de um processo civil com fins distintos”, como se pode ler no Ac. do Tribunal Constitucional nº 724/2014, de 28/10/2014, nestes autos proferido - disponível também em www.tribunalconstitucional.pt.

O seu decretamento é feito “nos termos da lei do processo civil”, o que significa, em primeira linha, que a remissão funciona em termos de requisitos de aplicação mas, para todos os efeitos, estamos no domínio da jurisdição processual penal, ainda que, no dizer do mesmo Ac. do Tribunal Constitucional “o meio cautelar aplicado não tem em vista as finalidades próprias do processo criminal – cujas garantias não podem deixar de ter em vista a possibilidade de uma condenação em face da comprovação da prática de um ilícito penal que poderá determinar a aplicação de uma pena (máxime privativa da liberdade) – mas antes, por força das suas específicas finalidades, vise a tutela (cautelar, provisória, urgente) dos direitos patrimoniais invocados pelos credores em face do perigo de dissipação ou alienação dos bens patrimoniais do devedor.”

Por decisões de 11/03/2015 e 25/03/2015, foi apreciado o pela “P., S.A.” requerido reforço do arresto preventivo a outros bens pertença de R.O. mas na titularidade das sociedades (entre outras) “O., SAe “L.S.A.”, com desconsideração da personalidade colectiva destas sociedades, o que foi julgado procedente na totalidade.

De acordo com o consagrado no nº 1, do artigo 364º, (anterior artigo 383º) do CPC, excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.

Como se dá a conhecer no Ac. do STJ de 08/01/2014, Proc. nº 61/10.4TAACN.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt, “resulta do art. 383.º do CPC, na redacção aplicável, constante do DL 329-A/95, de 12-12, na estrutura típica deste tipo de procedimento legal, as características da instrumentalidade e da dependência do procedimento cautelar relativamente à acção principal: os procedimentos cautelares surgem para servir o fim das respectivas acções principais.”

Mais se acrescentando que “as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma acção pendente, ou a instaurar posteriormente, acautelando, ou antecipando provisoriamente, os efeitos da providência definitiva na pressuposição de que será favorável ao requerente a decisão a proferir na respectiva acção principal. Os efeitos de qualquer providência estão dependentes do resultado que for ou vier a ser conseguido na acção definitiva e caducam se essa acção não for instaurada, se a mesma for julgada improcedente ou ainda se o direito que se pretende tutelar se extinguir (art. 389.º do CPC). Porém, tal sucede sem que a decisão, ou julgamento da providência, condicionem a decisão do processo de que são dependentes.”

E, conforme resulta do artigo 373º, nº 1 (antigo artigo 389º) do mesmo Código, a providência cautelar caduca “se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado – alínea a); se, proposta a acção, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente – alínea b); se a acção vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado – alínea c); se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova acção em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior – alínea d) ou se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido – alínea e) e também nas situações previstas no artigo 395º desse Código.

Ora, foi, aos 17/04/2013, deduzido pela “P., S.A.” pedido de indemnização civil, ao abrigo do estabelecido no artigo 77º, nº 2, do CPP contra, entre outros, o requerido R.O., em que se impetra o pagamento da quantia de 32.353.728,05 euros, acrescida dos juros contratuais e de mora, fundando-se - para além de outro conjunto de factos respeitantes ao dano e nexo causal entre os danos e os factos ilícitos - na factualidade descrita na peça processual acusatória do Ministério Público reputada como consubstanciadora da responsabilidade criminal.

Indubitavelmente, este pedido de indemnização civil, fundado na responsabilidade civil emergente da prática de crime constitui a acção principal de que está dependente a providência de arresto preventivo decretada.

Na verdade, o legislador português consagrou o sistema da adesão obrigatória no artigo 71º do CPP, segundo o qual, “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei” e bem assim, no artigo 7º do mesmo, o princípio da suficiência do processo penal, que impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa, consagrando que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e que nele se resolvem todas as questões relevantes, independentemente da sua natureza.

A propósito, elucida-nos o Ac. do STJ de 15/12/2011, Proc. nº 53/04.2IDAVR.P1.S1, disponível no aludido sítio: “em regra, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, como estabelece o artº 71º do CPP, que consagra o denominado processo de adesão. Quando isso acontece, há, na verdade, um só processo em sentido material, ou seja, enquanto conjunto de autos e outros documentos, mas dois processos em sentido jurídico, isto é, considerando o processo como procedimento ou acção.Nesses casos, no mesmo processo em sentido material, coexistem duas acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si, de tal sorte que, além do mais, uma pode terminar com decisão de absolvição e a outra com decisão condenatória. O processo ou procedimento penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura de inquérito; o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. Toda a actividade processual anterior a esse momento nada tem que ver com a acção cível (…) havendo dedução de pedido de indemnização civil em processo penal, o equivalente da petição inicial do processo civil não está na notícia do crime,na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização.”

Assim, não tinha a “P., S.A.” de interpor qualquer outra acção autónoma, concretamente, para suscitar uma decisão definitiva sobre a questão da desconsideração da personalidade colectiva das recorrentes “R, S.A.”, “O., SAe “L.S.A.”, que não figuram no arresto preventivo como requeridas (enquanto arguidas ou civilmente responsáveis pelo pagamento de indemnizações ou de outras obrigações civis derivadas do crime), na qualidade de adquirentes de bens do devedor (o requerido R.O.) ou sequer de “terceiro” em relação a este.

Quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo tribunal recorrido das normas contidas nos artigos 228º, do CPP e 373º, do CPC, no sentido de que não recaía o ónus de deduzir uma pretensão de tutela definitiva quanto à desconsideração da personalidade colectiva das sociedades “R., S.A”, “O., SA e “L.S.A.”, por violação do disposto no artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, cumpre que se diga que carecem as recorrentes de razão, pois se não mostra cerceado ou obliterado o respectivo acesso ao direito ou a uma tutela jurisdicional efectiva.

Com efeito, como acertadamente afirmou o tribunal a quo: a apreciação da desconsideração da personalidade colectiva é meramente incidental dentro da providência cautelar ou da acção executiva em que é suscitada, nada tendo a ver com o direito de fundo, substantivo, que sustenta a posição do requerente ou exequente.
E aquele que, sendo verdadeiramente terceiro perante o devedor, pretender fazer valer os seus direitos e a sua posição tem à disposição vários mecanismos legais, entre os quais a oposição mediante embargos de terceiro, instrumento que introduz uma fase declarativa na acção executiva e uma sub-acção declarativa no procedimento cautelar, garantindo ao terceiro afectado pelo acto judicialmente ordenado, de apreensão ou similar, amplo contraditório, sendo que a sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante – artigo 349º do CPCivil.

De onde, manifesto se torna que o legislador consagrou meios de impugnação da decisão para que aquele que entende assumir a posição de “terceiro” face ao devedor (por ter sido decretado o arresto de bens que considera serem de sua pertença) possa fazer valer os seus direitos, o que conduz ao afastamento de um juízo de inconstitucionalidade quanto à interpretação efectuada pelo tribunal recorrido, de onde violadas se não mostram as normas do artigo 20º, da Lei Fundamental.

Face ao que, improcedem os recursos nesta parte.

Condenação da “P., S.A. em indemnização pelos danos a que deu causa

Percorrendo os despachos sob censura, constata-se que o tribunal recorrido, no que tange à pretensão de condenação/responsabilização da “P.” pelos danos a que deu causa, considerou que ficava prejudicada a sua apreciação, dada a improcedência do primeiro pedido de levantamento imediato do arresto dos bens, que tinha como pressuposto essencial a caducidade da providência e não mereceu acolhimento.

E, efectivamente, tem a razão pelo seu lado o tribunal de 1ª instância, porque a decisão de não reconhecimento da caducidade do arresto dos bens almejada pelas recorrentes mostra-se prejudicial relativamente a uma eventual responsabilização da requerente do arresto preventivo pelos danos a que por via do mesmo alegadamente deu causa.

Mas, consideram as recorrentes que “não é possível concluir pelo acerto do entendimento do tribunal a quo no sentido de que o pedido indemnizatório só poderia ser apresentado em sede de acção civil, e não como apenso ao processo crime.”

Ver o é que depois de decidir por se mostrar prejudicado o conhecimento da questão da responsabilização da “P.”, o tribunal a quo ainda acrescentou (quer no despacho de 26/05/2017, quer no de 08/06/2017) que não obstante sempre se dirá que tal acção nunca seria incorporada nos próprios autos de arresto, que por sua vez são apenso do processo crime. Tal pretensão de indemnização teria de ser feita valer em acção cível própria.

Contudo, esta asserção configura-se como obter dictum, ou seja, constitui parte da decisão que não se pode deixar de considerar como dispensável, que o julgador da 1ª instância afirmou a título de mero reforço argumentativo, acessório e que não desempenha qualquer papel na formação do julgado.

Termos em que, cumpre negar provimento aos recursos.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em:

A)-Julgar o recurso interposto por “R., S.A.” do despacho lavrado aos 26/05/2017 – fls. 4875/4889 - improcedente e confirmar a decisão recorrida;

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC;

B)-Julgar o recurso interposto por “O., SAe “L.,S.A.” do despacho lavrado aos 08/06/2017 – fls. 4947/4964 - improcedente e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC para cada uma delas.



Lisboa, 24 de Outubro de 2017


                                 
(Artur Vargues) - (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)
                                  
(Jorge Gonçalves)



[1]Cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 123 a 126.
[2]Cf. Ac. do TRC de 01-04-2008, Proc. n.º 5166/06.3TBLRA-B.C1.
[3]Cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 61 e António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 267 e 268.
3)Cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 123 a 126.
[4]Cf. Ac. do TRC de 01-04-2008, Proc. n.º 5166/06.3TBLRA-B.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[5]De 05-06-2014, Proc. n.º 93/13.0YRGMR.
[6]Cf. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 61 e António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 267
e 268.