Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9821/11.8T2SNT.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: IRREGULARIDADE PROCESSUAL
ABALROAÇÃO
HOMEBANKING
TRANSFERÊNCIA DE FUNDOS
OPERAÇÃO BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: 1.A irregularidade processual decorrente da falta de gravação de alguns depoimentos de testemunhas, só produz nulidade se influir no exame e decisão da causa (art. 201º, n.º 1, do CPC).
2. O home banking é um serviço prestado ao cliente pelo Banco, sendo este que tem de diligenciar para que seja seguro e nele possa o cliente confiar, devendo este utilizar esse serviço seguindo as regras de segurança que lhe tenham sido comunicadas pelo Banco.
3. As operações de transferência electrónica de fundos realizadas através de um sistema de banca ao domicílio mostram-se actualmente reguladas no Dec. Lei n.º 317/2009, de 30/10.
4. O art. 72º desse diploma limita a responsabilidade assumida pelo titular de um instrumento de pagamento em caso de operações não autorizadas até ao plafond máximo de €150,00, desde que as situações de quebra de confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados seja devida ao mesmo, a título de culpa leve ou risco.
5. Não se tendo apurado ter a autorizada permitido o acesso de terceiros às suas credenciais, não se pode concluir ser imputável aos autores/autorizada a quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança.
6. Ignorando-se como é que os terceiros acederam às chaves ou códigos de acesso, recai sobre o banco o dever de reembolsar os autores dos montantes das operações de pagamento (art. 71º), não tendo sequer estes de suportar os prejuízos sofridos até ao montante de €150,00.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. T. e E., instauraram contra Banco M, a presente acção declarativa com processo sumário, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €18.558.47, acrescida de juros desde o dia .../2010 até efectivo e integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que de uma conta a prazo de que são titulares no banco réu, foram efectuadas, de forma fraudulenta, várias transferências de dinheiro, no valor global de €17.994,97, a favor de terceiros, sem que os autores tivessem autorizado ou consentido nessas transferências, das quais apenas tomaram conhecimento através dos funcionários do banco; que o réu se recusa a restituir aquela quantia aos autores; e que se encontram ainda lesados da quantia de €560,00 relativa aos juros do depósito a prazo que deixaram de receber.
O réu contestou começando por suscitar o incidente de suspensão da instância por pendência de causa prejudicial (processo de inquérito-crime).
Alegou ainda, em suma, que todos os movimentos, em conta, foram efectuados através do serviço “home banking” de M. , sendo que para a respectiva concretização foi necessário introduzir o n.° de identificação e do código PIN, bem como duas coordenadas do Cartão M., que são do conhecimento exclusivo do utente utilizador; que esses movimentos foram ordenados a partir das credenciais da autorizada, AP; que nunca os autores nem nenhum dos autorizados comunicou a perda, extravio, furto, roubo ou falsificação das credenciais de autenticação; e que os movimentos ou foram efectuados pela autorizada ou por terceiros quem a mesma forneceu tais dados ou por os computadores utilizados por aquela não estarem devidamente protegidos
Termina pugnando pela improcedência da acção e consequente absolvição do réu do pedido.
Os autores apresentaram resposta à contestação, nos termos expostos a fls.110 a 115.
Pelo despacho de fls. 127/128 foi indeferido o pedido de suspensão da instância.
Após foi proferido despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 787.°, n.°1 e 2. do CPC.
As partes juntaram os requerimentos probatórios, tendo requerido a gravação da audiência final.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente e, em consequência, condenar o réu Banco M. a pagar aos autores T e E:
- A quantia de €17.994,97. acrescidos dos juros de mora vencidos desde a data da interpelação (.../2010) até integral e efectivo pagamento;
- A quantia de €3.50;
- A quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença. correspondente aos juros que deixaram de receber por força da desmobilização do seu depósito a prazo.
Inconformada, veio a ré interpor o presente recurso de apelação.
Após ter sido convidado pelo relator, a recorrente sintetizou as suas conclusões, formulando as seguintes:
1.Solicitado ao tribunal de primeira instância copia das gravações de audiência de discussão e julgamento, constatou a apelante que os depoimentos prestados pelas testemunhas do réu, em .../12, não foram gravados.
2.Considerando que as partes apenas podem sindicar a decisão de facto com a necessária amplitude, no caso da efectiva gravação da prova (690.° - A CPC),
3.Ficam inibidas de cumprir esse encargo e/ou de poder reagir contra decisões de que discorde e entenda injustas, no caso dessa falta,
4.A omissão de gravação, nos casos legalmente previstos, susceptível de influenciar o exame e decisão da causa, constitui a omissão de acto prescrito por lei, o que importa nulidade do acto e aos subsequentes dele dependentes (201º, n.9 1 e 2, CPC).
5.Estabelecendo o art. 9º do DL n.9 39/95, de 15.02 que omitida a gravação da prova, proceder-se-á à sua repetição, sempre que for essencial ao apuramento da verdade.
6.Não tendo sido detectada qualquer anomalia no decurso da audiência, o prazo de arguição apenas tem o seu início a partir do momento da entrega das cassetes de gravação, pelo que a arguição da presente nulidade é tempestiva. Acresce que,
7.O acto omitido tem influência directa no exame e na decisão da causa, pois do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas da ré, resulta a inexistência de culpa quanto ao perecimento do dinheiro depositado na conta dos autores.
8.Com efeito a ré alegou no art. 91.º da contestação que o seu sistema informático, não foi alvo de intrusão ou de qualquer ataque informático,
9.Facto confirmado pela testemunha VV (cujo depoimento não se encontra gravado), responsável pela investigação de fraudes informáticas da Direcção de Auditoria do banco,
10.As operações de transferência identificadas nos autos foram ordenadas via homebanking, através da introdução dos três códigos de acesso, fornecidos a Sra. AP: código de acesso, PIN multicanal e cartão matriz.
11.Desde o momento da adesão ao serviço de homebanking, o cliente autorizou expressamente o banco a executar as ordens emitidas por via electrónica, desde que validadas pela introdução do número de cliente, PIN e adicionalmente (para operações de alteração de património) dois números da chave do cartão matriz.
12.As ordens de transferência mencionadas nos autos configuram verdadeiras instruções do cliente e nessa medida vincularam o banco.
13.A testemunha VV confirmou que o sistema que emite o cartão matriz e automatizado, não tem intervenção da ré, desconhecendo o banco os seus números, respectivas posições e combinações possíveis (que são inúmeras e não são repetidas).
14.Mais referiu que o sistema de segurança implementado torna impossível a movimentação de contas bancárias, sem a autorização dos clientes.
15.Pelo que a haver fraude apenas pode ter acontecido via plataforma informática do cliente, não se podendo responsabilizar o banco pela ausência, insuficiência ou, deficiência de protecção do computador do utilizador do serviço,
16.Sobretudo quando ficou provado nos autos, que o banco cumpriu com o seu dever de informação, alertando o cliente para os perigos da internet e sugerindo a adopção das competentes medidas de cautelares.
17.Face ao exposto, não se compreende como optou o tribunal de primeira instancia por considerar o art. 91.º da contestação "irrelevante" a boa discussão da causa (conforme decorre da resposta a matéria de facto), não respondendo ao referido artigo,
18.Tendo ao invés, feito constar da sentença proferida que não foi alegado pela ré, nem resultou provado ser impossível a partir do exterior, que alguém possa aceder ao sistema informático do banco réu e nele recolher os sobreditos códigos.
19.O artigo 91.º da contestação deverá pois ser dado como PROVADO.
20.Pela mesma ordem de razões não deveriam ter sido dados como provados os artigos 19.º e 20.º da réplica dos autores, na medida em que tal resposta não encontra amparo nos depoimentos prestados em sede de julgamento.
21. Se o sistema informático do banco não foi alvo de intrusão e se o banco desconhece os códigos de acesso dos clientes, então a fuga de informação partiu obrigatoriamente destes últimos, ainda involuntária (seja porque facultaram de forma inadvertida o acesso aos códigos em causa, seja porque deixaram tais elementos acessíveis a terceiros, ou porque não protegeram o seu computador),
22.A prova produzida apenas nos conduz a hipótese de utilização do sistema por terceiro com acesso as credenciais de acesso da autorizada AP,
23.O que não permite dar como provado, que as credenciais de acesso não foram divulgados a terceiro,
24.Razão pela qual deve ser dada resposta de NÃO PROVADO aos artigos 19.º e 20.º da réplica, tanto mais que incumbia aos autores provar que não havia sido por sua negligencia, ou descuido que as transferências se processaram. Sem prejuizo,
25. O Tribunal "a quo" declarou a nulidade das clausulas 4.2, 5.1 e 5.3 das Condições Gerais de Utilização do Contrato de Adesão ao Serviço de Homebanking, com fundamento na violação da norma do art. 21 alínea f) do DL 446/85 de 25/10, afirmando que o risco do "perecimento" do dinheiro corre por conta do banco - o que decorreria da aplicação do regime jurídico do contrato de mútuo ao contrato de abertura de conta regime previsto nos arts. 1144º e 796º n 1 do C.C.
26. Ora, ainda que se admita que o contrato de abertura de conta se reduz a um contrato de deposito irregular, a verdade é este que comporta especificidades impossíveis de enquadrar naquele regime jurídico, designadamente o caso do risco de perecimento da coisa (art. 796' CC) - atendendo a que o regime jurídico previsto se destina ao deposito de coisas infungíveis (1144.9e796n1doCC).
27. Como defende Simões Patrício o deposito bancário é um contrato autónomo, atípico, distinto do depósito irregular, pelo que estará mais perto de um contrato de mandato, não sendo aplicável o regime legal do contrato de depósito irregular, tendo antes de se recorrer aos critérios gerais da boa fé para avaliar da sua conformidade legal art 15º DL n° 446/85.
28.O contrato de adesão ao serviço de homebanking, apesar de vinculado ao contrato de deposito bancário é um tipo contratual distinto (embora coligado e influenciado pelo segundo), a luz do qual deverão ser aferidas as posições banco/cliente - no quadro das normas que disciplinam a actividade bancária, bem como matérias de responsabilidade civil e da prova.
29.Coexistindo estes dois contratos, não se pode concluir que lhes seja aplicável o regime dos artigos 1144.° e 796 nº 1 do C.C., pelo que não está correcto o pressuposto de que estamos perante uma transferência de risco, enquadrável na previsão da norma do art. 21.º, f), do DL 446/85 de 25/10;
30.Mesmo aceitando a aplicação da norma do art. 796° n° 1, para que o risco se transfira não poderá existir causa imputável ao alienante, sendo legítima a convenção de prova que estipule que incorre sobre este o ónus de demonstrar que agiu sem culpa - pelo que a questão do risco terá de ser analisada a luz do princípio do equilíbrio contratual e da boa fé.
31. Ora, resultando da teia de direitos e deveres inerentes a estes contratos, a obrigação da utilização correcta do serviço por parte do seu utilizador (assente no principio básico da não divulgação dos seus elementos de segurança),
32. E estanco esse bom uso exclusivamente dependente da conduta do utilizador, o banco repondo o equilíbrio contratual, no que respeita ao risco envolvido, faz justamente incorrer sobre o utilizador o ónus de demonstrar que nos casos de introdução correcta dos códigos de segurança, a conta foi debitada sem que este tenha divulgado os seus códigos de acesso.
33.Situação diversa daquela em que o utilizador avisa o banco de que a sua conta esta a ser debitada, sem a sua intervenção — onde dúvidas não restam quanto a responsabilidade do banco, pelo risco do negócio, caso não adopte as medidas necessárias para proteger os valores do cliente.
34.A consideração do contrato de serviço de homebanking, como um contrato autónomo, embora em regime de coligação com o depósito bancário, afasta as regras do depósito irregular a propósito de uma utilização indevida do cartão, amparando em contrapartida, o reconhecimento de que o regime das cláusulas 5.1 e 5.3 é conforme aos princípios da boa fé e do equilíbrio contratual.
35.Ainda relativamente a alegada culpa quanto ao 'perecimento" do dinheiro depositado na conta dos autores, sempre se dirá que a mesma fica afastada pela resposta positiva ao artigo 91.º da contestação e negativa aos artigos 19.ºe 20.º da réplica, conforme se requer no presente recurso
36.Defende ainda a douta sentença que não há equilíbrio entre as posições do depositante e da instituição de crédito, o que só por si afastara a hipótese da partilha do risco.
37. Tal perspectiva é quanto a nos, inaceitável, pois a analise do problema no âmbito de uma instituição bancária, não pode ser reduzido ao caso concreto, ao cliente em especial e à indemnização em particular — terá de contemplar o universo dos valores movimentados pelo banco e a capacidade de manter a intangibilidade daqueles valores.
38.Na verdade, apelando uma vez mais a princípios de justiça e equidade, sempre seremos obrigados a olhar o problema no âmbito da actividade exercida pelo banco, na possibilidade de uma miríade de potenciais processos e de um infindável numero de pedidos de indemnização.
39. Cabendo nesta sede entrar em linha de conta com o papel desempenhado pela jurisprudência, enquanto incentivadora ou dissuasora deste tipo de acções, motor ou freio, daquele eventual estado de coisas.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO E:
- DECLARANDO A NULIDADE ARGUIDA POR FALTA DE GRAVAÇÃO DA PROVA E ORDENANDO A REPETIÇÃO DA PROVA PRODUZIDA, OU EM ALTERNATIVA,
- REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, ABSOLVENDO A APELANTE DA CONDENAÇÃO PROFERIDA.
O autor apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
a. A pretensa nulidade decorrente de uma alegada ausência de gravação de depoimentos apenas seria relevante se a mesma interferisse na decisão da causa, á luz do princípio estabelecido no art. 201º, n° 1, do Cod. Proc., sendo que, no caso, a questão aflorada nas alegações a que se responde não detém dignidade mínima que justifique a solução da nulidade;
b. A mesma prende-se com a repartição do ónus da prova, o qual está solucionado em termos de integração jurídica, inexistindo motivo para a alteração da matéria de facto;
c. A sentença recorrida faz uma aplicação e integração dos factos á matéria de direito que não merece o mínimo reparo.
Termos em que deve o recurso a que se responde ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. Os AA. são titulares das seguintes contas no Banco R.:
- conta n° ... (conta deposito á ordem);
- conta n° ... (conta deposito a prazo).
2. Os Autores T e E celebraram, entre si, em .../1996, um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem. conta a que foi atribuído o n.° ..., conforme cópia do verbete de assinaturas que ora se junta, sob a designação de doc. n.° 3.
3. E, a partir daquela conta de depósito à ordem (n.° ...) e associado à mesma, em 2009/..., foi constituído pelos Autores o depósito a prazo com o n.° ..., pelo montante de € 75.000.00 (conforme instrução de subscrição e ficha de informação normalizada que se juntam como documento n° 4 e 5).
4. Transferências essas identificadas no extracto que se junta como Doc. n° 1 e que se identificam da seguinte forma:
- em .../2010 – euros 1.999.56 a favor de MNL; - em .../2010 – euros 1.999.78 a favor de MNL;
- em .../2010 – euros 1.999,70 a favor de AD;
- em .../2010 – euros 1.000.00 a favor de AD;
- em .../2010 – euros 999.00 a favor de AD;
- em .../2010 – euros 1.999.98 a favor de F;
- em .../2010 –euros 1.999,78 a favor de F;
- em .../2010 – euros 1.998,54 a favor de F;
- em .../2010 – euros 1.999.87 a favor de AG; - em .../2010 – euros 1.999.76 a favor de AG.
5.Em .../2010. foi dada uma ordem de transferência no montante de 1.999,56 €, efectuada, por débito da conta à ordem n.° ..., titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "MNL” ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junta como documento n° 7).
6.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1.999,78 €, efectuada., por débito da conta à ordem n.° ..., titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "MNL" (cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junto como documento n° 7)
7.Em .../2010. foi dada uma ordem de transferência no montante de 2.000,00 €, efectuada, por débito da conta à ordem n.° .... titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "AD" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junta como documento n° 7).
8.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1.000,00 E. efectuada, por débito da conta à ordem n.° ..., titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "AD" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junta como documento n° 7).
9.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 999.00 E. efectuada, por débito da conta à ordem n.° ..., titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "AD" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junta como documento n° 6).
10.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1999.98E, efectuada, por débito da conta à ordem n.° .... titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "F" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n° ... que se junta como documento n° 7)
11.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1999,78E, efectuada, por débito da conta à ordem n.° .... titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "F" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n° ... que se junta como documento n° 7).
12.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1999.54 E. efectuada, por débito da conta à ordem n.° ..., titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "F" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n° ... que se junta como documento n° 7)
13.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1999,87 €, efectuada, por débito da conta à ordem n.° ..., titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "AG" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junta como documento n° 7).
14.Em .../2010, foi dada uma ordem de transferência no montante de 1999.76 €, efectuada, por débito da conta à ordem n.° .... titulada pelos Autores, para uma conta titulada por "AG" ( cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto da conta de depósito à ordem n°... que se junta como documento n° 7).
15.Tais transferências não foram autorizadas, determinadas, ordenadas ou consentidas pelos AA. ou pelos seus filhos, também autorizados a movimentar a conta.
16.Não sendo sequer deles conhecida antes de os funcionários do Banco R. haverem dado conhecimento das mesmas aos AA.
17.Da mesma forma que por força da efectivação das transferências referidas em 5 desta petição inicial, o Banco R. debitou a conta dos AA. no valor de euros 3.50. conforme decorre igualmente do Doc. n° 1 junto.
18. Os valores debitados na conta à ordem (€ 0,35 em ...07.2010, € 0,35 em ....07.2010. € 0,35 em ...07.2010. € 0,35. em ...07.2010, € 0.35 em ....07.2010, € 0.35 em ....07.2010. € 0,35 em ....07.2010, € 0,35 em ....07.2010, € 0,35 em ....07.2010, € 0.35 em ....07.2010), no montante de € 3,50, respeitam a comissões cobradas pelas transferências efectuadas nos termos constantes do preçário em vigor na Ré e o valor de € 0,11 corresponde a imposto de selo cobrado nos termos da tabela em vigor para as operações realizadas, sendo que tais valores só foram debitados, porquanto, foram ordenadas às operações que determinaram a sua cobrança.
19. A ré, sem que os Autores o tivessem ordenado ou determinado, mobilizou verbas da conta depósito a prazo dos Autores para a conta de depósito à ordem, num total de €14.000.
20.Os AA. apresentaram queixa contra incertos.
21.O R. obrigou-se a pagar juros do depósito a prazo efectuado.
22.A ré foi interpelada a restituir as verbas que os autores nele haviam depositado.
23.Os autores deixaram de receber juros por força da desmobilização do seu depósito a prazo.
24.A conta à ordem n° ... e a conta de depósito a prazo ..., mostram-se liquidadas a pedido dos Autores desde 2011/....
25.O depósito a prazo identificado no artigo anterior poderia ser mobilizado a qualquer momento, total ou parcialmente sem penalização de juros se ocorrer nas datas de vencimento trimestral de juros, sendo os levantamentos efectuados fora dessas datas são sujeitos a penalização total dos juros respeitantes ao capital mobilizado relativos ao período trimestral em curso, sendo que tal depósito veio a ser mobilizado.
26.Os Autores JP e E concederam poderes de movimentação das contas de depósito à ordem (n.° ...) e Depósito a Prazo Associado (...) a LP e a AP.
27.Os Autores JP e E constituíram autorizados nas mencionadas contas a LP e a AP, que podiam de forma indistinta movimentar as mesmas até ao seu encerramento em 2011/....
28.A Autorizada AP, é titular do número de cliente ..., junto da Ré.
29.Na sequência de uma queixa apresentada por outro cliente, a Ré em .../2010 detectou um conjunto de movimentos suspeitos, pelo que. cautelarmente. suspendeu o acesso à plataforma homebanking disponibilizada através do serviço 24h do Banco M., para contas tituladas pelos Autores.
30.Dos registos da demandada consta que em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 4.000,00 € da conta de depósito a prazo n.° ..., para a conta à ordem associada n.°....
31.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2000.00 €, da conta de depósito a prazo n.° ... para a conta à ordem associada n.°... (cfr. doc n° 1 junto com a PI e extracto do deposito a prazo n° ... que se junto como documento n° 6).
32.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2.000,00 €, da conta de depósito a prazo n.° ..., para a conta à ordem associada n.° ....
33.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2.000,00 €. da conta de depósito a prazo n.° ..., para a conta à ordem associada n.° ....
34.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2.000.00 E. da conta de depósito a prazo n.° ..., para a conta à ordem associada n.° ....
35.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2.000,00 E. da conta de depósito a prazo n.° ..., para a conta à ordem associada n.° ....
36.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2.000,00 €, da conta de depósito a prazo n.° .... para a conta à ordem associada n.° ....
37.Em 2010/..., foi ordenada a mobilização antecipada do depósito a prazo e transferido o montante de 2.000,00 E. da conta de depósito a prazo n.° ..., para a conta à ordem associada n.° ....
38.Todos os movimentos, em conta, acima mencionados foram efectuados através do serviço "home banking" 24h do Banco M..
39.A autorizada nas Contas AP aderiu ao serviço do Banco M. em .../2006.
40.O autorizado LP, aderiu ao serviço do Banco M.
41.O Autor TP Aderiu ao serviço do Banco M. em 2009/....
42.A interveniente na conta AP tinha activos os códigos de acesso que lhe permitia aceder à plataforma Homebanking, serviço do Banco M., bem como realizar operações e movimentar as contas supra identificadas."
43.Através do serviço do Banco M. o cliente tem a possibilidade de aceder a informações quer sobre os produtos e serviços do Banco M., bem como obter informações ou realizar operações sobre as contas de que seja titular realizar operações de compra venda. subscrição ou resgate de produtos financeiros ou serviços disponibilizados pelo Banco M., aos seus clientes.
44.Todas as ordens transmitidas pelo cliente ao Banco M. através do serviço do Banco M., pelos meios acima referidos gozarão de plenos efeitos jurídicos, não podendo o cliente alegar a falta de assinatura manuscrita para o cumprimento das ordens de transferência.
45.Resulta de tal contrato na cláusula 5a o seguinte:
5.1- No caso de perda, extravio, furto, roubo ou falsificação de credenciais de autenticação, ou, ainda, no caso de suspeita relativamente à utilização indevida das credenciais de autenticação, o cliente deverá comunicar imediatamente ao Banco M. tal facto, através do serviço do Banco M., via phone 24".
5.3- A responsabilidade do cliente por todas as operações irregulares efectuadas utilizando as credenciais de autenticação, ou através da utilização abusiva das mesmas, motivadas por perda, extravio, furto, roubo ou falsificação cessa no momento em que seja efectuada a comunicação acima referida, salvo se forem devidas a dolo e/ou negligencia grosseira do cliente.
46.Consta na cláusula terceira 3.9 -Pode o Banco M. Suspender ou cessar o acesso ao serviço do Banco M., no todos, ou em parte, sempre que razões de segurança o justifiquem".
47.Todas as transferências supra descritas nas contas dos Autores foram processadas, via homebanking, através do serviço do Banco M., com recurso às credenciais de acesso da autorizada AP, com o cliente n.° ....
48.Nem os Autores nem nenhum dos autorizados, em data anterior à realização dos movimentos, supra mencionados, comunicou a perda, extravio, furto, roubo ou falsificação das credenciais de autenticação ao serviço do Banco M..
49.Mercê da adesão ao serviço Banco M., e consequentemente à plataforma do Banco M., foram fornecidos à autorizada AP e demais intervenientes com acesso ao serviço do Banco M. códigos de acesso/ credenciais de utilização pessoais e intransmissíveis.
50.No caso concreto, foram fornecidos aos clientes/autorizados códigos de acesso/ credenciais de utilização a três níveis:
Número de identificação "M" ;Código Pin multicanal, compostos por seis dígitos;
Cartão matriz (que consiste num cartão de coordenadas para validação de operações passíveis de alteração do património detido no Banco M.).
51.O Número de identificação "M" e o Código Pin Multicanal, são atribuídos e entregues no momento da adesão ao serviço do Banco M., permitindo estas duas credenciais de utilização a realização de operações e consultas que não afectem o património detido no Banco M..
52.Os intervenientes na conta e em concreto a autorizada AP aquando da adesão ao serviço do Banco M. ficou na posse do seu número de identificação "M" e do Pin multicanal, sendo, inclusive, este último susceptível de personalização.
53.No que concerne ao cartão matriz é enviado para a residência dos clientes/autorizados em estado de pré-activo, apenas passível de ser activado mediante validação de códigos de acesso (através do número de cliente e Pin multicanal).
54.O cartão referido no artigo anterior possui uma matriz de coordenadas com 72 posições, cada uma com 3 dígitos (cfr. documento n° 11 que se protesta juntar e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
55. Para validação das operações as coordenadas são, sempre, solicitadas de forma aleatória pelo sistema informático e não repetidas, por forma garantir os mais elevados níveis de segurança na utilização de banca à distância.
56.Os cartões matriz foram enviados ao Autor TP e à autorizada AP, que os receberam, tendo sido activado o cartão da autorizada AP.
57.O cartão matriz enviado que teve na origem das movimentações nas contas foi activado pela Autorizada AP.
58.O primeiro passo para aceder ao serviço do Banco M., é a solicitação on line do número de identificação "M".
59.Após a introdução do número de identificação "M" (e respectiva validação é solicitado a digitação num teclado virtual do n° de código Pin do serviço do Banco M..
60.O teclado virtual é escolhido de forma aleatória, aparecendo os números sempre em local distinto sendo esta uma forma acrescida de segurança.
61.Para que se possa efectuar uma alteração de património (ex: transferência bancária, pagamento), após a validação do número de identificação "M" e do código Pin do serviço Banco M. , são sempre solicitadas de forma aleatória duas coordenadas e posições do cartão matriz protestado juntar como documento n° 11.
62.Só através destas três credenciais e na posse das mesmas será possível realizar operações para fora do património.
63.As posições/coordenadas do cartão matriz são inseridas uma única vez.
64.As coordenadas são sempre solicitadas de forma aleatória pelo sistema e não repetida.
65.O sistema que produz os cartões é automatizado, não havendo, qualquer intervenção humana, por parte do Banco M..
66.A autorizada na conta AP quando acedeu, pela primeira vez ao serviço de homebanking do Banco M., foi-lhe transmitido um Aviso de Segurança, contendo informação relativa à utilização dos códigos de acesso ao site (n.° identificação e PIN) e do Cartão M., com o objectivo de alertar o utilizador quanto ao facto do Banco M. nunca solicitar mais que duas posições aleatórias do Cartão M. e na activação do mesmo não são solicitadas quaisquer coordenadas do Cartão, pelo que, na eventualidade de ocorrer, uma das situações, o utilizador deverá, de imediato, suspender o acesso e contactar a linha de apoio ao cliente (serviço Phone24), pois poderá estar na presença de uma página fraudulenta."
67. A Autorizada AP, através da colocação de uma cruz de leitura confirmou a leitura e conhecimento do referido aviso."
68. Sempre que se acede ao site do Banco M., na mesma página onde insere o código PIN. encontra-se informação diversa e bastante explícita sobre medidas de segurança adoptadas pelo Banco M., medidas de segurança/precauções que deverão ser tomadas pelo utilizador, bem como, exemplos de páginas fraudulentas e de email de Phishing, por forma a alertar os utilizadores para eventuais fraudes.
69.Nem os autores nem os autorizados pelo autor foram objecto de perda, extravio, furto, roubo ou falsificação de credenciais de autenticação, não podendo, em consequência, comunicar a mesma.
70.Nem os mesmos foram divulgados a terceiros.
***
III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685º-Aº, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se a saber:
- se é caso de anular o julgamento, por falta de registo da gravação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré, e inquiridas na sessão de .../2012;
- se essa irregularidade influi no exame e decisão da causa;
- se os autores são responsáveis pelas transferências processadas por terceiros, via home banking, através do serviço do Banco M., com recurso às credenciais de acesso da autorizada;
- se é caso de revogar a sentença recorrida.
*
IV. Quanto ao deficiente registo da gravação de alguns depoimentos:
Diz a apelante que não se mostra registada a gravação dos depoimentos das testemunhas por si arroladas e inquiridas na sessão de .../2012 e que o acto omitido tem influência directa na decisão da causa, pois que dos depoimentos prestados pelas testemunhas em apreço, nomeadamente da testemunha VV, resulta a inexistência de culpa da ré, devendo, em consonância, dar-se como provado o facto alegado no art. 91º da contestação e não provados os factos alegados nos arts. 19º e 20º da réplica.
De sua vez, os apelados sustentam nas contra-alegações que:
- A pretensa nulidade decorrente de uma alegada ausência de gravação de depoimentos apenas seria relevante se a mesma interferisse na decisão da causa, à luz do princípio estabelecido no art. 201º, n° 1, do Cod. Proc. Civil, sendo que, no caso, a questão aflorada nas alegações a que se responde não detém dignidade mínima que justifique a solução da nulidade;
- o alegado no art. 91º da contestação contém meramente matéria conclusiva e irrelevante para a decisão da causa, assim como a matéria dos arts. 19º e 20º da réplica.
Vejamos.
Na posse do CD, que alegadamente contém a gravação da prova produzida na sessão de ...//2012, constata-se que não se mostram gravados os depoimentos das testemunhas arroladas pela ré, VV e HH, prestados nessa sessão de julgamento.
Pretendendo a apelante, em sede de recurso de apelação, impugnar a matéria de facto nos termos sobreditos, a deficiência da gravação acima referenciada compromete o recurso sobre a matéria de facto, impedindo a reapreciação da prova sobre a factualidade alegada no art. 91º da contestação e arts. 19º e 20º da réplica.
Coloca-se, por isso, a questão da natureza, prazo de arguição e consequências da irregularidade apurada.
Ora, como tem sido entendimento pacífico nos tribunais, a aludida irregularidade configura uma nulidade secundária, das previstas no art. 201º, n.º 1, do CPC, uma vez que integra a omissão de um acto que a lei prescreve (art. 7º, n.º 2, do Dec. – Lei n.º 39/95, de 15/02).
Essa nulidade pode ser invocada nas alegações de recurso de apelação (cfr. Acs. STJ de 14-01-2010 e de 2-02-2010, relatados pelos Cons. Santos Bernardino e Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt).
Porém, a nulidade em referência tem de ser arguida no prazo de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – arts. 153º, n.º 1, e 205º, n.º 1, do CPC.
Ora, no caso em apreciação a apelante só podia ter tomado conhecimento da mesma após a entrega do registo da prova produzida em audiência a fim de preparar as alegações da apelação.
É que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não faria sentido que a parte fosse obrigada a arguir uma nulidade de que não se provou ter, à data da prestação dos depoimentos, tido conhecimento, sendo que, em caso como a dos autos, só dela se poderia aperceber quando, pretendendo impugnar a matéria de facto, analisasse a gravação.
Nesta sede alegou a apelante que o CD respeitante à gravação da audiência lhe foi entregue dia 13/.../2013 (tal facto não se mostra comprovado nos autos), sendo que as alegações foram apresentadas dia 23/.../2013.
Por outro lado, alegou a apelante que só dia 14.../2013 teve conhecimento da falta de gravação dos depoimentos das testemunhas por si arroladas.
Ora, nada nos autos permite concluir que na data da entrega do registo da gravação a ora apelante teve imediato conhecimento da irregularidade, tanto mais que então estava a correr o prazo de 40 dias para a apresentação das alegações da apelação.
Por outro lado, beneficiando a ré desse prazo, a falta de constatação anterior da irregularidade da gravação não constitui violação de qualquer dever de diligência, pois que o disposto nos arts. 685º, n.ºs 1 e 7 e 685º-B, n.º 2, do CPC, conduz ao entendimento de que normalmente só aquando da elaboração das alegações da apelação em que se pretenda impugnar a matéria de facto, o recorrente tem de analisar a gravação – neste sentido vide os Acs. STJ de 13-01-2009, 23-10-2008, 1-07-2008 e 29-05-2007, relatados, respectivamente, pelos Cons. Silva Salazar, Pereira da Silva, Moreira Camilo e Faria Antunes, in www.dgsi.pt.
Conclui-se, por isso, que a arguição da nulidade em causa foi feita dentro do prazo legal, não se encontrando sanada.
Mas será que essa nulidade influi no exame e decisão da causa?
Esta é a questão essencial que cumpre apreciar na apelação.
Vejamos.
A apelante pretendia impugnar as respostas do tribunal a quo à matéria dos arts. 91º da contestação e 19º e 20º da réplica e a falta de gravação do depoimento das testemunhas VV e HH inviabilizou essa impugnação.
Estes tinham o seguinte teor e mereceram as seguintes respostas do tribunal a quo:
Art. 91º - Importa referir que não existiu qualquer violação do “site” do Banco M., afigurando-se, até à queixa recebida, as transferências efectuadas totalmente normais, como tantas outras que diariamente ocorrem com recurso ao serviço do Banco M..
Resposta - Quanto à matéria deste artigo e de outros dos quais não se fez menção concreta, o tribunal a quo consignou o seguinte: “o tribunal não respondeu aos demais artigos da petição inicial, da contestação e da réplica, por se tratar de matéria de direito e/ou de factos conclusivos ou irrelevantes”
Art. 19º - Ora, nem os AA. nem os autorizados pelo A. foram objecto de perda, extravio, furto, roubo ou falsificação de credenciais de autenticação, não podendo, em consequência, comunicar a mesma.
Resposta – Provado.
Art. 20º - Nunca os mesmos foram divulgados a terceiros, sendo falso que as mesmas tenham sido efectuadas através de acto susceptível de ser imputado ou por qualquer forma correlacionado com a mencionada AP.
Resposta – Provado que: “Nem os mesmos foram divulgados a terceiros”.
No que toca ao teor do art. 91º da contestação, tal como assinalaram o tribunal a quo e os apelados, a alegação de que “não existiu qualquer violação do “site” do Banco M. “ consubstancia uma mera conclusão, que não um qualquer facto.
O que o banco apelante deveria ter alegado era, por exemplo, que o seu sistema informático não tinha sido alvo de intrusão ou de qualquer ataque informático, não tendo as operações de pagamento sido afectadas por qualquer deficiência técnica.
E quanto aos artigos 19º e 20º da réplica?
A matéria destes artigos releva para o exame e decisão da causa?
A resposta a esta questão implica a apreciação das relações contratuais estabelecidas entre as partes.
Apurou-se que a relação bancária estabelecida entre os autores (clientes) e o réu (banqueiro) se iniciou com a abertura em .../96 da conta de depósitos à ordem n.º ... .
E em 1.../96 os autores autorizaram AP a movimentar aquela conta.
Esta e o Banco M. celebraram em .../2006 um contrato, através do qual este disponibilizou àquela o Serviço do Banco M., concedendo-lhe o direito de dispor do numerário depositado através do serviço home banking (as condições gerais constam do doc. de fls. 79/81), tendo em .../2009 celebrado um contrato idêntico com o ora autor (vide condições gerais de fls. 82/84).
Em .../2009, partir daquela conta de depósitos à ordem, e associada à mesma, os autores constituíram a conta de depósitos a prazo n.º ..., pelo montante de €75.000,00.
Assim, na sequência da abertura das referidas contas, os autores depositaram no Banco ora réu quantias em dinheiro, para que este, na disponibilidade conferida pela transferência da titularidade das mencionadas quantias, as movimentasse, obrigando-se a restituir as mesmas quando tal lhe fosse exigido.
Da qualificação jurídica destes contratos:
O contrato
de abertura de conta foi a génese da relação bancária que se veio a estabelecer entre os autores e o banco réu (o chamado contrato-quadro).
Tendo por base tal contrato, entre as partes foram celebrados dois outros contratos: o de depósito e o denominado home banking.
O art. 1185º do Código Civil determina que «Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando foi exigida».
Por sua vez, o art. 1205º desse Código estabelece: «Diz-se depósito irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis».
O contrato de depósito bancário, tal como é defendido pela jurisprudência e doutrina maioritárias, é um contrato de depósito irregular, através do qual o depositante (proprietário) de recursos monetários transfere para uma instituição bancária a propriedade dos valores depositados para que a segunda, podendo usá-los e dispor deles, lhos restitua quando para tal lhe for solicitado ou exigido (cfr. Acs STJ de 02-03-1999, 04-04-2006 e 10/11/2011, in www.dgsi.pt, e doutrina neles citada).
No que tange ao denominado contrato “home banking”, trata-se de uma figura contratual distinta do depósito.
Através do serviço do Banco M. o réu conferiu aos autores (e autorizados) a possibilidade de efectuarem operações bancárias, nomeadamente, via internet.
Desta forma, o Banco transfere para o cliente a execução de actos que anteriormente estavam cometidos aos seus funcionários, dispensando-se a intervenção destes.
Tem vantagens para o cliente, ao permitir-lhe realizar operações bancárias sem necessidade de se deslocar aos balcões do Banco e sem estar sujeito ao horário de atendimento ao público.
Mas também traz vantagens inegáveis ao Banco pois o cliente efectua operações bancárias sem intervenção do seu pessoal, com a inerente diminuição de custos de funcionamento.
Tenha-se no entanto, em consideração que o Banco deve assegurar, em todas as actividades que exerce, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência (art. 73º do RGICSF aprovado pelo DL 298/92 de 31/12, na redacção do texto consolidado publicado em anexo ao DL 126/2008 de 21/7).
Assim, sendo o home banking um serviço prestado ao cliente pelo Banco, é este que tem de diligenciar para que seja seguro e nele possa o cliente confiar.
Do seu lado, o cliente deverá utilizar esse serviço seguindo as regras de segurança que lhe tenham sido comunicadas pelo Banco e aquelas que, segundo um padrão de normalidade, o comum utilizador da Internet sabe que devem ser observadas, nomeadamente, a não divulgação dos códigos e passwords de acesso” – cfr. Ac RL 18/04/2013 (relatado pela Des. Anabela Calafate), in www.dgsi.pt.
Como se refere no Ac. RL de 24/05/2012 (relatado pelo Des., Ezagüy Martins, in www..dgsi.pt) deparando-nos “com uma situação de vários contratos ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional, que influi na respectiva disciplina. Podendo ver-se aqui uma verdadeira coligação de contratos, em que há já certa dependência entre os contratos coligados – substancialmente correlacionados entre si – criada pela relação de motivação que os afecta, sem que porém esse nexo destrua a sua individualidade”.
Da situação ocorrida nos autos:
Apurou-se que da conta dos autores foram realizadas transferências de fundos para contas de terceiros, através do serviço home banking do Banco M., com as credenciais de acesso da autorizada AP, transferências essas que não foram determinadas, ordenadas, autorizadas ou consentidas por qualquer um daqueles, não sendo sequer deles conhecidas antes de os funcionários do banco réu haverem dado conhecimento de tal.
Coloca-se por isso um problema de repartição dos prejuízos decorrentes das operações fraudulentas em referência.
Da repartição dos prejuízos
Estabelece o art. 799º, n.º 1, do CC que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Por outro lado, «consideram-se aplicáveis ao depósito irregular, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo» (cfr art. 1206º do CC).
E decorre do art. 1144º do CC que «As coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega»
Esta norma é aplicável ao contrato de depósito irregular (neste sentido cfr o citado Ac do STJ de 10/11/2011).
Ora, dispõe o art. 796º nº 1 do CC: «Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente».
Em suma, o Banco é o responsável pela guarda dos valores que lhe foram confiadas pelo cliente e está obrigado à sua restituição com os seus frutos (art. 1142º e 1187º al c) do CC), correndo por conta dele, Banco, o risco relativo à subtracção do dinheiro que lhe foi entregue pelos depositantes.
Mas isto é assim relativamente ao contrato de depósito.
E relativamente ao contrato denominado home banking?
As operações de transferência electrónica de fundos realizadas através de um sistema de banca ao domicílio mostram-se actualmente reguladas no Dec. Lei n.º 317/2009, de 30/10.
De acordo com o aí estabelecido, as transferências bancárias são tidas como serviços de pagamento (arts 2º, al. e) e 51º).
E nos arts. 67º e 68º do D.L. n.º 317/2009 estabelecem-se as obrigações do utilizador e do prestador do serviço.
Artigo 67º:
Obrigações do utilizador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento
1 — O utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações:
a) Utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização; e
b) Comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.
2 — Para efeitos da alínea a) do número anterior, o utilizador de serviços de pagamento deve tomar todas as medidas razoáveis, em especial ao receber um instrumento de pagamento, para preservar a eficácia dos seus dispositivos de segurança personalizados.
Artigo 68.º
Obrigações do prestador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento
1 — O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações:
a) Assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito
a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior;
b) Abster -se de enviar instrumentos de pagamento não solicitados, salvo quando um instrumento deste tipo já entregue ao utilizador de serviços de pagamento deva ser substituído;
c) Garantir a disponibilidade, a todo o momento, de meios adequados para permitir ao utilizador de serviços de pagamento proceder à notificação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior ou solicitar o desbloqueio nos termos do n.º 4 do artigo 66.º;
d) O prestador do serviço de pagamento deve facultar ao utilizador do serviço de pagamento, a pedido deste, os meios necessários para fazer prova, durante 18 meses após a notificação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior, de que efectuou essa notificação; e
e) Impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a notificação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior tenha sido efectuada.
2 — O risco do envio ao ordenante de um instrumento de pagamento ou dos respectivos dispositivos de segurança personalizados corre por conta do prestador do serviço de pagamento.
Por outra via:
No caso de operações de pagamento não autorizadas podem ocorrer duas situações, a saber:
I - A primeira mostra-se regulada nos arts. 70º e 71º, estabelecendo-se no primeiro dos citados normativos que:
Prova de autenticação e execução das operações de pagamento
1 — Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
2 — Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma ope ração de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, por si só, não é necessariamente suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º
A lei faz assim recair sobre o banco o ónus de prova de que as operações de pagamento não foram afectadas por avarias técnicas ou por quaisquer outras deficiências, não bastando o registo da operação para, por si só, provar que a operação foi autorizada pelo ordenante que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º.
E isto é assim pela simples razão de que o utilizador não podia ser colocado na necessidade de fazer prova sobre o funcionamento de um sistema informático complexo da entidade bancária e que não domina.
Em consonância, estabelece-se no art. 71º a obrigação do prestador de serviços de pagamento do ordenante reembolsar imediatamente o montante da operação de pagamento não autorizada.
II – A segunda situação mostra-se regulada no art. 72º, onde se estabelece uma regra de repartição pelas partes dos prejuízos causados por operações não autorizadas, podendo ocorrer essencialmente as seguintes hipóteses:
1ª – Nos casos de operações não autorizadas resultantes de perda, de roubo ou da apropriação abusiva de instrumentos de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados imputável ao ordenante, este suporta as perdas relativas a essas operações dentro do limite do saldo disponível ou da linha de crédito associado à conta ou ao instrumento de pagamento, até ao máximo de 150,00 euros (n.º 1)
Do confronto do n.º 1 do art. 72 com o n.º 3, deriva que o termo “imputável” empregue no, n.º 1 está utilizado no sentido de causalidade, abrangendo as situações de quebra de confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados devida ao ordenante, a título de culpa leve ou risco.
Assim, nestes casos, o ordenante responde até um máximo de 150,00 euros.
Havendo negligência grave do ordenante, este suporta as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, ainda que superiores a € 150, dependendo da natureza dos dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento e das circunstâncias da sua perda, roubo ou apropriação abusiva (n.º 3);
Havendo actuação fraudulenta do ordenante ou incumprimento deliberado de uma ou mais das obrigações previstas no artigo 67.º (dolo), aquele suporta todas as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas (n.º 2).
Das normas referenciadas decorre que sobre o prestador do serviço de pagamento recai a prova da não ocorrência de qualquer avaria técnica na operação.
Feita essa prova, cabe ainda ao banco provar a culpa do seu cliente e o grau da sua contribuição para os prejuízos sofridos.
Não havendo um especial juízo de censura que recaia sobre o cliente do banco, será este último que deverá suportar os prejuízos que excedam 150,00 euros resultantes da intromissão de terceiros no sistema por facto imputável àquele, incumbindo ao banco suportar o risco do seu sistema de home banking não ser seguro e permitir a intromissão de terceiros.
“Em última análise, é o prestador de serviços de pagamento electrónicos – independentemente da modalidade de instrumento de pagamento utilizado – que deve arcar com os danos potenciados pelas fragilidades dos sistemas de pagamento que comercializa” – Maria Raquel Guimarães, Cadernos de Direito Privado, n.º 41, pag. 65.
O banco suporta nestes termos o perigo de utilizações fraudulentas potenciadas pelo facto de as operações serem levadas a cabo em “ambiente aberto”, através da internet e não numa rede privativa do banco – Maria Raquel Guimarães, As transferências Electrónica de Fundos e os Cartões de Débito, pags. 44/45.
Ademais, ao contrário do banco, o cliente utilizador não dispõe, de forma alguma, de meios de acompanhamento permanente das suas contas e dos movimentos que nelas são inscritos.
O art. 72º limita, pois, a responsabilidade assumida pelo titular de um instrumento de pagamento em caso de operações não autorizadas até ao plafond máximo de €150,00, desde que as situações de quebra de confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados seja devida ao mesmo, a título de culpa leve ou risco.
É certo que do contrato de home banking do Banco M. constam as seguintes cláusulas contratuais gerais:
4.2. O Cliente compromete-se, igualmente, a guardar sob segredo as suas Credenciais de Autenticação, bem como a prevenir adequadamente a sua utilização abusiva por parte de terceiros. O Cliente é o único responsável por todos os prejuízos resultantes da utilização indevida do Serviço do Banco M.por parte de terceiros, com excepção do estabelecido no ponto 5.3.
5.1- No caso de perda, extravio, furto, roubo ou falsificação de credenciais de autenticação, ou, ainda, no caso de suspeita relativamente à utilização indevida das credenciais de autenticação, o cliente deverá comunicar imediatamente ao Banco M. tal facto, através do serviço do Banco M., via phone 24".
5.3- A responsabilidade do cliente por todas as operações irregulares efectuadas utilizando as credenciais de autenticação, ou através da utilização abusiva das mesmas, motivadas por perda, extravio, furto, roubo ou falsificação cessa no momento em que seja efectuada a comunicação acima referida, salvo se forem devidas a dolo e/ou negligencia grosseira do cliente.
O teor da cláusula 4.2, 2ª parte, quando conjugada com o estipulado na cláusula 5.3., - na parte onde se refere que a responsabilidade do cliente pelas operações irregulares realizadas com a utilização abusiva das credenciais de autenticação, motivada por perda, extravio, furto ou falsificação, só cessa com a comunicação de tal facto ao Banco M. -, poderia colocar problemas ao nível da sua validade, face ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais expresso no D.L. n.º 446/85, de 25/10, em especial face ao estatuído nos arts. 15º, 19º (onde se consagra que as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé e à regra da proporcionalidade/razoabilidade são proibidas) e 21º, als. f) e g) [nestas consagra-se que são em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que alterem as regras de distribuição do risco; modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova].
Na sentença recorrida entendeu-se que a cláusula 4.2., quando conjugada com as cláusulas 5.1. e 5.3, é nula, por absolutamente proibida, na medida em que altera as regras de distribuição do risco, exonerando o Banco réu de qualquer responsabilidade nos casos em que a comunicação inexiste por culpa não imputável ao aderente.
Nas suas alegações sustenta o banco apelante que, mesmo que se aceite a aplicação do disposto no art. 796º, n.º 1, do CC, é legítima a convenção de prova que estipule que incorre sobre o alienante o ónus de demonstrar que agiu sem culpa, pelo que a questão do risco terá de ser analisada à luz do princípio do equilíbrio contratual e da boa fé.
Acrescenta que neste tipo de contratos avulta a obrigação de utilização correcta do serviço por parte do utente, o qual assenta em boa parte na não divulgação dos seus elementos de segurança e códigos de acesso. Daí que com aquela cláusula o Banco pretenda repor o equilíbrio contratual no que concerne ao risco envolvido, fazendo incorrer sobre o utilizador o ónus de demonstrar que não divulgou esses elementos e códigos.
Certo é que, e independentemente de se entender que a cláusula 4.2. viola as regras da proporcionalidade e da boa fé, ao fazer recair todo o risco sobre o cliente antes mesmo deste se aperceber da apropriação abusiva dos elementos de pagamento e de a comunicar ao banco, bem como as regras respeitantes à distribuição do risco, a questão perdeu interesse face ao estatuído no art. 101º, do Dec. Lei n.º 317/2009.
Nesse artigo estabelece-se o dever dos prestadores de serviços de pagamento adaptarem os contratos vigentes às disposições constantes do novo regime, e prescreve-se (n.º 1), que: “O regime constante do presente regime jurídico não prejudica a validade dos contratos em vigor relativos aos serviços de pagamento nele regulados, sendo-lhes desde logo aplicáveis as disposições do presente regime jurídico que se mostrem mais favoráveis aos utilizadores de serviços de pagamento”.
Sendo as disposições do citado diploma legal em matéria de culpa e distribuição do risco mais favoráveis aos autores, enquanto utilizadores de serviços de pagamento, são as mesmas aplicáveis ao caso.
Ora, como supra se deixou expresso, competia ao banco réu, enquanto prestador dos serviços de pagamento, provar que as operações de pagamento realizadas não foram afectadas por avaria técnica ou qualquer outra deficiência (art. 70º, n.º 1).
Por outro lado, apesar de todas as transferências terem sido realizadas com recurso às credenciais de acesso da autorizada AP, apurou-se que as transferências não foram autorizadas, determinadas, ordenadas ou consentidas pelos autores ou pelos autorizados a movimentar a conta, não sendo sequer deles conhecidas antes de os funcionários do Banco haverem dado conhecimento de tal aos autores.
E não se provou que a autorizada tivesse fornecido a terceiros as suas coordenadas de acesso (facto considerado não provado).
Certo é que de duas uma: ou as chaves ou códigos de acesso foram obtidos no próprio banco, durante a sua expedição ao cliente, ou foram fornecidas pela autorizada, utilizadora do sistema, ainda que de forma não intencional.
Não se tendo apurado ter a autorizada permitido o acesso de terceiros às suas credenciais, não se pode concluir ser imputável aos autores/autorizada a quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança.
Concluindo, em sede de relevância para a decisão da matéria d efacto impugnada:
Em face do que se deixa expresso, a factualidade impugnada na apelação (resposta aos arts 19º e 20º da réplica) é irrelevante para a decisão, pelo que a nulidade cometida não influi no exame e decisão da causa.
Efectivamente, em resposta a essa matéria, o que o tribunal deu como provado foi que nem os AA. nem os autorizados pelo A. foram objecto de perda, extravio, furto, roubo ou falsificação de credenciais de autenticação, nem os códigos foram divulgados a terceiros.
Ainda que, por via da impugnação, essa matéria viesse a se considerada não provada, ainda assim daí não derivava ser imputável aos autores as operações de pagamento não autorizadas por estes.
Ignorando-se como é que os terceiros acederam às chaves ou códigos de acesso, recai sobre o banco o dever de reembolsar os autores dos montantes das operações de pagamento (art. 71º), não tendo sequer estes de suportar os prejuízos sofridos até ao montante de €150,00.
*
***
VI. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação não exactamente coincidente.
Custas pela apelante.
Notifique.
Lisboa, 5 de Novembro de 2013
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(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
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(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
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(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)