Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
364/13.6YRLSB-A.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
PENA MÁXIMA
CONTAGEM DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - Tendo-se procedido a revisão de sentença penal estrangeira, no âmbito da qual o Tribunal da Relação converteu para a pena máxima permitida pelo ordenamento jurídico criminal português (25 anos de prisão) a pena de prisão perpétua que havia sido aplicada na Alemanha a cidadão português que aí havia cometido homicídio, e tendo, seguidamente, o condenado, que ali cumpria a pena, sido transferido para Portugal, a seu pedido, para aqui cumprir o remanescente desta, passa a ser a lei portuguesa que, para futuro, regerá todas as questões atinentes à execução da pena.
II - Na liquidação de pena dever-se-á fixar a data em que o condenado atingirá o meio da pena, para efeitos de apreciação e eventual concessão da liberdade condicional nesse momento (artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal), o que no caso concreto ocorrerá decorridos 12 anos e 6 meses, ainda que atento o disposto no do § 57º do Código Penal alemão a libertação condicional de recluso em prisão perpétua pressuponha terem sido imprescindivelmente cumpridos 15 anos de prisão efetiva de encarceramento penitenciário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório


1. No processo nº 364/13.6YRLSB, de execução de sentença penal estrangeira, LT, agora recluso no estabelecimento prisional da Carregueira, não se conformando com o despacho de liquidação de pena, efetuada na sequência da sua transferência da Alemanha para Portugal para aqui cumprir o remanescente de pena de prisão em que ali foi condenado, dele interpôs recurso.
O despacho sob recurso foi proferido a 28/02/2014 pela Mmª Juíza do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Barreiro e por esta  mantido por despacho de 08/04/2014.
O recorrente extrai da sua motivação as seguintes conclusões:
1. A pena, a que foi condenado na Alemanha este arguido, foi convertida na pena máxima em Portugal. Eméritos julgadores, o arguido não tinha sido condenado à pena máxima na Alemanha. Ao abrigo do principio da verdade material inerente a qualquer condenação penal e da chegada de nova documentação a este processo parece-nos ser adequado existir alguma reavaliação neste caso desta sentença de revisão de sentença estrangeira. Na verdade estamos perante uma revisão que impõe uma privação de liberdade ao arguido muito maior que aquela que ele teria se tivesse de cumprir a sua pena na Alemanha. Estamos assim a violar o estabelecido na alínea d) do n.º 1 do art.º 11º da convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas.
2. Verificamos assim neste caso, que aquilo que seria de elogiar a este arguido, o querer cumprir a sua pena mais próximo dos seus filhos, netos e restantes familiares, no seu solo pátrio revelou-se para ele dramático aumentando-lhe desproporcionadamente o tempo da sua privação de liberdade. Não estaremos, agindo assim, a alcançar as finalidades e os objectivos da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas que o Estado Português assinou.
3. A desconsideração do meio da pena para efeitos de liquidação da sentença não tem qualquer suporte legal. É uma decisão que viola o princípio da dignidade humana, estabelecido no art.º 1º da CRP. O tribunal ad quo deveria, salvo melhor opinião, fazer a liquidação da pena, determinada na sentença que converteu a pena estrangeira para o ordenamento jurídico penal português, de acordo com as regras de liquidação seguidas em Portugal e no estrito cumprimento da sentença revista.
4. Ao contrário do tribunal ad quo o MP indicou o meio da pena. Doc. 3, junto ao presente recurso.
5. O tribunal ad quo, ao estabelecer uma condição para liquidação da sentença, por situações anteriores à sentença que converteu a pena a que foi condenado o arguido na Alemanha, data venia, desrespeita a sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no momento da sua execução. Está na prática a liquidar uma outra sentença, uma que impeça a determinação do meio da pena a este arguido. Essa pena não é a que este arguido foi condenado a cumprir pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
6. Parece-nos claro, face ao estipulado no n.º 3 do art.º 9º da convenção, que a execução rege-se pela lei do estado de execução, neste caso Portugal, pelo que deverá neste caso aplicar-se as regras reguladoras da liquidação da pena vigente em Portugal sem quaisquer outro condicionamento.

Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o Vosso mui douto suprimento, em face de tudo o que ficou exposto, apela-se ao Colendo Tribunal que dê provimento ao recurso, e em consequência:

1. Seja reavaliada a decisão de conversão da pena face aos dados que só agora chegam ao conhecimento do tribunal e substituí-la por outra que atenda às expectativas de liberdade que o arguido tinha quando pediu a sua transferência para cumprir pena em Portugal.

2. Revogue os despachos do tribunal ad quo de liquidação da pena e substituí-los por outro que estabeleça o meio da pena como acontece para qualquer condenado que cumpra pena em Portugal.

FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA! (fim de transcrição).

2. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"- O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão de revisão de sentença estrangeira, sem que sobre tal decisão tenha incidido qualquer impugnação ou recurso (cfr. os artigos 1100º e 1102º do Código de Processo Civil, na redacção pretérita, e os artigos 983º e 985º da redacção actual), pelo que tal decisão transitou em julgado e não pode, agora, ser objecto de qualquer “reavaliação”;
- Impõe-se, pois, executar a condenação com base exclusiva na decisão do Tribunal da Relação que aplicou ao arguido a pena de 25 anos de prisão;
- Concretizada que foi a transferência do condenado, todo o cumprimento da pena ficará sujeito à lei portuguesa - cfr. o artigo 9º, nº 3, da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas;
- Nos termos do disposto no artigo 61º, nº 2, do Código Penal o condenado poderá beneficiar da concessão da liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, se verificados os requisitos aí previstos;
- Uma vez que a execução da condenação se rege pela lei do Estado da condenação, o qual detém competência exclusiva para tomar todas as decisões apropriadas, o ora recorrente tem direito a que o Tribunal de Execução de Penas aprecie da concessão ou não da liberdade condicional chegado o meio da pena;
- A liquidação de pena deverá por isso indicar a data em que será alcançado o meio da pena, para, nesse momento, o Tribunal de Execução de Penal apreciar da concessão da liberdade condicional.

Pelo exposto, deverá ser concedido parcial provimento ao recurso, revogando o despacho de homologação de pena e determinando a sua substituição por outro que fixe também o meio da pena, assim se fazendo JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

 

3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 247, bem como, posteriormente, foi lavrado despacho de sustentação, como resulta de fls. 272/273.

4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu visto e emitiu parecer, adiantando "nada mais se nos oferece acrescentar à resposta do Ministério Público, em 1ª instância (fls. 262 a 270), no sentido do provimento parcial." (cfr. fls. 282).

5. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo havido resposta.

6. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

Mediante o presente recurso o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior em síntese as seguintes questões:
- Deverá ser reavaliada a decisão de conversão da pena de prisão perpétua para 25 anos de prisão, pena que foi fixada pela 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa na decisão de revisão de sentença estrangeira;
-  Deverá ser revogado o despacho de homologação parcial da liquidação de pena, ulteriormente efetuada em primeira instância, substituindo-o por outro que fixe também o meio da pena.

 

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas, aquilatando se assiste razão ao recorrente.

2.1. Antes, porém, importa analisar uma questão prévia.
Conforme dito, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso.
Não obstante, olhadas as conclusões formuladas e a fundamentação do recurso, constata-se que há questão abordada na fundamentação que o não foi em sede de conclusões.
Trata-se da pretensão do arguido em ver descontados 7 dias de privação da liberdade que havia sofrido na Alemanha (de 26/03/2008 a 03/04/2008), os quais não foram descontados no cumprimento da pena imposta nestes autos e que o arguido entende deverem ser.
Pese embora o arguido não tenha levado tal questão às suas conclusões de recurso, sempre se dirá que se crê não lhe assistir razão.
Na verdade, analisados os elementos juntos aos autos, designadamente aqueles remetidos pelas autoridades alemãs, constantes de fls. 28 e 29, constata-se que tais autoridades entendem e informam o Estado português de que o referido período de 7 dias não deve ser contabilizado/descontado na presente pena, porquanto, caso contrário, nunca os 15 anos se prisão a que aí aludem se mostrariam cumpridos em 09/01/2023.
Se o arguido tivesse estado ininterruptamente ligado, em cumprimento da pena a que se reportam estes autos, desde 03/01/2008 os 15 anos de prisão não terminariam em 09/01/2023, mas antes em 03/01/2023.
As autoridades alemãs, em cumprimento do disposto no artigo 6.º, nº 2, alínea b), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, fizeram referência expressa a uma interrupção para cumprimento de 7 dias de prisão substitutiva, pelo que as autoridades judiciárias portuguesas estão vinculadas a proceder ao respetivo desconto.
Pelo exposto, e nesta parte, a liquidação de pena constante dos autos não merece censura.

2.2. Quanto à pretensão do recorrente de ver reavaliada a decisão de conversão da pena de prisão perpétua para 25 anos de prisão,  aplicada na decisão de revisão de sentença estrangeira, carece a mesma de qualquer fundamento legal.

Recorde-se ter sido condenado a prisão perpétua na Alemanha, pela prática de um crime de homicídio qualificado, porquanto, encontrando-se naquela República Federativa, no dia 02.01.2008 por volta de 03:40 horas foi de táxi à morada da sua mulher AT, de quem vivia separado desde o verão de 2006. Não apenas o casamento, mas também durante o tempo após a separação, período no qual o casal permaneceu em contacto, foi marcado por desavenças verbais e físicas a AT, que deixava a casa depois da 04:00 horas para ir trabalhar. Tendo esta recusado falar-lhe LT, com raiva, devido a um comentário de sua esposa, sacou de uma faca de pão, com uma lâmina de aprox. 15 centímetros de comprimento, e passou a esfaquear a vítima com toda força. No total deu-lhe sete facadas, em especial na região do peito. Uma das facadas na área do pescoço atingiu, entre outros, a artéria principal, o que provocou uma hemorragia massiva de sangue levando à morte da Ângela Maria Tavares. Após cometer o delito o condenado fugiu do local onde o cometeu. Tendo inicialmente pensado em entregar-se à polícia alemã, decidiu, porém, dirigir-se para Portugal e aqui apresentar-se às autoridades locais. Assim, após ter trocado suas roupas, que estavam manchadas de sangue, tomou um táxi até Estrasburgo e dali o comboio até Lisboa, passando por Paris, Bordéus e pela Espanha. De Lisboa o condenado pegou um táxi para Setúbal, localidade onde residem suas irmãs, apresentando-se aí às autoridade portuguesas em 03.01.2008. Daí os 7 dias (03/01/2008 a 09/01/2008), que esteve detido e sujeito a prisão preventiva para fins de extradição.
Diz o arguido que a pena a que foi condenado na Alemanha foi convertida na pena máxima em Portugal, sendo que não tinha sido condenado à pena máxima na Alemanha, pelo que deverá ser “reavaliada” a sentença de revisão de sentença estrangeira, por violação do artigo 11º, nº 1, alínea d), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas.
Em 30 de Abril de 2013 o Tribunal da Relação de Lisboa, como resulta da certidão de fls. 115 a 132, proferiu decisão de revisão de sentença estrangeira, sem que sobre tal decisão tenha incidido qualquer impugnação ou recurso (cfr. os artigos 1100º e 1102º do Código de Processo Civil, na redação pretérita, e os artigos 983º e 985º da redação atual), pelo que tal decisão transitou em julgado e não pode, agora, ser objeto de qualquer “reavaliação”.
Nos termos das declarações efetuadas pelo Estado Português à Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas “quando tiver de adaptar uma sanção estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa”.
Acresce que o artigo 11º, nº 1, alínea d), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas proíbe a agravação da situação penal do condenado, o que claramente não sucedeu no caso vertente, uma vez que na Alemanha este havia sido condenado em pena perpétua, sendo que o Tribunal da Relação aplicou a pena de 25 anos de prisão.
Ademais, sempre se dirá que a efetivação da transferência para Portugal apenas ocorreu por a decisão de revisão proferida pelo Tribunal da Relação ter transitado em julgado e tal facto ter sido comunicado às autoridades alemãs (cfr. o artigo 123.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).
Impõe-se, pois, executar a condenação com base na referida decisão de 2013 deste Tribunal da Relação, transitada em julgado, que aplicou ao arguido a pena de 25 anos de prisão.
Assim, improcede o recurso neste seu segmento.

2.3. Quanto à última e crucial questão colocada pelo  recorrente, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que, constante de fls. 158/159, foi do seguinte teor:

"O arguido LT foi condenado, por decisão transitada em julgado, por tribunal estrangeiro em pena perpétua, pela prática de um crime de homicídio qualificado, por decisão proferida pelas autoridades alemãs, que só admitem a libertação do arguido, após 15 anos de cumprimento de pena, decisão que foi confirmada e revista pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que a converteu na pena de prisão de 25 anos.

O arguido foi detido à ordem de tais autos entre 03/01/2008 a 09/01/2008 (7 dias), para fins de extradição e esteve sujeito a prisão preventiva, também à ordem de tais autos, entre 10/01/2008 a 26/03/2008 (462 dias) e entre 03/04/2008 a 22/04/2009 (foi interrompida para cumprimento de 7 dias de prisão subsidiária à ordem de outros autos).

A partir de 22/04/2009, esteve ininterruptamente ligado à ordem destes autos, em cumprimento de pena.

O arguido atingirá 15 anos de cumprimento da aludida pena de prisão, em 09/01/2023.

A transferência de pessoa condenada processou-se ao abrigo da Convenção Europeia sobre Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/04), tendo o Estado Português, ao abrigo do Artigo 9°, n° 1, al. b) e 11°, do aludido diploma legal convertido a pena perpétua em que o arguido foi condenado na pena de prisão de 25 anos.     

Nos termos do art. 11.º, n° 1, al. d) da mesma Convenção "ao efectuar a
conversão, a autoridade competente não ficará vinculada pela sanção mínima
eventualmente prevista pela lei do Estado da execução" e nos termos do Artigo 9º, nº 3 do mesmo diploma "a execução da condenação, rege-se pela lei do Estado da Execução, o qual detém competência exclusiva para tomar todas as decisões apropriadas" .

Não obstante, resulta do processo administrativo junto que as autoridades alemãs acederam à transferência mediante a condição de o arguido cumprir, no mínimo, os aludidos 15 anos de prisão, o que parece ter merecido a concordância do Estado Português (cfr. fls. 107) e tal pressupostos foi tido em conta na decisão de confirmação e revisão de sentença estrangeira.

Assim,

o fim da pena (25 anos) fixa-se em 10/01/2033;

15 anos de prisão - 09/01/2023;

Consigno que, em face do exposto, não se fixa o 1/2 da pena, por ser inferior a 15 anos (12 anos e 6 meses);

2/3 da pena (16 anos e 8 meses - 10/09/2024;

5/6 da pena - 20 anos e 10 meses - 10/11/2028;,

Homologo, ressalvado o supra exposto, a liquidação de fls, 154, com a qual concordo (excepto quanto ao ponto atinente ao meio da pena).

Notifique, incluindo o arguido e seu Il. Advogado." (fim de transcrição).
Pugna o recorrente pela revogação do despacho de liquidação de pena, substituindo-o por outro que fixe também o meio da pena.
Desde já se adianta que, nesta parte, afigura-se-nos assistir razão ao recorrente.
Dispõe o artigo 9.º, nº 3, da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/04, publicada no DR n.º 92, Série I, de 20 Abril 1993) que “a execução da condenação rege-se pela lei do Estado da execução, o qual detém competência exclusiva para tomar todas as decisões apropriadas.
Isto é, concretizada que foi a transferência do condenado, todo o cumprimento da pena ficará in casu sujeito à lei portuguesa.
O cumprimento da pena de prisão imposta ao recorrente (25 anos de prisão conforme determinado por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa transitada em julgado) está pois sujeita ao regime fixado no Código Penal e no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, instituído pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, na redação introduzida pela Lei nº 21/2013, de 21 de Fevereiro.
O condenado, ora recorrente, estará, designadamente, sujeito aos direitos e deveres do recluso, aos regimes de execução, aos contactos com o exterior e ao regime disciplinar aí previstos e, bem assim, terá direito a beneficiar de liberdade condicional nos termos também previstos nesse diploma e no Código Penal.
Ora, nos termos do disposto no artigo 61.º, nº 2, do Código Penal o condenado poderá beneficiar da concessão da liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, se verificados os requisitos aí previstos.
Assim, e uma vez que a execução da condenação se rege pela lei do Estado da execução, o qual detém competência exclusiva para tomar todas as decisões apropriadas, o ora recorrente tem direito a que o Tribunal de Execução de Penas (o português territorialmente competente) aprecie da concessão ou não da liberdade condicional chegado o meio da pena.

É certo que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea f), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas e do artigo 116.º, n.º 4, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, a transferência de condenados apenas se pode verificar se o Estado da condenação e o Estado da execução estiverem de acordo quanto à transferência, mas tal não significa que a um tal acordo tenha in casu sido imposta qualquer condição, pese embora a referência feita pelo Estado da condenação ao § 57° do CP, no sentido de que o condenado a pena de prisão perpétua deverá cumprir no mínimo 15 anos de encarceramento (vd. fls. 106 e 108, de que consta tradução a fls. 107 e 109). Isso é assim na Alemanha e para a pena de prisão perpétua mas não em Portugal para a pena máxima, 25 anos de prisão, em que aquela outra ali aplicada foi aqui convertida. Conversão que ocorreu, em momento prévio ao da transferência do condenado, em decisão da Relação de que as autoridades alemãs tiveram conhecimento antes de procederem a tal transferência. Decisão da Relação face à qual e com esta não concordando poderiam as autoridades alemãs, enquanto Estado da condenação, ter obstado à transferência para Portugal de LT antes que fossem decorridos 15 anos de cumprimento de prisão efetiva.   
A transferência de condenados exige o acordo entre Estados, mas não está prevista qualquer aposição de condições ao acordo: ou o Estado da condenação acorda e aceita a transferência, sabendo que a execução da condenação se regerá, dali em diante, pela lei do Estado da execução, ou não aceita a transferência.
Assim, não sufragamos o argumento utilizado no despacho recorrido de que “resulta do processo administrativo junto que as autoridades alemãs acederam à transferência mediante a condição de o arguido cumprir, no mínimo, os aludidos 15 anos de prisão, o que parece ter merecido a concordância do Estado Português (cfr. fls. 107) e tal pressuposto foi tido em consideração na decisão de confirmação e revisão de sentença estrangeira.”
Com efeito, por um lado, dos documentos juntos aos autos não resulta que as autoridades alemãs tenham imposto uma tal condição à transferência do condenado – cumprimento mínimo de 15 anos de prisão.
Existem nos autos dois documentos com relevância para a análise da presente questão.
A fls. 51 e 52 encontra-se um documento no qual o ora recorrente terá declarado perante as autoridades alemãs que tinha conhecimento de que as mesmas só o transferiam para Portugal se as autoridades portuguesas executassem no mínimo 15 anos de prisão.
Existe ainda um outro documento, de fls. 107 a 109, em que as autoridades alemãs comunicam às autoridades portuguesas que, nos termos da lei alemã (transcrevendo as pertinentes normas do Código Penal alemão), no caso de uma pena perpétua é imprescindível um prazo mínimo de cumprimento da pena de 15 anos.
Menciona a Mmª Juíza a quo no seu despacho de sustentação e a propósito do "cumprimento mínimo de 15 anos de prisão" que "O arguido, confrontado, concretamente, com tal questão, aceitou esse prazo mínimo de cumprimento de pena (fls. 51) - declarando o mesmo que "tenho conhecimento do facto que as autoridades alemãs só me transferem-me para Portugal, se as autoridades portuguesas oferecem de executar no mínimo 15 anos da pena de prisão".
Contudo, como bem refere o recorrente, a dado passo das suas motivações, "O consentimento a que refere a alínea d) do n.º 1 do art. 3º dessa convenção refere-se ao consentimento do condenado para a sua transferência e não a qualquer consentimento relativo à medida da pena a aplicar no estado de execução. O condenado não aceitou nada, nem nada tinha que aceitar quanto à conversão da pena  efectuada pelo estado de execução."
Assim, nenhum destes documentos configura ou traduz qualquer condicionalismo, explicito ou implícito, colocado pelas autoridades alemãs à transferência do condenado ou qualquer consentimento deste quanto à conversão da pena e seu ulterior regime de execução.
De outro passo, de nenhum elemento constante dos autos se retira que o Estado Português se tenha vinculado a tal eventual condição.
Ademais, sempre se dirá que eventual condição desse género seria de duvidosa aplicação, atento o disposto no artigo 9.º, n.º 3, da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, a que já aludimos, segundo o qual a execução da condenação rege-se pela lei do Estado da execução, o qual detém competência exclusiva para tomar todas as decisões apropriadas.
Acresce que o Estado Alemão ratificou tal Convenção, sem que tenha formulado qualquer declaração ou reserva a propósito da norma contida no citado artigo 9.º - veja-se, a propósito, a listagem das declarações à Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (…).
Por outro lado, analisada a decisão de confirmação e revisão de sentença estrangeira não se extrai da mesma que o Tribunal da Relação acolha, como condição da transferência do condenado, o cumprimento de um mínimo de 15 anos de prisão.
Na verdade, lida tal decisão, constata-se que a mesma apenas faz alusão aos 15 anos de prisão na sua 1ª página (vd. fls. 115), ao citar a norma do § 57º do Código Penal alemão que determina que “o tribunal deve garantir libertação condicional antecipada de um condenado em pena de prisão perpétua, se:
1. tiverem sido cumpridos 15 anos de prisão (encarceramento);
2. a especial gravidade da culpa do condenado não impuser a execução continuada da prisão”.
Ora, tal não consubstancia a assunção de qualquer pressuposto ou condição à transferência do condenado e cumprimento da respetiva pena.
Pelo exposto, entendemos que a liquidação de pena deverá, em obediência às normas portuguesas que regem a execução das condenações em pena de prisão, mormente o disposto no art. 61.º, n.º 2, do CPP, indicar a data em que será alcançado o meio da pena, para, nesse momento, o Tribunal de Execução de Penal apreciar da eventual concessão de liberdade condicional.
Crê-se, pois, assente que em sede de execução e cumprimento da pena de prisão será exclusivamente aplicável o que o direito português dispõe a tal respeito.
E, assim sendo, como bem refere o Ministério Público na sua resposta ao recurso, importa, ainda e finalmente, reter que não poderá o "recorrente pretender “repescar” tudo aquilo que, em seu benefício, disponham as normas alemãs e as normas portuguesas, pretendendo “o melhor de dois mundos”!"
É que, se por via da aplicação da lei portuguesa o condenado não poderá ver negada a possibilidade de ser apreciada a concessão da liberdade condicional cumprida que esteja metade da pena, não poderá pretender que lhe sejam efetuados alegados descontos no cumprimento da pena que não se encontram previstos na lei portuguesa, mas tão-só na lei alemã.
Designadamente, não poderão ser considerados eventuais dias (27) que o Estado da condenação tenha considerado remidos por trabalho prestado pelo recluso ou por bom comportamento prisional, uma vez que tal possibilidade não se encontra prevista na lei portuguesa.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido LT, devendo, nessa conformidade, a decisão recorrida ser substituída por outra, que, nos termos supra expostos, ao homologar a liquidação de pena efetuada pelo Ministério Público, fixe o meio da pena do condenado (que ocorrerá em 10/07/2020).
Sem custas.

Notifique nos termos legais.

Lisboa, 11 de Setembro de 2014

Calheiros da Gama (relator)

João Abrunhosa