Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23327/15.2T8LSB.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
SÓTÃO
PARTES COMUNS
USO EXCLUSIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I O que caracteriza o regime de propriedade horizontal é a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectos ao serviço do todo.

II São consideradas comuns por exclusão de partes, todas aquelas que no respectivo título de constituição de propriedade horizontal, não foram especificadas como fracções autónomas e individualizadas, dividindo-se então em partes imperativamente comuns e partes presuntivamente comuns.

III O sótão é parte comum de igual uso por todos os condóminos, ainda que com entrada exclusiva por um dos andares, a menos que o seu uso exclusivo tenha sido atribuído no título constitutivo da propriedade horizontal ao condómino por cuja fracção se faz o acesso.

IV Não sendo no entanto, parte imperativamente comum, nada impediria que fosse especificado como fracção autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal, ou objecto de aquisição por usucapião, desde que num caso e noutro, fossem observados os requisitos previstos no artº 1415 do C.C. – unidade distinta e independente, com acesso próprio e directo à via pública ou a parte comum do prédio.

V Não é admissível a aquisição por usucapião de uma parte pertencente a outra fracção autónoma, pela qual é feito o acesso ao sótão, por violação do disposto nos artºs 1306, 1415 e 1419 do C.C.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:

           
ML, viúva, contribuinte nº 141 382 511, residente na Rua SF Lisboa interpôs a presente acção declarativa sob a forma comum, contra HM e RF residentes na Rua SF 1150-339 Lisboa, pedindo que estes sejam condenados a:

a) reconhecerem o direito de propriedade da Autora, sobre a fracção autónoma designada por 3.º frente e que corresponde ao 6.º piso, por via de aquisição por usucapião;
b) substituir a fechadura da porta de acesso ao 3.º frente e a entregar uma chave à Autora;
c) se eventualmente tiverem feito obras de alteração de acesso ou de outra natureza à referida fracção devem as mesmas ser destruídas e ser reposto tudo no estado que se encontrava antes das referidas eventuais obras a expensas dos Réus;
d) e, em consequência, a não obstaculizarem nem por qualquer forma perturbarem ou impedirem a livre passagem da Autora à referida fracção – 6.º piso.
 
Para tanto, alega, em síntese, que é proprietária do prédio urbano sito na Rua da SF n.º ..., freguesia de Camões, em Lisboa, inscrito na matriz sob o art. ... e descrito na CRP sob o n.º ..., por o ter adquirido, juntamente com o seu marido, em 18.11.1969, tendo submetido o referido prédio ao regime de propriedade horizontal em 23.08.1982, com cinco pisos e cinco fracções autónomas, situadas na cave (A), rés-do-chão (B), 1.º andar (C), 2.º andar (D) e 3.º andar (E) e que, desde a respectiva construção, o referido prédio é constituído por seis pisos e seis fracções autónomas, que constituem unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio e com campainhas e caixas de correio próprias.

Mais alega que a fracção do 6.º piso, constituída por sala, três quartos, cozinha e casa de banho, não foi incluída na escritura de constituição da propriedade horizontal, por não constar da descrição matricial, mas sempre foi conhecida por todos os que habitam e habitaram, frequentam e frequentaram o prédio, sendo designada por 3.º Frente, por a escada de acesso exclusivo à mesma se situar ao nível do 3.º andar, tendo desde sempre ocupado esta fracção, nela feito obras e dado de arrendamento a terceiros, de boa-fé, de forma continuada, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, com o intuito e na convicção de estar a exercer direitos próprios de quem é proprietário.

Por último alega que, no início de 2014 os RR. mudaram a fechadura da porta de acesso à referida fracção situada no 6.º piso, impedindo a A. de a ela aceder e de a utilizar.

Conclui que a fracção situada no 6.º piso, conhecida por 3.º Frente, cumpre os requisitos referidos no art. 1415.º do CC e que a A. a adquiriu por usucapião, sendo que a actuação dos RR. ofende o seu direito de propriedade e posse.
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Os RR. contestaram, propugnando pela sua absolvição do pedido, uma vez que a fracção E do prédio dos autos, situada no 3.º andar, e por si adquirida  em 20.05.2013, é composta por cinco divisões (actualmente, quatro, devido à união de um quarto interior com a sala de estar - salão) e que aquando da aquisição dessa fracção, foi dito ao procurador dos RR. que um dos quartos da mesma (com porta de acesso ao salão) estava a ser utilizado por empréstimo à A., mas que o mesmo lhes seria restituído, pelo que logo que adquiriram a referida fracção, avisaram a A. de que não permitiriam a continuação do uso do quarto e vedaram o acesso das escadas do prédio a esse quarto.

Concluem que o que a A. apelida de 3.º Frente é na realidade um sótão e que não cumpre os requisitos do art. 1415.º do CC, por não dispor de saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, pelo que não constitui uma fracção autónoma, antes se presumindo parte comum do prédio, ainda que afecta ao uso exclusivo de um só condómino que possua fracção contígua, sendo por isso insusceptível de aquisição a qualquer título.
*

Realizou-se audiência prévia e após procedeu-se a julgamento, findo o qual, foi proferida decisão na qual se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os RR. dos pedidos contra si formulados.
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Não conformado com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“C– Conclusões
1. Nos factos dados como provados nas alíneas N) e O) da douta sentença, não devia ter sido dado como provado “ nesse compartimento situado entre o tecto do último piso e o telhado…”. Antes de mais o que o Tribunal “ a quo “ designa por compartimento e ou sótão não se situa entre o tecto do último piso, que é para aquele a fracção dos aqui Réus-Recorridos e o telhado. É que acima do 6º piso, conhecido por 3º Frente é que existe o sótão, ou seja, espaço que se situa entre o tecto deste e o telhado, de acordo com o depoimento das testemunhas, LM, LH e AT porque entraram no sótão pelo telhado e este porque declarou ter andado no mesmo de gatas.
2. Nos factos dados como provados na alínea S) da douta sentença, não devia ter sido dado como provado ...” sendo que essa porta dá acesso a uma das divisões da fracção autónoma do 3º andar ( fracção E ), que foi transformada num espaço tipo hall..”. Dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos aos autos e ainda da inspecção judicial ao local não resulta que a porta dá acesso a uma das divisões da fracção autónoma 3º andar ( fracção E ), mas sim a um hall que dá acesso ao 3º Frente ( fracção e não sótão, conforme acima alegado ), o que resulta dos depoimentos das testemunhas SA, FT, LH, AS NZ e TG
3. Nos factos dados como não provados no nº 2 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado “ que o 4º andar seja constituído por uma fracção autónoma distinta, independente e isolada e com saída própria para uma parte comum do prédio “ Do depoimento das testemunhas e da inspecção judicial ao local, resulta o contrário, ou seja, que se trata de uma fracção autónoma distinta e isolada e com saída própria para uma parte comum do prédio, o que resultas das testemunhas SA, FT, LH, AS NZ e TG
4. Nos factos dados como não provados no nº 7 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado “ que os contadores referidos na alínea Y tenham sido instalados por conta do referido José António “, porque o foram conforme consta dos factos dados como provados - alínea Y e o que resulta de uma carta enviada pela E.D.P., junta aos Autos a pedido da aqui Autora-Recorrente na petição inicial.
5. Nos factos dados como não provados no nº 8 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado que “ o 6º piso sempre tenha sido reconhecido por todos como propriedade da aqui Autora e seu marido, enquanto vivo “. Resulta o contrário do depoimento das testemunhas, que confirmaram que sempre reconheceram a Autora- recorrente como proprietária do 3.º frente, que nunca a impediram de praticar qualquer acto sobre aquele, na qualidade de proprietária, tendo mandado executar obras, arrendado o espaço durante anos seguidos e recebido as respectivas rendas, tudo foi feito e reconhecido por todos os condóminos do prédio de que a Autora- recorrente actuava como legítima proprietária e não como comproprietária e, por isso, por tolerância. A qualidade de proprietária só foi posta em questão pelos Réus- recorridos a partir do momento em que as testemunhas Nazim e Tiago lhes transmitiram que o hall de acesso ao 3.º Frente lhes pertencia por documentos (certidão matricial e predial e projecto).
6. Além de que resulta da cópia da acta junta aos autos a fls. 56v. e 57 …” assim como qualquer dano será da responsabilidade do condómino dono do sótão e do empreiteiro….” Pelo que em reunião do prédio a Autora-Recorrente foi reconhecida como dona e não como comproprietária, ainda que ali tivessem escrito sótão, este, sim compropriedade de todos.
7. Nos factos dados como não provados no nº 13 da douta sentença, não devia ter sido dado como não provado nº 13 “ que o que consta da alínea KK ) tenha ocorrido com o intuito e na convicção, por parte da Autora, de estar a exercer direitos próprios de quem é proprietária “. De acordo com o depoimento das testemunhas resulta que sempre reconheceram a Autora – Recorrente como proprietária, conforme acima referido e não resulta que o tenha sido por tolerância (conforme consta da douta sentença).
8. Nos factos dados como não provados no nº 15 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado que, “ a partir dessa data, os Réus tenham impedido a Autora de utilizar o 3º Frente”.  Alegaram os Réus na sua contestação - artigo 24º-, que logo que compraram a sua fracção, tomaram medidas para vedar o acesso directo das escadas do prédio ao quarto. O acesso ao 3º Frente sempre se fez através de um hall que se situa ao nível do 3º andar, conforme está provado pela douta sentença e entenderam os Réus- Recorridos que deviam impedir como impediram a Autora-Recorrente de aceder àquele ( 3º frente ). O acesso àquele foi sempre feito pelo mesmo lugar, conforme resulta de toda a prova produzida por depoimento das testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, que comprovaram o alegado na petição inicial e conforme resultou da inspecção judicial ao local, tendo os Réus Recorridos sido notificados na audiência para tratarem de ter a porta de acesso livre de entrada para efeitos de inspecção, o que veio a acontecer.
9. Um sótão é um compartimento situado imediatamente abaixo da cobertura de um edifício, entre o tecto e o último andar de uma casa, sobre câmara, águas furtadas e um compartimento é uma divisão criada num espaço.
10. Conforme consta da douta sentença nos factos dados como provados, trata-se de um apartamento para habitação, constituído por um corredor, uma sala, quatro quartos ( um deles interior ) um espaço indiferenciado, uma cozinha e uma casa de banho, conforme fotos juntas fls. 234 a 239, pelo que não se trata de um sótão ou de um compartimento.
11. Com o devido respeito o Tribunal “ a quo “ andou mal com a classificação dada ao conhecido por 3º frente, que corresponde ao 6º piso, como sendo um sótão ou compartimento e como tal entende que não pode ser reconhecido o direito de propriedade à Autora- Recorrente por não ter ligação com a fracção de que é proprietária.
12. De acordo com o depoimento das testemunhas e de acordo ainda com a inspecção judicial ao local constatou-se que o 3º Frente não se trata de um sótão ou compartimento, o sotão existe acima daquele (3º Frente).
13. O objecto da presente acção não foi o reconhecimento do direito de propriedade sobre o sótão, ou seja, sobre espaço que fica acima do conhecido por 3º frente e o telhado, pelo que o Tribunal “ a quo “ andou mal ao falar de um espaço que se situa entre o tecto do conhecido por 3º frente e o telhado, não tendo por isso aplicação o disposto no artigo 1421º do C. civil.
14. E, conforme douta sentença, o sótão não está afecto à fracção C, situada no 1º andar, nem a esta nem a qualquer outra fracção.
15. A verdade conforme ficou provado pelo depoimento das testemunhas em audiência de discussão e julgamento é que a Autora - Recorrente desde há muitos anos que tem acesso exclusivo não ao sótão, mas a um piso que fica acima do piso do 3º E, e abaixo do sótão.
16. Durante largos anos mandou executar obras, como reparações, deu-o de arrendamento, recebendo as rendas, tendo o seu arrendatário requisitado o contador de electricidade que se situa do lado direito da porta de entrada ao 3º Frente, a chave de acesso à caixa de correio ligada ao 3º Frente e junta às restante sempre esteve na posse da Autora – Recorrente ou dos seus arrendatários e subarrendatários, tendo a chave de acesso ao mesmo em exclusivo, além do facto de o prédio ter na sua entrada caixa de correio e uma campainha identificando de 3º Frente e com ligação a este, tudo actos de posse , que foram exercidos de boa-fé, de forma publica, à vista de toda a gente e sempre se comportou como titular do direito de propriedade ( animus ), e conforme atrás referido existem no prédio em simultâneo  à posse sinais exteriores  que permitem aos interessados, ou seja, aos restantes condóminos, que existe outro andar e que o mesmo pertence àquela. Os actos de posse como titular de propriedade foram impedidos pelos outros condóminos, mas apenas e a partir do momento que os Réus-Recorridos foram alertados pelos da Imobiliária, que afinal eram também donos de mais uma divisão, através dos documentos e passaram a barrar o acesso ao 3º Frente.
17. O artigo 7º do Código de Registo Predial apenas presume o titular do prédio mas já não presume a área do prédio em discussão, dependendo esta de prova. Pelo que se presume que o titular da propriedade são os Réus-Recorridos, já quanto ao espaço/hall que dá acesso não há presunção e aqueles nada provaram.
18. Assim, o tribunal “ a quo “ andou mal quando reconheceu o designado por hall que dava acesso à fracção da aqui Autora-Recorrente e que fica acima da fracção dos Réus-Recorridos, como pertencente à sua fracção.
19. Além de que não foi feito qualquer pedido pelos Réus – Recorridos de que o hall seria uma divisão pertencente à sua fracção, o que aliás a fazerem-no sempre seria através de reconvenção.
20. Não pode nem deve ser considerada como fazendo parte da fracção dos Réus-Recorridos porquanto dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento, não resultou provado que assim seja e resultou ainda que só após a entrega da venda à Imobiliária e da análise que estes fizeram aos documentos (projecto, certidão matricial e predial ) concluíram que o hall pertencia à fracção E.
21. Mas e conforme alegado tais elementos não são suficientes para fazerem prova, necessário se tornava que os Réus -Recorrido fizessem prova de que o hall lhes pertence, o que não foi feito, não sendo suficientes os documentos juntos, conforme acima alegado. Além de que não pediram os Réus – Recorridos que fosse reconhecido que pertencia à sua fracção.
22. Não pediu nem tinha de o fazer porquanto não pertence à fracção E o hall de acesso à Fracção 3º frente, e por os Réus -Recorridos terem impedido a passagem àqueles, pediram que fossem condenados a substituir a fechadura da porta de acesso ao 3º frente e a entregar uma chave à Autora e se eventualmente tiverem feito obras de alteração de acesso ou de outra natureza à referida fracção devem as mesmas ser destruídas e ser reposto tudo no estado que se encontrava antes das referidas eventuais obras.
23. A Autora-Recorrente deixou de ter acesso à sua fracção da forma que sempre o fez porquanto algo a impedia de abrir a porta, o que sempre fez colocando a chave na fechadura, conforme foi alegado e provado e até confessado pelo Réus-Recorridos quer na contestação quer pelo depoimento do Sr. Antunes ( pai dos Réus e que acompanhou a promessa de compra e venda tendo inclusive sito procurador ), pelo que o teriam mudado a fechadura ou teriam executado algo que a impedisse de passar, pelo que a ser considerado procedente o primeiro pedido também os restantes o deviam ter sido.
24. Pelo que, existe contradição entre os factos provados que constam da douta sentença e a decisão das mesma, pelo que deve esta ser alterada.
25. Além de que o Tribunal “a quo” apreciou incorretamente a prova produzida em sede de audiência de discussão julgamento, não valorou corretamente a matéria de facto apurada e não fez uma correta aplicação das normas jurídicas.
Nestes termos e mais de direito, deve o presente recurso proceder, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso e a procedência da acção, assim se fazendo.
JUSTIÇA”
*

Pelos RR. foram interpostas contra alegações, formulando afinal as seguintes:

EM CONCLUSÃO

1 A recorrente não especificou os meios probatórios concretos constantes da gravação dos depoimentos que impunham decisão contrária à que foi proferida pelo tribunal a quo, pelo que nos termos e para efeitos do estipulado no n.º 3 do art.º 640.º.                                     
2 Limitou-se a transcrever grande parte dos depoimentos. Não deu assim cabal cumprimento ao que decorre do art.º 640.º do C.P.C., tal fere o recurso de vicio insanável devendo em consequência ser rejeitado De qualquer forma,
3 Não houve qualquer incorrecção no julgamento dos pontos da matéria de facto especificados pela recorrente. Mais,
4 Em face da prova carreada para os autos, mormente os documentos autênticos, a inspecção feita pelo douto tribunal a quo ao local e a prova produzida em audiência de julgamento, o Meritíssimo Juiz a quo não poderia ter proferido outra decisão.
5 As conclusões formuladas pela recorrente não obedecem aos requisitos do art.º 639.º n.º 1 e do 2 do C. P. C.
6 Quanto à questão de direito, verifica-se também que a recorrente não indicou concretamente a norma e o sentido da sua violação nem o sentido com que devia ter sido aplicada.
7 Concluíu, assim o Tribunal a quo e muito bem pela improcedência total da acção, por não provada absolvendo os RR. dos pedidos contra si formulados.
8- Em face da prova produzida o Meritíssimo Juiz a quo não poderia ter proferido outra decisão.
                                                                                           
PELO EXPOSTO e pelo que for doutamente suprido deve o presente recurso considerar-se improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida que não merece qualquer reparo.
Assim se fará JUSTIÇA”
*

QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) Se se verificam os requisitos para a alteração da matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido;
b) Se se verificam os pressupostos para se considerar adquirido pela A., por usucapião, o designado como 3º Frente, do Imóvel sito na R. da SF nº ..., em Lisboa;
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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:
“Factos já provados na audiência prévia:

A– Por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 18.11.1969, no 20.º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 68 a 69v do Livro n.º B-..., de fls. ..., FA e ML declararam vender a VN, casado com a ora A. ML no regime da comunhão geral de bens, o prédio urbano sito na Rua SF n.º ..., em Lisboa, descrito na 5.ª CRP de Lisboa sob o n.º 1... a fls. 1... do Livro B – ..., e inscrito na matriz da freguesia de Camões, o artigo ..., tendo o referido VN declarado aceitar, tudo conforme certidão de fls. 15 a 17 e 82 a 84 dos autos, que se dá por reproduzida;

B– A aquisição do prédio referido foi inscrita, pela apresentação n.º 29405, de 30.12.1969, a favor de VN, casado com a ora A. ML no regime da comunhão geral de bens, conforme certidão de fls. 18 e 19 e 71v a 73 dos autos, que se dá por reproduzida;

C– Por escritura pública lavrada no dia 23.08.1982, no 20.º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 42 a 43 do livro n.º 114 G, a ora A., por si e como procuradora do seu marido, declarou submeter o prédio referido, composto de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares e logradouro, ao regime de propriedade horizontal, o qual, além das partes comuns, é composto pelas seguintes fracções autónomas: A - cave, com a percentagem de 16; B - rés-do-chão, com a percentagem de 21; C - 1.º andar, com a percentagem 21; D - 2.º andar, com a percentagem de 21; E - 3.º andar, com a percentagem de 21, conforme certidão de fls. 20 e 21 e 76 e 77, que se dá por reproduzida;

D– O prédio referido encontra-se, actualmente, descrito na CRP sob o n.º 728, com a seguinte composição: «Edifício composto de cave, rés-do-chão e 3 andares (…). Fracções autónomas: A, B, C, D, E», conforme certidão de fls. 118v a 122, que se dá por reproduzida;

E– O prédio referido encontrava-se inscrito na matriz sob o arrigo 111 da freguesia do Coração de Jesus, e, actualmente, está inscrito na matriz sob o n.º 143 da freguesia de Santo António, com a seguinte descrição: «Prédio de 4 pavimentos com 1 inquilino por pavimento e logradouro à retaguarda», conforme certidão de fls. 25, que se dá por reproduzida;

F– Sobre as fracções autónomas do prédio referido encontram-se em vigor as seguintes inscrições: Fracção A (cave) - aquisição a favor de Ms casada com JSH, por doação da A., pela ap. n.º 2264 de 30.03.2016; Fracção B (rés-do-chão) - aquisição a favor de RM casado com MMM por compra à A. e marido, pela ap. n.º 61 de 23.01.2002; Fracção C (primeiro andar) - aquisição a favor da A., por compra a AJC, pela ap. n.º 8 de14.04.1997; Fracção D (segundo andar) - aquisição a favor de Ms casada com JSHlão, por compra a ACLe mulher, pela ap. n.º 4 de 03.06.1998; Fracção E (terceiro andar) - aquisição a favor de HM e RF por compra a SLM, pela ap. n.º 1153 de 21.05.2013, tudo conforme certidão de fls. 118v a 122, que se dá por reproduzida;

G– SLM e os ora RR., representados por AFA subscreveram o acordo cuja cópia consta de fls. 57 a 60, que se dá por reproduzida, datado de 20.05.2013, pelo qual a primeira declarou vender, livre de ónus ou encargos, aos segundos, que declararam aceitar, a fracção autónoma designada pela letra E do prédio referido;

H– No dia 22.02.2013 teve lugar uma reunião do prédio referido, cuja cópia consta de fls. 56v e 57, que se dá por reproduzida, onde consta, nomeadamente: «para ser feita a continuação da escada do terceiro andar para o sótão usando a parte comum do vão da escada para acesso ao sótão, que era feito por uma dependência do terceiro andar, que é para ser devolvida a respectiva ao condómino do terceiro andar assim que esteja pronta a nova escada. O arranjo dessa divisão será feito, assim como qualquer dano feito nas escadas será da responsabilidade do condómino dono do sótão e do empreiteiro. Nada ficou assente»;

I– Da descrição matricial da fracção E consta que a mesma é constituída por cinco divisões, conforme certidão de fls. 62, que se dá por reproduzida;

J–  A fracção E é composta por cozinha, sala de jantar, salão, três quartos e casa de banho, conforme planta junta a fls. 61;

K– O quarto interior da fracção E foi eliminado, alargando-se dessa forma o salão, conforme planta junta a fls. 61v;

Factos provados em audiência final:

L– Desde a sua construção, o prédio referido na al. A) é constituído por cave, rés-do-chão, 1.º andar, 2.º andar, 3.º andar e um compartimento situado entre o tecto do último andar (3.º andar) e o telhado de cobertura, com um desnível na parte mais próxima da fachada da frente do prédio, vulgarmente denominado de sótão;

M– Cada um dos pisos correspondentes a cave, rés-do-chão, 1.º andar, 2.º andar e 3.º andar é constituído por uma fracção autónoma distinta, independente e isolada e com saída própria para uma parte comum do prédio;

N– O compartimento situado entre o tecto do último andar e o telhado de cobertura não foi incluído, como fracção autónoma, na escritura de constituição da propriedade horizontal referida na al. C), e nunca constou como tal da descrição matricial;

O– Nesse compartimento situado entre o tecto do último piso e o telhado foi, em data não apurada, instalado um apartamento para habitação, constituído por um corredor, uma sala, quatro quartos (um deles interior), um espaço indiferenciado, uma cozinha e uma casa de banho, que se visualizam nas fotografias de fls. 234 a 239;

P– Esse apartamento sempre foi conhecido por todos os que habitam e por todos os que já habitaram o prédio, bem como pelos que o frequentam e frequentaram;

Q– E é designado por 3.º Frente, por as escadas de acesso ao mesmo se situarem ao nível do 3.º andar;

R– O acesso ao apartamento, instalado no compartimento situado entre o tecto do último andar e o telhado de cobertura, faz-se a partir da porta comum de entrada do prédio, que deita para a via pública, passando pelo hall comum da entrada do prédio e segue pelas escadas comuns do prédio, que dão acesso aos 1.º, 2.º e 3.º andares;

S– Tal apartamento (designado por 3.º Frente) tem acesso exclusivo a partir de uma porta que se situa ao cimo das escadas comuns, ao nível do 3.º andar, que se visualiza na fotografia de fls. 226 (vista a partir das escadas comuns do prédio) e de fls. 229 (vista a partir do lado de dentro), sendo que essa porta dá acesso a uma das divisões da fracção autónoma do 3.º andar (fracção E), que foi transformada num espaço tipo hall e onde foram instaladas umas escadas de acesso ao dito apartamento, que se visualizam nas fotografias de fls. 231 e 232;

T– O acesso ao referido apartamento designado por 3.º Frente sempre foi exclusivo da A. e do seu marido, desde que compraram a totalidade do prédio;

U – Apenas a A. e seu marido tinham, como sempre tiveram, desde a compra da totalidade do prédio, a chave de acesso a esse apartamento designado por 3.º Frente;

V– A A. deu de arrendamento a AE o apartamento designado por 3.º Frente;

W– O qual, durante anos, aí viveu com a sua família, pagando mensalmente uma renda à A.;

X– O referido José António celebrou contrato de abastecimento de electricidade com a EDP;
 
Y– A EDP e a EPAL instalaram contadores de electricidade e água no apartamento designado por 3.º Frente;

Z– O contador da electricidade foi colocado ao lado da porta referida na al. S), conforme se visualiza na fotografia de fls. 230, e o contador da água foi colocado no espaço da cozinha;

AA– Era com a identificação de 3º Frente que o referido José António recebia a sua correspondência;

BB– Entretanto o referido José António foi internado pela sua filha, num lar da terceira idade, mas deixou as suas mobílias no referido 3.º Frente;

CC– A mencionada filha, entretanto, subarrendou, em nome do pai, o referido 3.º Frente, a estudantes e continuou a pagar a renda à A., até ao mês de Maio de 2012;

DD– Em Maio de 2012, a filha de José António, em nome do seu pai, entregou o referido 3.º Frente à A. e pediu-lhe autorização para nela continuarem as mobílias que são propriedade de José António, onde sempre se mantiveram;

EE– No hall de entrada comum do prédio, foram instaladas, em data não apurada, seis campainhas, ligadas cada uma directamente à cave, ao rés-do chão, ao 1.º andar, ao 2.º andar, ao 3.º andar e ao apartamento designado por 3.º Frente;

FF– No hall de entrada comum do prédio foram instaladas, em data não apurada, seis caixas de correio, identificadas cada uma para a cave, o rés-do chão, o 1.º andar, o 2.º andar, o 3.º andar e o apartamento designado por 3.º Frente;

GG– Recebendo em cada uma das caixas de correio a correspondência dirigida a cada um dos habitantes daqueles andares;

HH– Sempre a campainha instalada no hall de entrada e com ligação directa ao designado 3.º Frente fez comunicação a quem habitava aquele;

II– O correio dirigido a quem morava no designado 3.º Frente era depositado na caixa de correio que lhe estava adstrito;

JJ– A partir da morte do seu marido, a A. passou a receber sozinha a renda do designado 3.º Frente, que se encontrava arrendado;

KK– Desde a morte do seu marido, a A. vem executando obras de manutenção no designado 3.º Frente e deu-o de arrendamento a terceiros, cobrando rendas, até Maio de 2012;

LL – O que fez à vista de toda a gente;

MM– E sem oposição de quem quer que seja;

NN– A partir de data não apurada, mas logo que adquiriam a fracção E, os RR. impediram a A. de aceder ao designado 3.º Frente através da porta e da divisão referidas na al. S), colocando as trancas que se visualizam na fotografia de fls. 229; 

OO– O 6.º piso ou 3.º Frente não constou do projecto de licenciamento de obras na Câmara Municipal aquando a construção do prédio e, consequentemente, não foi participado na matriz;

PP– Antes e aquando da celebração do contrato referido na al. G), foi dito ao procurador dos RR. que um dos quartos da fracção E estava a ser usado por empréstimo pela A., mas que o mesmo seria restituído por esta;

QQ– Logo que adquiriram a fracção E, e após avisar a A. de que não permitiriam a continuação do uso do referido quarto, os RR. vedaram o acesso directo das escadas do prédio para esse quarto, pela forma referida na al. NN);

RR– Para além da referida entrada directa para as escadas do prédio (que se visualiza na fotografia de fls. 226), o referido quarto tem uma outra porta com acesso ao salão da fracção E, que se visualiza na fotografia de fls. 228;

SS– A A. tem feito o acesso ao apartamento referido na al. O) através da fracção E;

TT– Tal acesso é feito através de uma porta que vai dar ao vulgarmente chamado “quarto independente” e que é o referido na al. S).
 
2.2.–Factos não Provados:
Não se provou:

1. que, desde a sua construção, o prédio referido na al. A) seja constituído por seis pisos, sendo um deles o 4.º andar;

2. que o 4.º andar seja constituído por uma fracção autónoma distinta, independente e isolada e com saída própria para uma parte comum do prédio;

3. que a fracção situada no 6.º piso não tenha sido incluída na escritura de constituição da propriedade horizontal referida na al. C), por nunca ter constado da descrição matricial;

4. que o que arrendamento referido na al V) tivesse ocorrido no ano de 2005;

5. que a última renda paga por AEfosse no montante de € 104,00;

6. que o referido José António tenha celebrado contratos de abastecimento de água com a EPAL;

7. que os contadores referidos na al. Y) tenham sido instalados por conta do referido José António;

8. que o 6.º piso sempre tenha sido reconhecido por todos como propriedade da aqui A. e seu marido, enquanto vivo;

9. que o que consta das als. EE) e FF) ocorra desde o início da construção do prédio;

10. que, no início do ano de 1994, as herdeiras de VN, marido da A., tenham partilhado verbalmente o referido 3.º Frente entre todas, tendo-o adjudicado à A.;

11. que a partir da data referida, a A. tenha ocupado e ocupe o 6.º piso, correspondente ao 3.º Frente;

12. que o que consta da al. KK) tenha ocorrido à vista dos RR.;

13. que o que consta da al. KK) tenha ocorrido com o intuito e na convicção, por parte da A., de estar a exercer direitos próprios de quem é proprietária;

14. que, no  início do ano de 2014, os RR. tenham mudado a fechadura da porta de acesso ao 3.º Frente;

15. que, a partir dessa data, os RR. tenham impedido a A. de utilizar o 3.º Frente.”
*

DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se a autora recorrente da decisão que absolveu os recorridos do pedido formulado nos autos, impetrando a alteração da matéria de facto assente, bem como de matéria que o tribunal não considerou como provada.

Decidindo:

a)- Da apreciação do recurso quanto à matéria de facto;

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.)

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
E a decisão alternativa que é pretendida. (Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S)
A este respeito invocam os recorridos que a recorrente não satisfaz estes requisitos, uma vez que em “cumprimento do que decorre da alínea a), não identificou a recorrente os pontos concretos, que o Tribunal a quo considerou como não provados e que do seu ponto de vista mereceriam diversa decisão.
No que respeita à obrigação imposta pela alínea b), em vão se tenta encontrar a menção aos meios probatórios concretos constantes da gravação que pudessem determinar uma decisão diferente. a resposta que deveria ter sido dada Pelo tribunal recorrido”.

Ora, a recorrente nas suas conclusões (nºs 1 a 9) alega que
“1. Nos factos dados como provados nas alíneas N) e O) da douta sentença, não devia ter sido dado como provado “ nesse compartimento situado entre o tecto do último piso e o telhado…” (…)
2. Nos factos dados como provados na alínea S) da douta sentença, não devia ter sido dado como provado ...” sendo que essa porta dá acesso a uma das divisões da fracção autónoma do 3. andar ( fracção E ), que foi transformada num espaço tipo hall..”(…)
3. Nos factos dados como não provados no nº 2 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado “ que o 4º andar seja constituído por uma fracção autónoma distinta, independente e isolada e com saída própria para uma parte comum do prédio”(….)
4. Nos factos dados como não provados no nº 7 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado “ que os contadores referidos na alínea Y tenham sido instalados por conta do referido José António “. (…)
5. Nos factos dados como não provados no nº 8 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado que “ o 6º piso sempre tenha sido reconhecido por todos como propriedade da aqui Autora e seu marido, enquanto vivo “. (…)
7. Nos factos dados como não provados no nº 13 da douta sentença, não devia ter sido dado como não provado nº 13 “ que o que consta da alínea KK ) tenha ocorrido com o intuito e na convicção, por parte da Autora, de estar a exercer direitos próprios de quem é proprietária.” (…)
8. Nos factos dados como não provados no nº 15 da douta sentença, não devia ter sido dado por não provado que, “ a partir dessa data, os Réus tenham impedido a Autora de utilizar o 3º Frente”. (…)

Nas suas alegações de recurso, a ora recorrente, sob a epígrafe “1. Dos Factos dados como provados e não provados”, indica os factos que julga incorrectamente julgados remetendo para depoimentos de testemunhas que identifica (à excepção dos factos não provados nºs 8, 13 e 15) e após, sob a epígrafe “2. Da Matéria de Facto”, efectua uma transcrição do depoimento das testemunhas, sem identificação das passagens da gravação a que se reportam e sem remeter para os diversos pontos que julga incorrectamente julgados, concluindo por último, sob a epigrafe “Análise das Provas”, pelas razões de discordância acerca da convicção do tribunal na aquisição da matéria fáctica.

Da análise, quer das alegações recursórias quer das conclusões, resulta cumprido o disposto na alínea a) do artº 640 nº1 do C.P.C., indicando o recorrente os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados.

Já não resulta a indicação concreta relativamente a cada ponto, dos meios probatórios que impunham conclusão diversa e, no caso de produção de prova testemunhal gravada, a indicação “com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artº 640 nº2 a) do C.P.C.), limitando-se a recorrente a, em capítulo autónomo das suas alegações, efectuar uma transcrição dos depoimentos destas testemunhas, sem os reportar aos pontos concretos que pretendia rebater e efectuando uma análise genérica e global da prova noutro capitulo, sem que se possa depreender, quais, por reporte aos pontos que pretende impugnar, as passagens da gravação em que funda o seu dissentimento.

Por último não indica a recorrente, nem nas alegações, nem nas conclusões, em obediência ao disposto na alínea c) do nº1 do artº 640 do C.P.C., “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Não basta a indicação de que o tribunal não deveria ter considerado provado ou não provado determinados pontos, ou a sua extensão ou a redacção que foi dada.

É necessário que, de forma clara, o recorrente indique que decisão em alternativa entende dever ser proferida sobre estes pontos, de forma a que o tribunal de recurso se possa pronunciar sobre o efectivo objecto do recurso.

Não cumprindo as alegações e conclusões da recorrente este ónus, não é esta omissão passível de despacho de aperfeiçoamento.

Conforme refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª ed., pág. 157, “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no artº 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art. 652º, nº1, al. A), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do nº3 do artº 639.”  

Efectivamente, pretendeu-se com este regime legal, ao possibilitar a ampliação dos poderes da relação relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a imposição de regras muito precisas, sem a observância das quais o recurso deve ser liminarmente rejeitado.

Assim sendo, rejeito o recurso no que se reporta à impugnação da matéria de facto.
*
           
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Analisando as demais conclusões da recorrente, funda esta a sua discordância relativamente à decisão objecto de recurso, essencialmente nos seguintes pontos:
o tribunal recorrido qualificou erroneamente o 3º frente como sendo um sótão, com acesso pela fracção correspondente ao 3º E, o que não corresponde à realidade, uma vez que o sótão se situa por cima deste 3º frente;
o referido 3º frente tem acesso directo às escadas comuns por um hall que pertence a esta fracção e não ao 3º E;
a A. e seu marido sempre utilizaram esta fracção designada por 3º frente, arrendando-a, nela fazendo obras, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja.

Decidindo

a)Se estão verificados os pressupostos para se considerar adquirido pela A., por usucapião, o designado como 3º Frente, do Imóvel sito na R. da SFnº 23, em Lisboa;

Considerou o tribunal recorrido a seguinte fundamentação:
Inequívoco é, ainda, que o compartimento situado entre o tecto do último andar e o telhado de cobertura não foi incluído, como fracção autónoma, na escritura de constituição da propriedade horizontal e nunca constou como tal da descrição matricial. Nesse compartimento foi, em dada não apurada (mas, pelo menos, desde a aquisição do prédio pela A. e sue marido), instalado um apartamento para habitação, que passou a ser designado por 3.º Frente. Não está em causa nesta acção saber se no sótão poderia ou não ter sido transformado num apartamento para habitação ou se lhe poderia ou não ter sido dada essa destinação, quer por força do disposto no art. 1425.º do CC, quer tendo em conta as exigências do art. 79.º do RGEU. Na verdade, a primeira questão que se coloca é a de saber se tal compartimento situado entre o tecto do último piso e o telhado pode ser considerado uma fracção autónoma, como pretende a A. E a resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, ressalta do disposto nos arts. 1414.º e 1415.º do CC, que uma fracção autónoma tem de constituir uma unidade independente, distinta e isolada, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (cfr., a este respeito, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2001, p. 16 e segs).
Ora, o compartimento situado entre o tecto do último piso e o telhado, vulgarmente denominado sótão, não tem saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, sendo o acesso ao mesmo feito através de uma fracção autónoma do prédio (a fracção E). Por conseguinte, nunca tal compartimento poderia ser considerado uma fracção autónoma e, certamente por isso, não foi incluído como tal na escritura de constituição da propriedade horizontal.
A doutrina e a jurisprudência têm discorrido bastante acerca da natureza jurídica do sótão. Muito recentemente, o tribunal da relação de Lisboa pronunciou-se sobre tal questão, no acórdão de 26.04.2017, in www.dgsi.pt, em termos que dispensam neste lugar outras considerações e com os quais concordamos. Nele se considerou que um sótão, com características semelhantes ao dos presentes autos, não é uma parte obrigatoriamente comum do prédio, mas uma parte presuntivamente comum, nos termos do artigo 1421,º, n.º 2, do CC.
O referido acórdão muito se apoia no acórdão do STJ de 04.03.2013, onde se escreveu que «(…) o vão de telhado não é naturalisticamente identificável com os conceitos de telhado ou terraço de cobertura, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional. Em consonância, a jurisprudência e doutrina dominantes, vêm entendendo que os sótãos ou vãos de telhado, não integram a estrutura do edifício nem são, pela função que desempenham, partes do mesmo relativamente às quais seja de exigir a afectação ao gozo de todos os condóminos, para caberem na previsão da al. b) do n.º 1 do art. 1421.º, como coisa obrigatoriamente comum (…) A inclusão desse espaço do edifício entre as partes obrigatoriamente comuns tornaria impossível, em contradição com a realidade conhecida, a individualização e afectação exclusiva do sótão, ou de parte dele, com a inerente consequência de vedar qualquer especificação com esse sentido ou conteúdo, ou de adoptar qualquer cláusula tendente a excluir a comunhão, no título constitutivo da propriedade horizontal, sob pena de violação do seu próprio regime imperativo. Acresce que, exigindo-se a inclusão da afectação no título constitutivo, resultaria inútil a admissão das presunções de comunhão, especificadas ou residualmente previstas, contempladas no n.º 2 do artigo, pois que haveriam de se considerar obrigatoriamente comuns todas as partes sem destino fixado no título. Em suma, a natureza e utilidade dos sótãos ou vãos de telhado não impõem, em sede interpretativa, a sua obrigatória qualificação como “instrumentos de uso comum do prédio”.
Conclui-se, no seguimento do expendido, que, bem ora presuntivamente deva ser, como efectivamente é, considerado parte comum do edifício, o sótão ou vão de escada não é de considerar parte imperativamente comum».
No caso vertente, o sótão não foi especificado como privativo no título constitutivo da propriedade horizontal, não constando qualquer afectação do mesmo a alguma fracção autónoma. Tal não impede, no entanto, que o mesmo seja assim considerado, se se provar que está afecto ao uso exclusivo de um dos condóminos (art. 1421.º, n.º 2 al. e) do CC). Sucede que, tal como tem vindo a ser entendido, para afastar a presunção de comunhão, há que demonstrar uma afectação material ou uma destinação objectiva, já existente à data da criação do condomínio, embora não se exija que ela conste do respectivo título constitutivo da propriedade horizontal (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 15.05.2012 e da RL de 26.04.2017, in www.dgsi.pt). A referida presunção de comunhão só pode, pois, ser ilidida mediante a prova da afectação material ab initio do sótão a algum condómino (vide jurisprudência citada no acórdão da RL de 26.04.2017). Ora, a destinação objectiva ocorre quando, por exemplo, uma parte do edifício só tem acesso ou comunicação através de uma fracção autónoma desse condómino, isto é, à qual só seja possível aceder mediante a fracção adjacente, devendo entender-se, então, que esse espaço pertence à mesma fracção, ainda que a respectiva afectação não conste do título constitutivo da propriedade horizontal, não sendo uma parte comum (cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª edição, revista e actualizada, 1987). Voltando mais uma vez ao caso dos autos, temos que o sótão encontra-se afecto, material e objectivamente, à fracção autónoma designada pela letra E (propriedade dos RR.), pois que é através de uma divisão da mesma que a ele se acede (cfr. als. S) e TT) dos factos provados), situação que, se não contemporânea da construção do edifício, verifica-se, pelo menos, desde a data em que a A. adquiriu o prédio (isto é, 1969 – cfr. als. T) e U) dos factos provados) e, portanto, desde a data da constituição da propriedade horizontal.
A A. é - contrariamente ao que alega na petição inicial - proprietária da fracção C, situada no 1.º andar do prédio, que não tem qualquer ligação com o compartimento situado entre o tecto do último andar e o telhado de cobertura ou sótão. Por isso, nunca poderia entender-se que tal compartimento está afecto, material ou objectivamente, ao uso exclusivo da sua fracção. O facto de ser ter provado que é a A. quem, desde que adquiriu o prédio, tem o acesso exclusivo ao sótão e o vem utilizando, procedendo a reparações e dele retirando frutos civis, não transforma essa utilização na exigida afectação objectiva. Tal utilização exclusiva ocorre, não por força da configuração do edifício (isto é, da contiguidade exclusiva da fracção da A. com o sótão), mas por tolerância dos demais condóminos, mormente, dos condóminos da fracção E (3.º andar), quer permitiram que a A. acedesse ao sótão através de uma divisão dessa fracção. Importa não esquecer que, quando a A. e seu marido iniciaram o acesso e utilização do sótão pela forma descrita nos factos provados, eram proprietários exclusivos do prédio (que só foi constituído em propriedade horizontal em 1982), pelo que, naturalmente, não careceram de autorização de ninguém para o efeito. Quando a A. e seu marido alienaram algumas das fracções autónomas do prédio, os respectivos adquirentes foram, pois, confrontados com uma situação de facto, que se limitaram a tolerar (veja-se, o depoimento da testemunha Sofia Martins, proprietária da fracção E entre 1997 e 2013). Enfim, a inexistência de uma afectação material objectiva entre a fracção da A. e o sótão impede que lhe seja reconhecido o seu exclusivo domínio sobre a coisa. Conforme escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., p. 423, «a afectação a que se alude aqui é uma afectação material - uma destinação objectiva - existente à data da constituição do condomínio. Se, por exemplo, determinado logradouro só tem acesso através de uma das fracções autónomas do rés-do-chão, deve entender-se que pertence a esta fracção (...). E o mesmo se diga, ainda a título de exemplo, do sótão ou das águas furtadas do edifício, quando, no todo ou por parcelas, estejam apenas em comunicação com a fracção ou as fracções autónomas do último piso (faltando esta afectação material, o sótão será comum)».
Também a circunstância de a A. usar exclusivamente o sótão não lhe permite uma aquisição por usucapião, já que sempre lhe assiste, como comproprietária, o direito de aceder e usar o mesmo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1420.º, n.º 1, 1422.º, n.º 1 e 1406.º, n.º 1, do Código Civil. Com efeito, dispõe o art. 1406.º, n.º 2 do CC, que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva. Donde, a posse que a A. exerce sobre o sótão (medida, obviamente, pelo título por que possui) não é susceptível de conduzir à usucapião, dado que as partes comuns não são divisíveis, salvo mediante modificação do título, e o animus da A. corresponde à intenção de se comportar como titular do direito que tem sobre essas partes, que é o de comproprietária (cfr., acórdão da RP, de 25.01.1990, CJ, XV, I, p. 229), sendo certo que a factualidade provada não permite entender que tenha havido qualquer inversão do título por que a A. possui (não podemos esquecer-nos que foi a A. que constituiu o prédio em propriedade horizontal e nela não incluiu, como fracção autónoma, o sótão, mesmo já a utilizando exclusivamente desde data anterior…). Improcede, pois, o primeiro pedido formulado.” 

Diga-se desde já que concordamos com a bem fundamentada sentença proferida pela 1ª instância.

Alegava a A. na sua p.i., como fundamento do seu petitório que “o prédio desde a sua construção, ou seja, desde a sua existência que é sensivelmente de 1920, que é na realidade constituído por seis pisos, constituído cada piso por uma fracção autónoma e distinta, constituindo cada, uma unidade independente. (artº 7º da p.i.) e que “o prédio é constituído na realidade por seis fracções autónomas e distintas, mais precisamente por cave, rés-do-chão, 1º andar, 2º andar, 3º andar e 4º andar, que constituem cada um uma unidade independente, distinta e isolada entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio.” (artº 8 da p.i.)

Mais invoca que este “6º piso - 3º frente - não constou do projecto de licenciamento de obras na Câmara Municipal aquando a construção do prédio e consequentemente não foi participado na matriz e por isso não foi incluído na escritura de constituição de propriedade horizontal, apesar de existir como realidade predial, mas tal não obsta a que a respectiva propriedade seja exclusiva de quem sempre a possuiu e utilizou.” (artº44 da p.i.) e que “As fracções que constituem o prédio, incluindo a fracção conhecida por 3º Frente ( 6º piso ), cumprem os requisitos referidos no artigo 1415º do C. Civil e além disso o prédio respeita todos os requisitos administrativos necessários para a alteração da propriedade horizontal já constituída, mas que não incluiu aquela, ou seja, está em condições de ser emitida a respectiva certificação para que a propriedade horizontal já constituída seja alterada de forma a incluir o 3º Frente – 6º Piso.” (artº 49º da p.i.)

Ora, não sendo pela A. expressamente peticionada a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, com a descrição, como fracção autónoma, do 3º Frente (em acção na qual teriam de ser demandados todos os condóminos), o certo é que o pretendido corresponde a uma implícita alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, mediante decisão judicial que reconhecendo a existência de uma fracção autónoma designada como 3º Frente, reconhecesse a A. como sua exclusiva proprietária por a ter adquirido por usucapião.

A questão que então se coloca, conforme refere o tribunal “ad quo” é a de saber se o sótão ou compartimento situado por cima do 3º andar, pode ser considerado uma fracção autónoma e por esta via susceptível de aquisição por usucapião, assim se alterando o título constitutivo da propriedade horizontal.

A resposta, no seguimento do entendimento expressado pela decisão recorrida, só pode ser negativa.

Conforme dispõe o artº 1414 do C.C., apenas as fracções que constituem unidades independentes podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, estando estas ligadas entre si pela existência de partes comuns afectas ao uso de todas ou algumas unidades (uso exclusivo dos condóminos que a ela têm acesso).

Especifica ainda o artº 1415 do C.C. como critério integrador de constituição em propriedade horizontal, fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com uma saída própria para uma parte comum do prédio, ou para a via pública.

Assim, o que caracteriza o regime de propriedade horizontal é a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectos ao serviço do todo, segundo o estabelecido nos artigos 1414º e seguintes do Código Civil.

Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçosamente comuns.

Assim, “a propriedade horizontal é integrada por um concurso de dois direitos. Há um direito de plena propriedade sobre as partes privativas (cada condómino é pleno proprietário de cada uma das fracções independentes de que se compõe o prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal) e este direito é uma plena “in res potestas” conferindo os poderes de proprietário. Coexiste com esta plena propriedade, uma compropriedade nas partes comuns (cada um dos condóminos é, além de proprietário pleno da sua parte privativa, comproprietário das partes comuns), que está ligada à propriedade plena da parte privativa, de tal forma que, na alienação do direito de propriedade horizontal vão coenvolvidos a propriedade sobre a parte privativa e o direito de compropriedade sobre as partes comuns.” (Direitos Reais, Mota Pinto, págs. 274).

Nos termos do disposto no artº 1417 do C.C, a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, a requerimento de cada consorte, desde que se verifiquem as circunstâncias previstas no artº 1415 do C.C.

Por sua vez, dispõe o artigo 1418 do C.C., que no título constitutivo serão especificadas as partes do edifício que correspondem às várias fracções, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio podendo ainda este título indicar a menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum, o regulamento do condomínio e a previsão do compromisso arbitral para resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.

Ora, a A. e seu falecido marido constituíram a propriedade horizontal sobre este imóvel sito na R. SF nº ..., indicando como fracções autónomas: A - cave, com a percentagem de 16; B - rés-do-chão, com a percentagem de 21; C - 1.º andar, com a percentagem 21; D - 2.º andar, com a percentagem de 21; E - 3.º andar, com a percentagem de 21, sendo certo que as fracções B, C, D e E, têm a mesma permilagem e composição, nomeadamente conforme consta da escritura referida, “cinco casas assoalhadas, cozinha e casa de banho”.

Da caderneta predial urbana deste imóvel, constam as referidas fracções como sendo constituídas por 5 assoalhadas, tendo as fracções D e E a mesma área, ou seja 89,0000 mts2.

Não constou desta escritura a constituição de qualquer fracção correspondente ao 3º Frente, apesar de já nesta data existir este compartimento adaptado a habitação, nem a indicação das partes comuns do edifício, sendo certo que as partes comuns de um imóvel não necessitam de ser especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal. São consideradas comuns por exclusão de partes, todas aquelas que no respectivo título de constituição de propriedade horizontal, não foram especificadas como fracções autónomas e individualizadas, dividindo-se então em partes imperativamente comuns e partes presuntivamente comuns.

Conforme refere Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil, em anotação ao artº 1421, a págs. 420 “No elenco das coisas forçosa ou necessariamente comuns cabem não só as partes do edifício que integram a sua estrutura(como elementos vitais de toda a construção), mas ainda aquelas que, transcendendo o âmbito restrito de cada fracção autónoma, revestem interesse colectivo, por serem objectivamente necessárias ao uso comum do prédio.
Quanto às primeiras (as que pertencem à estrutura da construção), elas são comuns, ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos.
Quanto às segundas a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, mas a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos do uso comum do prédio.

O sótão é parte comum de igual uso por todos os condóminos, ainda que com entrada exclusiva por um dos andares, a menos que o seu uso exclusivo tenha sido atribuído no título constitutivo da propriedade horizontal ao condómino por cuja fracção se faz o acesso.

Não sendo, no entanto, parte imperativamente comum, nada impediria que fosse especificado como fracção autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal, ou objecto de aquisição por usucapião, desde que, num caso e noutro, fossem observados os requisitos previstos no artº 1415 do C.C. – unidade distinta e independente, com acesso próprio e directo à via ou a parte comum do prédio. (neste sentido vidé Ac. R.Lisboa de 20/11/2007, relatora Rosa Ribeiro Coelho, Proc. nº 5404/2007-7, disponível para consulta in www.dgsi.pt)

Isto porque, a aquisição por usucapião não se destina a dar cobertura a actos de clandestinidade ou a obter por via deste instituto aquilo que não poderia ser obtido por outra via.

Não foi, no entanto, este compartimento designado como 3º Frente, especificado como fracção autónoma no título constitutivo da propriedade horizontal pela A. e seu falecido marido, que a constituíram, apesar de ter existência física, atribuindo-lhe então (por exclusão) a natureza de parte comum do imóvel, objecto de compropriedade por todos os demais condóminos.

Tal como o considerou a decisão recorrida, não o foi pelas mesmas razões que obstam agora à pretensa aquisição por usucapião pela A.

É que o referido sótão, identificado pela A. como 3º Frente, não constitui uma unidade independente, autónoma e com acesso directo à via pública, nem consta como tal das plantas do imóvel.

Neste compartimento situado entre o tecto do último piso e o telhado foi, em data não apurada, instalado um apartamento para habitação, constituído por um corredor, uma sala, quatro quartos (um deles interior), um espaço indiferenciado, uma cozinha e uma casa de banho (alínea O) e designado por 3.º Frente, situando-se as escadas de acesso ao mesmo ao nível do 3.º andar (alínea Q), sendo que o acesso a este apartamento, faz-se a partir da porta comum de entrada do prédio, que deita para a via pública, passando pelo hall comum da entrada do prédio e segue pelas escadas comuns do prédio, que dão acesso aos 1.º, 2.º e 3.º andares (alínea R), tendo acesso exclusivo a partir de uma porta que se situa ao cimo das escadas comuns, ao nível do 3.º andar, sendo que essa porta dá acesso a uma das divisões da fracção autónoma do 3.º andar (fracção E), que foi transformada num espaço tipo hall e onde foram instaladas umas escadas de acesso ao dito apartamento (alínea S).

Mais resultou que, para além da referida entrada directa para as escadas do prédio, a referida assoalhada que corresponde ao denominado “quarto independente”, tem uma outra porta com acesso ao salão da fracção E, sendo por essa fracção que a A. e o seu falecido marido acediam ao sótão, designado por 3º Frente (alíneas RR e SS).

Que assim é, resulta desde logo da planta desta fracção E junta aos autos, da sua descrição matricial e da própria configuração que a A. e seu marido deram a esta fracção no título constitutivo da propriedade horizontal - fracção constituída por 5 assoalhadas (e não quatro), não tendo cabimento a alegação da A. de que os RR. não provaram que esta fizesse parte da sua fracção- efectivamente faz parte porque assim foi declarado pela própria A. no título constitutivo da propriedade horizontal e assim consta da descrição matricial e da respectiva planta.

Destes factos, resulta que os anteriores proprietários plenos deste imóvel, afectaram uma das divisões do 3º piso, de forma a criar um acesso ao sótão, criando, à revelia das disposições do RGEU e do necessário licenciamento, mais um piso deste imóvel, situado por cima do piso 3º, contornando as dificuldades que impediam a legalização do mesmo e a sua descrição na escritura de propriedade horizontal, designando-o então por 3º Frente.

Ora, conforme refere Henrique Mesquita (in “A propriedade horizontal”, pág. 94) “o título constitutivo é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico. Estas regras embora resultantes de uma declaração negocial, adquirem força normativa ou reguladora vinculando, desde que registadas, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento”.

Porém, a liberdade de modelação do regime da propriedade horizontal está fortemente condicionada não apenas pelo facto de se tratar de um direito real, subordinado ao princípio da tipicidade, mas também por razões de interesse público, designadamente decorrentes dos direitos de edificação e do ambiente, de forma a evitar dar cobertura por esta via a situações de clandestinidade, como é o caso dos autos.

Como no âmbito do condomínio, pela sua natureza e função, o valor privilegiado é o da estabilidade, compreende-se que a lei, no já citado art. 1419º, nº 1, confira ao título constitutivo da propriedade horizontal um carácter de imutabilidade, permitindo a sua alteração apenas quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente corporizado em escritura pública ou documento particular autenticado.

Pretende-se assim evitar que a posição relativa de cada condómino seja alterada por via negocial sem o seu consentimento, em clara violação do disposto no artº 1306 do C.C.
Daqui se conclui que a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas pode ser efetuada em conformidade com o preceituado no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião (neste sentido Acs. STJ de 15.11.2011, proc. 718/03.6 TBPNL.L1.S1, de 20.10.2011, proc. 369/2002.E1.S1, de 13.12.2007, proc. 07A3023; Ac. Relação do Porto de 30.9.2014, proc. 1388/09.3 TBPVZ.P1 todos disponíveis in www.dgsi.pt.), com mexcepção do previsto no artº 1422-A do C.P.C.

Posto isto, “a usucapião só opera a aquisição do direito real por forma correspondente ao direito sobre o qual se exerce a posse (…) na propriedade horizontal, o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre frações autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do Cód. Civil). Assim, a usucapião apenas é possível quanto a frações autónomas inteiras e não no tocante a partes destas (Cfr. Ac. STJ de 13.12.2007, proc. 07A3023, disponível in www.dgsi.pt). Aliás, se tal fosse permitido estar-se-ia a infringir a norma legal contida no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil que exige para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal o acordo de todos os condóminos consubstanciado em escritura pública ou documento particular autenticado.” (Ac. da R.Porto de 13/09/16, relator Rodrigues Pires, Proc. nº 2144/10.1TBPVZ.P1.)

Ora a A., por esta via, pretende contornar a impossibilidade legal de erigir em fracção autónoma o denominado 3º Frente e exercer o direito de propriedade exclusiva quer sobre parte comum (sótão) quer sobre uma parte da fracção E, o que lhe está vedado quer por via do disposto no artº 1306, quer por via do disposto no artº 1415 e 1419 do C.C., quer ainda por via das regras de urbanismo previstas no RGEU (artºs 79 e 80).

A apelação improcede assim no seu todo.   
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação julgar improcedente a apelação e confirmar na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa 25/01/18


                                  
(Cristina Neves)                                  
(Manuel Rodrigues )                                  
(Ana Paula A.A. Carvalho)