Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
613/95.0TBFUN.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITO DE QUEIXA
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
COMPARTICIPAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
IMPEDIMENTO
IMUNIDADE PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: A sociedade com o decurso do tempo sob a prática de ilícitos penais vai diminuindo de intensidade no objetivo e necessidade de perseguir e punir os seus autores, daí a natureza do próprio instituto da prescrição, com prazos tanto mais curtos quanto menor a gravidade do crime e correlativa pena associada. Porém, se o legislador quisesse, e não quis, teria na contagem dos prazos máximos prescricionais incluído e não excluído os períodos de tempo de suspensão, mormente nos casos, como o presente, em que tal suspensão vigorava e decorria por força de imunidade que não foi levantada pelo Conselho de Estado.
E podemos compreender tal razão à luz de se evitarem situações de manifesta e total impunidade por parte dos titulares dos mais altos cargos políticos da Nação, que seriam porventura mais facilmente levados a cometer pequenos delitos acobertados por imunidade que sabem dificilmente será afastada e que se pode vir a prolongar no tempo, perante a previsibilidade de quase segura reeleição popular numa época, como a dos autos, em que nem sequer havia limitação relativamente ao número de mandatos, logo contando com uma inevitável prescrição do procedimento criminal.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No processo comum n.º 613/95.0TBFUN, da Comarca da Madeira – Instância Local do Funchal – Secção Criminal – J3, em que é arguido AA, melhor id. nos autos a fls. 219 (TIR prestado a 3 de Março de 2016), foi, em 1 de Abril de 2016, proferido despacho judicial designando o dia 3 de Junho deste ano para a realização da audiência de discussão e julgamento, depois de no mesmo, constante de fls. 255 a 267, ter decidido serem improcedentes todas as questões prévias que o arguido suscitou, as quais, no seu entender, determinariam o arquivamento dos autos.

2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
1. Está em causa um crime particular, pelo que a participação ou queixa deveria ter saído apresentada pelo ofendido, ou por Advogado com poderes especiais para o efeito, como era, então, legalmente exigido.
2. O Ilustre Advogado que subscreveu a queixa não tinha poderes especiais para o efeito, e o queixoso não procedeu, até hoje, à adequada e formal ratificação da gestão de negócios em causa, pelo que se operou, há muito, a caducidade do direito de queixa.
3. Sem a ratificação da gestão ou a necessária habilitação com poderes especiais, o mandatário não pode, per saltum, deduzir acusação.
4. A queixa e a acusação deveriam ter sido imperativamente apresentadas e deduzidas contra o Director do Jornal CC, por força da comparticipação criminosa e o princípio da indivisibilidade, pelo que o despacho recorrido violou a alínea a) do nº 2., do artº 26º do Dec-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, na redacção então vigente.
5. Foi ouvido nos autos, pelo senhor funcionário judicial, tendo prescindido de defensor, o Director Adjunto do Jornal CC, DD, mas apenas sobre o exercício do direito de resposta.
6. Não é indiferente a queixa e a acusação serem deduzidas contra o Director ou seu substituto, dependendo do primeiro estar, ou não, em funções na data da publicação dos artigos objecto da queixa.
7. A não dedução de acusação contra o Director do Jornal equivale à desistência de queixa em relação a este, o que aproveita ao arguido, recorrente, como decorre da alínea a) do nº 2., do artº 26º do Dec-Lei nº 85-C/75, e do nº. 2 do artº 114º do CPenal de 1982.
8. Ocorre, pois, a caducidade do direito de queixa, que é de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo, e, como tal, não tem de ser arguida até ao termo da instrução, ao contrário do decidido pelo despacho recorrido.
9. Todo o procedimento desencadeado e diligências realizadas nos autos sem a prévia autorização do Conselho de Estado e da Assembleia Legislativa da Madeira implica a sua inexistência, não podendo relevar para efeito de suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento criminal.
10. Passados 22 anos deixou de haver qualquer legitimidade punitiva, sendo que o recorrente não pode ser prejudicado pela falta de autorização do Conselho de Estado, por via de deliberação a que foi alheio.
11. Desta forma e com os fundamentos supra referidos deve ser declarado extinto o procedimento criminal por prescrição, ser não se considerar prejudicado, como parece, pela caducidade do direito de queixa já invocado.
12. A Lei nº 15/95, de 15 de Maio, ao estabelecer que a falta de indicação na queixa de qualquer das pessoas referidas no artº 26º do Dec-Lei nº 85-C/756, não implica a renúncia ou desistência do direito de queixa, revela bem que, antes daquela Lei, era imperativa a comparticipação criminosa, aproveitando a qualquer arguido a falta de queixa ou acusação relativamente aos demais.
13. O despacho recorrido, para além das disposições já citadas, violou ainda, entre outras, as seguintes disposições legais: artºs 29º, nº 4., 50º e 142º da C.R.P., nº 2., do artº 64º do Estatuto Político-Administrativo da RAM, nº 2., do artº 16º da Lei nº 31/84, os artºs 20º e 26º do Dec-Lei nº 85-C/75, na redacção então vigente, e ainda o artº 114º, nº 3., do CPenal de 1982 e artºs 112º e 115º do actual CPenal.

Termos em que deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogado o douto despacho recorrido, com legais consequências, tudo como é de Direito de Justiça." (fim de transcrição).

3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 310.

4. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

"Deve negar-se provimento ao recurso;

Manter -se o do douto despacho que conheceu e indeferiu as questões prévias suscitadas pelo recorrente e designou data para a realização de audiência de julgamento.

Vossas Excelências, porém, melhor apreciarão, Fazendo, como sempre, Justiça." (fim de transcrição).

Respondeu também o assistente BB igualmente defendendo a confirmação do decidido, nos termos constantes de fls. 308 e v.º, que aqui, para todos os efeitos, se dão por integralmente reproduzidos.

5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, afirmando aderir à posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância (cfr. fls. 347).

6. Foi cumprido, oficiosamente, o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo o recorrente reiterado a posição assumida no recurso (cfr. fls. 352).

7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese e socorrendo-nos, em parte, da sua própria sistematização, as seguintes:
· Estão em causa nos autos meros crimes particulares dependentes de queixa e, para tanto, necessário era que a participação ou queixa fosse apresentada no prazo de seis meses, pelo próprio ofendido ou por Advogado com poderes especiais para o efeito, o que não aconteceu, no caso dos autos, tendo assim caducado o direito de queixa;
· Não foi apresentada queixa contra o Diretor do Jornal CC, com preterição da alínea a) do n.º 2., do art. 26.º do Dec-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, sendo que, mesmo entendendo, eventualmente, a participação apresentada como extensiva ao Diretor daquele Jornal, o facto de contra ele não ter sido deduzida acusação equivale a desistência da queixa, o que aproveita ao arguido, recorrente, por força do n.º 3, do art. 114.º do C.Penal de 1982;
· A notificação da acusação e do despacho de pronúncia, bem como da data designada para julgamento, não podem, por força da falta de autorização dos órgãos constitucionais Conselho de Estado e Assembleia Legislativa da Madeira para o processo prosseguir, ter a virtualidade de suspender ou interromper a prescrição do procedimento criminal, que entretanto, decorridos 22 anos sobre a data da prática dos factos, ocorreu.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que é do seguinte teor:

"Requerimento de fls. 229 e seguintes, junto aos autos no dia 31/03/2016:

Da leitura do requerimento apresentado pelo arguido retira-se que o mesmo pretende que seja adiado ou dado sem efeito o julgamento designado.

Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese, o seguinte:

1- Que se encontra extinto o direito de queixa;

2- Que se extinguiu, por prescrição, o procedimento criminal;

3- Que devido à complexidade das questões suscitadas, não há tempo útil para a apreciação do teor do requerimento apresentado.

A primeira questão invocada, pode subdividir-se em duas subquestões, uma primeira relativa à falta de queixa propriamente dita, uma outra relativa à falta de queixa relativa aos comparticipantes.

(…)

Concluímos que o direito de queixa foi válida e tempestivamente exercido de uma forma inequívoca, por quem para tal tinha legitimidade, por ser o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

(…)

era a seguinte a redacção dos preceitos do Cód. Penal em vigor na data dos factos, no que respeita à prescrição do procedimento criminal:

ARTIGO 117.º

Prazos de prescrição)

1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime sejam decorridos os seguintes prazos:

a) 15 anos, quando se trate de crimes a que corresponda pena de prisão com um limite máximo superior a 10 anos;

b) 10 anos, quando se trate de crimes a que corresponda pena de prisão comum um limite máximo igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos;

c) 5 anos, quando se trate de crimes a que corresponda pena de prisão com um limite máximo igual ou superior a 1 ano, mas que não exceda 5 anos;

d) 2 anos, nos casos restantes.

2 - Para determinação do máximo da pena aplicável a cada crime a que se refere o número anterior, não contam as agravantes ou atenuantes que, dentro do mesmo tipo de crime, modifiquem os limites da pena.

3 - Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa ou conjuntamente, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeitos deste artigo.

ARTIGO 118.º

(Início do prazo)

1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou. 2 - Porém, o prazo de prescrição só corre:

a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessa a consumação;

b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto criminoso;

c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.

3 - No caso de cumplicidade atender-se-á sempre, para os efeitos deste artigo, ao facto do autor. 4 - Quando a produção de certo resultado não faz parte do tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que o resultado se verifique.

ARTIGO 119.º

(Suspensão da prescrição)

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal;

b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;

c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 2 anos, quando não haja lugar a recurso, ou 3 anos, havendo-o.

3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessa a causa da suspensão.

ARTIGO 120.º

(Interrupção da prescrição)

1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:

a) Com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória;

b) Com a prisão;

c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente;

d) Com a marcação do dia para o julgamento no processo de ausentes.

2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo prescricional.

3 - A prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos, o limite máximo da prescrição corresponderá ao dobro desse prazo.

(…)

Da conjugação de todas estas normas resulta que a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá, no caso dos autos, no prazo sete anos e meio contados desde a consumação do crime, ressalvados os períodos de suspensão – de 9-11-1995 a 20-04-2015.

Isto é, ressalvado o período de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, decorreram apenas 22 meses e 31 dias dos 7 anos e 6 meses admissíveis para o prosseguimento criminal.

Não se mostra, pois, prescrito o procedimento criminal instaurado contra o arguido.

(…)

Assim sendo, indefere-se o requerido.

Para julgamento, designo agora o próximo dia 3 de Junho pelas 14.30h.

Notifique." (fim de transcrição).

 

3. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

3.1. Começa o arguido AA por alegar que nos autos estão apenas em causa crimes particulares, como tal dependentes de queixa, a ser necessariamente apresentada, no prazo de seis meses, pelo próprio ofendido ou por Advogado com poderes especiais para o efeito, o que não aconteceu, no caso dos autos, tendo assim caducado o direito de queixa.

Ora, como de resto na própria decisão recorrida se assinala, no dia 1 de Fevereiro de 1995, o ofendido BB foi admitido a intervir nos autos como assistente (cfr. fls. 48) e, nessa qualidade, foi inquirido no dia 13 de Fevereiro de 1995, como se alcança do auto de inquirição de fls. 50, momento em que “confirmou na íntegra a teor da participação de fls. 2 e verso dos autos por corresponder à verdade.” Ou seja, que queria participar criminalmente contra AA enquanto autor dos escritos por si redigidos e publicados nas edições do “Jornal CC” de 23 e 26 de Novembro de 1994, artigos que, na opinião de BB “contêm palavras, afirmações ou juízos dirigidos ao requerente, ofensivos da sua honra e consideração. – O autor dos escritos, bem sabendo disso que e que aqueles seus comportamentos eram punidos por lei, constituindo crimes, não se absteve deles. Porque assim deseja e requer o queixoso que se proceda criminalmente contra o autor dos mesmos escritos” (sic in fls. 2 e vº).

Estavam, então (13 de Fevereiro de 1995), decorridos menos de três meses sobre a data da prática dos factos em apreço nos autos, cometidos, como dissemos, em 23 e 26 de Novembro de 1994, logo dentro do prazo de seis meses que a lei lhe impunha para tempestivamente ser formalizada a queixa-crime e por quem tinha legitimidade para o efeito.

Assim, mesmo sem necessidade de se apreciar se o advogado - que dispunha e juntou “PROCURAÇÃO” com “os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos” (vd. fls 37) – ao apresentar em 3 de Janeiro de 1995 a queixa-crime de fls. 2 tinha ou não poderes para o fazer, com a subsequente intervenção nos autos do ofendido BB, nos termos em que o fez e com o que então declarou, a questão nem sequer tem razão de existir.

Com efeito, se falta de competente e legal queixa havia, à data de 13 de Fevereiro de 1995, passou a mesma a estar devidamente formalizada e/ou ratificada, quando iam tão-só decorridos dois meses e alguns dias dos seis meses de que dispunha para o ofendido BB o fazer.

Mas mesmo que assim não se entenda, a haver qualquer nulidade esta não seria insanável (vd. art. 119.º, a contrario, do CPP), mas dependeria da sua tempestiva arguição o que in casu não sucedeu, pois, “tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução” está terá de ser invocada “até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito”, como resulta do preceituado na conjugação dos n.°s 2, alínea d), e 3, alínea c) do art. 120.º do CPP.

Pelo que bem andou a decisão recorrida no tratamento desta questão e ao afirmar a dado-passo:

“Neste ponto, diremos desde logo que relativamente à alegada falta de ratificação da queixa, esta questão teria que ser levantada no seu momento próprio, no requerimento de abertura de instrução ou em sede de reclamação hierárquica após o acompanhamento da acusação particular pelo Ministério Público.

Tal não sucedeu.

Com efeito, a referida nulidade, como refere o arguido, a ter existido está sanada, por não ter sido tempestivamente arguida.” (fim de transcrição).

Destarte, improcede o recurso neste segmento.

3.2. Mais alega o arguido AA que a falta de apresentação da queixa e da dedução de acusação (particular) contra o então Diretor do Jornal CC, tem como consequência o arquivamento do procedimento criminal relativamente aos demais comparticipantes nesse crime, prejudicando a realização de julgamento.
Sem razão.

Com efeito, como doutamente expendeu o Ministério Público na sua resposta ao recurso e também mui acertadamente se exarou na argumentação da decisão recorrida, nos crimes de natureza particular em que é denunciada ab initio uma situação de comparticipação, nem sempre será deduzida acusação particular contra todos os comparticipantes, sem que ta1 constitua uma renúncia tácita ao exercício do direito de queixa ou uma desistência de queixa.
Nesta sede são também validos os fundamentos que poderão conduzir ao arquivamento dos autos quanto ao comparticipante nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1 e/ou 2, do CPP.

Na realidade, tanto nos casos em que o procedimento criminal dependa de acusação particular como nos casos dos crimes de outra natureza, estão ressalvados os casos em que a omissão do assistente seja justificada pela circunstância de ele concluir pela inexistência de indícios suficientes para deduzir acusação contra essa pessoa.
Com evidência, o assistente não tem legitimidade para determinar um arquivamento por falta de indícios. Assim, o assistente BB pugnou pela dedução de acusação particular contra o autor dos artigos de opinião, o ora arguido AA, como resulta de tal peça processual, constante nos autos a fls. 65-66. E o Ministério Publico, conforme decorre do despacho de fls. 67 dos autos, determinou o arquivamento parcial do inquérito, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPP, por falta de legitimidade para por si só prosseguir com a ação penal contra DD, constituído e interrogado como arguido no decurso do inquérito (cfr. auto de interrogatório de arguido e prestação de termo de identidade e residência de fls. 60-61 e 62, respetivamente), enquanto Director Adjunto do Jornal CC, funções que exercia na data dos factos vertidos na acusação particular, e em que era “substituto legal do Diretor do “Jornal CC””, EE. Acusação particular que o Ministério Publico acompanhou (vd. fls. 67).
Acresce, não ser exato, como alega o recorrente, que naquele interrogatório de arguido do então Director Adjunto do Jornal CC DD o mesmo tão só tenha sido confrontado “apenas sobre o exercício do direito de resposta” (cfr. sua 5ª conclusão), como claramente resulta a partir da penúltima linha de fls. 60 vº e de fls. 61.
O artigo 117.º do Código Penal estatui que o disposto nos artigos que o antecedem sob o mesmo título (Título IV do Livro I, com a epigrafe “Queixa e acusação particular”) é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular.
Mesmo no âmbito da redação do artigo 285.º do CPP anterior a introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, já a doutrina entendia que era de negar a aplicabilidade à acusação particular das normas e princípios referentes a queixa, em matéria do seu alcance ou da extensão dos seus efeitos.
Já então se considerava, pois, que o titular do direito de acusação podia exercê-lo só contra algum ou alguns dos comparticipantes, até por poder entender que só quanto a esse ou esses existiam indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem eram os seus agentes.
Apesar disso, suscitavam-se, então, algumas dúvidas na jurisprudência, sendo disso exemplo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Julho de 2006, proferido no processo 2892/06, publicado na Col. Jur., tomo III/2006, páginas 223- 224.
Após a introdução — pela referida Lei n.º 48/2007 — do n.º 2 do citado artigo 285.º do CPP, a questão tornou-se mais clara, ao prever-se que a notificação para eventual dedução de acusação fosse acompanhada de uma indicação do Ministério Publico sobre a existência ou não de indícios suficientes de crime e de quem foram os seus agentes.
Deve entender-se, pois, que a remissão feita pelo artigo 117.º do Código Penal para o artigo 115.º do mesmo diploma significa apenas que o regime da queixa é o mesmo, quer se trate de um crime particular quer de um crime semipúblico.
E, como já referido, na apresentação da queixa não se exige, quer a qualificação jurídica dos factos, quer a sua completa concretização, nem tão pouco se exige a identificação, total ou parcial, do(s) sujeito(s) ativo(s) do delito. Matéria que melhor será depois apurada no inquérito.
O art. 117.º do Código Penal não sofreu alterações desde o Cód. Penal de 1982, aprovado pelo DL n.º 400/82, de 23 de Setembro, na versão do DL n.º 132/93, de 23 de Abril.
Nem se refira que o mencionado regime legal se mostrava afastado pelo diploma legislativo invocado pelo arguido como lei aplicável na data dos factos - DL n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, que no seu art. 26.º dispunha o seguinte:

1. (...)

2. Nas publicações periódicas são criminalmente responsáveis, sucessivamente:

a) O autor do escrito ou imagem, se for susceptível de responsabilidade, salvo nos casos de reprodução não consentida, nos quais responderá quem a tiver promovido, e o director do periódico ou seu substituto legal, como cúmplice, se não provar que não conhecia o escrito ou imagem publicados ou que não lhe for possível impedir a publicação;

b) O director do periódico ou seu substituto legal, no caso de escritos ou imagens não assinados ou de o autor não ser susceptível de responsabilidade, se não se exonerar da responsabilidade na forma prevista na alínea anterior,

c) O responsável pela inserção, no caso de escritos ou imagens não assinados publicados sem conhecimento do director ou seu substituto legal ou quando a estes não foi possível impedir a publicação.

3. Para os efeitos de responsabilidade criminal, o director do periódico presume-se autor de todos os escritos não assinados e responderá como autor do crime, se não se exonerar da sua responsabilidade, pela forma prevista no número anterior.

4. Os membros do conselho de redacção, quanto ás matérias em que este disponha de voto deliberativo, serão responsáveis nos mesmos termos do director, salvo se provarem não ter participado na deliberação ou se houverem votado contra ela.

5. Os técnicos, distribuidores e vendedores não são responsáveis pelas publicações que imprimirem ou venderem no exercício da sua profissão, excepto no caso de publicações clandestinas apreendidas ou suspensas judicialmente, se se aperceberem do carácter criminoso do seu acto. (fim de transcrição).

Reitera-se, pois, que o inquérito correu contra os comparticipantes tendo o inquérito sido arquivado, nos termos do art. 277.º, n.º 1 do CPP, quanto a um dos comparticipantes e, prosseguido contra o arguido AA, com a dedução de acusação particular contra ele formulada pelo assistente, acompanhada, in totum, pelo Ministério Publico.
Os argumentos que aduzimos quanto a intempestividade da alegação da falta de queixa, valem aqui, em idêntico sentido, porquanto a questão em apreço, a ser suscitada pelo arguido, tinha o seu momento próprio no requerimento de abertura de instrução (ou melhor dito, na terminologia da lei vigente na data dos factos, na “instrução contraditória” - art. 41º, n.° 1 do DL n.° 85-C/75 de 26 de Fevereiro) ou em sede de reclamação hierárquica após o acompanhamento da acusação particular, pelo Ministério Publico.
Tal não sucedeu, pelo que a referida nulidade a ter existido esta sanada, por não ter sido tempestivamente arguida, por se tratarem de actos a praticar no inquérito e, portanto, cominados com nulidade pelo artigo 120.º, n.° 2, d) do CPP, o que implicava a respetiva arguição, nos termos do art. 120.º, n.° 3, c) do mesmo Código.

Termos em que, também neste particular, o recurso não pode lograr provimento.

3.3. Finalmente, alega o arguido e ora recorrente AA que se extinguiu, por prescrição, o procedimento criminal.
Vejamos.

O arguido AA, como resulta de fls. 112 a 115, foi, em 12 de Outubro de 1995, pronunciado como autor de um crime de abuso de liberdade de imprensa previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 26.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, e 164.º, n.º 1, e 167.º, n.° 2, do Código Penal de 1982 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro), e à data da decisão instrutória p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal vigente.

O artigo 164.º do Código Penal, à data dos factos, preceituava:

«1. Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias.

2. O agente não será punido:

a) Quando a imputação for feita para realizar o interesse publico legitimo ou por qualquer outra justa causa, e

b) Prove a verdade da mesma imputação ou tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira.

6. A boa fé exclui -se quando o agente não tiver cumprido o dever da informação, que as circunstancias do caso impunham, sobre a verdade da imputação. (fim de transcrição).


O n.º 2 do artigo 167.º do Código Penal agravava a pena de prisão até 2 anos e a multa até 240 dias, para os crimes cometidos através dos meios de comunicação social.
O n.º 1 do artigo 25.° da Lei de Imprensa, na redação vigente a data dos factos (Decreto-Lei n.º 85-C/78, de 26 de Fevereiro), dispunha:

«Consideram-se crimes de abuso de liberdade de imprensa os actos ou comportamentos lesivos de interesse jurídico penalmente protegido que se consumam pela publicação de textos ou imagens através da imprensa.»
O n.º 2 deste mesmo artigo esclarecia que a estes crimes era aplicável a legislação penal comum.
Previa também que se o agente do crime não tivesse sofrido anteriormente condenação alguma por crime de liberdade de imprensa, a pena de prisão poderia ser substituída por uma simples multa pecuniária em vez de uma pena privativa de liberdade.

Efetuado o cotejo do direito substantivo aplicável na data dos factos, verifica-se que o crime indiciariamente imputado ao arguido é punido, em abstrato, com pena de prisão até dois anos e multa até 240 dias.
Nos termos do art. 119.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, sendo que o prazo de prescrição só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação.
Nessa consonância, dispunha o art. 27.º da Lei de Imprensa, sob a epígrafe “Consumação e agravação de crimes de imprensa”, o seguinte:

1. Os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 166.º, 181.°, 182.º e 411.º do Código Penal consumam-se com a publicação do escrita ou imagem em que haja injúria, difamação ou ameaça contra as pessoas aí indicadas.

2. A publicação, pela imprensa, da injúria, difamação ou ameaça contra as autoridades públicas considera-se como feita na presença delas.

Importa, pois, rever o regime previsto para os prazos de prescrição do procedimento criminal do Cód. Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, lei em vigor na data dos factos vertidos na acusação, e que era o constante dos artigos 117.º a 120.º, cuja redação integral foi feita na decisão recorrida, que supra deixámos transcrita, e aqui se dá nessa parte de novo por integralmente reproduzida, para, por economia de texto, nos não repetirmos (vd. páginas 10 e 11 do presente acórdão).
Nos autos estão em causa dois artigos de opinião que foram publicados no órgão de comunicação social escrito diário “Jornal CC”, como vimos, nas suas edições de 23 e 26 de Novembro de 1994 e passíveis de consubstanciarem no seu teor a prática de crime(s) punido(s), em abstrato, com pena de prisão até dois anos.

Assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos da al. c) do n.º 1 do supra citado art. 117.º do Cód. Penal de 82.
Porém, de acordo com o art. 120.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal de 82, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se, no caso que ora nos interessa, com a notificação do arguido da data designada para a audiência de julgamento (despacho equivalente ao despacho de pronúncia, pese embora in casu este também tenha sido proferido em 12 de Outubro de 1995 a fls. 112 a 114 vº, mas de que o arguido não foi pessoalmente notificado por que “havia pedido dispensa, através do seu advogado, que lhe foi concedida” – vd. acta de debate instrutório de fls. 115).
No caso dos autos e no que importa, o arguido foi notificado no dia “9/11/1995” do despacho de fls. 138, proferido em 3 de Novembro de 1995, que designou data para a realização de julgamento (cfr. AR junto a fls. 143 e vº dos autos).
Relevando aqui o Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2001, DR, I Série-A, de 15-03-2001, nos termos do qual: “Instaurado  processo  criminal   na vigência do Código de Processo Penal de 1987, por crimes praticados antes de 1 de Outubro de 1995,  a  notificação  ao  arguido  do  despacho  que  designa  dia  para julgamento, proferido nos termos dos artigos  311.º a 313.º daquele  diploma, na versão originária, suspende e interrompe a prescrição do  procedimento criminal, de acordo com os artigos  119.º, n.º 1, alínea b), e  120.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal de 1982, também na sua versão originária”.
E no caso dos autos, não tendo havido recurso do despacho que designou a data de 24 de Novembro de 1995, para realização de julgamento, o prazo interrompeu-se a 9 de Novembro de 1995, começando nessa data a correr novo prazo de prescrição, nos termos do art. 120.º, n.ºs 1, c) e 2.

Entretanto, ocorreu uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

Com efeito, nos termos do art. 119.º, n.º 1, alínea a), do Cód. Penal de 82, a prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que, “O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal (...)”

Compulsados os autos verifica-se que, em 10 de Novembro de 1995, na sequência de requerimento do arguido de fls. 141, foi prolatado o douto despacho de fls. 147, que determinou que se oficiasse ao Conselho de Estado, atento o disposto nos artigos 2.º, al. e) e 14.º, n.º 2 da Lei n.º 31/84, de 6 de Setembro, a fim de que o referido órgão decidisse se, para efeitos de prosseguimento dos autos, suspendia ou não o arguido de membro de Conselho de Estado, funções que detinha por inerência do cargo de Presidente do Governo Regional da Madeira de que então era titular (vd. art. 2.º, al. e) da Lei n.º 31/84 - Estatuto dos membros do Conselho de Estado).

E era esse, e não antes, o exato momento processual em que tal questão se devia suscitar em vista da suspensão do processo, atento o disposto em matéria de “Imunidades” no n.º 2 do artigo 14.º (epigrafado “Inviolabilidade”) do referido Estatuto dos membros do Conselho de Estado (Lei n.º 31/84) onde se estabelece: “Movido procedimento criminal contra algum membro do Conselho de Estado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, o Conselho decidirá se aquele deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.”

Com efeito, o arguido AA só em 12 de Outubro de 1995, como resulta de fls. 112 a 115, havia sido indiciado definitivamente por despacho de pronúncia, tudo como resulta de fls. 112 a 115.

Alega o recorrente na sua 9ª conclusão que: “Todo o procedimento desencadeado e diligências realizadas nos autos sem a prévia autorização do Conselho de Estado e da Assembleia Legislativa da Madeira implica a sua inexistência, não podendo relevar para efeito de suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento criminal.”

Tal alusão é inteiramente correta quando interpretada relativamente a todos os procedimentos desencadeados e diligências realizadas após ficar indiciado definitivamente por despacho de pronúncia, atenta a moldura da pena que em abstrato cabe ao crime pelo qual ficou pronunciado e o que estabelece quanto a imunidades o Estatuto dos membros do Conselho de Estado. Já não o será, porém, se interpretada com referência aos procedimentos desencadeados e diligências realizadas ao longo do inquérito e instrução até à pronúncia, relativamente aos quais não gozava o arguido de qualquer imunidade.

Feito este parêntesis dir-se-á que, em resposta ao mencionado oficio do Tribunal a quo, o Conselho de Estado informou os autos que, “na sua reunião do dia 15 de Abril de 1997, deliberou não autorizar a suspensão de membro do Conselho de Estado o Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. AA, para efeitos de prosseguimento do processo comum singular n.º 613/95, em que é arguido” (cfr. oficio de fls. 159).
Temos, pois que, em 15 de Abril de 1997, operou-se a referida causa de suspensão do prazo de prescrição, pois tal como foi o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 175/07.8TASRT-B.C1 e consultável em www.dgsi.pt, também entendemos que: “A suspensão da prescrição não depende da prolação de despacho que a determine mas apenas da objectiva verificação da circunstância legal que a desencadeia”.
Despacho que, no caso concreto, até foi proferido, como resulta de fls. 162, no final do qual mais foi decidido: “Assim, fiquem os autos a aguardar a cessação do impedimento referido.

Portanto, no caso em apreço, o procedimento criminal não pode prosseguir por falta da devida autorização legal e da imunidade prevista no 14.°, n.º 1, da Lei n.º 31/84, de 6 de Setembro (Estatuto dos Membros do Conselho de Estado) conferidas ao arguido  na reunião do Conselho  de Estado  realizada  no já  mencionado dia 15 de Abril de 1997.

Não autorização da suspensão do membro do Conselho de Estado do Dr. AA” que foi reafirmada a 15 de Fevereiro de 2005 pelo ofício do Conselho de Estado constante de fls. 169.

Mantiveram-se os autos suspensos, até que, por nova solicitação do Tribunal a quo, motivada pelo requerimento do assistente BB de fls. 181, o Conselho de Estado, como resulta do ofício deste de fls. 185, informou:

Lisboa, 13 de outubro de 2015

Assunto: V. Referência 40640326, de 05-10-2015; Processo n.º
6l3/95.0TBFUN

Na sequência do ofício de V. Exa. supra identificado, informo que o Dr. AA foi exonerado do cargo de Presidente do Governo Regional da Madeira em 20 de abril de 2015, tendo sido substituído pelo Dr. FF, o qual tomou posse como membro do Conselho de Estado a 23 de abril de 2015, nos termos da alínea e) do artigo 2.° da Lei n.º 31/84, de 6 de setembro.”

Faz-se aqui novo parêntesis para se assinalar o seguinte:

Veio também o arguido, pelo seu requerimento de 14 de Junho de 1996, a fls. 155, invocar a sua qualidade de membro de Governo Regional, requerendo, “por força do disposto no artº 46º, nº 2, da Lei 13/91, de 5 de Junho, seja oficiado à Assembleia Regional da Madeira, para que decida se deve ou não ser suspenso para ser submetido a julgamento.”

Tal requerimento não chegou a ser deferido ou indeferido, por um lado, “dado que não é previsível que o julgamento se venha a realizar antes das próximas eleições regionais” e também porque se estava a aguardar resposta do Conselho de Estado, e sendo esta, como o foi, no sentido do não levantamento da imunidade, verificando-se a suspensão do prosseguimento dos autos pela pertença, como membro, desse órgão constitucional, pouco importaria encontrar, nesse momento, outra causa de suspensão, até porque, no caso concreto, o ser o arguido membro do Conselho de Estado resultava, como vimos, de ser Presidente do Governo Regional da RAM, tudo como parece resultar da tomada de posição do Ministério Público de fls. 156 e do despacho judicial que se lhe seguiu nessa mesma folha do processado dos autos.

Relativamente a este referido prazo de suspensão da contagem da prescrição, a lei estabelece, ao contrário do que sucede nos casos das outras alíneas art. 119.º, que o seu termo será o “dia em que cessar a causa da suspensão” (n.º 3), isto é, quando houver autorização legal para o prosseguimento criminal ou cessar a causa da suspensão.
A causa da suspensão cessou no dia 20 de Abril de 2015, data da cessação por parte do arguido das funções de membro do Conselho de Estado (cfr. oficios de fls. 185 e 194 dos autos).
Importa ainda ter presente o disposto no n.º 3 do art. 120.º do Cód. Penal de 82: “A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.”

Da conjugação de todas estas normas resulta que a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá, no caso dos autos, no prazo de sete anos e meio contados desde a consumação do crime, ressalvado o período de suspensão de 15 de Abril de 1997 a 20 de Abril de 20 15.
Isto é, ressalvado o período de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, decorreram apenas pouco mais de cerca de 2 anos e 11 meses dos 7 anos e 6 meses admissíveis para o prosseguimento criminal.
Não se mostra, pois, prescrito o procedimento criminal instaurado contra o arguido.
Alega ainda o arguido, na sua 10ª conclusão, que: “Passados 22 anos deixou de haver qualquer legitimidade punitiva, sendo que o recorrente não pode ser prejudicado pela falta de autorização do Conselho de Estado, por via de deliberação a que foi alheio.”
Fácil será de perceber que passados 22 anos sobre a data da prática dos factos não se irá porventura julgar o mesmo homem. O arguido à data da prática dos factos contava 51 anos de idade, estava profissionalmente ativo, desempenhando não só as funções de Presidente do Governo Regional da Madeira e de membro do Conselho de Estado, como diversos outros cargos públicos da maior relevância internacional e nacional na hierarquia do Estado, que o próprio elencou no seu requerimento de fls. 111, sendo que presentemente tem 73 anos de idade e já se encontra reformado, segundo o próprio exarou no último TIR prestado (fls. 219).
A sociedade com o decurso do tempo sob a prática de ilícitos penais vai diminuindo de intensidade no objetivo e necessidade de perseguir e punir os seus autores, daí a natureza do próprio instituto da prescrição, com prazos tanto mais curtos quanto menor a gravidade do crime e correlativa pena associada. Porém, se o legislador quisesse, e não quis, teria na contagem dos prazos máximos prescricionais incluído e não excluído os períodos de tempo de suspensão, mormente nos casos, como o presente, em que tal suspensão vigorava e decorria por força de imunidade que não foi levantada.
E podemos compreender tal razão à luz de se evitarem situações de manifesta e total impunidade por parte dos titulares dos mais altos cargos políticos da Nação, que seriam porventura mais facilmente levados a cometer pequenos delitos acobertados por imunidade que sabem dificilmente será afastada e que se pode vir a prolongar no tempo, perante a previsibilidade de quase segura reeleição popular numa época, como a dos autos, em que nem sequer havia limitação relativamente ao número de mandatos, logo contando com uma inevitável prescrição do procedimento criminal. 
Os tempo decorrido desde a data da prática dos factos será, isso sim, obviamente elemento de devida ponderação em sede de escolha e determinação da medida da pena se, provados os factos de que é acusado o arguido e se for considerado que estes integram o crime pelo qual está pronunciado, sem que possam operar quaisquer circunstâncias que justifiquem a sua ilicitude ou excluam a sua culpa, vier, pelo cometimento dos mesmos, a ser condenado, sendo até motivo legal para eventual atenuação especial da pena, como resulta do art. 72.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do Cód. Penal.
Resta, por fim, dizer que também não se afigura a este Tribunal ad quem, na esteira das posições da Digna Magistrada do Ministério Público e da Mmª Juíza de primeira instância, que o regime decorrente do Cód. Penal de 95 se mostre mais favorável ao arguido, não sendo - por isso - aplicável ao caso dos autos nos termos do art. 2.º, n.º 4 do Código Penal, porquanto o n.º 6 do art. 120.º vigente mantém intacto o entendimento plasmado no n.º 3 do art. 119.° do Cód. Penal de 82, ao estipular que “a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de  suspensão”.

O referido normativo contempla a situação descrita na al. a) do n.º 1 do art. 120.º, já que as demais alíneas no n.º 1 tem um tratamento específico nos n.º 2 a 4 do mesmo normativo.

Pelo exposto é de manter a decisão recorrida, embora com fundamentos não totalmente coincidentes, a qual, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não violou quaisquer disposições legais, mormente os “artigos 29º, nº 4., 50º e 142º da C.R.P., nº 2., do artº 64º do Estatuto Político-Administrativo da RAM, nº 2., do artº 16º da Lei nº 31/84, os artºs 20º e 26º do Dec-Lei nº 85-C/75, na redacção então vigente, e ainda o artº 114º, nº 3., do CPenal de 1982 e artºs 112º e 115º do actual Código Penal”, sendo certo que, nem no corpo da motivação, nem nas conclusões formuladas o recorrente faz qualquer esforço argumentativo que excedesse a simples invocação de tais normas, para a demonstração da pretendida violação, lembrando-se aqui que o mencionado art. 29.º, n.º 4, da C.R.P. estabelece que: “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”, enquanto que o art. 50.º da Lei Fundamental preceitua que: “1 - Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.Ver jurisprudência 2 - Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos.Ver jurisprudência 3 - No acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.Ver jurisprudência”, questões que nem se colocam nos autos na presente fase, e, finalmente, no art. 142.º da Constituição apenas se elenca a Composição do Conselho  de Estado e se indica quem preside a esse órgão.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, apenas se impondo agora designar nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento, por a ali indicada e a designada a fls. 283, para além de estarem manifestamente ultrapassadas, foram, entretanto, dadas sem efeito e a realização da audiência de discussão e julgamento adiada sine die aguardando a decisão do presente recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por vinte e oito páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do CPP)

Lisboa, 27 de Outubro de 2016

Calheiros da Gama

Antero Luís