Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CALHEIROS DA GAMA | ||
Descritores: | ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA DIREITO DE QUEIXA CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO DESISTÊNCIA DA QUEIXA COMPARTICIPAÇÃO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL IMPEDIMENTO IMUNIDADE PENAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/27/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | A sociedade com o decurso do tempo sob a prática de ilícitos penais vai diminuindo de intensidade no objetivo e necessidade de perseguir e punir os seus autores, daí a natureza do próprio instituto da prescrição, com prazos tanto mais curtos quanto menor a gravidade do crime e correlativa pena associada. Porém, se o legislador quisesse, e não quis, teria na contagem dos prazos máximos prescricionais incluído e não excluído os períodos de tempo de suspensão, mormente nos casos, como o presente, em que tal suspensão vigorava e decorria por força de imunidade que não foi levantada pelo Conselho de Estado. E podemos compreender tal razão à luz de se evitarem situações de manifesta e total impunidade por parte dos titulares dos mais altos cargos políticos da Nação, que seriam porventura mais facilmente levados a cometer pequenos delitos acobertados por imunidade que sabem dificilmente será afastada e que se pode vir a prolongar no tempo, perante a previsibilidade de quase segura reeleição popular numa época, como a dos autos, em que nem sequer havia limitação relativamente ao número de mandatos, logo contando com uma inevitável prescrição do procedimento criminal. (sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No processo comum n.º 613/95.0TBFUN, da Comarca da Madeira – Instância Local do Funchal – Secção Criminal – J3, em que é arguido AA, melhor id. nos autos a fls. 219 (TIR prestado a 3 de Março de 2016), foi, em 1 de Abril de 2016, proferido despacho judicial designando o dia 3 de Junho deste ano para a realização da audiência de discussão e julgamento, depois de no mesmo, constante de fls. 255 a 267, ter decidido serem improcedentes todas as questões prévias que o arguido suscitou, as quais, no seu entender, determinariam o arquivamento dos autos.
2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: Termos em que deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogado o douto despacho recorrido, com legais consequências, tudo como é de Direito de Justiça." (fim de transcrição).
3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 310.
4. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "Deve negar-se provimento ao recurso; Manter -se o do douto despacho que conheceu e indeferiu as questões prévias suscitadas pelo recorrente e designou data para a realização de audiência de julgamento. Vossas Excelências, porém, melhor apreciarão, Fazendo, como sempre, Justiça." (fim de transcrição).
Respondeu também o assistente BB igualmente defendendo a confirmação do decidido, nos termos constantes de fls. 308 e v.º, que aqui, para todos os efeitos, se dão por integralmente reproduzidos.
5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, afirmando aderir à posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância (cfr. fls. 347).
6. Foi cumprido, oficiosamente, o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo o recorrente reiterado a posição assumida no recurso (cfr. fls. 352).
7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP). As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese e socorrendo-nos, em parte, da sua própria sistematização, as seguintes:
2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que é do seguinte teor: "Requerimento de fls. 229 e seguintes, junto aos autos no dia 31/03/2016: Da leitura do requerimento apresentado pelo arguido retira-se que o mesmo pretende que seja adiado ou dado sem efeito o julgamento designado. Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese, o seguinte: 1- Que se encontra extinto o direito de queixa; 2- Que se extinguiu, por prescrição, o procedimento criminal; 3- Que devido à complexidade das questões suscitadas, não há tempo útil para a apreciação do teor do requerimento apresentado. A primeira questão invocada, pode subdividir-se em duas subquestões, uma primeira relativa à falta de queixa propriamente dita, uma outra relativa à falta de queixa relativa aos comparticipantes. (…) Concluímos que o direito de queixa foi válida e tempestivamente exercido de uma forma inequívoca, por quem para tal tinha legitimidade, por ser o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. (…)
3. Vejamos se assiste razão ao recorrente.
3.1. Começa o arguido AA por alegar que nos autos estão apenas em causa crimes particulares, como tal dependentes de queixa, a ser necessariamente apresentada, no prazo de seis meses, pelo próprio ofendido ou por Advogado com poderes especiais para o efeito, o que não aconteceu, no caso dos autos, tendo assim caducado o direito de queixa. Ora, como de resto na própria decisão recorrida se assinala, no dia 1 de Fevereiro de 1995, o ofendido BB foi admitido a intervir nos autos como assistente (cfr. fls. 48) e, nessa qualidade, foi inquirido no dia 13 de Fevereiro de 1995, como se alcança do auto de inquirição de fls. 50, momento em que “confirmou na íntegra a teor da participação de fls. 2 e verso dos autos por corresponder à verdade.” Ou seja, que queria participar criminalmente contra AA enquanto autor dos escritos por si redigidos e publicados nas edições do “Jornal CC” de 23 e 26 de Novembro de 1994, artigos que, na opinião de BB “contêm palavras, afirmações ou juízos dirigidos ao requerente, ofensivos da sua honra e consideração. – O autor dos escritos, bem sabendo disso que e que aqueles seus comportamentos eram punidos por lei, constituindo crimes, não se absteve deles. Porque assim deseja e requer o queixoso que se proceda criminalmente contra o autor dos mesmos escritos” (sic in fls. 2 e vº). Estavam, então (13 de Fevereiro de 1995), decorridos menos de três meses sobre a data da prática dos factos em apreço nos autos, cometidos, como dissemos, em 23 e 26 de Novembro de 1994, logo dentro do prazo de seis meses que a lei lhe impunha para tempestivamente ser formalizada a queixa-crime e por quem tinha legitimidade para o efeito. Assim, mesmo sem necessidade de se apreciar se o advogado - que dispunha e juntou “PROCURAÇÃO” com “os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos” (vd. fls 37) – ao apresentar em 3 de Janeiro de 1995 a queixa-crime de fls. 2 tinha ou não poderes para o fazer, com a subsequente intervenção nos autos do ofendido BB, nos termos em que o fez e com o que então declarou, a questão nem sequer tem razão de existir. Com efeito, se falta de competente e legal queixa havia, à data de 13 de Fevereiro de 1995, passou a mesma a estar devidamente formalizada e/ou ratificada, quando iam tão-só decorridos dois meses e alguns dias dos seis meses de que dispunha para o ofendido BB o fazer. Mas mesmo que assim não se entenda, a haver qualquer nulidade esta não seria insanável (vd. art. 119.º, a contrario, do CPP), mas dependeria da sua tempestiva arguição o que in casu não sucedeu, pois, “tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução” está terá de ser invocada “até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito”, como resulta do preceituado na conjugação dos n.°s 2, alínea d), e 3, alínea c) do art. 120.º do CPP. Pelo que bem andou a decisão recorrida no tratamento desta questão e ao afirmar a dado-passo: “Neste ponto, diremos desde logo que relativamente à alegada falta de ratificação da queixa, esta questão teria que ser levantada no seu momento próprio, no requerimento de abertura de instrução ou em sede de reclamação hierárquica após o acompanhamento da acusação particular pelo Ministério Público. Tal não sucedeu. Com efeito, a referida nulidade, como refere o arguido, a ter existido está sanada, por não ter sido tempestivamente arguida.” (fim de transcrição). Destarte, improcede o recurso neste segmento.
3.2. Mais alega o arguido AA que a falta de apresentação da queixa e da dedução de acusação (particular) contra o então Diretor do Jornal CC, tem como consequência o arquivamento do procedimento criminal relativamente aos demais comparticipantes nesse crime, prejudicando a realização de julgamento. Com efeito, como doutamente expendeu o Ministério Público na sua resposta ao recurso e também mui acertadamente se exarou na argumentação da decisão recorrida, nos crimes de natureza particular em que é denunciada ab initio uma situação de comparticipação, nem sempre será deduzida acusação particular contra todos os comparticipantes, sem que ta1 constitua uma renúncia tácita ao exercício do direito de queixa ou uma desistência de queixa. Na realidade, tanto nos casos em que o procedimento criminal dependa de acusação particular como nos casos dos crimes de outra natureza, estão ressalvados os casos em que a omissão do assistente seja justificada pela circunstância de ele concluir pela inexistência de indícios suficientes para deduzir acusação contra essa pessoa. 1. (...) 2. Nas publicações periódicas são criminalmente responsáveis, sucessivamente: a) O autor do escrito ou imagem, se for susceptível de responsabilidade, salvo nos casos de reprodução não consentida, nos quais responderá quem a tiver promovido, e o director do periódico ou seu substituto legal, como cúmplice, se não provar que não conhecia o escrito ou imagem publicados ou que não lhe for possível impedir a publicação; b) O director do periódico ou seu substituto legal, no caso de escritos ou imagens não assinados ou de o autor não ser susceptível de responsabilidade, se não se exonerar da responsabilidade na forma prevista na alínea anterior, c) O responsável pela inserção, no caso de escritos ou imagens não assinados publicados sem conhecimento do director ou seu substituto legal ou quando a estes não foi possível impedir a publicação. 3. Para os efeitos de responsabilidade criminal, o director do periódico presume-se autor de todos os escritos não assinados e responderá como autor do crime, se não se exonerar da sua responsabilidade, pela forma prevista no número anterior. 4. Os membros do conselho de redacção, quanto ás matérias em que este disponha de voto deliberativo, serão responsáveis nos mesmos termos do director, salvo se provarem não ter participado na deliberação ou se houverem votado contra ela. 5. Os técnicos, distribuidores e vendedores não são responsáveis pelas publicações que imprimirem ou venderem no exercício da sua profissão, excepto no caso de publicações clandestinas apreendidas ou suspensas judicialmente, se se aperceberem do carácter criminoso do seu acto. (fim de transcrição). Termos em que, também neste particular, o recurso não pode lograr provimento. O arguido AA, como resulta de fls. 112 a 115, foi, em 12 de Outubro de 1995, pronunciado como autor de um crime de abuso de liberdade de imprensa previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 26.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, e 164.º, n.º 1, e 167.º, n.° 2, do Código Penal de 1982 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro), e à data da decisão instrutória p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal vigente. O artigo 164.º do Código Penal, à data dos factos, preceituava: «1. Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias. 2. O agente não será punido: a) Quando a imputação for feita para realizar o interesse publico legitimo ou por qualquer outra justa causa, e b) Prove a verdade da mesma imputação ou tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira. 6. A boa fé exclui -se quando o agente não tiver cumprido o dever da informação, que as circunstancias do caso impunham, sobre a verdade da imputação. (fim de transcrição). «Consideram-se crimes de abuso de liberdade de imprensa os actos ou comportamentos lesivos de interesse jurídico penalmente protegido que se consumam pela publicação de textos ou imagens através da imprensa.» Efetuado o cotejo do direito substantivo aplicável na data dos factos, verifica-se que o crime indiciariamente imputado ao arguido é punido, em abstrato, com pena de prisão até dois anos e multa até 240 dias. 1. Os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 166.º, 181.°, 182.º e 411.º do Código Penal consumam-se com a publicação do escrita ou imagem em que haja injúria, difamação ou ameaça contra as pessoas aí indicadas. 2. A publicação, pela imprensa, da injúria, difamação ou ameaça contra as autoridades públicas considera-se como feita na presença delas.
Importa, pois, rever o regime previsto para os prazos de prescrição do procedimento criminal do Cód. Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, lei em vigor na data dos factos vertidos na acusação, e que era o constante dos artigos 117.º a 120.º, cuja redação integral foi feita na decisão recorrida, que supra deixámos transcrita, e aqui se dá nessa parte de novo por integralmente reproduzida, para, por economia de texto, nos não repetirmos (vd. páginas 10 e 11 do presente acórdão). Assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos da al. c) do n.º 1 do supra citado art. 117.º do Cód. Penal de 82. Entretanto, ocorreu uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal. Com efeito, nos termos do art. 119.º, n.º 1, alínea a), do Cód. Penal de 82, a prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que, “O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal (...)” Compulsados os autos verifica-se que, em 10 de Novembro de 1995, na sequência de requerimento do arguido de fls. 141, foi prolatado o douto despacho de fls. 147, que determinou que se oficiasse ao Conselho de Estado, atento o disposto nos artigos 2.º, al. e) e 14.º, n.º 2 da Lei n.º 31/84, de 6 de Setembro, a fim de que o referido órgão decidisse se, para efeitos de prosseguimento dos autos, suspendia ou não o arguido de membro de Conselho de Estado, funções que detinha por inerência do cargo de Presidente do Governo Regional da Madeira de que então era titular (vd. art. 2.º, al. e) da Lei n.º 31/84 - Estatuto dos membros do Conselho de Estado). E era esse, e não antes, o exato momento processual em que tal questão se devia suscitar em vista da suspensão do processo, atento o disposto em matéria de “Imunidades” no n.º 2 do artigo 14.º (epigrafado “Inviolabilidade”) do referido Estatuto dos membros do Conselho de Estado (Lei n.º 31/84) onde se estabelece: “Movido procedimento criminal contra algum membro do Conselho de Estado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, o Conselho decidirá se aquele deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.” Com efeito, o arguido AA só em 12 de Outubro de 1995, como resulta de fls. 112 a 115, havia sido indiciado definitivamente por despacho de pronúncia, tudo como resulta de fls. 112 a 115. Alega o recorrente na sua 9ª conclusão que: “Todo o procedimento desencadeado e diligências realizadas nos autos sem a prévia autorização do Conselho de Estado e da Assembleia Legislativa da Madeira implica a sua inexistência, não podendo relevar para efeito de suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento criminal.” Tal alusão é inteiramente correta quando interpretada relativamente a todos os procedimentos desencadeados e diligências realizadas após ficar indiciado definitivamente por despacho de pronúncia, atenta a moldura da pena que em abstrato cabe ao crime pelo qual ficou pronunciado e o que estabelece quanto a imunidades o Estatuto dos membros do Conselho de Estado. Já não o será, porém, se interpretada com referência aos procedimentos desencadeados e diligências realizadas ao longo do inquérito e instrução até à pronúncia, relativamente aos quais não gozava o arguido de qualquer imunidade. Feito este parêntesis dir-se-á que, em resposta ao mencionado oficio do Tribunal a quo, o Conselho de Estado informou os autos que, “na sua reunião do dia 15 de Abril de 1997, deliberou não autorizar a suspensão de membro do Conselho de Estado o Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. AA, para efeitos de prosseguimento do processo comum singular n.º 613/95, em que é arguido” (cfr. oficio de fls. 159). Portanto, no caso em apreço, o procedimento criminal não pode prosseguir por falta da devida autorização legal e da imunidade prevista no 14.°, n.º 1, da Lei n.º 31/84, de 6 de Setembro (Estatuto dos Membros do Conselho de Estado) conferidas ao arguido na reunião do Conselho de Estado realizada no já mencionado dia 15 de Abril de 1997. “Não autorização da suspensão do membro do Conselho de Estado do Dr. AA” que foi reafirmada a 15 de Fevereiro de 2005 pelo ofício do Conselho de Estado constante de fls. 169. Mantiveram-se os autos suspensos, até que, por nova solicitação do Tribunal a quo, motivada pelo requerimento do assistente BB de fls. 181, o Conselho de Estado, como resulta do ofício deste de fls. 185, informou: “Lisboa, 13 de outubro de 2015 Assunto: V. Referência 40640326, de 05-10-2015; Processo n.º Na sequência do ofício de V. Exa. supra identificado, informo que o Dr. AA foi exonerado do cargo de Presidente do Governo Regional da Madeira em 20 de abril de 2015, tendo sido substituído pelo Dr. FF, o qual tomou posse como membro do Conselho de Estado a 23 de abril de 2015, nos termos da alínea e) do artigo 2.° da Lei n.º 31/84, de 6 de setembro.” Faz-se aqui novo parêntesis para se assinalar o seguinte: Veio também o arguido, pelo seu requerimento de 14 de Junho de 1996, a fls. 155, invocar a sua qualidade de membro de Governo Regional, requerendo, “por força do disposto no artº 46º, nº 2, da Lei 13/91, de 5 de Junho, seja oficiado à Assembleia Regional da Madeira, para que decida se deve ou não ser suspenso para ser submetido a julgamento.” Tal requerimento não chegou a ser deferido ou indeferido, por um lado, “dado que não é previsível que o julgamento se venha a realizar antes das próximas eleições regionais” e também porque se estava a aguardar resposta do Conselho de Estado, e sendo esta, como o foi, no sentido do não levantamento da imunidade, verificando-se a suspensão do prosseguimento dos autos pela pertença, como membro, desse órgão constitucional, pouco importaria encontrar, nesse momento, outra causa de suspensão, até porque, no caso concreto, o ser o arguido membro do Conselho de Estado resultava, como vimos, de ser Presidente do Governo Regional da RAM, tudo como parece resultar da tomada de posição do Ministério Público de fls. 156 e do despacho judicial que se lhe seguiu nessa mesma folha do processado dos autos. Relativamente a este referido prazo de suspensão da contagem da prescrição, a lei estabelece, ao contrário do que sucede nos casos das outras alíneas art. 119.º, que o seu termo será o “dia em que cessar a causa da suspensão” (n.º 3), isto é, quando houver autorização legal para o prosseguimento criminal ou cessar a causa da suspensão. Da conjugação de todas estas normas resulta que a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá, no caso dos autos, no prazo de sete anos e meio contados desde a consumação do crime, ressalvado o período de suspensão de 15 de Abril de 1997 a 20 de Abril de 20 15. O referido normativo contempla a situação descrita na al. a) do n.º 1 do art. 120.º, já que as demais alíneas no n.º 1 tem um tratamento específico nos n.º 2 a 4 do mesmo normativo. Pelo exposto é de manter a decisão recorrida, embora com fundamentos não totalmente coincidentes, a qual, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não violou quaisquer disposições legais, mormente os “artigos 29º, nº 4., 50º e 142º da C.R.P., nº 2., do artº 64º do Estatuto Político-Administrativo da RAM, nº 2., do artº 16º da Lei nº 31/84, os artºs 20º e 26º do Dec-Lei nº 85-C/75, na redacção então vigente, e ainda o artº 114º, nº 3., do CPenal de 1982 e artºs 112º e 115º do actual Código Penal”, sendo certo que, nem no corpo da motivação, nem nas conclusões formuladas o recorrente faz qualquer esforço argumentativo que excedesse a simples invocação de tais normas, para a demonstração da pretendida violação, lembrando-se aqui que o mencionado art. 29.º, n.º 4, da C.R.P. estabelece que: “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”, enquanto que o art. 50.º da Lei Fundamental preceitua que: “1 - Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos. 2 - Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos. 3 - No acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.”, questões que nem se colocam nos autos na presente fase, e, finalmente, no art. 142.º da Constituição apenas se elenca a Composição do Conselho de Estado e se indica quem preside a esse órgão.
III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, apenas se impondo agora designar nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento, por a ali indicada e a designada a fls. 283, para além de estarem manifestamente ultrapassadas, foram, entretanto, dadas sem efeito e a realização da audiência de discussão e julgamento adiada sine die aguardando a decisão do presente recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s. Notifique nos termos legais. (o presente acórdão, integrado por vinte e oito páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do CPP) Lisboa, 27 de Outubro de 2016 Calheiros da Gama Antero Luís
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