Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3175/13.5TBSXL.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: . A interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada”, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade).
2. Em caso de disputa submetida à apreciação de um Tribunal, por força do estatuído nos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa, está garantido com força obrigatória directa e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República), a todas as entidades com legitimidade para intervir na lide, o direito a um julgamento leal, não preconceituoso (fair and unbiased trial) e mediante processo equitativo.
3. Não viola o princípio geral da igualdade dos credores enunciado no art.º 194º do CIRE, o acordo de revitalização dos devedores que define formas mais favoráveis de pagamento da dívida do credor que representa 75,439228 % dos débitos aprovados no processo de revitalização e é credor hipotecário, porque, para além desse crédito, dada essa especial garantia de que goza, ser objectivamente muito distinto dos demais, sem a aprovação do plano criticado, que acarretaria a insolvência dos devedores, os demais credores muito dificilmente poderiam obter o ressarcimento de qualquer porção do rédito cujo pagamento lhes é devido, solução esta que dá cabal satisfação ao princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 335º do Código Civil, e é totalmente conforme às finalidades éticas, sociais e económicas de todos os direitos sob escrutínio.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. PD e AC submeteram-se voluntariamente a processo especial de revitalização que, sob o n.º …, foi tramitado pelo 1º Juízo Cível do Tribunal do Seixal e no qual foi, em 26 de Setembro de 2013, proferida a seguinte sentença que aqui se transcreve na íntegra:
“Não tendo sido dirigidas impugnações contra a lista provisória de créditos no decurso dos 5 (cinco) dias úteis posteriores à sua publicação no portal Citius, declaro que a lista se converteu em definitiva (art.º 17.º-D, n.º 4, do CIRE).
* * *
PD, contribuinte fiscal n.º 199 965 927, e AC, casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos e ambos residentes na travessa de João de Santarém, n.º 1 - 1º andar, Porta 4, C.., S, vieram submeter-se a processo especial de revitalização.
Foi nomeada administradora judicial provisória e foi apresentada a lista provisória de créditos, entretanto convertida em definitiva.
Após o termo do prazo de 5 (cinco) dias úteis legalmente previsto para a impugnação da lista de credores, teve início o período de 2 (dois) meses de negociações.
O prazo para impugnações iniciou-se no dia 03.07.2013 (tendo presente a publicação da lista no dia 02.07.2013 – cfr. fls. 62) e alcançou o seu terminus no dia 09.07.2013, após o que se iniciou, no dia seguinte, o aludido período de negociações, nos termos previstos no art.º 17.º-D, n.º 3 a n.º 11, do CIRE.
Assim o prazo de negociações começou no dia 10.07.2013 e terminou no dia 10.09.2013, o que sucedeu sem que fosse alcançado acordo, pelo que teve lugar a comunicação a que alude o art.º 17.º-G, n.º 1, do CIRE.
Nessa sequência e nos termos do disposto no art.º 17.º-F, n.º 2 e n.º 1, do CIRE, foi remetido ao tribunal o plano de recuperação, a fim de ser submetido a decisão de homologação ou de não homologação.
E o plano de recuperação considera-se aprovado quando recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos já declarada definitiva, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida, e efectuando-se a votação por escrito, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação (cfr. art.ºs 17.º-F, n.º 3 e n.º 4, 211.º, 212.º e 73.º, todos do CIRE).
No caso que nos ocupa, o total dos créditos reclamados (lista de fls. 61 ou 73) ascende ao montante global de € 109.561,73, correspondendo um voto a cada € 1,00 ou fracção (o que equivale ao total de 109.562 votos), tendo ainda presente que todos os credores têm direito de voto (cfr. art.ºs 73.º e 212.º, n.º 1 e n.º 2, ex vi art.º 17.º-F, n.º 3, todos do CIRE).
Na situação a decidir, os três credores que participaram nas negociações representam claramente mais de um terço do total dos créditos com direito de voto, pois os créditos que reclamaram ascendem ao valor total de € 109.020,32 (a que corresponderão 109.021 votos), assim se tendo obtido o necessário quórum de um terço do total dos créditos com direito de voto.
E votaram aqueles credores da seguinte forma:
a) O credor «Banco S.. .., S.A.», com o direito a 73.448 votos, votou favoravelmente a aprovação do plano de recuperação;
b) O credor «B.. B. …», com o direito a 6.967 votos, votou contra a aprovação do plano de recuperação;
c) O credor «C…», com o direito a 28.607 votos, votou contra a aprovação do plano de recuperação.
Terá, pois, que se considerar aprovado o plano, pois foi aceite por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e por mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, o qual vincula os devedores e todos os credores, mesmo que não tenham participado nas negociações (cfr. art.ºs 17.º-F, n.º 3 a n.º 6, 211.º, 212.º e 73.º, todos do CIRE).
Atento quanto ficou exposto, homologo por sentença o plano de recuperação aprovado.
Registe, notifique e publicite nos termos previstos pelo art.º 17.º-F, n.º 6, em conjugação com as disposições dos art.ºs 37.º e 38.º, do CIRE.
Custas pelos requerentes - art.º 17.º-F, n.º 7, do CIRE.” (sic).

Inconformada com essa decisão, a Credora “C…” dela recorreu, rematando as suas alegações com o pedido de que seja “…revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo de homologação do plano de recuperação apresentado” (sic), e formulando, para tanto, as seguintes 20 conclusões:
A. Em Junho de 2013, os devedores - em conjunto com um dos Credores - manifestaram a sua vontade expressa de encetarem negociações conducentes à revitalização, por meio da aprovação de um plano de recuperação, tendo intentado um Processo Especial de Revitalização nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE.
B. Nessa sequência, e em cumprimento da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE, o Tribunal proferiu despacho de nomeação da Exma. Sra. Drª CA na qualidade de Administradora Judicial Provisória, cujo anúncio foi publicado no Portal Citius em 05/06/2013.
C. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 17.º-D do CIRE, a Credora C.(Sucursal da S.A. Francesa) reclamou créditos no valor de € 26.414,99 (vinte e seis mil quatrocentos e catorze euros e noventa e nove cêntimos) dentro do prazo legal para esse efeito.
D. Os créditos da C.. foram reconhecidos e devidamente incluídos na lista provisória de créditos apresentada pela Exma. Sra. Dra. CA na secretaria do douto Tribunal e publicada em Portal Citius (cfr. n.º 3 do artigo 17.º-D do CIRE).
E. Por e-mail datado de 12/09/2013, veio a Senhora Administradora Judicial Provisória informar os autos sobre as negociações e resultado da votação tendo concluído que “Uma vez reunido o quórum constitutivo, verificou-se que o número de votos favoráveis ultrapassou a maioria de 2/3 dos votos emitidos, razão pela qual se considera aprovado o presente plano de revitalização”.
F. Do PER aprovado consta um plano de regularização dos créditos garantidos – reclamados pelo Banco ST – com o “(…) pagamento da totalidade dos créditos, de acordo o contrato de financiamento em vigor, nomeadamente no que concerne ao prazo e taxa de juro, com manutenção das garantias prestadas.”.
G. Por outro lado, procedem os devedores a uma diferenciação entre os diversos créditos comuns.
H. Com efeito, propõem o pagamento de 20% do valor total dos créditos, em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, salvo para os créditos do credor Banco ST.
I. Ao referido Credor foi proposto - e posteriormente aprovado - “(…) o pagamento da totalidade da dívida, em 120 prestações, mensais, iguais e sucessivas, e taxa de juro de 2,0% (…)”. (Sublinhado da ora Signatária)
J. Ora, inexiste qualquer razão plausível para a diferenciação entre os créditos comuns do ST e os dos restantes credores comuns.
K. Na verdade, o princípio da igualdade aplica-se ao Plano Especial de Revitalização (cfr. artigo 194.º, aplicado ex vi do artigo 17.º-F, n.º 5, parte final, ambos do CIRE).
L. A diferenciação dos credores apenas seria admissível se devidamente justificada por razões objectivas, sob pena de violação do princípio da igualdade (cfr. artigo 194.º do CIRE).
M. Os motivos pelos quais o Credor S. T.. foi “beneficiado” neste plano de recuperação prendem-se única e exclusivamente a razões estratégicas e de elevado grau de subjectividade.
N. Pelo exposto, e ao abrigo do artigo 215.º do CIRE, deveria ter o tribunal a quo decidido pela não homologação do Plano Especial de Revitalização porquanto do mesmo consta uma violação inequívoca e não negligenciável das regras procedimentais, maxime o príncipio da igualdade entre os credores,
O. o que não ocorreu,
P. motivo pelo qual se viu a Credora C.. forçada a lançar mão do presente expediente para fazer valer o próprio espírito do legislador quando consagrou o princípio do ‘par conditio creditorum’ como pilar do diploma que rege as presentes questões, vulgo CIRE.
Q. Bem sabiam os devedores que qualquer inflexibilidade do Credor hipotecário (e comum) S. T. resultaria numa não aprovação do plano, com a eventual conclusão do PER com a sua declaração de insolvência.
R. Sendo certo que o processo de insolvência entende os credores como protagonistas (visando a sua satisfação), o processo especial de revitalização centra-se nos devedores e na sua revitalização.
S. No entanto, tal “mudança de foco” não poderá induzir a que os devedores possam lançar mão de expedientes que visem única e exclusivamente os seus interesses e os dos credores que terão maior percentagem de votos no plano.
T. Pelo exposto, deverá a decisão do tribunal a quo ser revogada no que concerne à homologação do Plano Especial de Revitalização por violação clara e inequívoca das disposições normativas referentes ao seu conteúdo.” (sic).

Os devedores requerentes contra-alegaram, pugnando pela integral confirmação da sentença recorrida, invocando nessa peça que:
“Não assiste qualquer razão à Recorrente.
Com efeito, entende a Recorrente que o “plano de recuperação” apresentado pelos Recorridos e homologado pela Meritíssima Juiz “a quo” viola o princípio da igualdade previsto no artigo 194º do CIRE.
Como é referido nas alegações de recurso e na própria lei, as diferenciações entre credores são admitidas se justificadas por razões objectivas.
E, reportando-nos ao caso “sub judice”, invoca a credora Recorrente que o tratamento dado pelo plano de recuperação ao credor “Banco ST, S.A.” enferma de ilegalidade, o que os Recorridos não aceitam.
 Com efeito, a diferenciação no pagamento ao “Banco ST, S.A.”, assenta em bases bem objectivas.
 Em primeiro lugar, importa salientar que a regra no processo especial de revitalização é a de privilegiar tudo o que não contrarie o interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação do interesse colectivo dos credores, a de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e assim, o de propiciar o êxito da revitalização do devedor.
E é, com este espírito que o artigo 17º F nºs 4 e 5 do CIRE faz aplicar os artigos 211º, 215º e 216º do CIRE” mas “com as necessárias adaptações”.
Ora, “O processo actual (PER) destina-se sobretudo a viabilizar a prossecução da actividade comercial e empresarial apoiando o devedor, por acordo dos credores relevantes, sendo que este acordo deve obter pelo menos maioria qualificada dos votos”.
“A igualdade aqui é garantida pela formação de uma vontade maioritária. Não se trata de igualdade absoluta no tratamento dos credores, permitindo-se diferenciações no tratamento, desde que fundamentadas em razões objectivas” - v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2013 nº 1008/12.9TYLSB.L1-8 in www.dgsi.pt
De igual forma, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2005 nº 5228/2007-7, igualmente em www.dgsi.pt , refere que “não se deve confundir principio da igualdade com igualitarismo formal”.
Quanto ao crédito do credor “Banco ST, S.A.” existem múltiplas razões objectivas para ter este modo de pagamento.
Em primeiro lugar por ser parceiro estratégico e inultrapassável dos Devedores, dado ser o seu único credor hipotecário.
Em segundo lugar o montante do seu voto foi e é fundamental para se obter o desiderato de aprovar o plano de recuperação homologado e assim, prosseguir e atingir a finalidade última do presente processo – a viabilização dos Devedores.
Com efeito, o credor “Banco ST, S.A.” representa cerca de €: 67,038% do universo dos credores dos Recorridos, conforme resulta da lista apresentada pela Sra. Administradora Judicial Provisória e que não foi alvo de qualquer impugnação.
Em terceiro lugar, sem esta configuração, o presente plano de recuperação não é viável nem exequível, pois os Recorridos não teriam meios financeiros para o cumprir.
Em quarto lugar, a Recorrente não tem qualquer tipo de tratamento desigual face aos restantes credores comuns, conforme resulta de folhas 10 do plano de recuperação.
Em quinto lugar, “objectivo e pertinente é o facto de uma tão larga maioria (de 73,44%) ter optado pela aprovação do plano” - neste sentido, remete-se novamente para o teor do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2005 nº 5228/2007-7.
Em sexto lugar, a situação de todos os credores é, de forma evidente, mais favorável com a homologação do plano de recuperação do que a situação a que interviria na sua ausência, pois a declaração de insolvência dos Recorridos levaria a que somente o credor hipotecário pudesse, porventura, receber algum pecúlio resultante da alienação da fracção autónoma propriedade dos recorridos.
Face a tudo quanto se expende, dúvidas não poderão existir sobre a legalidade de todo o procedimento bem como quanto ao teor do plano de recuperação apresentado, cuja homologação por parte da Meritíssima Juiz “a quo” não pode merecer qualquer reparo ou censura, por não violar o artigo 194º do CIRE nem tão pouco o artigo 215º do mesmo Código.
Acresce que a Recorrente nunca invocou, no decurso do processo em causa, qualquer situação prevista no nº 1 do artigo 216º do CIRE, pelo que o plano de recuperação apresentado pelos Recorridos, aprovado pelos credores com uma percentagem significativa e Doutamente homologado é respeitador escrupuloso dos artigos 194º, 215º e 216º do CIRE, aplicáveis por expressa remissão do artigo 17º F nº 5 do mesmo Código.” (sic).

Estes são, pois, os contornos da lide a dirimir.

2. Considerando o conteúdo das conclusões das alegações da ora apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias) a única questão a dirimir nesta instância de recurso é a seguinte:
- a decisão recorrida violou ou não o princípio geral da igualdade dos credores enunciado no art.º 194º do CIRE?

E sendo esta a matéria que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 652º a 670º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, e que, dada a data da prolação da decisão recorrida, é o aplicável face ao estatuído nos artºs 8º e 5º dessa Lei Preambular), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.

3. A decisão recorrida encontra-se integralmente transcrita no ponto 1. do presente acórdão.

4. Discussão jurídica da causa.
A decisão recorrida violou ou não o princípio geral da igualdade dos credores enunciado no art.º 194º do CIRE?
4.1. Ao iniciar a análise crítica da sentença criticada pela apelante e, concomitantemente, o mérito do recurso por ela interposto, importa acentuar que, uma vez que a sociedade “BANCO ST, SA”, que aprovou o plano de recuperação criticado, é detentora de um crédito que constitui 75,439228 % do valor total daqueles que foram relacionados na lista a que se referem os nºs 3 e 4 do art.º 17º-D do CIRE, a questão que neste momento cumpre apreciar é completamente de direito e não de facto - e, nessa matéria, o Tribunal é livre de aplicar e interpretar as normas jurídicas que regulam o conflito (art.º 5º n.º 2 do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, comando legislativo em tudo idêntico ao que estava consagrado no art.º 664º do CPC revogado por essa Lei Preambular), sendo certo que, na fundamentação do seu julgamento, haverá que ter sempre em conta que a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada”, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade).
Nesse julgamento têm igualmente de ser salvaguardados os elementares princípios que regem o julgamento leal e não preconceituoso (fair and unbiased) e mediante processo equitativo que a todos é assegurado e garantido, com força obrigatória directa e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República), pelos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa e também pela lei ordinária através das normas que compõem o Código de Processo Civil, em particular o Título I do Livro I desse diploma (que, como já enunciado, é o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).
 E, clarificados que estão os pressupostos ontológicos e legais que guiam o Tribunal na aferição do mérito (ou demérito) do recurso interposto pela apelante, urge, então, proceder à análise crítica da decisão que cumpre sindicar.
4.2. Do conteúdo dos presentes autos, resulta, de uma forma que é clara e evidente para um qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário (art.º 236º do Código Civil), que os Requerente da acção e ora apelados se encontram na situação económica difícil descrita no art.º 17º-B do CIRE, bem como que foi cumprido, na íntegra, o ritual processual estabelecido nos artºs 17º-C a 17º-F daquele mesmo Código, particularmente nos nºs 3 e 4 deste último comando legislativo (não se aplicando ao caso em apreço o disposto nos artºs 17º-G e 17º-I desse diploma legal).
E porque assim é, tendo em conta a finalidade do processo especial de revitalização enunciada no n.º 1 do art.º 17º-A do CIRE (a saber: “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.”), o único caminho que restava à apelante para inviabilizar a homologação do plano de recuperação aprovado pelo credor suficientemente maioritário era o de se socorrer da invocação da violação do princípio geral da igualdade dos credores enunciado no art.º 194º do CIRE, especialmente no seu n.º 1 - “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas” - e que, em conformidade com os princípios supra expostos e com uma razoabilidade lógica assente em argumentos de igualdade de razão, não se aplica apenas às insolvências.
Só que essas razões objectivas existem e são patentes no caso em análise.
Na verdade, o crédito detido pela credora “BANCO ST, SA” é, em parte essencial, hipotecário, logo gozando de garantias de pagamento substancialmente mais fortes que as legalmente colocadas à disposição dos credores comuns, como o são, aqui, a apelante e a sociedade “BB …”.
E esse é um facto objectivo.
Outrossim, como a própria apelante reconhece, na sua conclusão Q., «… qualquer inflexibilidade do Credor hipotecário (e comum) ST resultaria numa não aprovação do plano, com a eventual conclusão do PER com a sua declaração de insolvência», o que significa que, a não ser acolhida e satisfeita a vontade negocial dessa credora maioritária, ficaria necessariamente frustrada a possibilidade de atingir o objectivo fixado no já citado n.º 1 do art.º 17º-A do CIRE, com as nefastas consequências que decorreriam dessa declaração de insolvência não apenas para os devedores mas até para os próprios credores comuns, um deles a apelante, como bem acentuam os apelados.
Ou seja, forçada a insolvência dos devedores - qual vitória à Pirro - a apelada muito dificilmente poderia obter o ressarcimento de qualquer porção do rédito cujo pagamento lhes é devido, mercê da força da garantia reconhecida ao credor hipotecário.
E isso é também um facto objectivo que a apelante, na sua inflexibilidade - quiçá, teimosia - não quer reconhecer apesar do seu carácter evidente.
A não ser, o que não se aceita que seja o caso, que, qual imoral agiota, se pretenda apenas a destruição económica, emocional e psicológica dos devedores que seria um dos resultados que seguramente decorreriam da declaração de insolvência dos mesmos.
Essa não é, claramente, a vontade do Legislador e seguramente não é também a vontade da recorrente.
Ao invés, a solução consubstanciada na sentença recorrida, que aqui inteiramente se sufraga, é aquela que dá cabal satisfação ao princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 335º do Código Civil, e que é totalmente conforme às finalidades éticas, sociais e económicas de todos os direitos sob escrutínio.
4.3. E, por tudo o exposto, forçoso se torna julgar improcedente o recurso interposto pela apelante e confirmar, na íntegra, a sentença recorrida, quer quanto ao decreto judicial através dela prolado quer quanto à fundamentação, de facto e de direito do mesmo.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

*
5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela apelante e confirma-se, na íntegra, a sentença recorrida, quer quanto ao decreto judicial através dela prolado quer quanto à fundamentação, de facto e de direito, do mesmo.

Custas pela apelante.

Lisboa, 25/03/2014

Eurico José Marques dos Reis

Ana Maria Fernandes Grácio

Afonso Henrique Cabral Ferreira